30/06/2008

DEMOCRACIA, MA NON TROPPO…

O que terão em comum o referendo sobre o Tratado de Lisboa, mais conhecido por constituição europeia disfarçada, os voos da CIA, as promoções que antecipam os saldos, o facto de os artigos e bens de luxo não conhecerem a crise, os lucros da Galp e os bancos pagarem cada vez menos impostos? Aparentemente, nada. Mas se abrirmos bem os olhos – ou não os quisermos manter fechados, coisa que acontece a muito boa gente – a resposta saltará perante eles de forma clara e definitiva. Todas estas situações têm em comum o facto de não vivermos em democracia. Ou, se quisermos chamar a este regime político e económico uma democracia, então será uma democracia, ma non troppo. Ou seja: democracia, sim, mas não muito. Ou antes: democracia, sim, mas à medida dos interesses daqueles que bem sabemos.

Comecemos pela Irlanda. Mal foram conhecidos os resultados do referendo, logo os grandes democratas da nossa pequena praça, bem como os da praça europeia, perderam as boas maneiras. No fundo, para eles, os irlandeses tinham duas opções no referendo sobre o tal Tratado de Lisboa. Ou votavam Sim, ou votavam… Sim. Agora, puxam pelo bestunto, tentando dar a volta à coisa, pois se o voto do povo é soberano, os interesses da alta finança são verdadeiramente imperiais.

Passemos para os voos da CIA. Todo o mundo sabe o que se passa em Guantanamo, a começar por muito boa gente dentro dos próprios EUA, cujo Supremo Tribunal foi forçado, recentemente, a contrariar o palhaço de serviço na Casa Branca, determinando que os detidos têm direitos que lhes estão a ser negados.

No entanto, durante anos, a CIA e a administração norte-americana agiram como meros esbirros inquisitoriais, atirando às urtigas os princípios e os valores que dizem defender, violando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito internacional e a soberania de vários estados. Sabe-se hoje que os detidos são transportados secretamente de e para Guantanamo, fazendo escalas ilegais em vários países. Para tal, contaram com a conivência dos seus tristes lacaios europeus, entre os quais o Portugal de Durão e Sócrates. E de tal forma o corrupio de prisioneiros ilegalmente detidos e transferidos de locais secretos para locais secretos se fez com o desplante e a impunidade que os torcionários julgam sempre ter, que o caldo se entornou e transbordou para a opinião pública. Os democratas, afinal, agiam como simples agentes de um estado totalitário, tenebroso e opressor, que não conhece nem admite entraves aos seus desígnios.

E porque as coisas são mesmo assim, veio agora a insuspeita Amnistia Internacional acusar os governos europeus de negarem o seu papel nas rendições e detenções secretas norte-americanas e pedir um inquérito «urgente» e «independente» ao assunto. «Os governos europeus encontram-se num estado de negação e têm vindo a evitar a verdade há demasiado tempo», escreve Amnistia num relatório intitulado «Estado de negação: O papel da Europa nas rendições e detenções secretas».

Certos de que a democracia, o estado de direito e a tal Declaração Universal dos Direitos Humanos não passam de chavões sem sentido – ou conceitos e sentidos apenas aplicáveis no âmbito restrito dos seus interesses próprios – os donos dos povos, cínicos e perversos, continuam a aligeirar a questão, nada fazendo, na prática, para que os valores que dizem defender sejam respeitados. Democratas? Sim, ma non troppo.

Olhamos para mais perto de nós, aqui mesmo à nossa volta, e verificamos que as lojas e as grandes cadeias de distribuição de roupa já começaram a vender produtos com descontos que vão até aos 70%, para compensar a quebra de vendas que a crise económica está a provocar nos bolsos dos consumidores. E a época de saldos só arranca dia 15 de Julho. Aliás, de promoções e vendas ao desbarato vive agora o comércio de retalho todo o ano, e nem mesmo assim assistimos ao aumento do consumo. Se o povo estava de tanga quando Guterres largou isto, como disse Durão, agora, com Sócrates, está de parra… e é se estiver.

No entanto, lemos – e ouvimos dizer – que os artigos e bens de luxo não conhecem a crise. Dos perfumes caríssimos, às jóias; dos melhores uísques, ao caviar; dos relógios de milhares de euros e dos carros topo de gama, aos apartamentos super luxuosos, nada fica por vender. Um desses condomínios, ali para os lados do Campo Pequeno, cujos andares variavam entre os 200 mil e os 900 mil contos (não são euros, meus senhores, são contos!) esgotou rapidamente… os mais caros.

Por aí, o cidadão comum corta no leite, no pão, na roupa e no calçado, nos medicamentos, na água e na luz. Na cultura. No lazer. País feudal? Nada disso. Vivemos em democracia… ma non troppo.

