25/04/2007

OUTRA VEZ UM AR DE CHUMBO

Olho para trás e vejo-me, deslumbrado, perdido entre cravos e chaimites, soldados e povo, risos e choros, esperanças e medos, caminhando ao sabor das ondas de gente pela baixa de Lisboa, faz hoje trinta e três anos. Passei pelo banco só por descargo de consciência, pois percebera, desde o início, que o país parara para ver nascer a Liberdade.

Depois, dei um salto ao Sindicato dos Bancários, que era, nesse tempo, um sindicato sério – e a sério – e não a fraude amarelenta que é hoje, uma mal encapotada delegação dos banqueiros, gerida por oportunistas que fizeram do pseudo-sindicalismo que praticam uma carreira bem remunerada, passei, como ia dizendo, pelo Sindicato dos Bancários, para saber como poderia ser útil. Para já – disseram-me – é na rua, ao lado dos militares, que todos fazemos falta. Amanhã se verá o que deveremos fazer nos bancos.

E assim foi. Voltei a perder-me nas ruas de Lisboa, entre os sons da Grândola, Vila Morena, que saía dos rádios avidamente ouvidos – e generosamente partilhados – sempre no meio de gente que ria ou que apenas deixava transparecer, na expressão clara da esperança que lhe marcava o rosto, um profundo desejo de respirar e ser feliz. O que andava no ar, naquela manhã de sol radioso, jamais o saberei traduzir por palavras. Mas era como se, de um dia para o outro, cada rua, cada esquina, cada prédio, cada pedra, cada pombo, cada sombra, cada clarão de sol, enfim, Lisboa inteira, o seu Tejo remansoso e o céu daquele dia azul fossem o limiar de um paraíso terreno, uma casa comum a todos nós, e todos nós fôssemos irmãos, ou amigos, ou simples companheiros de uma caminhada que iríamos fazer dali para a frente, experimentando e aprendendo os passos da liberdade, da fraternidade e da justiça.

Aquele primeiro dia de um Abril há muito desejado, cuja memória me avassala por ter sido o dia mais belo e feliz da minha vida enquanto cidadão – ou ser social – representava, à medida que o vivia, muito mais do que a simples conquista da liberdade. O que me vinha à cabeça, entre o perfume e o vermelho dos cravos, a euforia do povo e a serena firmeza dos militares, era que estava a nascer um Portugal onde acabaria a pobreza, a fome, a guerra, a injustiça e a violência. Um Portugal onde todos nos sentíssemos bem.

Nunca duvidei, nesse dia 25 de Abril de 1974, nem nesse inesquecível 1.º de Maio que se lhe seguiu, nem nos primeiros meses que se acrescentaram a essas datas, que iríamos ter, a partir dali, governantes sérios e totalmente dedicados ao povo. Era, para mim, um dado assente que, de então para a frente, os governos se empenhariam para que nunca mais houvesse fome em Portugal. Cada português teria uma casa digna para viver, trabalho e remuneração justa e suficiente. Cada criança teria os cuidados indispensáveis ao seu crescimento sadio, à sua educação e ao seu bem-estar. Aos idosos nada faltaria e, sobretudo, caminharíamos para uma sociedade solidária, fraterna, justa e responsável. Uma sociedade decente. A tudo isto eu chamava, numa palavra, Liberdade, e tudo isto me parecia a consequência lógica e inevitável daquele dia 25 de Abril de 1974. Era assim que eu sonhava a democracia.

É triste confessar, trinta e três anos depois, que todas estas certezas acabariam por revelar-se como a prova decisiva de que mesmo um homem de trinta anos – e já com alguma experiência política e de intervenção social e cívica – pode não passar de um ser ingénuo e profundamente ignorante.

Hoje, Portugal é, na União Europeia, o país campeão do desemprego e das desigualdades sociais. Alastram as manchas de pobreza. Os baixos salários, os salários em atraso e o trabalho precário são a coisa mais normal do mundo. Milhares de portugueses procuram no estrangeiro, tal como acontecia no regime a que o 25 de Abril pôs fim, trabalho com remuneração digna. Todas as semanas o governo toma medidas que agravam a vida de milhões de portugueses, restringindo-lhes o direito à saúde, à educação, ao trabalho e à sua capacidade para adquirirem os bens e serviços indispensáveis a uma existência minimamente aceitável.

Pode dizer-se, sem medo de errar ou ser desmentido, que esta pseudo-democracia nega e renega o essencial do 25 de Abril. No entanto, nas comemorações da data, muitos dos responsáveis por essa negação acabarão por colocar um cravo ao peito e encherão a boca com lugares comuns, debitando discursos que nada dizem, mas onde o cheiro a mofo já faz lembrar os discursos de circunstância dos próceres do fascismo.

