31/12/2006

ESTA SEMANA

FIM DO ANO
Pois é: acabou-se mais um ano em que os portugueses trabalharam pouco e vai começar um outro em que terão de se aplicar mais, pois "não há alternativa ao trabalho árduo".
Provavelmente, estas palavras da autoria do senhor Sócrates, dirigem-se aos tais 57.000 novos trabalhadores que graças aos “bons serviços” do seu governo, têm agora a possibilidade de mostrarem aquilo que valem, já que os outros milhares (ainda por contabilizar) viram~se atirados para o desemprego ou pré-reformas de miséria, fruto do encerramento das empresas onde laboravam.
Não se sabe muito bem onde foi ele buscar este número de 57.000 novos postos de trabalho, a não ser que esteja a contar com as catedrais do consumo onde prolifera o trabalho mais que precário, com os vendedores de droga, já que o consumo subiu 17%, com os futebolistas estrangeiros que se naturalizaram portugueses, com pseudo actores e cantores das “florisbelas” ou com cangalheiros e coveiros, sector este que deverá ter um futuro risonho com as medidas governamentais com que somos brindados.
Mas haja alegria e esperança no futuro, pois enquanto o senhor Sócrates se anda a pavonear e a bronzear no Brasil, um dos seus ajudantes - secretário de estado - ao ser questionado sobre o aumento dos medicamentos e a diminuição das comparticipações, respondeu muito convictamente que os portugueses iriam gastar menos dinheiro com os mesmos em 2007.
Realmente a frieza e o cinismo do chefe já fez escola e o descaramento perpassa por toda aquela cambada de incompetentes.
Já agora, podem também dizer que os portugueses vão gastar menos dinheiro no próximo ano em electricidade, em transportes públicos, em alimentação, em calçado, em vestuário, etc. ou seja, em tudo, porque cada vez têm menos dinheiro disponível, já que com o aumento dos impostos e a inflação real (e não a que apregoam) pouco ou nada sobra para os bens essenciais, tendo como única solução deixarem de os consumir e passarem a andar mais a pé, que até é muito mais saudável.
Nestes dias é costume desejar-se um Feliz Ano Novo e que o próximo seja melhor que o anterior.
Mas como podem os portugueses imaginar, sequer, que vão ter um ano melhor, se já sabem as dificuldades que os espera ?
Que pena acabar o 2006 onde o pão, a água, os combustíveis, a energia eléctrica, as rendas de casa, as taxas de juro, o acesso à saúde, os transportes e as portagens, mesmo sendo de custos superiores aos praticados em 2005, eram, mesmo assim, inferiores aos que irão ser praticados em 2007.
Depois de tudo isto agradeço que não me desejem um bom ano novo, porque prefiro o ano velho.

27/12/2006

QUE LINDO! QUE COMOVENTE!

Em Espanha – informou-nos, risonha, a senhora locutora – o brinquedo mais vendido, neste Natal, foi uma boneca que se assemelhava à Infanta D. Leonor, a filha dos príncipes das Astúrias, os quais serão, por graça de Deus e de toda a corte celeste, os futuros reis daquele país. Fiquei comovido com esta prova de plebeia dedicação que, pela amostra, os súbditos espanhóis dedicam a suas altezas reais, e pela atenção que a nossa televisão concedeu a tão precioso desvelo. Que lindo! Que comovente!

Outras notícias dizem-nos que, já um pouco mais afastado de nós, na Indonésia, no Sri Lanka e na Tailândia, dois terços das famílias que ficaram sem casa, devido ao tsunami de 2004, ainda continuam por realojar. O que vale – pensei eu – é que o clima, por aquelas bandas, é quase sempre calmo e quente, pelo que um tecto em condições não faz assim grande falta. Depois, tratando-se de gente humilde, habituada a toda a espécie de carências, não se notará muito a diferença entre ter casa e não ter. Lá se desenrascam… O que também não deixa de ser lindo. E muito comovente.

Continuando lá por fora, soubemos que Saddam viu confirmada a sentença que o condenou à forca. Ora aí está, acima de tudo, uma boa, linda e comovente lição, principalmente para os actuais e futuros déspotas, ou simples ditadores: quem quiser aguentar o pescoço em boas condições, faça lá o que fizer, mantenha sempre uma boa relação com os EUA. Mas já sabe: no dia em que sacudir a canga, aprende logo como elas mordem. E, por trágica ironia – convém sempre recordá-lo – Saddam vai ser morto por crimes cometidos em estreita cumplicidade com aqueles que agora o condenaram. Foram os norte-americanos – e não outros – quem lhe forneceu as armas (especialmente as armas químicas) com que terá mandado assassinar tanta gente. Não deixa, por isso, de ser lindo e comovente o desfecho agora anunciado. «Bem fiz eu em nunca ter renegado los gringos», terá casquinado Pinochet, remexendo-se dentro das suas próprias cinzas.

Ali para as bandas de Sintra, vive uma família em condições muito más (igual a milhares de outras, mas não podiam as nossas televisões, coitadas, mostrá-las uma a uma, se não, daqui a um ano, a esta hora, ainda estávamos a vê-las desfilar no pequeno ecrã, em vez da Floribela). Vive, então, ali para os lados da aristocrática Sintra, um família (casal e dois ou três filhos – mais outro, que está para vir) entre quatro paredes mal amanhadas, onde as camas eram tábuas assentes sobre tijolos. O casebre não tem água, nem luz. À nova gravidez da mãe junta-se o desemprego crónico do pai.

Apesar de ser muito mau o que vimos, garanto-vos que conheço bem pior. Mas mostrou a televisão essa pobre família e, a provar que ainda há gente boa, logo mostrou, dois dias depois, a chegada de duas caminhas e dois colchões, em muito bom estado (e – não sei – talvez mais algumas roupitas e uns brinquedos), que uma família aqui da Margem Sul resolveu oferecer, num belo gesto de solidariedade.

Riram-se os pequenos, riu-se a mãe, riu-se o pai, riram-se os ofertantes, e até na voz da repórter havia um riso de bem-aventurança. Era a felicidade a pôr rendinhas em chita esgaçada. E por aqui se ficou a linda e comovente festa.