E enquanto a vida assim decorre, nesta cada vez mais apagada e vil tristeza, a Galp atingiu lucros recorde de 160 milhões de euros entre Janeiro e Março. E continua a aumentar o preço dos combustíveis, por enquanto apenas dia-sim, dia-não. Se a Galp fosse, como já foi, uma empresa nacionalizada, nossa, não só venderia os combustíveis mais baratos, como os seus lucros, em vez de servirem para que se esgotassem artigos e bens de luxo, serviriam para termos um bom Serviço Nacional de Saúde, escolas dignas desse nome e investimentos públicos geradores de emprego e bem-estar social. Mas isso seria, logicamente, democracia a mais. Porque, meus amigos, democracia, sempre… ma non troppo

A juntar a isto, saiba-se que no período compreendido entre 2004 e 2007, ou seja, em apenas quatro anos, a banca arrecadou, em Portugal, 13.537 milhões de euros de lucros, tendo pago de imposto (IRC + derrama) somente 2.115 milhões de euros, o que corresponde a uma taxa efectiva de imposto de apenas 15,6%, ou seja, uma taxa muito inferior à legal, que é paga pelas outras empresas, e que é, actualmente, 25% de IRC e 1,5% de derrama. Se a banca tivesse pago a taxa legal, o Estado teria arrecadado, só nestes quatro anos (2004-2007), mais 1.563 milhões de euros de receita fiscal.

Então, se os bancos pagassem, democraticamente, os impostos que pagam as outras empresas – e se os seus lucros fossem orientados para satisfazer parte das necessidades nacionais – Portugal seria um país infinitamente melhor e mais justo. Seria, talvez, um país democrático.

Mas pode lá ser uma coisa dessas! Cada macaco no seu galho, entendamo-nos. Uma sociedade bem estruturada tem os seus ricos, os seus remediados e os seus pobrezinhos. Sempre assim foi, sempre assim há-de ser.

Portanto, nada de exageros. Democracia, sim… ma non troppo.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 25/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

22/06/2008

REFLEXÕES XXXVII

A FORMIGA E O ELEFANTE

Nós pensamos que não há tema que valha a pena comentar nesta ocasião sem aborrecer os pacientes leitores, depois da Mesa-Redonda de 12 de Junho, que divulgou a nova edição de um livro publicado na Bolívia há 15 anos, com um prefácio meu. Nesse programa, foi lida uma introdução elaborada posteriormente pelo presidente Evo Morales e uma mensagem da prestigiosa escritora argentina Stella Calloni, que serão incluídas na próxima edição. Escolhi cuidadosamente os dados que utilizei nesse prefácio.

Desde os primeiros anos da Revolução Cubana, desenvolveu-se um forte espírito internacionalista, que teve as suas raízes no numeroso contingente de cubanos que participou na luta antifascista do povo espanhol e tornou suas as melhores tradições do movimento operário mundial.

Não costumamos divulgar a nossa cooperação com outros povos, embora também não haja forma de impedir que a imprensa fale às vezes dela. É motivada por sentimentos profundos que não se relacionam com a publicidade.

Alguns perguntarão como é possível que um país pequeno, com poucos recursos, possa realizar uma tarefa dessa magnitude em sectores tão decisivos como a educação e a saúde, sem os quais não se pode conceber a sociedade actual?

O ser humano criou os bens e serviços indispensáveis desde que começou a viver em sociedade e esta se desenvolveu, desde as formas mais elementares até às mais avançadas, ao longo de muitos milhares de anos.

A exploração do homem pelo homem foi companheira inseparável desse desenvolvimento, como todos sabemos ou devemos saber.

As diferenças no modo de perceber essa realidade dependeram sempre do lugar que cada um ocupasse na sociedade. Via-se como uma coisa natural e a imensa maioria não tomou consciência disso.

Em pleno auge do capitalismo na Inglaterra, que estava na vanguarda, junto aos Estados Unidos e a outros países da Europa, no mundo dominado já pelo colonialismo e pelo expansionismo, um grande pensador e estudioso da história e da economia, Karl Marx, partindo das ideias dos mais prestigiosos filósofos e economistas alemães e ingleses da época — entre eles Hegel, Adam Smith e David Ricardo, com os quais discordou ― elaborou, escreveu e publicou as suas ideias sobre as relações de produção e intercâmbio no capitalismo no ano de 1859, sob o título “Contribuição para a Crítica da Economia Política”. Em 1867, continuou divulgando o seu pensamento com o primeiro volume da sua obra-prima, que o tornou famoso: “O Capital”. A maior parte do seu extenso livro, a partir de apontamentos e observações suas, foi editada por Engels, que concordava com as suas ideias e, como um profeta, divulgou a sua obra depois da morte de Marx, em 1883.

O publicado pelo próprio Marx constitui a análise mais séria escrita sobre a sociedade de classes e a exploração do homem pelo homem. Nasceu assim o marxismo, que foi o fundamento dos partidos e movimentos revolucionários que proclamavam o socialismo como objectivo, entre os quais sobressaem quase todos os partidos social-democratas que, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, traíram a palavra-de-ordem expressa por Marx e Engels no Manifesto Comunista, publicado pela primeira vez em 1848: "Proletários de todos os países, uni-vos!".

Uma das verdades que o brilhante pensador expressava textualmente, de maneira simples, era: "Na produção social da sua vida, os homens estabelecem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma fase determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. Não é a consciência do homem o que determina o seu ser, mas, ao contrário, o ser social é o que determina a sua consciência. Ao chegar a uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade, entra em contradição com as relações de produção existentes… De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações tornam-se empecilhos seus, e abre-se assim uma época de revolução social… Nenhuma formação social desaparece antes de se desenvolverem as forças produtivas que cabem dentro dela e jamais aparecem novas e mais elevadas relações de produção, antes de as condições materiais da sua existência terem amadurecido dentro da própria sociedade antiga."

