25/02/2009

SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Tenho ouvido, por várias vezes, V. Exa. apelar aos portugueses para que enfrentem as dificuldades com coragem e optimismo, com espírito positivo, lutando contra as adversidades sem queixumes e desânimos, rematando, quase sempre, com a conclusão de que só assim, com esse espírito, se conseguirá vencer a crise e ultrapassar os tempos difíceis que vivemos e, principalmente, os que aí vêm.

Deixe-me dizer-lhe que oiço essas palavras há muitos anos. Ouvi-as de Salazar, ouvi-as de Marcelo Caetano, ouvia-as de Mário Soares, ouvi-as de todos os outros que, até hoje, se têm sentado nos cadeirões de Belém e de S. Bento. De V. Exa., inclusive, quando lhe foram confiadas as rédeas da governação, aqui há uns anos.

Compreendo que, ao falar em dificuldades, não possa V. Exa. enumerar cada uma delas – e muitas são, como sabemos – pelo que a abstracção poderá, com alguma boa-vontade, justificar-se. Compreendo, também, que no curto espaço de que dispõe para falar ao país, não possa explicar-nos a razão dessas dificuldades, as suas causas próximas e remotas. Ou – quem sabe? – talvez prefira não as enumerar, pois isso negaria, eventualmente, a visão oficial sobre os problemas existentes, o mesmo é dizer-se: poria em causa o sistema que lhe permitiu, um dia, ser primeiro-ministro, e permite, agora, ser presidente da República. Precisando: poria em causa a ideologia dominante e o sistema económico que lhe está na génese.

Talvez por isso, quando V. Exa. fala em problemas concretos como o desemprego, a larga franja de famílias carenciadas, as desigualdades sociais e outras chagas do género (poderia, mesmo, falar em miséria, que não lhe ficaria nada mal fazê-lo), fica-se sempre a pensar, das suas palavras, que estes problemas são, em parte, fruto do acaso, coisas de combustão espontânea ou, quando muito, consequência de inocentes e pontuais erros da governação. E que, para serem vencidos, basta que para aí uns quantos milhões de portugueses se deitem ao trabalho com unhas e dentes, de cara muito alegre e optimismo a deitar por fora, para que daqui a não sei quantos dias, semanas, meses ou anos, a crise esteja vencida.

Se eu não tivesse já os anos de vida que tenho, diria que talvez desse lado, do lado de quem detém o poder, as coisas possam ser vistas assim. Que talvez possuísse V. Exa. conhecimento de factos que escapam ao cidadão comum e que, à luz deles, se compreenda o que nos acontece, enquanto povo. Mas, tendo eu já passado, como disse atrás, por Salazar, Marcelo, Soares e todos quantos, depois disso, governaram Portugal, é justo dizer que deste lado, do lado dos que sofrem a vida dia-a-dia, esses factos que V. Exa. conhecerá, sejam eles quais forem, pouco servem para explicar – e, muito menos, resolver – aquilo que nos fere. É que, senhor Presidente, as «razões de Estado» são razões de costas largas, alheias ao bem-estar social e, apenas, convenientes para aqueles a quem elas se ajustam ou encobrem.

Ou talvez – e também é compreensível que assim se possa pensar – não queira, ou não possa, V. Exa. dizer-nos tudo o que sabe e deveria, pois outros diriam outras coisas e, abertos os armários onde se guardam todos os segredos (os de Estado e outros, de várias cores e tamanhos), lá se iria de vez a «ordem natural das coisas» em que vivemos. Ou nos forçam a viver.

Posto isto, é tempo de perguntar a V. Exa. se posso traduzir as suas palavras de estímulo e encorajamento, como um apelo ao sacrifício, a um labor cego e alheio ao que se passa à volta, a uma entrega gratuita e acéfala aos desígnios da economia, a uma indiferença de robot face ao que possa acontecer ao fruto desse labor, sem pedir contas a ninguém, sem capacidade crítica, sem exigir a justa recompensa e a mais que justa repartição da riqueza criada?

Quererá, segundo parece, dizer V. Exa., que bastar-nos-á o optimismo e a entrega incondicional nas mãos do aparelho produtivo para, daqui a uns tempos, tudo estar melhor?

Por outras palavras: dependerá, na sua visão, a Pátria assim tanto de nós?

Não me atrevo a pensar que alguma vez estas dúvidas mereçam o esclarecimento do presidente da República, pelo menos enquanto o nosso sistema político e económico for o que é e, principalmente, enquanto os nossos políticos estiverem reféns uns dos outros e, todos eles, reféns da alta finança que a todos – e a tudo – controla.

Pede V. Exa., então, coragem, optimismo e determinação aos portugueses. Em suma: espírito de sacrifício, que eu, muito plebeiamente, poderia traduzir por muito trabalho e fé em Deus.

Entretanto, como sabe, senhor Presidente da República, para além dos trabalhadores, dos estudantes, dos reformados, dos desempregados (que já ultrapassam o meio milhão, só nos simpáticos números oficiais), das centenas de milhares de trabalhadores precários, dos que têm salários em atraso, enfim, do povo em geral, a quem, a sua mensagem é, inquestionavelmente, dirigida, existem outros portugueses que não dão pela crise e, pelo contrário, não só dela se têm aproveitado, como foram eles que, por procedimentos legais ou ilegais – mas sempre inegavelmente imorais – para ela contribuíram.

