22/04/2009

ABRIL DAS MÁGOAS MIL

Há cinco anos, precisamente no dia 22 de Abril de 2004, no editorial do jornal Outra Banda, que então dirigia, escrevi o seguinte texto:

«Sou dos que não alinham no foguetório que saúda cada aniversário do 25 de Abril, embora compreenda, apesar de tudo, as boas intenções de quem o lança. Não consigo festejar Abril, quando o que dele resta é o voto e uma ilusória sensação de liberdade de expressão, no fundo pouco mais do que a estafada e quase inútil conversa de café. Não consigo festejar memórias ou vestígios.

Do voto, não duvido que é, cada vez mais, a certidão de óbito da nossa cidadania, e que não serve para outra coisa que não seja a de legitimar as práticas políticas daqueles que, encaixados nos partidos do sistema, vão encontrando sucessivas maneiras – e desculpas – para extorquirem a mais de nove milhões de portugueses o necessário para que as grandes fortunas, filhas dos grandes negócios, continuem no mar de abastança em que já nadavam antes do 25 de Abril. E o resto é paisagem.

Da liberdade de expressão, cada vez mais condicionada pela ressuscitada noção de que não é saudável afrontar os poderosos, restam desabafos limitados pelo sentido das conveniências, pois manter um emprego – ou consegui-lo – pode depender de sermos, ou não, pessoas dispostas a nos sujeitarmos à velha ordem natural das coisas. Em lugar da Censura, aí está, pujante, a auto-censura. Domesticados éramos, domesticados somos.

Do voto, suspeite-se somente que vai pender para quem defende uma sociedade justa, onde todos tenham o direito – e a obrigação – de trabalhar e, pelo seu trabalho, receber a justa paga; e que ligado a isso, todos – todas as pessoas e todas as empresas – tenham perante o Estado as mesmas responsabilidades, direitos e deveres (incluindo os fiscais), de modo a que a todos seja garantido uma existência segura, digna e feliz, e logo veremos como o sacrossanto voto deixa de valer, e como a democracia logo se desmascara e se vê a ditadura que lhe está nas veias. Democracia, democracia, poder económico à parte.

Da liberdade de expressão, imagine-se apenas que alguém conseguia ser um novo Messias e levar a esperança aos que a não têm, e, mais do que a esperança, a certeza de que, todos juntos, poderíamos construir um país novo, justo e solidário, e logo se veria como uma nova PIDE aí estaria para pregar na cruz o atrevido.

No 25 de Abril que eu vivi, não cabiam a fome, nem o desemprego, nem as listas de espera, nem a opulência feita à custa da miséria alheia. No meu 25 de Abril, não há lugar para os políticos de carreira, com ordenados chorudos e reformas obscenas, profissionais do embuste e do oportunismo, parasitas de um povo que continua tão vampirizado como o era até há trinta anos.

E quando o meu país se torna cúmplice activo de uma guerra colonial – de descarada pilhagem e sangrenta ocupação – convictamente vos digo que já nada distingue estes “democratas” dos outros ditadores.»

Estas palavras, escrevi-as eu há cinco anos atrás, na edição número 333 do extinto Outra Banda. Hoje, nem uma palavra retiraria ao que então escrevi. Pelo contrário: várias outras, e bem piores, lhes poderei acrescentar.

Com o «socialismo» de Sócrates e do PS, aumentou o desemprego, a precariedade de emprego é a regra, os salários em atraso são o pão nosso de cada dia, diminuíram as reformas, os salários perderam ainda mais poder de compra, aumentou a criminalidade, a corrupção é uma forma de vida e de governo, o Ensino conhece os seus piores dias após o 25 de Abril, a Saúde deixou de ser um direito (porque se transformou num negócio), as desigualdades sociais acentuaram-se, o número de pobres ultrapassa os dois milhões de há três anos, e a Justiça passou a ser uma anedota, onde o poder político mete o bedelho para o pressionar e controlar a seu bel-prazer.