Eu não poderia explicar com outras palavras esses conceitos claros e precisos emitidos por Marx de modo tal, que, com uma elementar explicação dos seus professores, até um jovem cubano pode compreender a sua essência.

Quanto ao desenvolvimento concreto da luta de classes, Marx escreveu A luta de classes na França de 1848 a 1850 e, 18º Brumário de Luis Bonaparte, duas excelentes análises históricas que deleitam qualquer leitor. Era um verdadeiro génio.

Lenin, continuador profundo do pensamento dialético e das investigações de Marx, escreveu duas obras fundamentais: O Estado e a revolução e O imperialismo, fase superior do capitalismo. As ideias de Marx, postas em prática por ele com a Revolução de Outubro, foram igualmente desenvolvidas por Mao Tsé-tung e outros líderes revolucionários do Terceiro Mundo. Sem elas, a Revolução Cubana também não teria estourado no quintal dos Estados Unidos.

Se o pensamento marxista se tivesse cingido simplesmente à ideia de que "nenhuma formação social desaparece antes de se desenvolverem todas as forças produtivas que cabem dentro dela", o teórico do capitalismo Francis Fukuyama teria tido razão ao proclamar que o colapso da URSS era o fim da história e das ideologias e devia cessar toda a resistência ao sistema capitalista de produção.

Na época em que o criador do socialismo científico expôs as suas ideias, as forças produtivas não estavam completamente desenvolvidas; a tecnologia ainda não tinha contribuído com as mortíferas armas de destruição em massa capazes de provocarem o extermínio da espécie; não existia o domínio aeroespacial, a delapidação sem limites de hidrocarbonetos e combustíveis fósseis não renováveis; a mudança climática não se conhecia numa natureza que parecia infinita para o ser humano, nem tinha surgido a crise mundial de alimentos para distribuir entre inúmeros motores de combustão e uma população seis vezes superior a um bilhão que habitava o planeta no ano em que Karl Marx nasceu.

A experiência de Cuba socialista acontece quando a dominação imperial se estendeu por toda a Terra.

Ao falar da consciência, não me refiro a uma vontade capaz de mudar a realidade, mas, ao contrário, ao conhecimento da realidade objectiva que determina a conduta a seguir.

Dezenas de milhões de pessoas morreram, em meados do século XX na guerra provocada pelo fascismo, que nasceu da entranha antimarxista do capitalismo desenvolvido, previsto por Lenin.

Em Cuba, como em outros países do Terceiro Mundo, a luta pela libertação nacional sob a direcção das camadas médias e da pequena burguesia, e a que já vinham travando os sectores mais avançados da classe operária e dos camponeses pelo socialismo, juntaram-se e potenciaram-se mutuamente. Surgiram também as contradições ideológicas e de classe. Os factores objectivos e subjectivos mudaram consideravelmente em cada processo.

Da última contenda mundial surgiram as Nações Unidas e outros organismos internacionais, nos quais muitos viram uma nova consciência no planeta. Era um engano.

O fascismo, cujo instrumento o próprio Hitler chamou de Partido Nacional-Socialista, renasceu mais poderoso e ameaçador do que nunca.

O império envia e mantém porta-aviões em todos os mares do mundo para intervir militarmente. Que decide para concorrer com Cuba na área de nosso hemisfério? Enviar um enorme navio convertido em hospital flutuante, que trabalha dez dias em cada país. Algumas pessoas podem ser ajudadas, porém está muito longe de resolver os problemas de um país; também não compensa o roubo de cérebros nem pode formar os especialistas de que precisa para prestar verdadeiros serviços médicos em qualquer dia da semana e do ano. Todos os porta-aviões juntos, que agora são instrumentos de intervenção militar nos diversos oceanos da Terra, convertidos em hospitais, não poderiam prestar esses serviços aos milhões de pessoas atendidos pelos médicos cubanos em lugares afastados do mundo, onde mulheres parem, bebés nascem e doentes precisam de atendimento urgente.

O nosso país tem demonstrado que pode resistir a todas as pressões e ajudar outros povos.

Meditava sobre a magnitude da nossa cooperação, não só na Bolívia, mas também no Haiti, no Caribe, em vários países da América Central e na América do Sul, na África, e até na longínqua Oceânia, a 20 mil quilómetros de distância. Lembrava, aliás, as missões da Brigada Henry Reeve, em casos de graves emergências, indo nos nossos próprios aviões, transportando pessoal e outros recursos.

O número de um milhão de operados da vista gratuitamente na América Latina e no Caribe de que temos falado, não está longe de ser alcançado. Por acaso os Estados Unidos podem concorrer com Cuba?

Utilizaremos os computadores não para fabricar armas de destruição em massa e exterminar vidas, mas para transmitir conhecimentos a outros povos. Do ponto de vista económico, o desenvolvimento das inteligências e das consciências dos nossos compatriotas, graças à Revolução, não só nos permite cooperar com os povos de que mais necessitam, sem custo algum, mas também exportar serviços especializados, inclusive os da saúde, para países com mais recursos que a nossa pátria. Nessa área, os Estados Unidos jamais poderão concorrer com Cuba.