Confesso que senti um estranho incómodo perante tanta alegria, tanto enlevo. Na verdade, até fui invadido por um sentimento de humilhação que, nem a frio, consigo explicar muito bem. Não via eu uma família inteira a rir-se, feliz, por lhe terem dado duas camas e dois colchões? E não adivinhava eu um país inteiro, comovido, a dar graças ao «senhor lá de cima», por saber que aquela família ia ter, finalmente, duas camas dignas desse nome, embora já usadas? Não via – ou ouvia – eu, a senhora locutora, falando, com contida excitação, deste «suave milagre», só comparável ao do conto, também assim chamado, de Eça de Queiroz? Não percebia eu, na esplendorosa notícia, o sentencioso anúncio de que as misérias se podem resolver através das esmolas, sejam elas as dos cêntimos ou as dos colchões? O que via eu, nos rostos e nos sorrisos daqueles pais e daquelas crianças, que me doía – que me humilhava – em vez de me alegrar?

Pensei muito, e não sei encontrei as respostas as estas perguntas, bem como a explicação por me sentir humilhado, em vez de comovido ou satisfeito. Gostaria, por isso, que fossem os nossos ouvintes a fazê-lo, explicando-me, assim, porque razão, desta vez, nem por ironia, eu conseguir acrescentar: «Que lindo! Que comovente!».

Linda e comovente foi a mensagem de Natal do primeiro-ministro socialista. Num registo delicodoce, cheio de requebros quase beatíficos, assumindo um ar afável e paternal, inspirando-se – quiçá – no estilo usado por certas mamãs quando contam histórias de embalar aos seus rebentos, lá foi, sem se dar conta do ridículo de toda aquela encenação, efabulando petas sobre petas. Que a economia, as contas públicas e o emprego estão a melhorar «passo a passo», que é preciso haver muita «confiança» e que (oh! descoberta das descobertas! Oh! sublime e iluminada visão!) o País «tem ainda um longo caminho pela frente».

Foi lindo e comovente termos ouvido que «em 2006 as coisas começaram finalmente a melhorar», e que «melhorou a confiança – nos consumidores e nos empresários». Com vozinha de algodão doce, afirmou que «melhorou a economia», que «melhoraram as nossas exportações», que «as empresas estão a vender mais e melhor» e que «de Setembro de 2005 a Setembro de 2006, a economia portuguesa foi capaz de criar 57 mil novos empregos». Limpei as lágrimas (de tanto rir, claro…) e fiquei a pensar que este desempenho cómico ficaria melhor num dos muitos espectáculos de circo que, nesta quadra, os diferentes canais de televisão se fartam de passar.


Mas querem os meus queridos ouvintes – e leitores – saber algo verdadeiramente lindo e comovente? Querem? Então, façam favor de tomar nota.

1 – Em 2007, para os trabalhadores e outras camadas desfavorecidas da população, a actualização insuficiente dos escalões do IRS vai determinar um aumento deste imposto a pagar, que o Ministério das Finanças estima em mais de 30 milhões de euros por ano;

2 - A redução, em 2007, para 6.100 euros, da dedução específica que têm os reformados e aposentados, levará a um aumento de imposto a pagar, nesse ano, de mais de 123 milhões de euros;

3 - Os trabalhadores de recibo verde vão ver aumentar o IRS que têm de pagar, mesmo que o seu rendimento não suba, pois a parcela de rendimento sujeita a IRS passará de 65% para 70%;

4 - O IRS vai aumentar, entre 131% e 923%, para mais de 35% das pessoas com deficiência;

5 - O Decreto-Lei 20-C/88, que permitia a redução em 50% do preço da taxa de assinatura do telefone para pensionistas e inválidos com rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional, vai ser revogado.

Mas quando o primeiro-ministro socialista diz que a situação do País exige o sacrifício de todos, vejamos se é isso que diz o OGE para 2007.

Continuem, por favor, a tomar nota:

Em 2007, serão mantidos e criados novos benefícios fiscais para uma minoria já muito privilegiada. De facto, a receita fiscal perdida devido aos benefícios fiscais concedidos, vai aumentar, entre 2006 e 2007, de 1.792 milhões de euros para 2.087 milhões de euros, quando nos três anos anteriores tinha diminuído de uma forma continua. E 59,5% desta receita fiscal perdida resulta de benefícios concedidos às empresas, nomeadamente aos grandes grupos económicos.

Assim, para além dos benefícios já existentes, são criados mais benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, destacando-se os seguintes:

1 - Isenção dos lucros distribuídos por empresas com residência em Portugal a empresas situadas em países da U.E., desde que estas possuam pelo menos 15% do capital daquelas;

2 - Revogação da disposição que determinava a sujeição a pagamento de imposto os lucros que tivessem utilizado paraísos fiscais e zonas francas para não serem tributados;

3 - Redução da taxa de IMI de 5% para 1% a pagar pelos prédios que sejam propriedade de entidades com domicílio fiscal em paraísos fiscais;

4 - Isenção de IMT nas aquisições de imóveis por instituições bancárias;

5 - Redução da taxa de 25% de IRC e da taxa de IRS que podia atingir 42% para apenas 10%, a pagar pelos rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de capital de risco;

6 - Isenção de IRC dos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário, desde que pelo menos 75% dos seus activos estejam afectos à exploração de recursos florestais;

7 - A incorporação no Estatuto dos Benefícios Fiscais de todos os benefícios que constavam do Decreto-Lei 404/90, cuja vigência terminava em 2006, o que significa a sua perpetuação, representando mais privilégios fiscais, nomeadamente para os grupos económicos;

8 - Isenção dos lucros recebidos por empresas de sociedades afiliadas, residentes em países de língua oficial portuguesa, desde que estas tenham sido tributadas a uma taxa não inferior a 10%, o que será uma autêntico maná para os bancos e empresas de construção civil.

Também a OPA da Sonae sobre a PT, se se concretizar, determinará que mais de 5.000 milhões de euros de mais-valias não pagarão qualquer imposto, o que significará, para o Estado, a perda de mais de 500 milhões de euros de receitas fiscais.

E o perdão concedido pelo governo à banca, por esta não ter retido o imposto sobre o rendimento de dividendos de obrigações emitidas no estrangeiro, mas possuídas por residente em Portugal, que estava obrigada a reter, significou, para o Estado, a perda de mais de 125 milhões de receitas fiscais em 2006.