Fecham-se escolas às centenas, tal como maternidades e urgências hospitalares. Aumentam-se as taxas moderadoras e os medicamentos, mas reduz-se a lista dos que são comparticipados. O acesso fácil à Justiça é só para os ricos.

A classe dominante, uma mistura promíscua de políticos e altos empresários, troca favores e interesses por cima e por debaixo da mesa, e a Justiça, forte e exigente para com a arraia-miúda, é completamente cega, surda, muda e paraplégica quando confrontada com a alta corrupção reinante.

Obriga-se o povo a pagar os desfalques no sistema financeiro, onde se injectam milhões saídos dos nossos impostos, milhões que depois nos emprestam com juros de verdadeiros agiotas.

A economia está entregue à lógica do regateio e da especulação, e a estes interesses se curvam os legisladores e o aparelho do Estado. A administração pública está enxameada pelos amigos, familiares e esbirros da facção de momento no poder, e aí se conseguem, sem custo, vantagens e mordomias para o resto da vida.

E enquanto se obriga os portugueses a apertarem o cinto, continua a apoiar-se o esforço de guerra do imperialismo, enviando tropas para qualquer parte do mundo que nos seja apontado. O Iraque de hoje é uma ruína, comparado com o Iraque próspero de Saddam, e o seu petróleo é sugado directamente para as grandes petrolíferas ocidentais, com as vénias dos governantes fantoches que os invasores lá colocaram. Nisto fomos – e continuamos a ser – cúmplices activos, servis e obrigados.

Fechada no castelo do poder, a casta dominante – constituída pelo poder económico e a classe política, confundidos num só trono – governa o feudo como sempre fez: impondo à maioria restrições e sacrifícios dos quais a si própria se isenta.

Se contra tudo isto se fez, com lágrimas de alegria e cravos de festa e esperança, o 25 de Abril, quem pode, em seu perfeito juízo, agora festejá-lo?

Não! Este Abril que vivemos já não é de festa. É um Abril de mágoas mil. E, por isso mesmo, de luta e indignação.

E de revolta.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/04/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

15/04/2009

PROFISSÃO: DEMOCRATA

O rapaz era um galdério, um piolhoso, uma coisa asquerosa, o desgosto permanente da família, uma das mais benquistas do Estado Novo. O Senhor Doutor bem gastava fortunas para meter o fedelho na ordem ou, pelo menos, dentro das aparências, mas o maldito não tinha amanho. Uma vez, veio o terrível recado, pior do que se da morte do fedelho se tratasse: O senhor inspector Barbieri telefonou e diz que tem muita urgência em dar-lhe uma palavrinha.

Suando frio, o Senhor Doutor disse à secretária que adiasse a reunião do conselho de administração do banco, mandou vir o carro e ordenou ao motorista que seguisse para a António Maria Cardoso, que era mesmo ali, ao virar de duas esquinas. A notícia caiu, brutal, da boca fria e severa do pide: O seu rapaz, caro doutor, anda por maus caminhos. Péssimos, se mo permite. Sabemos que tem contactos, lá na universidade, com organizações subversivas, e só ao facto de ser filho de quem é se deve agradecer a circunstância de ainda não ter sido detido. Como é que vamos lidar com isto, meu amigo?

O Senhor Doutor suou mais um bocadinho, enquanto mudava de cores. Primeiro, o pálido; depois, o vermelho, finalmente, o roxo. Não duvidava da eficácia da PIDE (na altura já alcunhada de DGS), é claro, mas não haveria ali qualquer confusão? Nenhuma, garantiu o outro, gélido. Olhe, senhor inspector, eu vou tomar medidas, eu vou fazer, por minhas mãos, aquilo que nem os senhores seriam capazes de fazer. O Senhor Doutor, na ocasião, não foi capaz de perceber o meio sorriso irónico do interlocutor, e lá continuou: Vou trazer-lho aqui e, com ele, tudo o que for necessário saber. Não é um favor que lhe faço. É o meu dever de português e patriota. É, também, a paga pela sua generosa amizade.