O nosso pequeno país resistirá.

Em poucas palavras: A formiga pode mais que o elefante!


Fidel Castro Ruz
18 de Junho de 2008

18/06/2008

PORREIRO, PÁ!

Começo com a tradução (muito) livre de três poemas famosos. O primeiro é de Maikovsky, famoso poeta russo. Diz assim:

Na primeira noite eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam o cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e,
conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.


O outro, é de Bertold Brecht:

Primeiro, levaram os negros,
mas eu não me importei com isso. Eu não sou negro

Em seguida, levaram alguns operários,
mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.

Depois, levaram os miseráveis,
mas eu não me importei com isso,
porque eu não sou miserável.

Depois, agarraram uns desempregados,
mas como tenho o meu emprego,
também não me importei.

Agora, vêm levar-me. Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém,
ninguém se importou comigo.


Outro poema, com a mesma raiz, do poeta Martin Niemuller:

Um dia, vieram e levaram o meu vizinho, que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.

No segundo dia, vieram e levaram o meu vizinho, que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram um outro vizinho, que era católico.
Como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia vieram e levaram-me.
Mas já não havia mais ninguém para reclamar.


A todos estes poemas, com a mesma matriz e a mesma denúncia, há que juntar um outro poema, de poeta desconhecido (grande poeta é o povo!) que por aí anda a circular.

Sócrates chegou e atacou os farmacêuticos.
Como não sou farmacêutico, não disse nada.

Depois, atacou os magistrados.
Também não disse nada, porque não sou magistrado.

A seguir, atirou-se aos funcionários públicos.
Congelou carreiras e roeu-lhe os magros ordenados.
Não quis saber. Eu não era funcionário público.

Depois, virou-se para os polícias, para os militares e,
com especial fúria, contra os professores.
E nem os padres escaparam.
Também nada disse. Era com eles, não comigo.

Aumentou os impostos, a insegurança nas ruas e nas escolas,
mas não se esqueceu de introduzir seringas nas prisões,
enquanto aumentava os medicamentos e reduzia as reformas.
E eu calado que nem um rato, pois ia-me safando.

Sem se deter, fechou escolas, urgências e maternidades.
Mas como eu não tenho filhos, não estou doente,
não engravidei ninguém, nem estou grávido, assobiei para o lado.

Nem com os aumentos de impostos, as falsas licenciaturas,
os diplomas passados ao domingo na UNI, e outras pulhices, eu me ralei.
Não era nada comigo, quem puder, que se desenrasque.

Quando vi o país a transformar-se numa enorme favela,
com milhões de pobres por aí e meninos a roubar para comer, virei a cara.
Fingi não ver. Afinal, ainda tinha o meu telemóvel.

Hoje, Sócrates bateu à minha porta com a Código de Trabalho socialista,
e atirou-me para o desemprego.

Já gritei, mas ninguém me ouviu.

Até parece que a coisa só me toca a mim!


Apetece dizer a quem é como o poema retrata: «Porreiro, pá! Olha, abrisses os olhos mais cedo. Tivesses sido decente e solidário, em vez de um crápula egoísta».

Mas este «porreiro, pá!» leva-me para outra conversa. O chumbo do Tratado de Lisboa pelo povo irlandês, graças a quem a Europa foi salva (até ver) das grilhetas que lhe queriam impor. Na verdade, no referendo realizado dia 12 Junho, a maioria do povo celta rejeitou este arremedo de constituição europeia, que em outra versão já fora rejeitado pelos povos francês e holandês.

Aliás, como disse – e bem – Alberto João Jardim, que pode ser rude e grosso, mas de parvo não tem nada, o Tratado de Lisboa só não foi chumbado em mais países porque, temendo isso mesmo, os governos europeus preferiram aprová-lo nos seus parlamentos, onde tinham a garantia de sucesso. Grandes democratas.

Recordo que, em Portugal, o governo Sócrates deu o dito por não dito, e recusou-se a efectuar um referendo popular, precisamente com medo dos seus resultados. Nos demais países europeus, excepto a Irlanda, passou-se o mesmo: recusaram aos povos o direito de se pronunciarem contra um documento que transformaria o velho Continente num feudo do poder económico, ou seja, das políticas neo-liberais. Por isso – e até ver – porreiro, pá!

Falando em neo-liberalismo: há novidades do outro lado do Atlântico. Caladas, ignoradas, verdadeiramente censuradas. Oiçam isto, escrito por Mark Whitney e publicado no site www.resistir.info, cuja leitura aconselho.