Retomo mais umas palavras do primeiro-ministro socialista: «Sei que o Governo está a pedir a todos um esforço maior, mas os portugueses sabem bem que nenhum país progride sem um esforço maior de todos os seus cidadãos. Não há alternativa ao trabalho árduo».

Notaram bem? De «todos os cidadãos», não foi o que ele disse?

Lindo e comovente, não é?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/12/2006.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

24/12/2006

ESTA SEMANA

É NATAL
Confesso que esta época do ano me deixa um pouco nostálgico e ainda mais revoltado com a hipocrisia dos políticos que nos governam ou que já nos governaram, porque quando estão no poder não resolvem os problemas de fundo, continuando o Estado a não assumir as responsabilidades que lhe cabem.
Todos os anos é assim e vamos vendo suas excelências a desfilar frente às televisões a dar palmadinhas nas costas e a desejar felicidades a quem passa o resto do ano a inventar soluções para pagar a renda de casa, os medicamentos na farmácia ou para não passar fome.
Façam-se aldeias de Natal ou presépios gigantes; construam-se árvores artificiais com muitos metros de altura para bater recordes; organizem-se almoços e jantares especiais para os sem-abrigo, para reclusos ou para criancinhas pobres; distribuam-se uns quantos cobertores e umas sopinhas para enganar o frio e a miséria; mas continuem a apoiar e a fomentar o nascimento de novas catedrais do consumo e a asfixiar as famílias com a subida de impostos directos e indirectos, o aumento do custo de vida nos bens essenciais e o desemprego.
Apliquem-se mais taxas moderadoras, fechem-se escolas, maternidades e centros de saúde e depois venham cinicamente de sorriso nos lábios desejar-nos um bom Natal.
Este ano consegui finalmente estabelecer um pacto familiar que consiste em não haver prendas para ninguém, fugindo ao consumismo desenfreado que só serve para alimentar os Belmiros da nossa praça. É somente um exemplo e uma atitude de coerência, resultando nuns poucos euros a menos na floresta das caixas registadoras.
Mas o que eu queria mesmo era que este espírito de Natal e de solidariedade pudesse tocar os nossos políticos e que o mesmo estivesse presente em todos os dias do novo ano, acabando-se de uma vez por todas com a caridadezinha para aliviar as consciências.

Boas Festas para todos.

20/12/2006

É TÃO BOM HAVER POBREZINHOS!

Não me apetecia nada falar sobre o Natal – nem, sequer, dourar as minhas palavras com luminosos tons de registo natalício.

Não me apetecia seguir as regras e, neste final de Dezembro, chamar a atenção para as desigualdades e injustiças que por aí vão, coisa que as boas consciências sempre fazem por esta altura.

Não me apetecia recordar aos meus ouvintes como deve ser amargo o Natal de milhares de famílias que, só este ano, perderam os empregos que as sustentavam.

Não me apetecia, hoje, dizer palavras de solidariedade para com os que dormem em caixas de cartão, nos vãos de escada, em barracas podres, ou andam aos caixotes, como os cães ou os gatos vadios.

Não me apetecia chamar a tenção para o drama dos que esperam por uma operação há anos, nem para aqueles que já não entram na farmácia, impedidos pela vergonha de ainda não terem conseguido pagar o medicamento que aviaram há dois meses.

Não me apetecia discorrer sobre carnificinas provocadas por guerras de rapina, cuja única justificação, honesta e verdadeira, é a de controlar a produção do petróleo mundial e manter o dólar como moeda padrão.

Não me apetecia, em suma, aproveitar o Natal para, como os caridosos sazonais, me sentir subitamente bonzinho e generoso, e lembrar-me, de repente, dos pobrezinhos, coitadinhos – dos excluídos, como se costuma dizer. Ou das criancinhas que vivem à míngua de tudo, e de quem todos se lembram por esta altura, mas de quem todos – quase todos – se esquecem nos restantes dias do ano.

E não me apetecia, porque não quero correr o risco de ser tomado por mais um dos hipócritas (ou, coitados, apenas distraídos) que, ano após ano, fazem desta época uma cascata de apelos à solidariedade social, jamais se questionando porque carga de água essa receita nunca serviu de nada, já que também, ano após ano, há cada vez mais pobres a precisarem da nossa ajuda.

Hipócritas (ou, coitados, distraídos), que parece satisfazerem-se em tornar menos frios, sombrios e amargos, a milhares de seres humanos, estes dois ou três dias do ano, como se os pobres – os excluídos, os desfavorecidos, como também lhes chamam – fossem (esses desgraçados…) uma fatalidade cósmica destinada a permitir-lhes exibir, todos os anos por esta altura, a sua generosa humanidade.

Dizer – como ouvimos dizer – que a quadra exige uma atitude de compaixão e caridade, é, na sua brutal e básica singeleza, avalizar a existência da própria miséria. Assim como quem diz: «Nós, os que podemos muito – ou alguma coisita – devemos, nesta quadra consagrada ao amor e à sã alegria, dar um pouco do que temos àqueles que, como todos sabemos, nada têm». Como se «aqueles que nada têm» não passassem de um pormenor da paisagem, uma vulgar constante do nosso quotidiano, uma fatalidade da vida, uma excrescência naturalíssima da sociedade humana.

Por isso, para não ser confundido com hipócritas – ou ignorantes – apetece-me, nesta quadra, saborear ainda mais o vinagre da indignação e revolta que, ao longo de todo o ano, me azeda os dias.

E aqui estou eu, em mais um Natal, nesta minha vidinha mediana, entalado entre milhões de pobres absolutos e uma pequena casta de mandantes absolutistas, ouvindo apelos à caridadezinha, mas percebendo, atrás deles, a sinistra sentença que perpetua este estado de coisas: «Sempre houve ricos e pobres – e sempre os haverá».

Ando por aí e vejo, na minha imaginação, essa expressão indigna escrita nas barbas de um Pai Natal qualquer, ou cintilando nas luminárias indecorosas que pretendem enfeitar os nossos olhos e aquecer as nossas almas. Oiço-as nas palavras engravatadas dos políticos, nas inconsequentes homilias dos bem paramentados bispos, no roçar das sedas que vestem os grandes vendilhões, no tilintar das suas infindáveis caixas registadoras.