Aqui e além, oportunistas de todos os quadrantes, que encontraram na democracia e na liberdade que o 25 de Abril conquistou, o caminho para remunerações principescas e reformas encavalitadas em leis feitas por medida, também renegam, em nome do pragmatismo, os ideais de Abril, e extorquem ao povo os seus últimos cêntimos. Já ninguém governa desinteressadamente para o povo e em nome do povo. Todos se governam à conta do povo

E o que eu vejo, hoje, é um povo outra vez triste e sem esperança, outra vez sugado pela oligarquia financeira e pelos seus mandatários estacionados nos vários órgãos do poder político, uns e outros tratando de si, abancados à mesa dos muitos orçamentos – do Estado, das autarquias, das empresas públicas.

O que eu vejo, hoje, é abrirem hospitais privados, enquanto se fecham maternidades, urgências e outros serviços públicos de saúde, encurralando, metodicamente, os mais desfavorecidos e, até, uma classe média cada vez mais próxima da asfixia. O que eu vejo, hoje, é estrangular e reduzir o ensino público, das escolas do ensino básico ao ensino superior, para que floresça o negócio do ensino privado, onde os escândalos da Moderna ou da Independente ilustram as concubinagens existentes entre o poder económico e o poder político. O que eu vejo, hoje, é milhões de compatriotas meus forçados ao endividamento para garantirem a sobrevivência, enchendo, assim, os baús do capital financeiro e a toda a restolhada de agiotas menores, que oferecem dinheiro fácil e rápido a troco de couro e cabelo.

Conspurcando ainda mais a democracia, a moral e os bons costumes (que dizem, hipocritamente, defender), as classes dominantes e os seus agentes no aparelho de Estado servem-se de tudo a que podem deitar a mão, seja uma fatia de uma área protegida, seja um diploma de um curso superior, sejam os lugares melhor remunerados das empresas públicas, institutos e fundações, sendo certo que mais institutos e fundações e empresas públicas se criarão, se a procura de mais tachos a isso obrigar. Mas, enquanto agem como títeres feudais, dizem-se republicanos e democratas da melhor cepa. Alguns até se dizem de esquerda e socialistas, já para não falar doutros que, se pela prática lhes fosse colocada a etiqueta, todos os veríamos como eles de facto são, uns infames aproveitadores dos cargos, que só de ouvir falar em socialismo e sociedade sem classes se lhes eriçam todos os pelos do corpo.

Por isso, o que eu vejo, 33 anos depois de Abril, é a imoralidade e a corrupção alastrando, enquanto o português comum, em nome da democracia e com a promessa de um futuro sempre adiado, é sangrado pelos mesmos vampiros que Zeca Afonso tão bem denunciou. E assim, em vez de um governo do povo e para o povo, o que eu vejo é algo que em quase nada se distingue do que vi e sofri antes do 25 de Abril: um bando de vampiros, dependurados nas grutas sujas do poder, onde congeminam novas maneiras de sangrar os portugueses. E tal como então, eles comem tudo e não deixam nada.

E, cá fora, sinto outra vez um ar de chumbo. O mesmo ar de chumbo que, como nos pesados tempos de Salazar e Caetano, nos rebentava os pulmões e amachucava os ombros.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 25/04/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

18/04/2007

EXTORSIONÁRIOS, ESCROQUES E TRAFULHAS

Dizem os dicionários que extorsionário é quem se apodera dos bens alheios com recurso à violência ou à ameaça. E que escroque é quem se apodera dos bens alheios por meio fraudulento. Digo eu, em consequência, que a extorsão e a escroqueria se conjugam para dar corpo às políticas económicas que, nos sistemas democráticos, sujeitam a maioria dos cidadãos às mais infames carências, extorquindo-lhes, pela violência da lei – e sob a sua ameaça – os recursos necessários ao seu bem-estar e felicidade. E fraude se chama ao processo que conduz à aceitação, pelos espoliados, da extorsão sobre eles praticada, convencidos que são, pelos malabarismos ideológicos, semânticos e propagandísticos, que ela – a tal extorsão – mais não é que a justa e indispensável gestão dos recursos nacionais. Da coisa pública.

Mas deixemo-nos de teorias, análises e definições. E vamos a factos.

Um homem de sessenta anos entrou numa agência do Montepio, em Gaia. Exibindo uma pistola e dizendo-se portador de explosivos, deixou sair toda a gente, clientes e funcionários, sem dizer o que é normal nestas situações: «Todos para o chão! Isto é um assalto!». Não. Conforme diria depois, o seu único objectivo era forçar a renegociação da dívida resultante de um empréstimo contraído naquele banco, para evitar que a sua casa fosse a leilão. O desespero encarregou-se da forma como agiu. E explicou: «Tenho sessenta anos e nunca fui ladrão. Queria negociar a dívida, mas eles puseram-me a casa à venda por 60 mil euros, quando ela vale 250 mil».