«Olhem à vossa volta. Por toda a parte vemos uma economia debilitada. Nos "bons tempos”, os consumidores fugiam das prateleiras da carne enlatada. Hoje em dia, as vendas de conservas subiram em flecha; as mercearias têm dificuldade em manter as prateleiras cheias. Toda a gente procura a maneira mais barata de alimentar a família. O Departamento do Trabalho garante que a inflação é de apenas 4%, mas todos sabemos que isso é uma treta. O preço dos alimentos está para além do imaginável. O pão branco subiu 13%, o bacon subiu 7% e a manteiga de amendoim mais de 9%. A inflação entrou em derrapagem e não se sabe onde vai parar. O dólar está quase ao nível do peso e os trabalhadores lutam para sobreviver. O que acontece é que há cada vez mais pessoas "no mais rico país do mundo" a sobreviver à custa da carne de porco enlatada. Isto diz tudo.

Em Santa Bárbara, os parques de estacionamento estão a ser transformados em dormitórios para que as famílias que perderam as suas casas no escândalo do subprime possam dormir nos seus carros sem serem incomodadas pela polícia. O mesmo acontece em Los Angeles, onde nasceram cidades de tendas nos terrenos dos caminhos-de-ferro para acomodar o número crescente de pessoas que perderam os seus empregos ou não têm hipótese de alugar um quarto com os seus salários ganhos na indústria ou nos serviços. Por todo o lado as pessoas sentem o cinto a apertar; é por isso que 9 em cada 10 americanos acham agora que o país caminha na direcção errada e é por isso que a confiança dos consumidores se encontra no ponto mais baixo desde a Grande Depressão. É este o grande triunfo da economia vudu do "gotejamento do mercado livre de Reagan; famílias completas a viverem dentro dos seus automóveis à espera que abra a loja de penhores.»

Agora sou eu que digo:

Porreiro, pá!


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

11/06/2008

SINTO VERGONHA DE MIM

«Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude.
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.»

Quem pudesse, por distracção, imaginar que o texto que acabei de ler fosse de minha autoria – e escrito nos tristes dias que correm – apresso-me a corrigi-lo. Ele foi escrito, no Século XIX por um brasileiro famoso, Ruy Barbosa, de quem direi, muito resumidamente que nasceu em S. Salvador da Baía, em 5 de Novembro de 1849, vindo a falecer em Petrópolis, em Março de 1923. Foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e célebre (talvez o mais célebre) orador brasileiro.

Já agora, deixem-me que vos diga que só acrescentaria aos versos deste texto (e cito)

«e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade»,

o seguinte:

«Nem a pendurarei à janela, como vulgar peça de roupa a enxugar, ou espetarei num pau grosseiro, em louvor de uma simples selecção de pontapé na bola, em nome de patriotismo bacoco, enquanto a Pátria vê milhões de filhas e filhos seus, angustiados, lutarem por uma côdea para boca, morrerem, à míngua de assistência médica, à porta de urgências encerradas ou parirem em garagens e ambulâncias, porque o governo fechou maternidades públicas em proveito de interesses privados».

Então, o texto de Ruy Barbosa, escrito há cerca de um século, no Brasil, assentaria que nem uma luva neste triste, feio e perigoso Portugal de hoje.

De facto, esquecendo o preço do arroz, dos juros bancários, dos combustíveis e de outros géneros de primeiríssima necessidade, os portugueses vivem a euforia do Euro 2008. Revêem-se numa selecção que não representa o povo nem o país, porque, na verdade, não corresponde ao Portugal pequenino e miserável onde temos a desdita de viver.

Primeiro, porque entre o mundo do futebol e o nosso dia-a-dia não há comparação possível. Segundo, porque os clubes de futebol já há muito que saíram das mãos do povo que os amava e sustentava, para serem propriedade de bancos e empresas multinacionais, alimentando negócios de muitos milhões. Finalmente, porque – salvo honrosas e raríssimas excepções – os jogadores já não sentem as camisolas que vestem, não passando os clubes de trampolins para novas contratações, possíveis ou apenas sonhadas. Mesmo a nível das selecções, as competições internacionais não passam de palcos onde cada jogador, mais do que honrar as cores do seu país, pretende mostrar os dotes que lhe façam subir a cotação, tal como as prostitutas mostram as pernas nas bermas das estradas.

No entanto, aqui e além esboçam-se lutas e protestos, num crescendo que pode significar um princípio de mudança. São os professores, são os pescadores, são os trabalhadores da administração central e local, acompanhados por muitos trabalhadores do sector privado. São os camionistas. Aqui e ali acendem-se focos de revolta, de indignação. Cada vez são menos os que se dizem socialistas e garantem ter votado em Sócrates.

Mais e melhor do que isso: aumenta o número dos que percebem que Sócrates não passa, afinal, de um pequeno e ridículo peão do sistema global de exploração dos povos, limitando-se a cumprir em Portugal (desajeitadamente, diga-se) o que a ordem económica mundial, estabelecida pelo poder económico, determina e manda aplicar.

Se outros exemplos não tivéssemos, repare-se só no que se passa em Portugal com o preço dos combustíveis. Atente-se, para além das mentiras que nos contam, nas verdades que nos escondem.

No ano 2000, já tínhamos os combustíveis mais caros da Europa, sem considerarmos os impostos. Considerando a evolução do custo dos combustíveis, antes de impostos e para o consumidor final, temos o seguinte panorama, desde 2000 até à presente data:

• O custo da gasolina subiu 61% em Portugal, enquanto que na Europa subiu apenas 31%;

• O custo do gasóleo subiu 100% em Portugal, enquanto que na Europa subiu apenas 51%.