E foi mais ou menos assim. O Zézito aguentou-se a um valente par de estaladas que, de surpresa, o progenitor lhe aplicou no focinho sebento, enquanto relinchava um catálogo inteiro de impropérios. E naquela mesma noite lá foi, pela paternal arreata, até à António Maria Cardoso, onde passou dois dias e duas noites numa das suas «salas de estar», naquilo que ele supôs ser uma terrível provação, mas que se resumiu a uma tosca encenação de um interrogatório e tortura, previamente combinada entre o progenitor e o inspector Barbieri. Quando se borrou todo, já no fim do segundo dia, estavam salvas a honra da família e a segurança do estado.

Seguiu-se o desterro nos Estados Unidos, o aclarar das ideias, o perceber das vantagens de se pertencer a uma família que vivia numa casa-forte e paredes meias com o poder e, principalmente, a oportunidade de olhar a guerra colonial em curso como uma coisa distante, só para os outros, para os totós, para a escumalha. Depois, as americanas eram loucas por latinos, e abriam-lhe as pernas mais depressa do que abriam garrafas de coca-cola ou devoravam cachorros quentes…

Já curado da sua doença esquerdista, o Zézito regressa a Portugal e vai para o banco do papá, o ainda Senhor Doutor, claro, onde tinha à sua espera, para começar, um cargo na direcção. É aí que acontece o 25 de Abril, coisa que o nosso rapaz encara com alguma tranquilidade, convencido de que não vai ser nada de grave, mas apenas o fim da época da «brigada do caruncho», que iria ceder o espaço aos jovens generais da finança. Bem lhe resmungava o pai que não, que a coisa fiava mais fino do que isso, mas foi algo de que só se convenceu em 14 de Março de 1975, após o golpe falhado de Spínola e a consequente nacionalização da banca.

Aí, pregou o segundo susto (e desgosto) ao Senhor Doutor, filiando-se no PPD. O velho banqueiro considerava que todos os partidos eram à esquerda, uns mais, outros menos. E o Zézito lá foi andando, maria-vai-com-as-outras, mas sempre tendo o cuidado de espetar os dedinhos em «V» e gritar PPD! PPD! PPD! sempre que era preciso fazê-lo.

Fosse por intuição, fosse porque pela primeira vez na vida teve um ataque de inteligência, um dia decidiu que não tinha futuro no partido de Sá Carneiro e, olhando em volta, percebeu que o Partido Socialista era mesmo o que lhe convinha. Perguntou ao pai o que pensava da sua ideia, esperando uma explosão do velho, sabida que era a sua aversão por tudo o que estivesse ligado ao regime saído do 25 de Abril e, principalmente, se fosse coisa chamada comunista, socialista, democrática ou popular. Curiosamente, o Senhor Doutor, em vez de explodir, sorriu e disse: Parece que começas a ter juízo, finalmente. Fazes bem, rapaz. Junta-te a esses, que vão ser mesmo esses a devolver-nos os bancos e o poder que tivemos.

E lá foi o Zézito inscrever-se no PS. Ali, aprendeu o bê-á-bá da política, como utilizar os rins e os punhais, os venenos e os sorrisos, os meandros da linguagem que diz o que não diz, os reposteiros das intrigas, os corredores, os armários e as gavetas das traições mais rasteiras. Aprendeu a juntar-se à facção certa e, como prémio, foi colocado no conselho de gestão do banco que fora do papá, entretanto privatizado e entregue pelo PS a outro grupo económico. Mas não gostou do ambiente. Não havia o charme de outros tempos. Esgravatou e, passados uns meses, quando houve eleições para a Assembleia da República, arranjaram-lhe um lugar na lista do partido, uma coisinha cá para baixo. Devido às várias renúncias, ainda assentou o traseiro, cada vez mais arredondado, na bancada socialista, onde teve tempo e méritos para fazer ouvir os seus «bravos» a «apoiados» aos correligionários oradores.

Daí para cá, meus amigos, o Zézito não parou. Foi director-geral, secretário de Estado, assessor, outra vez deputado, administrador em três ou quatro empresas (entre públicas e privadas), autarca, comentador e analista em estações de televisão, rádio e jornais. E por aí fora. Enfim, o costume.