Então, aqui estou eu, entre os pobres – de um lado – e os ricos e os mandantes – do outro – mas sabendo bem qual é o meu lugar neste presépio obsceno, por muito que isso custe a alguns Castros, Noronhas, Amarais, Braganças, Mendonças, Almeidas, Possidónios, Meireles, Meneses, Alarcões, Fontouras, Dantas, Lencastres, Pessanhas, Azeredos, Miras, Godinhos e, até, a alguns Silvas e a alguns Tavares – e com isto tenho tudo dito.

Ou quase. Porque só falta dizer que, de hoje a um ano, teremos mais pobres em Portugal; e Portugal será, então, muito mais pobre do que é hoje.

Bom Natal, não é?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/12/2006.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

17/12/2006

ESTA SEMANA

CASTELO
Ficámos a saber que nossa velha e inconfundível “Água Castelo” vai ser vendida aos espanhóis. Vamos deixar de ter (como nossa) aquela água com borbulhas que acompanhava e se misturava nos anos sessenta com o uisquesinho martelado em Sacavém.
Tudo nos levam e nem mesmo as tradições se mantêm nesta feroz globalização a que estamos sujeitos.
Já sabe: no futuro peça “una água castillo, pero, com borbujas”.


MAIS UMA EP
Como se já não bastasse terem vendido muitas das escolas primárias construídas ao abrigo do Plano Centenário, as brilhantes inteligências socialistas que nos (des) governam vão criar uma Empresa Pública para gerir as instalações das escolas secundárias.
Para dotar de meios financeiros este novo covil de “boys”, para além da transferência de 4 milhões de euros do OE, estão já escolhidas 6 unidades (Passos Manuel, D. Dinis, Pedro Nunes e João de Castro, em Lisboa, Rodrigues de Freitas e Oliveira Martins, no Porto), as quais, depois de vendidos os seus terrenos, darão lugar a novas urbanizações.
É democrático.


ERSE
Jorge Vasconcelos, o Presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) anunciou a sua demissão, em conflito com a decisão do Governo de limitar a seis por cento os aumentos da energia para os consumidores domésticos em 2007.
Mas, ao contrário de outros trabalhadores, ele sai, mas não irá precisar de recorrer ao subsídio de desemprego.
De acordo com o jornal “Correio da Manhã”, o salário do presidente da ERSE era de 18 mil euros mensais (vezes 14), a que acresciam ajudas de custo.
Segundo o que estabelecem os estatutos do próprio regulador (que é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio), no seu artigo 29, n.º 5, “após o termo das suas funções, os membros do conselho de administração ficam impedidos, pelo período de dois anos, de desempenhar qualquer função ou prestar qualquer serviço às empresas dos sectores regulados”. Trata-se de um compreensível “período de nojo”, que impede a existência de promiscuidades entre reguladores e regulados.
Isto significa que Jorge Vasconcelos passará a receber “apenas” 2/3 do salário, qualquer coisita como 12 mil euros por mês, ou não tivessem sido os Estatutos aprovados por ele mesmo.
É democrático.


MANADAS
O Ministério da Agricultura vai vender herdades, matas, prédios e até manadas de animais. Vários grupos económicos já manifestaram interesse em adquirir alguns dos bens que a Agricultura vai alienar, nomeadamente o Grupo Amorim e o Grupo Espírito Santo.
Não se entende bem por que razão tem o Ministério da Agricultura este património, quando existem tantos e tantos trabalhadores agrícolas sem trabalho e uma enorme desertificação do interior.
Num País com preocupações sociais, realmente o melhor é vender tudo aos grandes grupos económicos.
É democrático.

13/12/2006

É NORMAL…

As nossas provocações de hoje vão cirandar à volta de coisas muito normais. O «normal» é – pode dizer-se – o grande tema desta conversa.

Comecemos pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Agora que está prestes a abandonar o cargo, proferiu, anteontem, um lindo discurso. Depois de acusar os EUA de terem violado os princípios fundadores da ONU, pediu-lhes para apostarem na diplomacia, em vez de privilegiarem o uso da força. Acusando os norte-americanos de terem abandonado aquilo que diziam ser os seus ideais e objectivos, Annan referiu os abusos em Abu Ghraib, o presídio militar de Guantánamo e as prisões secretas da CIA. «os direitos do Homem e o Estado de direito são vitais para a segurança e a prosperidade globais», sublinhou o ainda secretário-geral da ONU, num discurso que assumiu um claro tom de repreensão.

Numa alusão à invasão do Iraque, lançada em 2003 à margem das Nações Unidas, disse que a «força militar só pode ser considerada legítima» quando usada para defender «objectivos comuns, em concordância com normas globalmente aceites». E precisou: «temos de reconhecer, qualquer que seja a nossa força, que não temos o direito de agir como bem entendemos». E foi mais longe, quando disse: «mais do que nunca, os americanos, como o resto da humanidade, precisam de um sistema global, através do qual as populações possam enfrentar, unidas, os desafios globais», como a proliferação nuclear, as alterações climáticas, o terrorismo ou as pandemias. E não podia ser mais claro ao dizer: «face a estes perigos, nenhum país pode garantir a segurança enquanto tenta dominar os outros».

Foi, como disse antes, um lindo discurso, que apenas confirmou aquilo que os sectores lúcidos e decentes da humanidade há muito vêm dizendo. Como nós, aqui, várias vezes dissemos. Porém, foi um discurso tardio, quase inútil. Um lavar de mãos próprio de quem nunca assumiu com firmeza e coragem as suas responsabilidades. Um pôr a tranca nas portas depois da casa assaltada. O discurso de Anann não traz à vida centenas de milhares de iraquianos mortos, não reconstrói um país arrasado à bomba, não faz parar a mortandade que é hoje a realidade quotidiana no Iraque.

Por isso, meus amigos, foi um discurso normal. Normalíssimo.

Pinochet morreu sem pagar pelos seus crimes. Não foi julgado em Haia, nem em sítio nenhum. Os EUA não puseram a sua cabeça a prémio. Morreu rico, com uma fortuna por explicar. Tendo sido o responsável directo e confesso pela morte de milhares de chilenos e cidadãos de outras nacionalidades (costumava dizer: «no Chile, nem uma folha se mexe que eu não saiba»), foi a prova provada de que os ditadores e os assassinos são intocáveis, desde que constem da folha de salários dos norte-americanos.