Todas as gasolineiras em Portugal se abastecem nas refinarias da Galp, não utilizando combustíveis importados nos postos das respectivas redes de distribuição. Ora, sendo a importação de produtos petrolíferos livre, as diversas companhias podiam não se abastecer na Galp, se os preços de importação fossem mais competitivos. Se não o fazem, é porque a Galp lhes vende o produto a um preço inferior ao que obteriam se recorressem, por exemplo, ao mercado europeu.

Conclui-se, assim, que a Galp tem preços finais de produção inferiores aos internacionais. Apesar disto, a Galp vende, ao cidadão comum, os mesmos produtos a preços muito superiores aos preços europeus. Percebe-se, agora, o porquê dos seus lucros fabulosos, nomeadamente os relativos ao último trimestre deste ano. A Galp não se limita a vender um produto a um preço justo. Ela, através dessa venda, assalta literalmente o povo português.

Assim se explica que, aumentando, supostamente, o custo da matéria-prima – o crude – a Galp possa gerar lucros fabulosos. Acontece que sendo o petróleo cotado em dólares, e estando o dólar bastante desvalorizado face ao euro, porque a Galp paga em euros, logo o aumento do preço do petróleo, para a Galp, é muito inferior ao propalado.

No entanto, desde que o accionista Estado lhe permita aumentar os preços no consumidor final, sempre que muito bem entenda, está como peixe na água. E porque o consumidor não pode prescindir, de imediato, dos produtos que a Galp comercializa, a Galp abusa, portanto, da nossa dependência. Ora, o Estado detém na Galp uma “Golden Share”, o que lhe dá o direito de decidir em questões estratégicas. Porque não utiliza tal faculdade para intervir neste caso, moderando a ganância da Galp?

Resposta: Porque Sócrates não quer. E não quer, porque não governa para os portugueses, mas para os grandes interesses económicos. Ponto final.

E é precisamente por isso que eu continuo sem abastecer na Galp.

Bandeiras à janela? Só se forem negras!


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

08/06/2008

SÓCRATES É RIDÍCULO!

O dito cujo “engenhero” já nem sequer tem a noção do ridículo. Há dias, num momento de completa alucinação e dirigindo-se a Francisco Louça, disse-lhe: "- você não tem idade nem curriculum", estabelendo a comparação entre ele e o dirigente do BE.

Não querendo fazer qualquer tipo de avaliação política sobre um ou sobre outro, aproveitei uma pesquisa que me chegou via mail, a qual refere ser a diferença de idades entre eles de apenas alguns meses. Por isso, sobre a idade, estamos conversados, já não se passando o mesmo em relação ao curriculum.

De Francisco Louçã, destaca-se:

ACTIVIDADE POLÍTICA
Nasceu em 12 de Novembro de 1956. Participou na luta contra a Ditadura e a Guerra no movimento estudantil nos anos setenta, foi preso em Dezembro de 1972 com apenas 16 anos e libertado de Caxias sob caução, aderindo à LCI/PSR em 1972.
Em 1999 fundou o Bloco de Esquerda. Foi eleito deputado em 1999 e reeleito em 2002 e 2005. É membro das comissões de economia e finanças e antes da comissão de liberdades, direitos e garantias. Foi candidato presidencial em 2006.

ACTIVIDADES ACADÉMICAS
Frequentou o ensino secundário em Lisboa no Liceu Padre António Vieira (prémio Sagres para os melhores alunos do país), o Instituto Superior de Economia (prémio Banco de Portugal para o melhor aluno de economia), onde ainda fez o mestrado (prémio JNICT para o melhor aluno) e onde concluiu o doutoramento em 1996.
Em 1999 fez as provas de agregação (aprovação por unanimidade) e em 2004 venceu o concurso para Professor Associado, ainda por unanimidade do júri.
É professor no ISEG (Universidade Técnica de Lisboa), onde tem continuado a dar aulas e onde preside a um dos centros de investigação científica (Unidade de Estudos sobre a Complexidade na Economia).
Recebeu em 1999 o prémio da “History of Economics Association” para o melhor artigo publicado em revista científica internacional. É membro da “American Association of Economists” e de outras associações internacionais, tendo tido posições de direcção em algumas; membro do conselho editorial de revistas científicas em Inglaterra, Brasil e Portugal; 'referee' para algumas das principais revistas científicas internacionais (American Economic Review, Economic Journal, Journal of Economic Literature, Cambridge Journal of Economics, Metroeconomica, History of Political Economy, Journal of Evolutionary Economics, etc.).
Foi professor visitante na Universidade de Utrecht e apresentou conferências nos EUA, Inglaterra, França, Itália, Grécia, Brasil, Venezuela, Noruega, Alemanha, Suíça, Polónia, Holanda, Dinamarca e Espanha.
Publicou artigos em revistas internacionais de referência em economia e física teórica e é um dos economistas portugueses com mais livros e artigos publicados (traduções em inglês, francês, alemão, italiano, russo, turco, espanhol, japonês).
Em 2005, foi convidado pelo Banco Mundial para participar com quatro outros economistas, incluindo um Prémio Nobel, numa conferência científica em Pequim, foi desconvidado por pressão directa do governo chinês alegando razões políticas.
Terminou recentemente um livro sobre "The Years of High Econometrics" que será publicado brevemente nos EUA e em Inglaterra.