E foi um dia destes que o reencontrei, à saída da SIC. Fazendo-me de parvo, exclamei: Olha o Zé! Tás bom, pá? E dei-lhe um abraço, de surpresa. E ele, meio aparvalhado: Conheço-o? Sou o Pereira, pá, da faculdade, não te lembras? Pois és, disse ele, reconhecendo-me. O que é que fazes?, perguntou-me. Escrevo, puxo pela cabeça, remo contra a maré. E tu?, perguntei-lhe, como se dele nada soubesse.

O tipo embatucou, sorriu, tentou perceber se eu estava a sério ou no gozo, mas eu mantive a pose. Sim, o que é que fazes? Ou não tens profissão?, insisti, rindo-me.

A minha profissão? Olha, sou democrata, disse-me ele, com o ar mais sincero deste mundo.


PS – Agora, façam-me o favor de não matar a cabeça a tentar ligar o nome – Zézito – a qualquer figura real. Estivemos no campo da ficção e, meus amigos, o Zézito é como os chapéus: há muitos! Francamente, nem sei como a nossa democracia consegue sustentar tantos Zézitos…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/04/2009.
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08/04/2009

(SÓ)CRETINICES

José Sócrates, o político português no activo que mais trapalhadas carrega nas mochilas da sua vida pública e privada, apresentou uma queixa-crime contra João Miguel Tavares, do Diário de Notícias, porque o jornalista escreveu o seguinte: «Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte da Cicciolina.»

O ministro da Justiça, por seu lado, vai apresentar outra queixa-crime contra o semanário Sol, porque este periódico noticiou que ele, ministro, servira de intermediário entre Sócrates e Lopes da Mota, para que este avisasse os procuradores Vítor Magalhães e Pães de Faria dos riscos de não acabar rapidamente com o processo Freeport, deixando Sócrates em paz.

Lopes da Mota, recorde-se, preside à entidade da UE que trata de assuntos judiciários. Mas recorde-se, principalmente, que foi colega de Sócrates nos tempos de Guterres e que foi suspeito – o caso acabou arquivado – de ter avisado Fátima Felgueiras da eminência da sua detenção, o que permitiu à senhora escapulir-se para o Brasil.

Então, por estas duas amostras, já sabemos o que nos espera. Ou se deixa de lado a liberdade de imprensa, o direito de opinião mais o direito de informar, ou vai bater tudo com os ossos no banco dos réus. E se isso não der resultado, institui-se, a bem da nação, a censura e, se tal for necessário, a polícia política, que tratará de cortar o mal pela raiz. Aí estão, visíveis à vista desarmada, as tentações totalitárias do PS.

E, diga-se a verdade, recursos humanos para constituir os novos quadros censórios e repressivos, não faltam aos socialistas. Que conviveu – e convive – com eles nos locais de trabalho, no movimento sindical, nas autarquias, seja onde for, logo percebe o que ali está em termos de estrutura mental e arcaboiço moral. Um manancial de bufos, uma mãe-d’água de sabujos, um viveiro de lambe-botas, um alfobre de gentalha capaz de vender a mãe a patacos, só para agradar ao chefe.

De facto, a frase do jornalista que tanto incomodou José Sócrates é, em qualquer democracia, a coisa mais banal do mundo. Recordo, a propósito, o que disse um antigo presidente dos Estados Unidos, Harry Trumann: «Quem se dá mal com o calor, não trabalha na cozinha.» Ora Sócrates, um pimpão desenrascado, um finório de alto calibre, convenceu-se que o facto de ser primeiro-ministro e governar com maioria absoluta lhe confere o direito a ser intocável. Pelo contrário: quanto mais alto for o cargo, maior a exposição à crítica e ao referendar dos actos. Sócrates quer ter o privilégio de ser cozinheiro, mas não quer suportar o calor que está inerente ao cargo. Se assim é, só tem um caminho: desaparecer da cozinha.