Dou por mim a perguntar quantos outros portugueses vivem o mesmo drama que este homem, apenas porque não podem pagar aquilo que, na altura da concessão dos seus empréstimos, era perfeitamente viável e possível? Quantos jovens são forçados a perder as suas casas, só porque um grupo de extorsionários, em Bruxelas, decide, insensível aos dramas da vida real, a subida das taxas de juro? Quantas famílias, nos dias que correm, procuram, desesperadamente, uma base mínima de sobrevivência digna, mas não encontram soluções para os seus problemas financeiros, só porque, praticamente todos os meses, alguém as assalta, levando-lhes o pouco que lhes resta para o sustento e para as despesas do dia-a-dia?

Foi-se a contribuição autárquica, e inventou-se o IMI, o que significa que se paga o dobro, o triplo – ou mais – do que se pagava antes, com a agravante de a continha subir todos os anos. A factura da água diz-me quanto devo pagar de precioso líquido, mas vejo que a conta final é o triplo (meus senhores, o triplo!) do valor da água que consumi, porque lá estão as alcavalas do aluguer de contador (cujo valor já paguei centenas de vezes), mais a taxa de manutenção das infra-estruturas urbanas (os esgotos), mais duas taxas para a recolha do lixo (logo duas, como se uma já não fosse demais – sendo uma fixa e outra variável, indexada ao consumo de água, até parecendo que quanto mais água se consome, mais lixo se produz). Para breve, a juntar a este festim digno de vis extorsionários, uma nova taxa para tratamento das águas residuais virá meter as mãos nos meus bolsos.

Também a factura da electricidade dá boleia a mais extorsão, como a taxa de exploração (que nome tão apropriado!), e uma contribuição audiovisual, que ultrapassa os seiscentos escudos, na saudosa moeda antiga.

Por tudo isto, não espanta que, em Portugal, dois milhões de seres humanos (ou seja: 20% da população) estejam abaixo do limiar de pobreza, e que, todos os dias, este número aumente. Primeiro, porque os extorsionários e os escroques, instalados nos diversos patamares do poder, não param de inventar novos instrumentos de extorsão. Segundo, porque os rendimentos das famílias não sobem o mesmo que sobem os preços de tudo o que precisam de consumir, sejam bens, sejam serviços. Terceiro, porque o desemprego aumenta. Quarto, porque as prestações sociais diminuem – ou são ridículas. Quinto, porque as pessoas são conduzidas ao endividamento.

Deste modo, não espanta que continue a ser notícia o facto de Portugal ser campeão, na União Europeia, no que respeita a níveis de desigualdade. A novidade (olha que novidade!) foi dada por Carlos Farinha Rodrigues, investigador e docente no Instituto Superior de Economia e Gestão, que apresentou um estudo, no final do roteiro presidencial pela inclusão, sobre a distribuição do rendimento, a desigualdade e a pobreza em Portugal. Diz ele que, nos últimos 20 anos, Portugal «manteve os níveis de pobreza acima da média europeia» (20% contra 16%, respectivamente), e que a taxa de desigualdade está, também, acima da média europeia, 41% contra 31%.

(Talvez se lembrem de quem governou Portugal nestes últimos 20 anos. Eu recordo aos mais esquecidos: Cavaco Silva, do PSD, António Guterres, do PS, Durão Barroso e Santana Lopes, do PSD, acompanhados por senhoritos e senhoritas do CDS/PP, e, finalmente, José Sócrates, que já fizera parte dos governos de António Guterres).

Diz Carlos Farinha que os idosos são o grupo onde o flagelo da pobreza é mais visível. Em Portugal, a taxa de pobreza nos idosos atinge os 28%, enquanto na Europa se fica pelos 19%, chamando ainda a atenção para o retrocesso que, entre 2000 e 2003, se verificou no rendimento por adulto. Em 2001, Portugal tinha níveis de pobreza persistente na ordem dos 15% quando a média da Europa (dos 15) era de 9%. Nesse domínio, a pobreza infantil atingia os 22% (mais 9% que os restantes países da Europa) e, nos idosos, o valor ascendia a 24% (o dobro da Europa).

Enquanto isto, o país, diverte-se com as trapalhadas da licenciatura de Sócrates. Como disse Cavaco, essa trapalhada não é o nosso maior problema. Aliás, também o PCP desvaloriza a questão, acentuando que o que deve preocupar o país são as políticas que Sócrates impõe e que nos estão a conduzir para a pobreza generalizada.

Embora compreenda e respeite estas posições, acho-as demasiadas calculistas, no caso de Cavaco Silva, e excessivamente puristas, em termos políticos, no caso do PCP. Se é verdade que José Sócrates não precisa de ser engenheiro, nem doutor, para ser primeiro-ministro, ministro, ou secretário de Estado, e que os malefícios da sua governação não resultam de, afinal, não ser o que apregoava ser, mas da sua estrutura ideológica e das suas concepções e práticas políticas, verdade maior é que a sua necessidade de ser titular de uma licenciatura – não por razões de carreira ou perspectiva profissional, mas pela emergência pacóvia de ostentar um título académico – reflecte alguma menoridade mental e uma debilidade de carácter pouco condizente com os cargos que tem perseguido.