Saberá, com certeza, que os portugueses comuns a quem se dirige, incentivando-os ao optimismo e a mais trabalho – e ao trabalho a qualquer preço, (os que têm trabalho, claro) – ganham, em média, pouco mais de metade (55%) do que se ganha na zona euro? E que não é a eles – a nenhum deles – que se podem assacar culpas pela crise que aí está. Mas que os nossos estimados gestores, recebem, em média, mais 32% do que os americanos; mais 22,5% do que os franceses; mais 55 % do que os finlandeses e mais 56,5% do que os suecos"? Sabia disto?

Que mensagem terá, então, V. Exa. para esta casta, que tão bem conhece, já que saltitam de governo em governo, deles para os conselhos de administração (muitos destas distintas figuras foram seus ministros e enriqueceram em pouquíssimos anos), acumulando benesses escandalosas, ordenados fabulosos, reformas de nababos, bastas delas reforçados com novos ordenados e reforçadas mordomias? Que lhes pedirá?

Que dirá ao senhor governador do Banco de Portugal, como elemento integrante de uma estrutura que se atreve a estabelecer para si própria ordenados e regalias muitas vezes superiores ao que o país mais poderoso do mundo – os EUA – se permite dar ao seu presidente da Reserva Federal? Diga-me, pelo menos, se não se sente ultrajado por aquilo que, sendo legal, apenas porque o decidiu quem tinha poderes para tanto, não deixa de ser uma imoralidade monumental? Porque não admitir, então, à luz da disposição constitucional que considera todos os portugueses iguais perante a lei, poderem os trabalhadores, eventualmente através dos seus sindicatos, decidirem, de igual modo, o valor dos seus ordenados, pensões e demais regalias? Porque podem os senhores que governam e governaram o Banco de Portugal decidir quanto ganham, e o comum dos portugueses não? Não estaremos, aqui, perante um evidente vestígio de mentalidade feudal, segundo o qual aos amos eram conferidos direitos que aos servos eram negados? Enquadra-se esta situação no seu conceito de República e, principalmente, de Democracia? Parece que sim.

E parece que sim porque V. Exa. promulgou, apenas com um senão, o Código do Trabalho, onde se coloca, literalmente, a vida dos milhões de trabalhadores portugueses nas mãos dos seus empregadores. Em muitos casos, este aborto da democracia em curso, chega a envergonhar as disposições laborais dos tempos da ditadura que – embora me custe admiti-lo – nunca se atreveu a ir tão longe.

Entretanto, o país esboroa-se. Física e moralmente. A criminalidade multiplica-se, fruto das dificuldades económicas, da desmoralização reinante, do vale-tudo que a classe dominante tem como insígnia, e que já não consegue esconder. Casos como os do BPN e BPP são, como saberá, pontas de um icebergue global, e ilustram bem a quem estamos entregues.

Porque o clima é este, porque a lei da selva se instituiu como instrumento nacional, a pequena e a grande criminalidade confundem-se nos objectivos e só se distinguem nos métodos e nas punições. Mata-se – e bem – o que assalta um banco, de fora para dentro; protege-se e branqueia-se os que os assaltam por dentro.

No meio desta barafunda, temos um primeiro-ministro que só o é porque estamos em Portugal e, como já disse anteriormente, a classe política, que se guerreia por aquilo a que o povo chama «tachos», «gamelas», ou «mesa do orçamento», protege-se quando se trata de limpar as nódoas do banquete onde todos convivem. É evidente que os casos que já vieram a lume, envolvendo o primeiro-ministro (dos quais o Freeport é apenas o mais estrondoso), só ainda não descambaram em exigências de demissão porque andam por aí muitas moedas de troca. Há armários cheios de esqueletos nas várias casinhas desta democracia pindérica, mas de acentuados traços sicilianos.

Que orgulho, motivação, esperança ou outra coisa qualquer pode ter um português para se dispor a salvar o seu país, quando sabe que ele não lhe pertence? Que está nas mãos de gente que, todos os dias, nos dá uma prova de falta de escrúpulos?

Diga-me, senhor presidente: acha que o caso da licenciatura de José Sócrates é uma cabala, uma manobra negra da oposição? Acha que o facto de José Sócrates ter mentido no documento que entregou na Assembleia da República e que, depois, viciou, lhe permite ser uma pessoa confiável para governar um país? E o facto de ter negado conhecer o professor que o passou a quatro disciplinas, quando se sabe que o mesmo senhor fez parte de um governo ao qual pertencia, para além de estar provado conhecê-lo, intimamente, de certas aventuras serranas?

Não acha, senhor presidente, que os processos, arquivados ou em curso (e, inexplicavelmente, escondidos há anos numa qualquer gaveta milagrosa), onde o nome do primeiro-ministro e do seu tal professor da UNI constam, por serem coisas reais e não cabalas e campanhas negras, devem ser tidos em linha de conta para se avaliar a personalidade de quem governa o país e, em último caso, deveria ser um exemplo para todos?

Acha que a farsa do computador Magalhães, fruto falso de neurónios nacionais (trata-se de um produto da Intel, disfarçado de azul), que rendeu, sem concurso, milhões de euros a uma firma ligada ao PS, com sérios problemas fiscais, dignifica e moraliza a nossa vivência colectiva?

Acha que é normal, decente e democrático um governo exercer pressões sobre a comunicação social – o último caso denunciado partiu do director do semanário SOL – para impedir que o país saiba os podres do governo e, em particular, do seu primeiro-ministro?