OBRAS PUBLICADAS
Ensaios políticos - Ensaio para uma Revolução (1984, Edição CM); Herança Tricolor (1989, Edição Cotovia); A Maldição de Midas - A Cultura do Capitalismo Tardio (1994, Edição Cotovia); A Guerra Infinita, com Jorge Costa (Edições Afrontamento, 2003); A Globalização Armada - As Aventuras de George W. Bush na Babilónia, com Jorge Costa (Edições Afrontamento, 2004); Ensaio Geral - Passado e Futuro do 25 de Abril, co-editor com Fernando Rosas (Edições D. Quixote, 2004).

Livros de Economia - Turbulence in Economics (edição Edward Elgar, Inglaterra e EUA, 1997), traduzido como Turbulência na Economia (edição Afrontamento, 1997); The Foundations of Long Wave Theory, com Jan Reinjders, da Universidade de Utrecht (edição Elgar, 1999); dois volumes Perspectives on Complexity in
Economics, editor, 1999 (Lisboa: UECE-ISEG): Is Economics an Evolutionary Science?, com Mark Perlman, Universidade de Pittsburgh (edição Elgar, 2000); Coisas da Mecânica Misteriosa (Afrontamento, 1999); Introdução à Macroeconomia, com João Ferreira do Amaral, G. Caetano, S. Santos, Mº C. Ferreira, E. Fontainha (Escolar Editora, 2002); As Time Goes By, com Chris
Freeman (2001 e 2002, Oxford University Press, Inglaterra e EUA); já traduzido para português (Ciclos e Crises no Capitalismo Global – Das revoluções industriais à revolução da informação, edições Afrontamento, 2004) e chinês (Edições Universitárias de Pequim, 2005).

De Sócrates sabe-se:

- Que deve ter concluído o ensino secundário (com maior ou menor dificuldade) e iniciado um bacharelato enquanto militava nas hostes da JSD;
- Que ilegalmente assinou uns projectos de construção de uma espécie de casas que são um atentado ao bom gosto e uma afronta aos verdadeiros engenheiros e arquitectos;
- Que por oportunismo e compadrio se inscreveu no PS vindo a ser deputado e secretário de estado do ambiente com a ajuda - entre outros - da sua amiga Edite Estrela;
- Que diz ter concluído uma licenciatura em engenharia civil numa Universidade que já fechou, continuando a existir muitas dúvidas sobre a sua legalidade;
- Que as únicas obras publicadas foram as mentiras constantes do seu programa de governo de que é co-autor.

Não acham que ele é ridículo ?


Celino Cunha Vieira

04/06/2008

A MANJEDOURA PRIVADA

Portugal transformou-se, todo ele, numa enorme manjedoura privada, onde têm lugar cativo dois grupos de cidadãos: os senhores do dinheiro e os senhores da classe política. São eles – uns e outros, em conjunto – os donos de várias coisas, a saber:

1 – As riquezas naturais;

2 – Os meios de produção;

3 – Os recursos financeiros;

4 – Os cordéis da economia (a que chamam mercado);

5 – A capacidade de fazer as leis;

6 – O poder de as aplicar;

7 – A capacidade de, através de tudo isto, determinar o quinhão da riqueza nacional que cabe a cada cidadão;

8 – O supremo poder de condicionar a vida de cada um desses cidadãos, sujeitando-os e oprimindo-os em termos económicos, sociais, políticos e culturais. No fundo, tendo sobre eles o poder da vida e da morte;

9 – Condicionar, através da manipulação ideológica, baseada na detenção dos meios de comunicação social, os actos eleitorais, forma de garantirem e legitimarem a manutenção do seu poder.

10 – Considerar ilegítima – e, em último caso, ilegal – qualquer tentativa que vise alterar a ordem assim estabelecida, tida como a única aceitável no contexto da sociedade humana.


São estes os princípios gerais – reais, mas não confessados – que caracterizam e sustentam as chamadas democracias ocidentais. No fundo, pode dizer-se que, à luz desta realidade, Democracia é o regime político que consagra, através do voto, uma ordem económica caracterizada pela detenção da riqueza nas mãos de uns quantos, fomentando a sua acumulação e crescimento – sendo esse o seu princípio sacrossanto – impondo aos restantes cidadãos a aceitação do que sobrar. Caso sobre.

E se o voto, em dado momento, disser que a ordem económica deve ser outra, que não essa, logo o voto, ali mesmo, deixa de ser democrático, sagrado e válido. Grite-se que houve fraude, e mande-se a tropa restabelecer a democracia, ou seja, manter intactas as arcas e contas bancárias dos donos de tudo o que há. E dos seus homens de mão, os políticos.