Pior ainda, caso as suas habilitações, conforme tudo leva a crer, tenham sido adquiridas através de favores e malabarismos de vária ordem, onde não são estranhos a filiação partidária, o peso político do sujeito e a mancomunação entre gente instalada em cargos e funções onde julgam que as regras, as leis e, acima de tudo, a moral, não são para ali chamadas.

Vejo agora que a prova de Inglês Técnico de Sócrates terá constado de um pequeno trabalho, feito fora de Universidade Independente, numa folha de papel A4, enviada por fax para o reitor da UnI, acompanhada de um cartão com o timbre do seu gabinete de secretário de Estado, funções que na época exercia, dizendo: «Meu caro, como combinado, aqui vai o texto para a minha cadeira de Inglês». Segundo se soube, a folha A4 tem um pequeno texto que corresponderá às respostas a menos de uma dezena de alíneas.

Se isto é verdade – e talvez isto seja uma das bombas que a conferência de imprensa da nova direcção da universidade tem na manga – então, caros amigos, aquilo que temos pela frente não é saber se Sócrates usou indevidamente durante 10 anos, por provincianismo parolo, um título que não tinha, mas se os métodos que utilizou para conseguir o almejado canudinho não passaram de uma imensa trafulhice, apenas possível pelo seu estatuto de figura pública e pela sua influência política e partidária.

Feitas as contas, estamos perante trapalhadas a mais para tudo não passar de um azar dos diabos e erros administrativos da universidade. São os diferentes certificados de habilitações, nenhum igual ao outro; é o certificado com dados impossíveis à data da sua aparente emissão; é fazer uma série de exames, examinado pelo mesmo professor, e tudo num só dia; é conseguir as equivalências sem apresentar as respectivas provas, conforme é exigido a todos os alunos, fazendo-se apenas fé na sua palavra; é as equivalências serem certificadas por quem não tinha competência para o fazer; são os dados errados prestados por Sócrates aos serviços da Assembleia da República; enfim, é a prova de Inglês Técnico feita em casa, coisa, que eu saiba, jamais vista ou sabida em qualquer parte do mundo civilizado, sendo agora expectável que ainda nos venhamos a deparar, seguindo o fio desta grotesca meada, com mais uns tantos casos semelhantes, em benefício de outros elementos da distinta classe política.

Por isso, eu digo que é necessário saber não só o que é Sócrates, mas, acima de tudo, quem é Sócrates. É que se confirmarem as piores suspeitas, isso basta para que o fulano desapareça rapidamente da cena política e, se for caso disso, que preste as devidas contas à Justiça.

É que o rigor e a excelência, meus amigos, para serem bandeiras que alguém acene aos outros, só podem ser acenadas por quem seja um exemplo de rigor e de excelência.

Ora, parece-me que estamos nos antípodas de tudo isso.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas "Provocações" da Rádio Baía em 18/04/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

11/04/2007

O CANUDO E A CENSURA

Uma mosca sem pudor
pousa com a mesma alegria,
na careca dum doutor,
ou em qualquer porcaria.

“António Aleixo”

Ou então:

A mosca, com ar matreiro,
pousa da mesma maneira,
na testa dum engenheiro,
ou numa qualquer estrumeira.

O escândalo da Universidade Independente é um exemplo extraordinário da história e dos resultados das furiosas políticas privatizadoras levadas à prática em Portugal, ao longo dos últimos trinta anos. Tem-se feito, desde os primeiros governos de Mário Soares, um esforço enorme – e muito bem sucedido – para transmitir a ideia de que a iniciativa privada existe para servir Portugal e os portugueses, e não – como de facto acontece – para, antes de mais e acima de tudo, correr atrás do lucro a qualquer preço.

Apesar de eu considerar que o lucro é legítimo e que existem muito sectores onde a iniciativa privada pode e deve ocupar o seu espaço, julgo que seria bom que os portugueses menos informados – ou mais distraídos – percebessem que a iniciativa privada não entrou na saúde, nem na segurança social, nem no ensino superior, nem na captação e distribuição de água, nem no tratamento de esgotos, nem nos transportes, nem em qualquer outra área importante do serviço público, por indefectível dedicação a Portugal e enternecedor amor aos portugueses, para servir mais e melhor. A iniciativa privada também não está na banca para dinamizar a economia, apoiar os pequenos e médios empresários, optimizar a poupança dos cidadãos, tal como não está nos seguros para cuidar dos riscos dos segurados. Em todos estes sectores visa, apenas, um único objectivo: o lucro máximo. É, digamos assim, a sua vocação genética.

Venha o lucro, pois – e quanto mais, melhor. No caso da Universidade Independente, por onde cirandou muita da nata da nossa classe política, sob a forma de alunos, ou sob a forma de professores, a concubinagem entre diversos interesses não pode ser ignorada. No fundo, estamos perante a consabida promiscuidade entre o poder político, que abriu as portas ao negócio, e o poder económico, que dele aproveitou e, em consequência, se sente na obrigação de retribuir o favor. Mesmo que o pagamento seja em géneros, quer sob a forma de um canudo à pressão, quer sob a forma de umas cadeiras para leccionar.