Acha próprio um país da União Europeia ser governado por um homem que escondeu, no seu currículo, ter feito parte de uma sociedade onde os outros três sócios (entre eles, Armando Vara, hoje administrador do BCP – e também licenciado num ápice pela UNI – e Fátima Felgueiras) acabaram condenados em distintos processos? E o outro, Sobral de Sousa, foi condenado em vários processos de falsificação.

Acha, ainda, dignificante para Portugal que o actual primeiro-ministro seja envolvido pela polícia nacional, pela polícia inglesa e por familiares seus num caso de corrupção, e que se assista, como única defesa do visado, ao lançamento de uma nuvem de fumo, que é a ridícula tese da cabala? Não configura todo o processo do Freeport algo de muito grave, suficientemente grave para um governante se demitir para permitir que a Justiça apurasse toda a verdade? Não disse, inclusive, V. Exa. que se trata – o caso Freepot – de uma questão de Estado? Ou tratou-se de uma frase sem significado?

Gostaria – mas sei que é pedir a lua – de o ouvir a propósito disto tudo. Gostaria, ainda mais, de nunca me ter sentido obrigado a escrever o que escrevi.

Porém, tenho a certeza de duas coisas:

a primeira, é que enquanto o país estiver nas mãos de quem está, todos os seus apelos aos portugueses serão inúteis;

a segunda, é que no dia em que este país for, realmente, uma democracia plena, de facto e de direito, ninguém precisará de apelos para cumprir o seu dever de cidadão e de patriota.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 25/02/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

22/02/2009

OS VAMPIROS

Através de e-mail chegou-me um texto de autor desconhecido que revela bem como somos roubados indecentemente, sem que haja por parte das instituições que nos deviam representar (começando pelo Presidente da República) qualquer acção para pôr cobro a tão grandiosa escandaleira.

Estamos em ano de eleições. È chegada a hora de deixarmos a partidarite de lado e votarmos em gente honesta.

Leiam e meditem:


OS VAMPIROS NO BANCO DE PORTUGAL

1) Para quem não saiba quem é Alan Greenspan, fique a saber que é um senhor nascido em Nova Iorque, de origem judaica, que gostava de tocar saxofone na adolescência, que se doutorou com elevadíssimas médias em Economia e que foi nomeado pelo presidente Reagan, em Junho de 1987, 'Chairman of the Board of Governors of the Federal Reserve' - nomeação confirmada pelo Senado dois meses depois.

2) O 'Federal Reserve' está para os americanos como o Banco de Portugal está para nós. E por que estou eu com toda esta conversa sobre o Sr. Greenspan? Porque quando ele deixou o lugar, em Janeiro de 2006, auferia anualmente, pelo desempenho daquele alto cargo, a módica quantia de 186.600 dólares norte-americanos por ano - qualquer coisa como 155.000 euros. O valor dos honorários dos outros membros do Conselho de Administração ('Vice-Chairman' incluído) é de cerca de 150.000 euros.

3) Agora, sabem quanto pagamos ao Governador do Banco de Portugal, um senhor dotado de prodigioso crânio, que dá pelo nome de Vítor Constâncio? Não sabem, pois não? Então pasmem: 280.000 euros, leram bem, DUZENTOS E OITENTA MIL EUROS! É claro que uma grande potência como Portugal, que possui o dobro da influência, à escala planetária, dos insignificantes EUA, tinha de pagar muito bem ao patrão do seu Banco, além de todas as incontáveis mordomias que lhe dispensa, tal como aos seus pares daquela instituição pública. Também é claro que a verba do americano é fixada pelo Congresso e JAMAIS - como diria o bronco do Lino - pelo próprio, ao contrário do que se passa no país dos donos do mundo e dos maiores imbecis que habitam o planeta Terra.

4) O que mais impressiona nestes números é que o homem que é escutado atentamente por todo o mundo financeiro, cuja decisão sobre as taxas de juro nos afecta a todos, ganha menos do que o seu equivalente num país pobre, pequeno, periférico, que apenas uma ínfima parcela desse território presta alguma atenção! Até a reforma do Mira Amaral é superior à do Greenspan! Talvez não fosse má ideia espreitarem o portal do Banco de Portugal e verem quem por lá passou como governador, http://www.bportugal.pt/ http://www.bportugal.pt , cliquem em 'história'.

5) Por que razão esta escandalosa prática se mantém? Pela divisa do Conselho de Administração do Banco de Portugal que deve ser parecida com algo assim: 'Trabalhe um dia, receba uma pensão de reforma vitalícia e dê a vez a outro.'

6) Os sucessivos governadores do Banco de Portugal têm muito em comum. Por exemplo, sempre que aparecem em público de rompante é porque vem aí borrasca! 'Os portugueses vivem acima das suas possibilidades. Há que cortar nos ordenados, há que restringir o crédito!' Proclamam-no sem que a voz lhes trema, mesmo quando se sabe que o actual governador aufere rendimentos que fariam inveja a Alan Greenspan. No fundo, o que eles nos querem dizer é, 'Vocês vivem acima das vossas possibilidades, mas nós não!' Têm carradas de razão.