Tudo, por isso, muito normal. Normalíssimo.

Onze mil portugueses, que trabalham para o Estado em regime de avença ou de prestação de serviços, podem ser despedidos já em Janeiro. A maioria, com vários anos no desempenho das suas funções, será, pelos vistos dispensável. Provavelmente – penso eu… – andariam pelos vários ministérios sem fazer nada. Ou será que não? Também não interessa matar a cabeça com estas ninharias, Afinal, serão, «apenas» mais 11 mil pessoas no desemprego.

Tudo muito normal. Mais do que normal: normalíssimo…

Entretanto, o governo prepara-se para criar uma empresa para gerir a Função Pública. (Eu pensava que isso competia aos governos e aos governantes, através dos vários ministérios e seus ministros, mas já vi que estava enganado). Essa empresa, que terá, certamente, uma administração e muitos – muitíssimos! – funcionários, cobrará os seus serviços aos vários departamentos do Estado. A «coisa» terá a cargo a gestão e acompanhamento dos funcionários em mobilidade especial, mais conhecidos por supranumerários (ou emprateleirados), mas também todas as actividades relacionadas com a prestação de serviços de suporte à Administração Pública. Ou seja: os novos funcionários farão, entre outros, o papel de cangalheiros dos trabalhadores que vão ficar sem trabalho ou com vencimento reduzido.

Entre essas actividades constam, assim, todas as relacionadas com os recursos humanos – como sejam o processamento de vencimentos e análise do desempenho, e acompanhar os infelizes até ao olho da rua – mas também a contratação centralizada de bens e serviços, no âmbito do sistema nacional de compras públicas, e a gestão da frota automóvel do Estado. Prevê-se que o processo de empresarialização dos serviços públicos não fique por aqui, pois a nova empresa poderá parir outras. Esta giríssima possibilidade de reprodução em cadeia, já levou a que o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado dissesse que «o Governo tira da sua cartola, de surpresa, um coelho, que gerará cada vez mais coelhinhos».

Mas giro – muito giro, mesmo – é que a nova empresa poderá fazer compras de bens e serviços por ajuste directo (isto é: sem concurso público) até 31 de Março de 2007, desde que sejam consideradas imprescindíveis à concepção, instalação e funcionamento dos sistemas de informação e de gestão relativos à mobilidade especial de funcionários e agentes. Mas enquanto a administração central está obrigada a recorrer à nova empresa para todas as aquisição de bens e serviços, os institutos e as entidades do sector público e empresarial e da administração autónoma, não estão. No fundo – e para além de uma clara manobra de privatização – eis uma nova possibilidade de grandes negócios em marcha e – ora bem! – um novo mundo de tachos para os “boys” que ainda não tenham conseguido o seu “job”.

Nada mais normal – normalíssimo! – nestes dias cor-de-rosa, não é?

Grupos de seres humanos, portugueses e estrangeiros, homens e mulheres, novos e velhos, foram vistos, numa interessante reportagem da SIC, assaltando, literalmente, os contentores do lixo onde um supermercado deita, diariamente, os géneros alimentares fora de prazo, ou à beira disso. Parece que se trata de um espectáculo que se repete todas as noites. País feliz, este, onde há sempre uma sobra – uns restos – para uma boca faminta.

Ao vê-los, escolhendo entre o lixo comum toda a paparoca aproveitável, fiquei a pensar que, afinal, ali está uma boa ocupação para os futuros excedentários da função pública, para os tais 11 mil avençados à espera da ordem de marcha e – porque não? – para os jovens recém-formados cansados de procurar emprego. Chamar-se-iam, por exemplo, Brigadas Ecológicas Auto-sustentáveis.

Quanto ao resto, tudo normal, tendo em conta que vivemos aqui, em Portugal.

Finalmente, o facto mais normal de todos: uma ex-alternadeira (nas suas próprias palavras) pode dar um empurrão decisivo ao processo do Apito Dourado. Uma mulher repudiada, pelos vistos, pode mais do que o poder judicial e o poder político de braço dado.

De súbito, aquilo que se dizia à boca pequena, nas tertúlias mais ou menos desportivas ou que – vá lá… – a consciência nacional já tinha como certo, (mas duvidava que daí se passasse), assume agora foros de coisa irrefutável e obriga polícias e magistrados a desenterrar o peixe podre que, sabiamente, haviam arquivado no lodo de muitas e mal cheirosas conivências e conveniências.

Pinto da Costa, o vivaço, o espertalhão, o «bem encostado», o tipo das larachas bem metidas, o «papa», o mafioso ou o poderoso e inteligente senhor do Dragão, conforme o ângulo de observação e os olhos de quem apreciava, demonstrou que, afinal, pouco percebe da vida. Aparentemente, nunca lhe passou pela cabeça que agredir ou desprezar uma ex-alternadeira, depois de a elevar às capas das revistas cor-de-rosa e do jet-set, de a ter enchido de brocados e de jóias e de a ter colocado no trono da «mulher mais importante» do Porto e arredores, pudesse dar no que deu. Mas, para quem passou toda a vida no «calor da noite» – e aí se fez gente –, conhecendo de cor, com o seu amigo Reinaldo Teles, todos os meandros da vida esconsa do Porto e das redondezas – e com a idade que tem – não se compreende o descuido. Mas é como diz um amigo meu: se pela boca morre o peixe, certos tipos morrem pela minhoca…

Agora, o Apito Dourado ganhou outro impulso, e a alegada rede mafiosa (ou o Sistema) de que toda a gente falava, e onde o futebol era o fulcro de uma imensa teia de interesses (políticos, partidários, económicos e pessoais) pode ter os dias contados. Até à última semana, o mais certo era a coisa dar com os burrinhos na água. Depois do “Eu, Carolina”, tudo pode acontecer.

Mas, afinal, meus amigos, aconteça o que acontecer, tudo será normal.

Se tiver sido uma antiga alternadeira desprezada, a forçar a Justiça a fazer o que lhe compete, apesar de ser caso raro – ou único – no mundo, será normal aqui, pois estamos em Portugal. E se assim for, pois que viva a Casa de Alterne e que morra a Casa da Justiça!

Se, pelo contrário, ficar tudo na mesma, e se concluir que a lei anti-corrupção e as escutas telefónicas é que são ilegais, indo em paz corruptores, corrompidos, agressores e seus mandantes, associações de criminosos e seus associados, tudo bem.