Paralelamente a este estado de coisas, está a ilusão parola de que um canudo é a chave do sucesso. Ser-se doutor ou engenheiro – pensam eles – representa, nesta república das bananas em que nos transformámos, o mesmo que ser-se duque ou conde nos tempos da monarquia, conferindo-lhes, à partida, um patamar de privilégio em relação à ralé.

Acontece, no entanto, para desgosto e irritação desta geração de novos-ricos que a democracia pariu por descuido ou maldição, que nem o canudo confere saber ou inteligência, como o título nobiliárquico não significava, automaticamente, que o seu detentor possuísse alguma dignidade ou nobreza. Dizia um amigo meu que, mais difícil de perceber como é que alguns indivíduos se formaram, é perceber como é que eles conseguiram tirar a 4.ª classe.

Sócrates quis ser engenheiro encartado, sem perceber que o canudo, para além de lhe permitir apor o «engenheiro» antes do nome, de nada realmente lhe servia. Foi uma vaidade, em vez de ser uma opção de vida, uma via profissional. Saltitou de estabelecimento de ensino para estabelecimento de ensino, arrebanhou equivalências, o mesmo professor examinou-o em três ou quatro cadeiras diferentes e, num certo domingo, alguém lhe passou um diploma, aparentemente imaculado. Uma coisa é certa: a um engenheiro destes, não confiava eu o mais simples trabalho de engenharia.

Mas Sócrates pouco se ralará com isso. O seu futuro, se tiver a ver com engenharias, não será com aquelas para as quais um papelucho o diz habilitado. Acabará, como o seu grande amigo a camarada Armando Vara (outro ilustre recém-diplomado pela Universidade Independente), no conselho de administração de um grande grupo económico, ou a presidir a algum organismo internacional, como os seus amigos e camaradas Guterres e Sampaio. E o episódio do canudo não passará, então, de uma história grotesca, rapidamente caída no esquecimento.

Consta que, ainda hoje, dia 11 de Abril do ano da graça de 2007, Sócrates explicará ao país o que já devia ter explicado há três semanas. Espero que aproveite, também, para nos esclarecer porque razão, três anos antes de concluir a licenciatura na Universidade Independente (admitamos que não houve quaisquer favorecimentos), já ele garantia, nas biografias oficiais da Assembleia da República, ser licenciado em Engenharia Civil.

De facto, conforme veio agora a público, em 1993, quando Sócrates era deputado, o seu curriculum oficial apresentava uma «licenciatura em Engenharia Civil», dizendo-se engenheiro de profissão. No entanto, o próprio primeiro-ministro admitiu recentemente que a licenciatura apenas foi concluída três anos depois, quando estava no Governo, como secretário de Estado adjunto do Ministério do Ambiente. Se calhar – digo eu – foi um lapso dos serviços da Assembleia da República, pois um homem de tanto carácter e tão sólidas convicções morais, seria incapaz de aldrabar tão infantilmente os seus concidadãos, ou seja, andar, a fazer-se passar por engenheiro, não o sendo.

Mas eu queria, quase a terminar, pôr a tónica na tentativa desesperada, levada a cabo pelo próprio Sócrates e pelos seus assessores, no sentido de pôr um freio na comunicação social. Quis-se que, a todo o custo, se ignorasse a notícia. Por outras palavras: tentou-se abafar o assunto. E quando, há dias, falámos de censura e de repressão a propósito da eleição de Salazar como o maior português de sempre (salvo seja, claro…), não deixa de ser curioso verificar como esta democracia – e estes políticos de plantão à mesma – se parecem perigosamente com o defunto de Santa Comba.

Mas nada disto me espanta. Modesta e pequenina é esta Rádio Baía, mas também ela – segundo há dias me avisaram – está a ir por caminhos subversivos e, por isso mesmo, perigosos. É que há aqui quem se atreva, num programa chamado Provocações, a ter opinião e a tecer críticas.

Em consequência, tanto o PS como certos responsáveis autárquicos cá do burgo não estão a gostar da coisa – e já mandaram os seus recados.

Liberdade? 25 de Abril? O que é isso?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/04/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

08/04/2007

AMÊNDOAS AMARGAS

Embora eu não professe qualquer religião, manda a sociedade de consumo que nesta época Pascal tão simbólica para os católicos, se ofereçam umas prendinhas, ou no mínimo, umas amêndoas ou uns ovinhos de chocolate.
Por isso resolvi este ano abrir os cordões à bolsa para poder contemplar os tão “abnegados” servidores da causa pública que, “democraticamente”, decidem a seu belo prazer os nossos destinos.