7) As remunerações dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal são fixadas, de acordo com a alínea a) do art. 40.º da Lei Orgânica, por uma comissão de vencimentos. E quem foi que Luís Campos e Cunha, o então ministro das Finanças e ex-vice-governador do Banco de Portugal, nomeou para o representar e presidir a essa comissão? O ex-governador Miguel Beleza, o qual, como adiante se verá, e caso o regime da aposentação dos membros do conselho de administração também lhe seja aplicável como ex-governador do Banco, poderá beneficiar dos aumentos aprovados para os membros do conselho de administração no activo. Uma seita a que o comum dos portugueses não tem acesso e sobre a qual lhe está vedada toda e qualquer informação, filtradas que são todas as que não interessa divulgar pelos meios da subserviente comunicação social que temos.

8) Mas tão relevantes como os rendimentos que auferem, são as condições proporcionadas pelo Banco de Portugal no que respeita à aposentação e protecção social dos membros do conselho de administração.

9) O regime de reforma dos administradores do Banco de Portugal foi alterado em 1997, para 'acabar com algumas regalias excessivas actualmente existentes.' Ainda assim, não se pode dizer que os membros do conselho de administração tenham razões de queixa. Com efeito, logo no n.º 1 do ponto 3.º (com a epígrafe 'Tempo a contar') das Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal se estabelece que, 'O tempo mínimo a fundear pelo Banco de Portugal junto do respectivo Fundo de Pensões, será o correspondente ao mandato (cinco anos), independentemente da cessação de funções.'

10) Que significa isto? Um membro do conselho de administração toma posse num belo dia e, se nessa tarde lhe apetecer rescindir o contrato, tem a garantia de uma pensão de reforma vitalícia, porque o Banco se compromete a fundear' o Fundo de Pensões pelo 'tempo mínimo (?) correspondente ao mandato (cinco anos)'. (Ver 'divisa' no parágrafo 5).

11) Acresce que houve o cuidado de não permitir interpretações dúbias que pudessem vir a prejudicar um qualquer membro do conselho de administração que, 'a qualquer título', possa cessar funções. O n.º 1 do ponto 4.º das Normas sobre Pensões de Reforma dissipa quaisquer dúvidas: 'O Banco de Portugal, através do seu Fundo de Pensões, garantirá uma pensão de reforma correspondente ao período mínimo de cinco anos, ainda que o M.C.A. [membro do conselho de administração] cesse funções, a qualquer título.'

12) Quem arquitectou as Normas sobre Pensões de Reforma pensou em tudo? Pensou, até na degradação do valor das pensões. É assim que o n.º 1 do ponto 6.º estabelece por sua vez: 'As pensões de reforma serão actualizadas, a cem por cento, na base da evolução das retribuições dos futuros conselhos de administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos.'

13) E o esquema foi tão bem montado que as Normas sobre Pensões de Reforma não deixam de prever a possibilidade de o membro do conselho de administração se considerar ainda válido para agarrar uma outra qualquer oportunidade de trabalho que se lhe depare. Para tanto, temos o ponto 7.º, com a epígrafe 'Cumulação de pensões', que prevê: 'Obtida uma pensão de reforma do banco de Portugal, o M.C.A. [membro do conselho de administração] poderá obter nova pensão da C.G.A. ou de outro qualquer regime, cumulável com a primeira (!).'

14) Mas há mais. O ponto 8.º dispõe que o 'M.C.A. [membro do conselho de administração] em situação de reforma gozará de todas as regalias sociais concedidas aos M.C.A. e aos empregados do Banco, devendo a sua pensão de reforma vir a beneficiar de todas as vantagens que àqueles venham a ser atribuídas.'

15) Não restam dúvidas de que fez um excelente trabalho quem elaborou as Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Pena é que não tenha igualmente colaborado na elaboração do Código do IRS, de modo a compatibilizar ambos os instrumentos legais. Não tendo acontecido assim, há aquela maçada de as contribuições do Banco de Portugal para o Fundo de Pensões poderem ser consideradas, 'direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários' e, neste caso, sujeitas a IRS, nos termos do art.. 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3, do referido código. No melhor pano cai a nódoa.

Ah, e por favor não reencaminhem isto para o Greenspan - ainda dá uma dor fininha ao pobre coitado...

18/02/2009

DOIS SÓCRATES E UM GRANDE VÓMITO

Comecemos por uma mensagem que anda aí a circular pela Internet.

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado"

Quem escreveu isto – e quando? Foi um senhor chamado Karl Marx, em 1867, na sua obra O Capital. Não faço comentários. Nem preciso.

Agora passemos à nossa trágica vidinha doméstica. À vidinha que levamos nesta lixeira, nesta espelunca, nesta pocilga, neste pântano ou, como disse Carlos Queiroz, «neste local mal frequentado», entregue a pedófilos, a corruptos, a ladrões e a oportunistas de toda a espécie. Local onde se fazem fortunas inexplicáveis, impossíveis – como, por exemplo, a de um pequeno boy socialista, chamado Mesquita Machado – e tudo fica na mesma, numa impunidade imprópria de uma democracia e, até, de certas ditaduras com alguma vergonha na cara.

Voltemos a este lodaçal onde, finalmente, apareceu um político que se atreve a contrariar um «engenheiro» feito à pressa, licenciado ao domingo, metido em várias outras trapalhadas, bem maiores que aquelas que levaram Sampaio a pôr Santana na rua. «Engenheiro» que é primeiro-ministro, governando com maioria absoluta, em nome da esquerda e ao serviço da direita, que controla grande parte dos órgãos de comunicação social, que mente com todos os dentes – e todos os dias – mas que, segundo parece, continua a contar com vasto apoio popular. Estou a falar do «engenheiro» José Sócrates, como já perceberam.