Afinal, isso é que será absolutamente normal.

Normalíssimo…


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/12/2006.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

10/12/2006

ESTA SEMANA

MENSALÃO
Na sequência da estratégia política para a saúde que o (des)governo socialista que temos vem desenvolvendo, com a aplicação de taxas ditas moderadoras, a falta de recursos humanos e o encerramento de unidades de saúde pública, florescem pelo País novas unidades privadas ligadas aos grandes grupos económicos, que, contratam para os seus quadros eminentes técnicos com provas dadas na matéria.
O Hospital da Luz, a inaugurar em Janeiro próximo pelo Grupo Espírito Santo, vai ter cerca de 200 médicos a tempo inteiro, saindo na sua grande maioria dos quadros dos Hospitais Civis.
Mas as contratações pelo Grupo Espírito Santo não se ficam só pelos técnicos de saúde, mas também por outras iminentes figuras da nossa praça que finalmente se vêem recompensadas pelos favores prestados à causa. À causa deles, é bom de ver.
Como exemplo, assistimos à contratação pelo Grupo Espírito Santo da deputada socialista Maria de Belém Roseira, licenciada em Direito, que irá “dar pareceres sobre estratégia na área da saúde”.
Disse a senhora deputada socialista que, “como não tem regime de exclusividade na Assembleia da República, pode trabalhar para outros sítios”.
Pois pode, tal como podem outros seus camaradas deputados, que também trabalham em escritórios de Advogados que dão pareceres a empresas privadas que têm negócios com o Estado, em empresas de Construção Civil, em Iberdrolas e em outras coisas do género.
Ela, a senhora deputada, até foi ministra da saúde e desempenha actualmente o cargo de presidente da Comissão Permanente de Saúde na Assembleia da República.
Como se pode constatar, não há qualquer incompatibilidade e nem sequer isto é ilegal, até porque são os senhores deputados que fazem as Leis deste País e não se iriam prejudicar a si próprios. Quando legislam, têm o cuidado se criar as respectivas excepções para suas excelências.
A senhora deputada Maria de Belém também faz parte da Comissão Permanente de Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República. Compreende-se: tem o “direito” de fazer o que muito bem entende, a “liberdade” de trabalhar para quem quer, e fundamentalmente, “garantir” o seu futuro.
A isto não se pode chamar mensalão porque não estamos no Brasil. Mas qual é a diferença ?
Grande democracia …


CONCERTAÇÃO
Com a finalização das negociações para o aumento do salário mínimo nacional em sede de Concertação Social, ouvi sindicalistas dizerem que até estavam satisfeitos com os resultados obtidos, já que o País atravessa uma grande crise económica e conseguiram a proeza de um aumento progressivo até se atingir os 500 euros em 2011.
Não entendo porque ficaram tão satisfeitos. Eu não sou nem nunca fui sindicalista, mas não vejo qual a benesse conseguida.
Há quem diga que mais vale isto do que nada, pois temos de compreender as dificuldades das empresas. Pois é: mas as dificuldades das empresas (a grande maioria das empresas) não são as despesas com os salários, mas sim as pesadas contribuições e impostos que lhes são sugadas pelo governo.
O Estado, que aqui se comporta como mediador de conflitos, não passa de um parasita, borrifando-se completamente nos acordos a que se cheguem, pois ele é o principal beneficiado destes aumentos e não os trabalhadores.
Senão, vejamos: os aumentos vão gerar mais contribuições para a Segurança Social e mais descontos para o IRS; o pouco que sobra será absorvido em 21% de IVA nas despesas efectuadas pelo trabalhador.
Enão quem ficou a ganhar com este acordo ?
O que verdadeiramente fazia falta era que as associações patronais e os sindicatos se unissem para exigirem a diminuição de contribuições e impostos e assim haver mais investimento, mais emprego e melhores salários.
Deste modo, talvez a crise pudesse ser ultrapassada e o futuro fosse mais prometedor, eliminando-se os parasitas que utilizam a “democracia” para manterem os seus poderes que lhes permitem esbanjar aquilo que sugam ao sector produtivo.
No dia em que for possível – e tudo é possível se os homens quiserem – um entendimento leal entre empresários e trabalhadores, sem complexos e sem divergências ideológicas, então tudo poderá ser diferente e existir uma verdadeira concertação social.
Isto, o que aprovaram, não passa de mais uma artimanha para taparem o sol com a peneira.

06/12/2006

UM SERÃO PORTUGUÊS

Vários amigos, a quem tenho submetido as minhas «provocações» para apreciação, e outros que, por as ouvirem, ficam habilitados a comentá-las, são praticamente unânimes no seguinte: por um lado, dizem que me alongo demais, o que, em termos radiofónicos, não será aconselhável; por outro, que abordo demasiados temas numa única crónica. E, também, que me estou a tornar repetitivo.

Na verdade, concordo com essas apreciações, que eu próprio já fizera ao meu trabalho, e até refiro outra: deveria falar mais dos problemas que nos afectam e deixar que fosse o ouvinte a encontrar os culpados. Ou seja: cingir-me eu apenas aos factos, para permitir que o auditório concluísse como entendesse. Não adjectivar tanto, mas substantivar mais, em suma.

Tentemos, então, dar outra forma a estas «provocações», mudar o seu clima, o seu ambiente, só para ver o que dá. Experimentemos, para começar, uma coisa mais intimista.

Todas as noites, depois do jantar (se jantar se pode chamar àquilo que fazemos em minha casa e que, apesar de resultar mais de uma opção dietética do que de um constrangimento económico, já é um luxo comparado com o que fazem centenas de milhares de portugueses), mas – dizia eu – todas as noites, depois jantar, constituído por uma sopa à base de legumes e cereais, umas tostas com umas fatias de queijo magro e, para acabar, uma peça de fruta, ficamos a olhar para a televisão.

Àquela hora, convém dar uma vista de olhos aos serviços noticiosos. Nas Filipinas, um furacão matou centenas de pessoas e deixou milhares sem as suas pobres barracas, destruídas pelas enxurradas de lama e detritos de toda a espécie, onde as cinzas de um vulcão das redondezas contribuíram para transformar toda a zona num enorme cemitério. Vêm-me à memória imagens de outras catástrofes naturais e, enquanto penso nisso, oiça a minha mulher comentar:

- Quando há desgraças destas, são sempre os pobres a sofrer. Nunca vi a casa de um rico ir na enxurrada.