Assim, começo por enviar ao senhor José Sócrates um anafado borrego para que ele o possa esfolar - tal como nos tem andado a esfolar a todos nós, deixando-nos apenas com a pele e osso – e que depois possa comer o ensopadinho tão característico da sua terra.
Com o borrego vai também um folar e um ovo de chocolate muito grande enfeitado com um enorme laçarote pelo “simplex” na obtenção de canudos e por tudo aquilo que ele tem feito e provavelmente ainda virá a fazer, obrigando-nos a não gastar tanto dinheiro em coisas supérfluas, tais como a alimentação, a saúde, o ensino, a habitação, os transportes, etc.
Ele merece tudo isto e muito mais, pois em conjunto com os seus apóstolos tem dado provas de ser um predestinado nos malabarismos e na propaganda doutrinária que nos tenta impingir.

Mas o senhor Manuel Pinho também não foi esquecido e leva uns ovinhos de chocolate pela brilhante ideia daquela campanha de nome “Allgarve”, pelas empresas que encerram sem que ele mexa uma palha e por todas as bacoradas que profere cada vez que abre a boca.

Uns ovinhos também para o senhor Mário Lino pelas trapalhadas do metro do Porto e pelas reviravoltas no traçado do TGV, mas principalmente pela sua defesa intransigente de um aeroporto na OTA.

E se estes levam uns ovinhos, o senhor Correia de Campos tem que ser contemplado com uma cestinha cheia deles pelos SAP, Centros de Saúde e Maternidades que tem mandado encerrar, pelas taxas moderadoras que decidiu aumentar, já para não falar da subida dos preços dos medicamentos e a diminuição das comparticipações.

Para o senhor Vieira da Silva um enorme folar, por nos dizer sempre que o desemprego está a diminuir, quando todos sabemos que é precisamente o contrário. Leva também umas amêndoas de chocolate para dividir com o seu colega Teixeira dos Santos, pelo esforço que em conjunto têm feito para conseguirem diminuir as reformas e os ordenados, ao mesmo tempo que aumentam os impostos e o custo de vida.

Ao senhor Mariano Gago envio uns ovinhos cozidos todos coloridos, por meter os pés pelas mãos no caso da Universidade Independente, vindo apressadamente a defender uma coisa que ainda não se sabe bem qual a extensão que poderá vir a ter, não fosse alguém desconfiar que por compadrio político ou pagamento de favores, se pode obter uma licenciatura de um momento para o outro.

Para os Costas, o António e o Alberto, vão uns coelhinhos de chocolate pela decisão de encerrarem esquadras de polícia e tribunais, pois segurança e justiça são coisas que não nos fazem falta nenhuma.

Ao senhor Luís Amado, um tronco de chocolate pelo encerramento de Consulados e apoio aos nossos emigrantes que muito agradecidos lhe estão.

Uns ovinhos também para o senhor Nunes Correia, grande defensor do ambiente, das co-incinerações, das reservas ecológicas da Costa Vicentina e das praias da Costa da Caparica.

Também umas amêndoas para a D. Maria de Lurdes Rodrigues, pelas escolas que mandou encerrar para dar lugar a mais umas urbanizações e pela brilhante ideia de fazer negócio com a rentabilização dos estabelecimentos de ensino, alugando os espaços para festas ou outras actividades, desde que entrem uns dinheirinhos para que os Conselhos Directivos possam fazer a manutenção que compete ao Estado

Para o senhor Jaime Silva, um folar transmontano, daqueles com muitos enchidos, pela defesa da nossa agricultura e pescas com a construção dos canais de regadio do Alqueva e pelas excelentes oportunidades de os nossos pescadores poderem trabalhar em … Marrocos.

Para nós, bem, para nós, ficam apenas amêndoas amargas.

04/04/2007

O REGABOFE

Qualquer dicionário nos diz que regabofe é uma festança com muita comida e bebida, uma grande patuscada, uma pândega, uma folia, uma folgança sem limites. Para o português comum, regabofe é, também, sinónimo de utilização desbragada do erário público, em proveito dos que governam ou mexem os cordelinhos no país. Hoje em dia, em Portugal, dizer-se que a governação é um grande regabofe, não é mais do que uma redundância. É um lugar-comum.

Na realidade, Portugal está a saque. Já não se trata apenas do abocanhar, por um grupo restrito de pessoas, de todos os recursos de um país e da exploração sistemática da sua força do trabalho, coisa típica – e marca genética – do sistema capitalista, devidamente contemplada pelo poder legislativo (que legaliza a imoralidade) e pelo poder executivo (que a põe a funcionar). Não, meus amigos. Hoje, em Portugal, país perdido nos arrabaldes oceânicos de uma Europa conservadora mas, ainda assim, preocupada com as aparências e dando alguma atenção ao social, os lusitanos senhores do mando, por entenderem que as vantagens do poder são ilimitadas, não se ficam pelo extorquir ao cidadãos aquilo que vai abarrotar o baú dos lucros do grande capital financeiro. Hoje, eles agem como se todo o país fosse uma quinta sua, a mesa onde se banqueteiam ou os lençóis onde se rebolam.