E quem é o atrevido que ousa enfrentá-lo e garante ir fazer o que ele não fez? Inverter as suas políticas e transformar o país, afirmando mesmo que vêm aí tempos de mudança? Nada mais, nada menos que um tal José Sócrates de Carvalho Pinto de Sousa, que se propõe governar a partir das próximas eleições, fazendo realmente uma política de esquerda, tirando aos ricos para dar aos pobres, ou seja, o contrário daquilo que o actual primeiro-ministro fez ao longo deste longuíssimos quatro anos – ou quase. Um Sócrates que quer mudar tudo aquilo que o outro Sócrates fez.

Tempos de mudança, então, apregoa este novo herói socialista, capaz de enfrentar corajosamente o até agora incontestado líder do PS. É parecido com o seu rival – quase igual a ele – usa o mesmo nome, mas não é ele. Não pode ser, a menos que se trate de um caso inverosímil de dupla personalidade, uma variante de uma bipolaridade suicida, ou coisa assim. Para além de, com o seu discurso, arrasar toda a política do seu homónimo e correligionário – mais e melhor do que fez o pessoal da oposição – parece que é neste segundo Sócrates que o PS vai apostar.

Coitado! Não vai ter muito apoio partidário, pois só cerca 35 mil militantes socialistas poderão votar nele – e não é líquido que todos o façam – num universo de cerca de 90 mil filiados. E é isto o partido que governa o país? Bem, mas uma coisa é certa: o outro Sócrates, o que tem governado, pobrezinho, nem a votos se atreve a ir…

(A propósito: só com cerca de 35 mil militantes a pagar quotas, onde arranjará o PS fundos para sobreviver? Em Alcochete? Na Guarda? Na Covilhã? Na Póvoa do Varzim? Ou será a vender Magalhães?)

Resta saber o que este Sócrates, o que quer ser primeiro-ministro, tem para propor ao eleitorado lá mais para a frente, já que, para além de arrasar o seu camarada, «engenheiro» Sócrates, só se lembrou de mariquices, como o caso da regionalização e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A ver vamos, como dizia o cego – e cegos é coisa que não falta em Portugal.

Voltando ao Sócrates que manda hoje – e ainda ao Freeport – quero que se lembrem dum senhor chamado Rui Gonçalves, que foi secretário de Estado do Ambiente, quando Sócrates titulava a pasta. E que o veio defender, com unhas e dentes, na televisão, jurando a pés juntos que tudo se passou na mais estrita legalidade. Ora, este senhor Gonçalves é, desde Abril de 2008, vogal da Empresa Geral de Fomento e, por inerência, assumiu os cargos de presidente do conselho de administração da Valnor, da Rebat, da Resat, da Residouro e de vogal da Valorsul, passando a presidir, a partir de Setembro de 2008, à Resistrela. Todas estas empresas da área do saneamento básico foram criadas por Sócrates quando era ministro do Ambiente. De 2002 a 2005, o senhor Gonçalves também foi professor convidado da Universidade Independente. Ela há coincidências do caraças, não há?

Espero que o outro Sócrates, o que aí anda a fazer campanha para ser o futuro primeiro-ministro, dê uma valente vassourada nesta corja toda, já que, pelo que diz, renega em absoluto este Sócrates. Nas políticas e no plano ético…

Falando em professores da Universidade Independente, que o actual Sócrates em boa hora mandou fechar para que não mais se vasculhasse nos seus arquivos, sei que o tal professor que passou o actual primeiro-ministro a quatro cadeiras, de seu nome José Morais – e que chegou a integrar o mesmo governo que Sócrates, e que Sócrates nem conhecia (outra coincidência do caraças… ) – foi acusado num processo de corrupção passiva e de branqueamento de capitais relativamente ao concurso e adjudicação da obra da central de tratamento de lixo da Cova da Beira, caso que, por incrível coincidência (ou será outra terrível cabala?) também toca em José Sócrates – o actual governante.

Recorde-se, ainda, que este processo dá conta de que José Sócrates, Jorge Pombo e João Cristóvão, à data dos factos secretário de Estado do Ambiente, presidente da Câmara da Covilhã e assessor deste último, respectivamente, teriam recebido dinheiro da sociedade HLC, que ganhou o concurso para a construção da estação de tratamento de resíduos sólidos da Associação de Municípios da Cova da Beira. Estavam em causa «trezentos mil contos, dos quais cento e cinquenta mil se destinariam ao senhor secretário de Estado». Ali se refere também que «provas genéricas de que todo o processo de concurso foi controlado por pessoas ligadas ao PS da Covilhã; que a empresa vencedora é uma empresa ligada ao PS; que o assessor já trabalhava para a HLC e que a empresa recebeu 480 mil contos da Associação de Municípios da Cova da Beira, por trabalhos que não realizou». Lembra ainda que «o proprietário do terreno onde se pretendia fazer a central era um funcionário da HLC e que o então presidente da Câmara da Covilhã passou a trabalhar para a HLC».

Não sei se é por estarmos a falar de lixos, mas sai de tudo isto um cheiro tão nauseabundo, que me faz pensar que o senhor Presidente da República deve andar bastante constipado para não dar por ele.