Nessa altura, já o locutor diz que tinham morrido vários civis no Afeganistão, no ataque dos rebeldes a uma coluna da NATO. Curiosamente, o sujeito omite que, nesse mesmo ataque, tinham ficado feridos vários fuzileiros de Sua Majestade britânica, coisa que eu soubera ao ver, horas antes, aquela notícia na Sky News. A omissão – penso eu – deve ser para não moralizar as forças «antidemocráticas» existentes em Portugal. Não vejo outra razão.

Logo a seguir, um pulo à Venezuela. Apesar de já todos sabermos quem iria vencer as eleições – e de até a própria televisão nos dar conta, em voz contrita, dos confortáveis 20% de vantagem que as sondagens davam a Hugo Chávez – a equipa de reportagem raramente encontrava alguém favorável a este candidato. Escolhidos a dedo – pelo menos, parecia – quase todos os entrevistados, com ar de gente que está bem na vida (as senhoras, então, que charme, que poses, que desenvoltura no falar!) lá iam dizendo que votariam no «candidato da democracia», um certo senhor Rosalles. Lá, como cá, um político que olhe pelos mais desfavorecidos, pela gente pobre, não é democrático. Isso já nós sabíamos.

Fico a pensar por onde andariam os potenciais eleitores de Chávez, esses muitos milhões que a nossa RTP não conseguiu descobrir. Se eu fosse muito distraído – ou completamente tontinho – chegaria à conclusão de que, por aquela amostra, Chávez só ganharia por meio de chapelada. Seria essa a ideia que a RTP quis passar, ou o pobre do repórter não fez o trabalho de casa e, assim perdeu uma oportunidade de fazer uma peça jornalística a sério? Ou séria.

Volta o locutor aos assuntos nacionais, para lembrar que Portugal é o país desenvolvido («desenvolvido, salvo seja!», exclamo eu) com piores resultados na luta contra a SIDA. Será, pelo que ouvimos, o país onde a doença mais alastra e onde há uma maior percentagem de doentes infectados. Fico à espera que nos sejam adiantadas razões para tão nefasta situação, mas o “pivot” não vai por aí. É mais giro andar atrás de uma carrinha que distribui preservativos e troca seringas, ali para os lados do Intendente…

E a minha mulher continua a comentar: – Somos sempre os primeiros naquilo que é mau. Olha a novidade!

Também não é novidade, mas a notícia lá vem, envergonhada: Não há saídas profissionais para os jovens que acabam os seus cursos universitários, sendo entre os recém-formados que o desemprego atinge números ainda mais assustadores. E a coisa alastra, piora, pois até o 12.º ano dá menos emprego do que o 9.º. Fica-se por aqui, pois o bom jornalismo televisivo é aquele que não põe perguntas incómodas ao poder político. Por exemplo: o que é isso na inovação e da excelência?

As «boas» notícias ainda não acabaram. É que vêm aí mais aumentos das taxas de juro, apesar dos despejos, dos arrestos e do accionamento das hipotecas subirem exponencialmente. Por isso, os jovens voltam para casa dos pais – ou já nem saem de lá – pois a vida, como está, prolonga a dependência cada vez até mais tarde. São as gerações passadas a pagarem os seus erros e as oportunidades perdidas com língua de palmo, as opções políticas e partidárias nos tais «candidatos da democracia». Cá se fazem, cá se pagam, penso eu. Só é pena que os jovens de hoje comam por tabela e não percebam o que lhes está a cair em cima. Ainda bem que na Venezuela há quem já tenha aberto os olhos.

Mas fico à espera – em vão – que me seja explicado porque sobem as taxas de juro, porque conseguem, em Bruxelas, ou lá onde é, alguns senhores complicar tanto a vida a milhões de pessoas, mas volto a ficar em branco. É assim… e pronto. Devem ser estes os custos da adesão. Se calhar…

Para dar um toque positivo ao funeral noticioso, sai uma referência risonha. As pensões mais baixas vão aumentar 3,1%. Faço as contas de cabeça, tomando como base uma pensão de 250 euros (que são às centenas de milhares – e até há mais baixas) e dá-me qualquer coisa como 7 euros e meio por mês, ou seja um aumento diário de 25 cêntimos. Penso que me enganei. Vou buscar a calculadora e verifico que, afinal, estou bem no cálculo mental. Começo a rir, com a família a olhar para mim, duvidando da minha sanidade mental, já que as notícias, agora, falam de 62 pessoas mortas no Iraque, em mais um dia sangrento.

Faço uma cara séria e, com ares de professor, recordo à família que a reforma média, em Portugal, é de 350 euros, sendo, em Espanha, de quase o dobro: 689 euros. Ainda em termos médios, as pensões de sobrevivência e de invalidez, cá, são de 173 e 319 euros, respectivamente, menos de metade do que em Espanha, onde são de 455 e 702 euros.

Nessa altura, o gato desata a miar. Percebo a mensagem. Está na hora de mudar de canal. E lá vamos nós à procura de qualquer coisa mais civilizada. Isso. Um programa sobre a vida animal vinha agora mesmo a calhar.

Um qualquer, desde que não trate de vampiros, não é?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/12/2006.
(Não deixe de ouvir e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

03/12/2006

ESTA SEMANA

É PRECISO DISCIPLINAR
Sempre preocupados com a justiça social, o senhor Sócrates e os seus acólitos socialistas querem disciplinar os regimes em que os aposentados da Função Pública prestam serviços remunerados ao Estado, porque, segundo eles, esses aposentados estão a pôr em causa a contenção financeira e o sagrado déficite.
Claro está que a preocupação deve ser apenas com alguns, mais concretamente com aqueles que tendo uma pensão de miséria têm que fazer mais uns biscates para poderem sobreviver, pois até hoje nunca se ouviu falar daqueles que, como por exemplo o senhor Cavaco, que recebe para além do vencimento e alcavalas inerentes a um PR, mais 9.356 euros mensais devido aos cargos que desempenhou anteriormente.
Sempre quero ver até onde vai a coragem do senhor Sócrates, quando a tal disciplina do regime tocar os políticos, de ministros e deputados a presidentes de Câmara e vereadores, para já não falar dos administradores públicos, assessores e demais camarilha, quais novos ricos desta sociedade que se diz democrática.