O caso da Universidade Independente, no seguimento dos escândalos havidos noutras universidades privadas, como a Moderna, é bem um exemplo paradigmático da devassidão reinante e da convicção que se instalou nos extractos sociais mais elevados, de que os imperativos legais – e, principalmente, os códigos morais – são instrumentos não aplicáveis à sua classe. Ilustres senhores doutores, figurões endinheirados, elites sociais e económicas fabricadas sabe-se lá como (ou sabe-se bem demais), habituaram-se à ideia de que tudo lhes é permitido e que os preceitos legais e éticos existem apenas para as classes mais baixas. O caso da Independente é, para além disso, a prova provada que nem tudo pode ser privatizável, muito principalmente se o objecto da privatização for algo tão importante para o futuro de um país, como a formação técnica e profissional dos seus filhos. Não se entrega o futuro à gula dos mercadores.

Suspeitos de vários crimes, os responsáveis pela Independente engalfinharam-se numa bulha rocambolesca, que viria a culminar com várias detenções e a constituição de vários arguidos, ficando alguns deles em prisão preventiva. Pelo meio, acusações para todos os gostos e paladares, desde o tráfico de diamantes até à falsificação de documentos, viciação de diplomas e outras proezas similares. Enfim, o admirável mundo dos negócios no seu melhor esplendor.

Mas acontece que foi nesta universidade que o primeiro-ministro Sócrates diz que se licenciou, coisa que alguns detalhes podem não confirmar ou, pelo menos, podem contribuir para alimentar sérias dúvidas. Entre elas, está o facto de ter conseguido obter o seu certificado de habilitações a um domingo, ao que consta generosamente passado pela filha do próprio reitor. Aliás, já no tempo em que era membro do governo de António Guterres, José Sócrates trocava correspondência com o reitor Luís Arouca, em papel timbrado da Secretaria de Estado de que era titular, visando obter correspondência em diversas disciplinas. Recentemente, foi o próprio Luís Arouca quem, quando começou a ver o barco a meter água, fez o favor de trazer o nome do primeiro-ministro à baila, recordando a sua passagem pela Independente. Há quem oiça aqui um recado subtil, um SOS discreto, um apelo ao abafar do assunto, antes que muita gente (José Sócrates incluído) se afogue no pântano que tudo isto é. A estranha – porque lenta, tardia e titubeante – intervenção do ministro Mariano Gago, a fazer jus ao apelido, também contribuiu para adensar as dúvidas.

Mas saltemos deste pântano privado para o pantanal da governação. O governo gastou, ao longo do ano passado, 71.662 milhões de euros, mais 993 milhões de euros do que previra em Outubro, isto a fazer fé em números publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. Por outro lado, no Programa de Estabilidade e Crescimento de Junho de 2005, o documento em que foi anunciado o agravamento fiscal, previa-se que o aumento de receita, resultante da passagem do IVA de 19 para 21% pudesse vir a ser de 500 milhões e as mudanças no ISP e no tabaco tinham um impacto esperado de 210 e 180 milhões de euros, respectivamente. Assim, a expectativa era de um aumento de receita de 890 milhões de euros. Na actualização do PEC feita em Dezembro de 2005, o governo «ficou ainda mais optimista, apontando para um acréscimo da despesa fiscal resultante das medidas tomadas de 1.000 milhões de euros»

Ora, a subida de impostos realizada pelo Governo teve como resultado um aumento da receita fiscal em torno de 600 milhões de euros, revelou o ministro das Finanças, «um valor substancialmente mais baixo do que era inicialmente antecipado pelo Governo». O abrandamento do consumo privado, a reacção negativa ao aumento da carga fiscal nos combustíveis e no tabaco, uma tendência generalizada para se ir (quem pode) abastecer a Espanha e, de caminho, trazer a mala cheia de géneros de primeira necessidade, explicam este resultado abaixo do esperado.

Conforme aqui temos dito várias vezes, as políticas de Sócrates, restritivas para quem vive do seu trabalho e para os pequenos e médios empresários, só podem conduzir ao abrandamento do consumo, o que se reflecte, de imediato, tanto na actividade produtiva como no sector do comércio e serviços.

Mas quem não tem razão de queixa são os senhores gestores públicos e os muitos “boys” e “girls” que, espalhados pelos vários gabinetes ministeriais, devoram enormíssimas fatias do OGE. Soubemos há dias (aliás, sempre soubemos, mas agora é que a coisa veio preto no branco) que o regabofe não podia ser maior.

Para os gestores públicos, o Governo criou recentemente um regime especial de indemnizações, destinadas aos que prossigam objectivos considerados «de exigência acrescida». Em linguagem comum – e traduzindo a confusa palha da justificação para o banquete – isto quer dizer que, por exemplo, quando este governo cair, o futuro governo, se quiser meter a sua rapaziada à frente das empresas públicas e mandar os actuais á vida, vai ter de abrir os cordões à bolsa. Chama-se a isto pensar no futuro. O que é engraçado é a maneira como eles definem a coisa. O facto de um governo correr das empresas públicas com os “boys” do governo anterior, para lá colocar os seus próprios “boys”, é assim designado: «se por vicissitudes ou razões externas, o gestor for objecto de demissão».