Até eu, que nunca estive perto de José Sócrates (o actual primeiro-ministro e incontestado engenheiro) começo a sentir vómitos.

Desculpem-me. Vou ali vomitar, e volto para a semana.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/02/2009.
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12/02/2009

A POCILGA

Há dias, comparei Portugal a uma espelunca. Hoje, acho pouco. Talvez pocilga seja o termo adequado. Não para desconsiderar os porcos, simpáticos e úteis animais, mas por analogia ao que me lembro do que eram as tradicionais pocilgas de há anos atrás, onde se retinham os bácoros num lodaçal de lama e excrementos.

Chamemos, então, pocilga a este saguão cada vez mais feio, sujo, triste e inseguro. Claro que volto a tocar no caso FreePort, quanto mais não seja para lutar contra a muralha de silêncio que os déspotas de serviço à democracia – ou por isso tida, esta coisa sob a qual vivemos – querem impor. Hoje em dia, só um jornal diário e uma estação de televisão vão alimentando a chama e, segundo se sabe, sujeitos a pressões cada vez mais censórias. E, como se verá, autenticamente pidescas.

Por outro lado, a justiça, ou o que dela vai tendo o nome, parece agora mais preocupada em descobrir como foi que os portugueses ficaram a saber aquilo que Sócrates não queria que soubessem, do que em deslindar o que realmente se passou. Segundo se soube, os serviços secretos, que dependem directamente de Sócrates, já andam a meter o nariz no assunto, e o juiz Carlos Alexandre, titular do inquérito ao licenciamento do Freeport, garante que está a ser vigiado e escutado. Segundo fontes próximas deste magistrado, que tem entre mãos vários processos complexos envolvendo políticos, o juiz vive com a sensação de que está a ser seguido, situação que tem revelado aos seus colegas e amigos mais próximos. Nada mau, quando se diz que nada se tem a temer…

Mas vamos a factos. Como sabemos, as autoridades inglesas enviaram às autoridades judiciárias portuguesas uma Carta Rogatória, onde prestam e pedem informações relacionadas com o famigerado caso do licenciamento fantasma. Devido à sua extensão, deixem-me destacar, apenas, alguns dos seus pontos mais sugestivos:

«Pessoas sob investigação:

A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres estão a realizar uma investigação por suspeita de crimes. A investigação relaciona-se com uma que está a ser levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas por alegações de suborno e corrupção associadas com o desenvolvimento do local da Freeport, em Alcochete.

Os cidadãos do Reino Unido, que se sabe estarem ligados ao caso e que estão, por conseguinte, a ser presentemente investigados, vêm indicados a seguir:

1. Sean Collidge
2. Gary Russell
3. Jonathan Rawnsley
4. Rick Dattani
5. Charles Smith
6. William (Billy) McKinney Jnr

Existem motivos razoáveis para crer que as pessoas acima referidas tenham cometido crimes de Suborno e de Corrupção em contravenção das leis de Inglaterra e do País de Gales.

Além disso, os cidadãos abaixo indicados, que não são do Reino Unido, são considerados como estando sob investigação no sentido de terem solicitado, recebido ou facilitado pagamentos que sejam relevantes aos crimes indicados no Anexo”1”.

7. José Sócrates
8. José Marques
9. João Cabral
10. Manuel Pedro.»

Mais à frente:

«Em 1989, uma empresa do Reino Unido, denominada R J McKinney obteve a pré-aprovação do projecto; o respectivo funcionário é William (Billy) McKinney Jnr. Uma empresa sedeada em Portugal, a Smith & Pedro, foi utilizada como a agente local para facilitar a concessão da aprovação. Os mandantes da Smith & Pedro eram os senhores Charles Smith e Manuel Pedro, mais o seu empregado João Cabral. As circunstâncias que levaram à concessão da aprovação fazem parte integrante das investigações.

Esta aprovação foi em última análise concedida por José Marques, o então Vice-Presidente do Instituto da Conservação [da Natureza]. A Polícia Judiciária portuguesa declarou à Serious Fraud Office e à Polícia da Cidade de Londres que o facto de a aprovação ter sido alguma vez concedida, dada a existência da zona de protecção ambiental, levanta uma forte suspeita de corrupção no procedimento de aprovação.»

E continuando:

«O primeiro e o segundo requerimento para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental foram reprovados pelo Ministério do Ambiente de Portugal no decurso do ano 2000. Charles Smith alega, durante uma inquirição pela Polícia da Cidade de Londres, que a Smith & Pedro foi abordada entre estas duas apresentações de requerimento relativamente ao pagamento de um suborno considerável para assegurar a aprovação.

No dia 17 de Janeiro de 2002, os representantes da Smith & Pedro e da Freeport reuniram com entidades portuguesas, incluindo o então Ministro do Ambiente, José Sócrates, para discutir uma terceira apresentação para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental. Os participantes nesta reunião foram Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith, Manuel Pedro, José Sócrates e outros funcionários municipais e públicos portugueses.

Foram discutidas nesta reunião as dificuldades relacionadas com a Avaliação de Impacto Ambiental apresentada. Foi alegado que neste mesmo dia, o Ministro do Ambiente, José Sócrates, reuniu posteriormente com Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith e Manuel Pedro. Nesta reunião distinta, José Sócrates efectuou alegadamente um pedido que seria equivalente a um suborno para assegurar que a Avaliação de Impacto Ambiental apresentada fosse favorável. Alega-se que foi chegado a um acordo no sentido de que a Freeport efectuaria, por intermédio da Smith & Pedro, pagamentos a terceiros, relacionados com José Sócrates.