Ora, se estamos perante um autêntico drama burlesco representado à escala mundial, em Portugal a situação assemelha-se a uma reles ópera buffa. Temos dado aqui exemplos vários – e repetidos – das mais descaradas imoralidades que a classe política e o poder económico, mancomunados, por aí vão semeando. Um deles, diz respeito aos ordenados e reformas que uns e outros decidem para si próprios, enquanto impõem aos milhões de seres humanos que, literalmente, os sustentam, ordenados e remunerações aviltantes. A nobreza feudal, dos velhos tempos da Idade Média, não faria melhor, nem mais à-vontade. Talvez na França de Luís XVI, nas vésperas da Revolução Francesa, encontremos uma pouca-vergonha semelhante.

Está, então, Portugal transformado numa enorme manjedoura onde abancam, com lugar vitalício, os magnatas e os seus esbirros de S. Bento, Belém e nos variados municípios onde o poder, em escala reduzida, também se exerce.

É certo que se dividem, os políticos, em pequenas guerras de clã ou matilha, mostrando os dentes e rosnando uns aos outros, na luta pelo quinhão que pretendem abocanhar. E até dentro da mesma matilha, como se viu agora num dos maiores partidos nacionais, a luta surda por um lugar à mesa do Orçamento existe e ganha foros de acontecimento nacional.

Notoriamente, são todos iguais na ânsia de se lambuzarem depressa e bem, não vá ouvir-se, um dia destes, uma nova e inesperada Marselhesa convocar a ralé para o assalto à Bastilha.

Vivem, assim, os políticos de nós, apesar de se dizer que vivem para nós. Fingem confrontar-se em nosso nome e pelos nossos interesses, quando é, na verdade, em seu nome – e pelos seus interesses – que se esganiçam e esperneiam. E, principalmente, nenhum deles – salvo honrosas e cada vez mais raras excepções – querem que a Marselhesa ecoe e a Bastilha caia aos pés dos deserdados.

De facto, até muitos daqueles de quem se esperaria que estivessem do lado de cá da barricada, prontos para uma luta em nome da qual vieram á política, já se enroscaram no seu cadeirão do mando, mandaram às malvas os princípios, os ideais e a sua dita visão humanista da história, sorvendo gananciosamente as alcavalas do cargo. Clamam (melhor dizendo: clamaram, dantes) contra os boys e as girls dos outros, mas rodeiam-se dos seus próprios boys e girls. Sem a mínima temperança, sem o mínimo decoro.

Amanham as suas reformas, gordas e antecipadas, e praticam as políticas e usam os métodos que condenam nos adversários. Autarca que cesse funções aqui, arranja um cargo acolá. Câmara que mude de mãos, provoca um êxodo de delfins dos derrotados, que são acolhidos noutras autarquias, se geridas por rapaziada da cor. Entretanto, os vencedores abrem as portas aos seus correligionários corridos de outro sítio, num baile que tem tanto de ignóbil como de desavergonhado. E, claro está, tudo isto é democrático.

Então, sendo todos diferentes – mas todos iguais – que resta ao povoléu?

Talvez saber se Manuela Ferreira Leite vai bater o pé a Sócrates, mesmo que seja para fazer o que Sócrates faz. Tal e qual. E se Santana Lopes continua a andar por aí. Coisas importantes, sem dúvida.

Mas o que importa realmente ao populacho, meus amigos, é saber a cor das cuecas do Cristiano Ronaldo, se Portugal ganha o Europeu, e se o Ricardo vai dar algum «frango».

Entretanto, na manjedoura, de que só comemos o que cai no chão – as míseras sobras – o festim continua.

Democraticamente.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

01/06/2008

SÓCRATES É JUSTO !

Preocupado com as grandes dificuldades de quem tem um iate de luxo para sustentar, Sócrates permite que nestes utilitários de fim de semana e das férias em Agosto se possa utilizar o gasóleo industrial ao mesmo preço dos barcos de pesca ou das alfaias agrícolas, ou seja, a 80 cêntimos o litro, graças à portaria n.º 117-A, de 8 de Fevereiro.

É bom de ver e de compreender que estas embarcações são essenciais para o país, já que proporcionam aos seus proprietários e amigos as necessárias descargas de stress acumulado ao longo da semana aos distintos membros do governo, banqueiros, administradores públicos e afins.

Que seria de nós se estas cabeças pensantes não pudessem usufruir da partidinha de golfe, da boa almoçarada de marisco e peixe fresco acompanhados por vinhos de colheitas seleccionadas, culminando o dia com um belo passeio para ver o pôr do sol nas tranquilas águas do oceano que nos banha.

Sócrates é justo! Ele sabe, porque é “engenhero”, que a manutenção de uma embarcação de recreio tem imensos encargos, como seja, a taxa de acostagem numa marina, o pessoal de marinhagem, a limpeza dos cascos, as revisões dos motores e do restante equipamento, para além de um frigorífico sempre bem recheado de champanhe e caviar, que como se sabe, está pela hora da morte.

Por todas estas razões Sócrates dá assim uma pequena ajuda, para que estes portugueses possam continuar a usufruir de um bem essencial, só comparável a outros que não sendo tão importantes, como o acesso gratuito à saúde (perdão, tendencialmente gratuito), à habitação, à alimentação, ao emprego, à educação, aos transportes, etc., tanto o tem preocupado e levado a tomar medidas justas e que estão à vista de todos.

À vista de todos não será bem assim, porque ainda existem uns milhares para irem a Cuba operar-se.


Celino Cunha Vieira

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