Mas onde o regabofe atinge as raias do impensável é mesmo dentro dos gabinetes ministeriais. Uma auditoria do Tribunal de Contas relativa ao período de 2003 a 2005, feita aos 205 gabinetes ministeriais de três governos, concluiu que ali se recorre à contratação de especialistas para funções semelhantes às de adjuntos e secretários pessoais, sobrecarregando as despesas públicas. O que vou ler a seguir é parte de um texto que anda a circular na Internet:

«Os números são esmagadores. Em três anos (2003 a 2005) a despesa total movimentada pelos gabinetes do Governo atingiu o valor de 12,8 mil milhões de euros, sendo que só as despesas de funcionamento (aquelas que permitem que os ministérios trabalhem no seu dia-a-dia) totalizaram 216,3 milhões de euros. Só para se ter uma ideia, os gastos dos ministérios davam para construir três aeroportos da Ota e uma dezena de pontes iguais à Vasco da Gama.

Se dividirmos os 12,8 mil milhões por três anos (4,3 mil milhões) e o distribuirmos por dez milhões de habitantes, verificamos que, em média, cada português teve de pagar do seu bolso 430 euros por ano para financiar o funcionamento dos gabinetes do Governo. Estamos a falar em despesas que dizem respeito a ordenados com assessores, chefes de gabinete, pagamento de pareceres e contratação de especialistas. Mas a vertente financeira é apenas uma parte do problema. A verdade é que existe um total descontrolo na actividade dos 205 gabinetes que foram auditados pelo Tribunal de Contas e que empregaram 1.303 assessores, técnicos, consultores e especialistas durante três anos.

A auditoria divulgada é particularmente crítica em relação à falta de rigor com que são registadas as despesas e as contratações de funcionários que prestam serviço nos gabinetes ministeriais. Não existe qualquer informação estatística respeitante ao pessoal que presta serviço nos gabinetes dos ministros, nem se sabe em que qualidade os colaboradores exerciam as suas funções. A informação enviada ao Tribunal é muito deficiente e a existência de várias discordâncias entre os números inscritos na Direcção-Geral do Orçamento e as contas feitas nos vários ministérios coloca em causa a veracidade dos números. Por último, mas não menos grave, existe uma falta de rigor na elaboração e publicação em Diário da República dos despachos de nomeação e de exoneração dos assessores que trabalham para o Governo.

Mas a verdade é que nos governos liderados por Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates foram contratados assessores sem limites prefixados, com critérios de selecção nem sempre claros e com remunerações atribuídas sem ter em conta as funções para as quais foram contratados. O Tribunal de Contas fala de colaboradores a ganharem mais do que o próprio ministro a quem foram ajudar – e alguns com ordenados superiores ao do primeiro-ministro».

E mais adiante:

«Sócrates foi quem mais nomeou. A auditoria atribui-lhe 148 escolhas pessoais. José Sócrates foi o primeiro-ministro do triénio em causa que mais nomeações fez para o seu gabinete. O Tribunal de Contas imputa-lhe 148, enquanto Santana Lopes tem 80 e Durão Barroso 62. Foi no gabinete de um primeiro-ministro que se registou o valor mais elevado de admissões (as tais 148), entendidas estas como o número de pessoas que desempenharam funções num só gabinete, a qualquer título (no quadro e além do quadro), mas independentemente da duração da sua permanência”, escrevem os auditores. Mas Sócrates não fica sozinho. São registados outros casos de dois gabinetes com 108 e 72 admissões.

Os auditores são particularmente críticos em relação a “desconformidades” que apontam face à lei: “152 elementos em comissão de serviço integraram, incorrectamente, uma estrutura de apoio técnico de um ministro, não identificado no documento, e duas figuras atípicas com a designação de ‘conselheiro Roma’ e ‘gestor POAGRO’ em gabinetes de três ministros, de um mesmo ministério, repartidos, pois, pelos três governos analisados.” Estas duas últimas figuras, ‘conselheiro Roma’ e ‘gestor POAGRO’, não se enquadram nos cargos e funções previstos mas têm salários superiores aos do primeiro-ministro. Por fim, são identificadas centenas de nomeações sem cabimento legal».

Os dados que li foram retirados de uma auditoria do Tribunal de Contas. Não são – nem podiam ser – invenção minha. Mas eles – os números – explicam porque se aumentam as taxas moderadoras e se criam outras, se fecham maternidades, se encerram escolas e serviços de saúde e aumentam os impostos. Porque, simplesmente, é preciso alimentar a cáfila.

Por isso, termino como comecei: qualquer dicionário nos diz que regabofe é uma festança com muita comida e bebida, uma grande patuscada, uma pândega, uma folia, uma folgança sem limites.

E parece-me que isso ficou aqui bem demonstrado. Ou não?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/04/2007.
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