No entanto, é mais provável que se julgue Luís XIV, o Rei-Sol. Mas Luís XIV – e isto li eu em qualquer lado – apesar de ser, ou de se julgar, o Rei-Sol, tinha uma cadeira-retrete, da qual gostava muito. Uma manhã, já no fim do seu reinado, levantou-se da cama, sentou-se na cadeira-retrete… e desapareceu. Quero eu dizer com isto que Sócrates pode escolher: ou percebe que está a mais num regime democrático, e sai pelo seu pé; ou, um dia destes, desaparece sem querer, desfeito nas suas próprias fezes.

(Esclareço, para o caso de ir malhar com os ossos no banco dos réus, que a linguagem metafórica aqui utilizada também desagradava aos coronéis da censura).

Mas já que falei do ministro da Justiça, deixem-me contar-vos o seguinte: Alberto Costa fez parte do Governo de Macau, embora se tenha esquecido de mencionar isso no seu currículo. Talvez porque acabou demitido por José António Barreiros, por, precisamente, ter tentado influenciar um juiz. O despacho de demissão, da autoria de José António Barreiros, invocava isso mesmo, como fundamento para o demitir. O despacho, contudo, foi alterado por influência do então Governador Carlos Melancia (lembram-se da criatura?...), de modo a não beliscar a honorabilidade de Alberto Costa. Resultado: o senhor recorreu à Justiça, alegando que tinha sido demitido injustamente e sem fundamento. Ganhou e recebeu uma indemnização! Esta história foi toda contada por José António Barreiros em entrevista que deu, quando Alberto Costa foi nomeado ministro da Justiça, na qual ainda afirmou: «Escolheram para ministro quem eu não quis para Secretário».

Neste quadro deprimente, as atenções voltam-se para Belém. Cavaco não pode ficar impávido e sereno a ver desaguar este esgoto sobre o regime, mesmo que o regime já esteja numa fossa há muito tempo. A tese da cabala já deu o que tinha a dar – e nunca deu muito, aliás – e todos os dias dados novos se acrescentam aos já sabidos. As pressões denunciadas por dois respeitados magistrados significam que chegámos ao vale-tudo. Por esse mundo fora, não é Sócrates que está em causa, mas o próprio país. Cavaco, ao não agir, está a deixar que se denigra o que resta da nossa imagem. Se é que resta ainda alguma coisa boa.

Para azedar as coisas ainda mais para o lado de Sócrates, soube-se agora que a empresa da mãe do primeiro-ministro, que está a ser investigada no âmbito do Freeport, aparece também envolvida num processo de corrupção na Câmara da Amadora, com outras figuras de peso do PS. Os investigadores suspeitam que José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, primo do primeiro-ministro, seja o parente que o arguido Charles Smith acusa de ter sido o receptor das «luvas» alegadamente entregues a Sócrates para conseguir o licenciamento do projecto de Alcochete. Ora, este José Paulo Bernardo está também referenciado no processo que corre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, onde se investigam indícios de tráfico de influências, corrupção, financiamento a partidos e branqueamento de capitais, e que tem como figura principal o actual presidente da Câmara da Amadora, Joaquim Raposo.

Raposo é um dos vários suspeitos deste vasto processo, cuja investigação se tem arrastado, apesar de já terem sido constituídos oito arguidos. Em causa, soube o semanário SOL, estão os actos ilícitos praticados por uma rede de pessoas ligadas à Câmara da Amadora e a empresas de construção civil, e que envolve também elementos da Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território, a que presidiu Fernanda Vara. Curiosamente, esta arquitecta – uma das arguidas no processo da Amadora – integrou a comissão que deu parecer favorável ao Estudo de Impacto Ambiental que permitiu o licenciamento do projecto Freeport, em Alcochete.

Nas buscas desencadeadas pela Polícia Judiciária, em 2004, às empresas suspeitas neste processo e a vários serviços da Câmara da Amadora, o computador do presidente, Joaquim Raposo, foi um dos que mais provas deu aos investigadores. Foi aqui, soube o SOL, que surgiu a referência à Mecaso – uma das empresas de Maria Adelaide Carvalho Monteiro, mãe de José Sócrates, e José Paulo Bernardo, o primo de quem agora se suspeita.

