22/04/2009

ABRIL DAS MÁGOAS MIL

Há cinco anos, precisamente no dia 22 de Abril de 2004, no editorial do jornal Outra Banda, que então dirigia, escrevi o seguinte texto:

«Sou dos que não alinham no foguetório que saúda cada aniversário do 25 de Abril, embora compreenda, apesar de tudo, as boas intenções de quem o lança. Não consigo festejar Abril, quando o que dele resta é o voto e uma ilusória sensação de liberdade de expressão, no fundo pouco mais do que a estafada e quase inútil conversa de café. Não consigo festejar memórias ou vestígios.

Do voto, não duvido que é, cada vez mais, a certidão de óbito da nossa cidadania, e que não serve para outra coisa que não seja a de legitimar as práticas políticas daqueles que, encaixados nos partidos do sistema, vão encontrando sucessivas maneiras – e desculpas – para extorquirem a mais de nove milhões de portugueses o necessário para que as grandes fortunas, filhas dos grandes negócios, continuem no mar de abastança em que já nadavam antes do 25 de Abril. E o resto é paisagem.

Da liberdade de expressão, cada vez mais condicionada pela ressuscitada noção de que não é saudável afrontar os poderosos, restam desabafos limitados pelo sentido das conveniências, pois manter um emprego – ou consegui-lo – pode depender de sermos, ou não, pessoas dispostas a nos sujeitarmos à velha ordem natural das coisas. Em lugar da Censura, aí está, pujante, a auto-censura. Domesticados éramos, domesticados somos.

Do voto, suspeite-se somente que vai pender para quem defende uma sociedade justa, onde todos tenham o direito – e a obrigação – de trabalhar e, pelo seu trabalho, receber a justa paga; e que ligado a isso, todos – todas as pessoas e todas as empresas – tenham perante o Estado as mesmas responsabilidades, direitos e deveres (incluindo os fiscais), de modo a que a todos seja garantido uma existência segura, digna e feliz, e logo veremos como o sacrossanto voto deixa de valer, e como a democracia logo se desmascara e se vê a ditadura que lhe está nas veias. Democracia, democracia, poder económico à parte.

Da liberdade de expressão, imagine-se apenas que alguém conseguia ser um novo Messias e levar a esperança aos que a não têm, e, mais do que a esperança, a certeza de que, todos juntos, poderíamos construir um país novo, justo e solidário, e logo se veria como uma nova PIDE aí estaria para pregar na cruz o atrevido.

No 25 de Abril que eu vivi, não cabiam a fome, nem o desemprego, nem as listas de espera, nem a opulência feita à custa da miséria alheia. No meu 25 de Abril, não há lugar para os políticos de carreira, com ordenados chorudos e reformas obscenas, profissionais do embuste e do oportunismo, parasitas de um povo que continua tão vampirizado como o era até há trinta anos.

E quando o meu país se torna cúmplice activo de uma guerra colonial – de descarada pilhagem e sangrenta ocupação – convictamente vos digo que já nada distingue estes “democratas” dos outros ditadores.»

Estas palavras, escrevi-as eu há cinco anos atrás, na edição número 333 do extinto Outra Banda. Hoje, nem uma palavra retiraria ao que então escrevi. Pelo contrário: várias outras, e bem piores, lhes poderei acrescentar.

Com o «socialismo» de Sócrates e do PS, aumentou o desemprego, a precariedade de emprego é a regra, os salários em atraso são o pão nosso de cada dia, diminuíram as reformas, os salários perderam ainda mais poder de compra, aumentou a criminalidade, a corrupção é uma forma de vida e de governo, o Ensino conhece os seus piores dias após o 25 de Abril, a Saúde deixou de ser um direito (porque se transformou num negócio), as desigualdades sociais acentuaram-se, o número de pobres ultrapassa os dois milhões de há três anos, e a Justiça passou a ser uma anedota, onde o poder político mete o bedelho para o pressionar e controlar a seu bel-prazer.

Fecham-se escolas às centenas, tal como maternidades e urgências hospitalares. Aumentam-se as taxas moderadoras e os medicamentos, mas reduz-se a lista dos que são comparticipados. O acesso fácil à Justiça é só para os ricos.

A classe dominante, uma mistura promíscua de políticos e altos empresários, troca favores e interesses por cima e por debaixo da mesa, e a Justiça, forte e exigente para com a arraia-miúda, é completamente cega, surda, muda e paraplégica quando confrontada com a alta corrupção reinante.

Obriga-se o povo a pagar os desfalques no sistema financeiro, onde se injectam milhões saídos dos nossos impostos, milhões que depois nos emprestam com juros de verdadeiros agiotas.

A economia está entregue à lógica do regateio e da especulação, e a estes interesses se curvam os legisladores e o aparelho do Estado. A administração pública está enxameada pelos amigos, familiares e esbirros da facção de momento no poder, e aí se conseguem, sem custo, vantagens e mordomias para o resto da vida.

E enquanto se obriga os portugueses a apertarem o cinto, continua a apoiar-se o esforço de guerra do imperialismo, enviando tropas para qualquer parte do mundo que nos seja apontado. O Iraque de hoje é uma ruína, comparado com o Iraque próspero de Saddam, e o seu petróleo é sugado directamente para as grandes petrolíferas ocidentais, com as vénias dos governantes fantoches que os invasores lá colocaram. Nisto fomos – e continuamos a ser – cúmplices activos, servis e obrigados.

Fechada no castelo do poder, a casta dominante – constituída pelo poder económico e a classe política, confundidos num só trono – governa o feudo como sempre fez: impondo à maioria restrições e sacrifícios dos quais a si própria se isenta.

Se contra tudo isto se fez, com lágrimas de alegria e cravos de festa e esperança, o 25 de Abril, quem pode, em seu perfeito juízo, agora festejá-lo?

Não! Este Abril que vivemos já não é de festa. É um Abril de mágoas mil. E, por isso mesmo, de luta e indignação.

E de revolta.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/04/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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