Estas alegações resultam colectivamente da Carta Rogatória da Procuradoria Geral da República do Montijo, de 12 de Agosto de 2005, apoiada por uma lista de e-mails extraídos de computadores apreendidos aos escritórios da Smith & Pedro pela Polícia Judiciária portuguesa. Esta lista foi posteriormente fornecida pela Polícia Judiciária à Polícia da Cidade de Londres.»

E depois:

«Nas semanas que se seguiram ao dia 17 de Janeiro de 2002, o Ministério do Ambiente aprovou uma lei a alterar os limites da reserva natural que impactava sobre o local da Freeport, e o Ministro do Ambiente apresentou um relatório favorável em relação à Avaliação de Impacto Ambiental.

A Terceira Avaliação de Impacto Ambiental foi aprovada em 17 de Março de 2002, dia das Eleições Nacionais que resultaram em que esse mesmo Ministro perdesse o seu lugar.

Posteriormente, a Freeport efectuou 3 ou 4 pagamentos em parcelas de GBP 50.000 à Smith & Pedro. Charles Smith, no vídeo de 3 de Março de 2006, alega que se trata de pagamentos de subornos, com o intuito de satisfazer o acordo de 17 de Janeiro de 2002, a partir dos quais efectuou uma série de pagamentos em numerário a um primo de José Sócrates.

A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas pela Polícia Judiciária numa reunião realizada no dia 9 de Julho de 2008 de que tinham sido obtidas provas de uma série de saques em numerário que se julga estarem relacionados com esta alegação.

Além disso, foram efectuadas alegações menos específicas de que foram pagos montantes mais importantes (até GBP 5 milhões) a uma empresa de advogados em Portugal ligada a José Sócrates, como pagamentos de subornos a partir de fontes do Reino Unido. A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas destas alegações na nossa reunião de 9 de Julho de 2008.

A Polícia da Cidade de Londres e a Serious Fraud Office já prestaram informação e material às Autoridades Portuguesas por meio de Assistência Judiciária Mútua no seguimento de uma Carta Rogatória, datada de 12 de Agosto de 2005, da Procuradoria Geral da República do Montijo.»

Por outras palavras: o que andou a fazer a justiça portuguesa desde 2005? Quem congelou a investigação? Se as autoridades inglesas não se mexessem, que aconteceria ao caso Freeport?

Para terminar, faço minhas as palavras do jornalista António Ribeiro Ferreira, que escreveu, em 9 deste mês, o seguinte:

«O procurador--geral da República exige respostas rápidas aos seus subordinados e afastou de um programa de rádio a responsável de um organismo que dá pelo pomposo nome de Departamento Central de Investigação e Acção Penal. É um verdadeiro regabofe, uma choldra, como escrevia Eça de Queirós. Entretanto, a investigação jornalística continua, para desespero da central de contra-informação cor-de-rosa, que já não sabe o que inventar mais para afastar as atenções, vitimizar o senhor presidente do Conselho e lançar nuvens de fumo sobre o processo com as célebres cabalas e campanhas negras.

E, no entanto, havia uma forma tão fácil de se esclarecer tanta coisa no caso Freeport, nomeadamente afastar as suspeitas legítimas sobre a honestidade do senhor Presidente do Conselho. Bastava que o secretário-geral do PS, e ministro do Ambiente na altura do licenciamento do Freeport, tivesse o bom senso de permitir que as autoridades analisassem as suas contas bancárias ao longo dos últimos anos. O que não seria uma tarefa difícil, uma vez que nas declarações de rendimentos apresentadas no Tribunal Constitucional não constam contas a prazo e aplicações financeiras significativas.

Em vez de cabalas e campanhas negras, todos ganhavam se o senhor presidente do Conselho pusesse as contas à luz do dia. Ganhava a sua honra, ganhava a Justiça e ganhava a política, todas irremediavelmente a caminho da mais suja das sarjetas».

João Carlos Pereira

Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/02/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

04/02/2009

ANEDOTAS

Quando li a notícia, pensei que já estávamos no dia 1 de Abril, o Dia das Mentiras. Afinal, era verdade. O Governo quer os professores aposentados de novo nas escolas, para auxiliarem nas tarefas não lectivas, como o apoio ao estudo, aos alunos imigrantes, ou nas visitas de estudo. Mais. Entende o Governo de Sócrates que o deverão fazer em regime de voluntariado, ou seja, de forma gratuita. Numa altura em que milhares de docentes se reformam, até com penalizações, e outros tantos estão desempregados, os sindicatos dizem que a proposta é ofensiva e imoral. Na minha opinião, é muito mais do que isso. Eu chamar-lhe-ia uma proposta canalha. Ou uma proposta de loucos. Ou uma anedota.

Há dias, um excelentíssimo deputado da nação ligou para um serviço de atendimento ao cliente. O operador que o atendeu pediu-lhe os dados necessários à sua identificação: número do bilhete de identidade, data de nascimento, morada e nome da entidade empregadora. Quando chegou a vez de responder a esta questão, sua excelência disse, asperamente: «Eu não trabalho. Sou deputado». Louve-se a franqueza; registe-se a estupidez. O operador não disse, para não pôr em causa o seu emprego, mas devia ter dito. «O senhor não trabalha, mas devia de trabalhar, que foi para isso que o elegeram. E pagam-lhe bem – e reformam-no cedo». Mais uma anedota.