Outra cabala? Outra campanha negra? Boquiaberto, o país assiste a isto tudo e considera que há mesmo duas justiças. Se só houvesse uma, Sócrates já teria sido constituído arguido, porque tudo isto é substancial e concreto demais para poder ser considerado uma invenção de inimigos políticos.

Que a política está a meter a foice na seara da justiça, disso eu já não tenho a mínima dúvida. E veremos agora quem é que vai ser desencantado para investigar as pressões sobre os magistrados. Outro camarada de Sócrates?

Também, era só o que faltava…

No entanto, depois das absolvições de Pinto da Costa e de Avelino Ferreira Torres, tudo pode acontecer, não é verdade?


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/04/2009.
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01/04/2009

OS TESTÍCULOS DO DOUTOR MARINHO E OUTRAS MIUDEZAS

O doutor Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, habituou o país à sua frontalidade. Andam por aí as suas frases mais célebres, onde põe em causa a Justiça e podres diversos desta democracia pindérica e alvar. Não me custa dizer que subscreveria a maioria dessas tiradas, embora outras delas, pelo seu conteúdo, me cheirassem a qualquer coisa que não batia certo. Ou seja: parecia-me haver por ali um excesso de deslumbramento consigo próprio, que o levava a ser mais papista que o Papa. Um certo contestar gratuito, cheio de ideias peregrinas, um afinar extremista por causas duvidosas. Mas, enfim, de um modo geral, agradava-me aquilo que o senhor dizia, por ser uma pedrada no charco. Até se comentava, por aí, que o homem os tinha no sítio.

Claro que esse arrojo haveria de lhe arranjar alguns problemas. E foi o que aconteceu. Guerra no galinheiro – isto é: na Ordem – ameaças de processos judiciais, contestação generalizada ao nível dos poderes, e por aí fora. Talvez por isso, durante algum tempo arrecadou a voz. Estranhei, mas pensei que tivesse esgotado os temas. Acontece, algumas vezes, a quem tem muita pressa em dizer tudo e uma ainda maior dificuldade em estar calado.

Agora, reapareceu o doutor Marinho Pinto com uma assombrosa afirmação: a carta anónima que envolveu Sócrates no escabroso processo Freeport, não era, afinal, anónima, mas resultado de um conluio entre o denunciante a alguém dentro da Polícia Judiciária. Ou seja: foi combinada a maneira de fazer a denúncia. E embora isto não tenha sido dito, resultaria daqui que, assim sendo, tudo não passava realmente de uma cabala e, portanto, os milhões do Freeport nunca existiram. Nem o tio de Sócrates; nem o primo de Sócrates; nem a Smith & Pedro; nem os escritórios de advogados; nem a polícia inglesa e todos os dados de que dispõe. E nem outras coisas que adiante veremos.

Ao ouvir isto, lembrei-me de Valentim Loureiro e de Pinto da Costa, que nunca contestaram o teor das escutas telefónicas, mas sim a maneira como teriam sido feitas. Queriam eles dizer, lá na deles, que, tendo dito o que disseram, afinal nada tinham dito, porque não foram escutados conforme a lei exigiria. E digo isto com o devido respeito, porque comparar o doutor Marinho Pinto às duas figuras que citei, pode parecer desprestigiante para o senhor bastonário. E é também com o devido respeito que confesso ter sentido uma pancada no estômago quando soube das suas declarações, tendo sido logo assaltado por uma ideia – certamente malévola – que traduzo assim: Pronto! Lá apertaram os testículos ao homem!