REFORMAS
Chegou um pouco tarde, mas chegou finalmente o aumento dos nossos pensionistas que irão ter mais uns míseros euritos mensais. São pelo menos uns 500.000 beneficiados, os que recebem a pensão mínima, porque os outros, os que recebem um pouco mais, já ganham muito e só têm direito a um aumento que nem sequer ao valor que eles estabeleceram para a inflação.
Tenho pena de quem não votou neles e espere com ansiedade a chegada do final do mês para receber a mísera pensão e poder ir pagar as dívidas à farmácia e ao merceeiro lá da rua que ainda não faliu e que continua a vender fiado.
Mas tenho muito mais pena daqueles (e são muitos) que hoje têm vergonha de dizer que a culpa também é deles porque se deixaram enganar com falsas promessas, dando uma maioria absoluta ao senhor Sócrates que “democraticamente” a utiliza de forma ditatorial, com uma frieza e arrogância que nem nos tempos da “outra senhora” se houvera visto.
Espero que – aqueles que consiguirem sobreviver até às próximas eleições – se lembrem como têm sido tratados e que não voltem a cair no mesmo erro de se deixarem levar por bem-falantes que apenas querem o poder para se servirem dele, borrifando-se completamente em quem trabalhou uma vida inteira e no fim dos seus dias deveria ter direito a alguma paz e sossego.


METRO DO PORTO
Insugiu-se o senhor Narciso Miranda por terem sido tornados públicos os montantes a que os Senhores Administradores da Empresa do Metro do Porto têm direito, desde vencimentos a outras regalias, como deslocações, viagens, cartões de crédito, etc.
Nem vale a pena comentar a justiça dessas regalias, pois já nos vamos habituando a que nenhum deles dá ponto sem nó e quando saiem da política activa os amigos e correligionários que estão no poder arranjam-lhes sempre uma ocupaçãozita para que se sintam úteis e importantes para a sociedade e tenham uma reforma dourada.
Mas o que é interessante no insurgimento e revolta do senhor Narciso, é que, segundo ele, foram os próprios socialistas a aprovarem essas benesses (quem mais poderia ser ?) e por isso não entender porque agora o estão a criticar.
Há realmente gente muito injusta e invejosa …


SUBSÍDIOS
O Instituto do Desporto de Portugal (IDP) vai retirar a partir de 2007 o subsídio de 1.250 euros mensais aos antigos desportistas que se destacaram ao representarem o País no estrangeiro, dignificando o nome de Portugal.
Compreende-se e justifica-se esta atitude, já que para haver dinheiro para as salas de chuto, troca de seringas e recuperações fantasma de toxicodependentes, é necessário ir buscar dinheiro seja onde for, mesmo sacrificando programas que poderiam desviar a juventude desse negócio chorudo.
Estão nesta leva a quem vão ser retirados os subsídios, nomes como Carlos Lopes, António Leitão e Aurora Cunha, entre outros, que tinham como missão ir pelas escolas deste pobre país incentivar os jovens à prática desportiva. Ou seja, não recebiam o subsídio só porque prestigiaram e dignificaram o nome de Portugal além fronteiras, mas sim para prestarem um serviço altamente louvável, retirando com esse seu trabalho muitos jovens de caminhos menos aconselháveis.
Um governo que gastou em 2005 mais de um milhão de euros com a troca de seringas, não pode gastar dinheiro com subsídios a pessoas que trabalham para evitar que haja troca de seringas.
É a fórmula mais fácil:
Não se evita que a droga entre nas prisões e se recuperem os toxicodependentes aí existentes; criam~se é condições excepcionais para eles continuarem o vício.
Não se dotam as maternidades e centros de saúde com melhor equipamento e recursos humanos; fecham-se e pronto.
Não se dá grande importância às escolas degradadas; manda-se ensinar inglês e distribuiem-se 26.047 computadores portáteis por 1.096 escolas, num contrato com o valor de mais ou menos 25 milhões de euros.
É, no fundo, a fórmula Sócrates-simplex; não se governa, mas criam-se condições para que alguns se governem.


CAMARATE
Embora haja para aí muita gente que sempre defendeu a tese de acidente àquilo que aconteceu no dia 4 de Dezembro de 1980, não é novidade nenhuma, pelo menos para mim, que se tratou de um atentado, não sendo preciso que um tal Esteves venha agora confessar ter sido ele o executor da bomba que fez explodir o avião naquela noite fatídica.
A quem interessava tal desfecho é que importa apurar e independentemente do crime já estar prescrito, todos nós temos o direito de saber. Pode não haver condenação nos Tribunais, mas certamente que a condenação pública existirá.
Partindo-se do princípio que o Partido Comunista era o que tinha menos a ganhar com tal desfecho, não se entende que ao longo de mais de 20 anos não tivesse tido uma outra atitude nas Comissões Parlamentares de Inquérito.
No fundo, todos aqueles que tentaram esconder a verdade defendendo a tese de “acidente” são pelo menos responsáveis morais por nunca se ter sabido a verdade.
Lembro-me até que na própria madrugada, enquanto os destroços do avião ainda fumegavam e os corpos carbonizados estavam a ser retirados, o então Ministro dos Transportes (por acaso até era do PPD) ter vindo logo dizer que tinha sido um acidente.
Desde 1980 já passaram alguns Presidentes da República, Primeiros-Ministros, maiorias e minorias Parlamentares, muitas e muitas Comissões de Inquérito, Procuradores da República, Directores da Polícia Judiciária, Juízes e Conselheiros, que pouco ou nada fizeram para o esclarecimento total do que realmente se passou.
Resta que tenham vergonha e que o peso da consciência os incomode até à morte, porque não souberam ou não quiseram esclarecer e apurar a verdade.
Poder-se-á perguntar: mas será que este tal Esteves está agora a falar verdade ? Pode estar e pode não estar. Não é isso que importa se foi ele ou qualquer outro. O que importa é quem mandou e quem beneficiou com o desaparecimento de Francisco Sã Carneiro e Adelino Amaro da Costa.
Porque se eles não tivessem sido assassinados, talvez a história e o futuro de Portugal fosse muito diferente.

1997, 2007 © Guia do Seixal

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