Podemos estar descansados. Sócrates, o tio, os primos, os alegados pagadores de luvas (Smith & Pedro), enfim, todos os suspeitos do escândalo FreePort garantem que não se passou nada. Se eles o dizem, deve ser verdade. Ou será mais uma anedota?

O governo governa bem. Em tempo de crise, então, não podia governar melhor. Para além das grandes questões nacionais, como o desemprego, os baixos salários e reformas, a saúde a estalar pelas costuras, a insegurança, com os assaltos e a criminalidade em geral a subirem em flecha, também nas pequenas coisas se nota a boa governação a que estamos sujeitos. Tomem nota destas despesas menores do nosso querido governo: reboque de uma viatura, 8.500 euros (1.700 contos); gastos em mobiliários diverso, 6,9 milhões de euros (quase um milhão e 400 mil contos); aquisição de papel higiénico para ficar em stock, 50 mil euros (10 mil contos). De todas estas despesas, só compreendo o açambarcamento de papel higiénico. Com o caso FreePort, José Sócrates deve andar a consumir este artigo em doses industriais. Será anedota? Talvez não.

Nos últimos dias, sete mil portugueses aumentaram a lista de desempregados. Também o número de trabalhadores com salários em atraso subiu na ordem dos três mil. Aqui, a anedota não é esta situação dramática. A anedota é o próprio país, que vai suportando este descalabro social como a coisa mais natural do mundo. Com paciência de corno.

A procuradora-geral adjunta, Cândida de Almeida, que investiga o caso FreePort, é a mesma que não encontrou vestígios de qualquer irregularidade na licenciatura fantasma do cidadão José Sócrates, conseguida na famigerada Universidade Independente. Uma anedota? Se é, não tem graça nenhuma.

Porque será que é preciso o petróleo baixar três vezes para os combustíveis descerem uma semana depois, e basta subir uma vez para os combustíveis aumentarem logo no dia seguinte? Dizem que são os custos de produção e outras minudências. Não é bem uma anedota, mas sempre dá alguma vontade de rir. Quanto mais não seja, pelo descaramento.

Os bandos de assaltantes que por aí proliferam estão cada vez mais trabalhadores e produtivos. E organizados. Agora, já não se faz um assalto aqui, para a semana faz-se outro mais além, e por aí fora. Nada disso. Há que aproveitar recursos. Rouba-se o carro e, conforme a especialidade do grupo, assaltam-se restaurantes, bombas de gasolina, ou despacham-se máquinas de multibanco em sequência, «limpando» uma zona inteira em poucas horas. Poupam-se meios, tempo e, sobretudo, aproveita-se a embalagem. Para além disso, enquanto a polícia está entretida a verificar o primeiro assalto da noite, há caminho livre para os seguintes. Mas qual é, neste caso, a anedota? É o ministro da Administração Interna. Só o seu nada dizer – e menos fazer – é de rebolar a rir.

Ainda o caso FreePort. A julgar pela sondagem telefónica que a Universidade Católica realizou durante o último fim-de-semana, José Sócrates não convenceu os portugueses. Entre os 84% de inquiridos que ouviram falar do caso Freeport, a esmagadora maioria (61%) entende que o primeiro-ministro deixou coisas por esclarecer. (Eu julgo que há coisas que ele não pode esclarecer, mas está bem…). Apenas uma pequena franja (18%) se sente completamente esclarecida. Há franjas assim. São aquelas franjas dos cortinados atrás dos quais muitas coisas mudam de mãos. Mas, claro, estamos a falar de anedotas, e não de coisas sérias. Esta anedota, por exemplo, começou em 2002 e ainda tem pano para mangas. God save the queen.

Outra anedota sobre o mesmo tema, chegou-me por e-mail. Diz assim: Pense-se em três personagens: o empresário, o intermediário e o político. O empresário tem muito a ganhar com a aprovação de um determinado projecto, que só o político pode aprovar. O intermediário tem acesso directo ao político e mantém com ele uma grande relação de confiança (por exemplo, são tio e sobrinho). Para além disso, o intermediário é conhecido pelos seus serviços de intermediação, que consistem em colocar pessoas em contacto umas com as outras para resolver licenciamentos. A coisa funciona assim: o empresário vai ter com o intermediário (isto é perfeitamente legal). O intermediário coloca o empresário e o político em contacto (isto é perfeitamente legal). O licenciamento é feito de acordo com a lei (isto é perfeitamente legal). O intermediário recebe uma comissão pelos seus serviços de intermediação (isto é perfeitamente legal). Até pode receber o dinheiro num off shore (isto é perfeitamente legal). Passados 2 meses, há eleições. O tio, como bom amigo da família, resolve apoiar a Democracia através do financiamento da campanha eleitoral do sobrinho (isto é perfeitamente legal e compreensível). Como estão a ver, qualquer jurista conseguirá provar que cada um dos actos desta trama é legal. Não há crime. Podem ir todos em paz. Já nos podemos todos rir. A anedota acabou.

Já estou a chorar. Não sei se é de tanto rir, ou se estou mesmo a chorar pelo estado a que chegou o meu país.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/02/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1997, 2007 © Guia do Seixal

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