Realmente, ninguém ignora as inúmeras pressões que Sócrates e o PS estão a exercer sobre tudo e todos para que o Freeport e demais trapalhadas em que o «engenheiro» que a UNI licenciou a um domingo está metido, sejam rapidamente abafados. Não me custa crer que Marinho Pinto, notoriamente egocêntrico e – ainda mais notoriamente – ambicioso, tenha sido informado, por qualquer Augusto Santos Silva, sobre a necessidade de sair em defesa de quem o pode livrar de aborrecimentos e, principalmente, lhe pode abrir as portas de uma actividade política almejada. Daí – digo eu – o incompreensível artigo sobre a forma da denúncia, como se isso fosse o cerne de toda a questão e não, como até o mais lerdo dos indivíduos deduz, o dinheirinho que escorreu de Inglaterra para Portugal e ao bolso de quem foi parar. Pareceu-me, por isso, que houve ali frete encomendado. Ou que, se o não foi, aconteceu coisa ainda pior, do tipo uma lambidela sabuja ao poder reinante.

Tudo isto, é claro, me vem à cabeça, pois não tem ela – a minha cabeça – outra explicação para que um reputado causídico, de repente, pareça ter perdido o siso e, olhando para a floresta, se ponha a falar de palitos. Se não entonteceu, então anda ali mãozinha cor-de-rosa. Mas desculpem-me todos – e, principalmente, o doutor Marinho – se estou enganado. Limitei-me a dizer o que penso.

Estávamos nós – que é como quem diz: eu – nesta meditação deprimente, quando salta de lá a Manuela Moura Guedes mais o vídeo onde Sócrates é rotulado de corrupto. Com todas as letras. Aí, meus amigos, só não saltei como salto quando o meu clube marca um golo, porque já sabia – e já aqui o afirmei sem rodeios – que Sócrates está a ser cozinhado em fogo lento. Como, aliás, merece.

De resto, parece claro que já ninguém duvida que Sócrates está a dar as últimas. Segundo gente ligada ao próprio PS, há algum tempo que a sua sucessão está a ser preparada. O que está em causa, neste momento, já não é a permanência do «engenheiro» à frente do PS e do governo, mas a sua saída airosa e com poucos custos políticos. Coisa difícil de conseguir, não só pela natureza dos vários escândalos que têm Sócrates como actor principal, mas porque a luta pela sucessão está acesa entre as várias facções no partido. Porque nem só de Socretinos vive o PS.

E convém aqui recordar o que já aqui disse há umas semanas atrás, quando referi que grande parte do que vem a público tem origem dentro do próprio Partido Socialista. Pois… é isso mesmo, a luta surda pelo poder, onde António Costa (excelentemente retratado no papel de Judas, numa paródia à Última Ceia, que por aí anda a circular, e onde Sócrates faz de Cristo) está a ter um papel relevante.

É claro que a última palavra competirá à Justiça. E essa, a Justiça, vive dias difíceis, especialmente desde que o PS chegou ao poder. A D. Cândida Almeida, senhora socialista de fortes laços e abraços a Mário Soares e a Almeida Santos, e que lidera a investigação do caso Freeport, declarou, entre outras coisas surpreendentes, que não sabe do famoso vídeo, onde Sócrates é claramente incriminado, nem quer saber. Quase que me apetece dizer: pudera!

Ao mesmo tempo, notícias inquietantes dizem-nos que os magistrados ligados ao caso Freeport estão a ser pressionados e coagidos a não fazer o que lhes compete fazer, sofrendo, até, ameaças às suas carreiras. É-lhes claramente sugerido que arquivem o processo. Pergunta que logo se impõe: será o arquivamento a única maneira de salvar Sócrates desta gigantesca enrascada? Pelos vistos…

No fim desta história, veremos, então, quem tem testículos e não os deixa apertar, ou quem, em seu lugar, apenas tem miudezas facilmente (de)capáveis.

Estranha – ou talvez não – é a posição dos partidos da oposição, muito cautelosos e cheios de palavras pias e outras delicadezas politicamente correctas. E, das duas, uma: ou já estão fartos de saber que, daqui para diante, a Sócrates só resta escorregar para o abismo; ou preferem não deitar mais achas para a fogueira, não vá ainda alguém mais sair chamuscado.

Ou – quem sabe? – as duas coisas ao mesmo tempo.


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1997, 2007 © Guia do Seixal

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