30/08/2006

OS ALEGRES CANGALHEIROS

O governo comandado por José Sócrates é, todo ele – ou quase – um governo de sorrisos. Tirando o próprio primeiro-ministro e um ou outro ministro ou secretário de Estado, que, por muito que se esforcem, não conseguem imitar um sorriso (para além de Sócrates, estou a lembrar-me, por exemplo, das ministras da Cultura e da Educação, cujos esgares se assemelham a patibulares imitações dos trejeitos de Drácula em noite de festim) tirando esses, praticamente toda a gente sorri muito bem.

O mais sorridente, mesmo quando representa o governo em funerais, é o ministro António Costa, que ri – e sorri – por tudo e por nada. O país está a arder, e ele, risonho, explica que ainda não ardeu tudo. Morreu um bombeiro, e o Costa, mal contendo um sorriso de inspiração clerical, volta a declarar que o Governo vai tomar medidas para evitar mais tragédias. A violência aumenta e a segurança dos cidadãos e dos seus bens é mais frágil do que asa de borboleta, e sua excelência, do alto da sua redonda, morena e luzidia face, aberta num sorriso de superior indulgência, informa, lúcida e inteligentemente, que Portugal é um dos países mais seguros da Europa e do mundo. O Costa ri e sorri porque, acima de tudo, é ministro. E gosta.

O bem-amado delfim de Sócrates, Pedro Pereira da Silva, alcandorado a ministro da Presidência, sorri pouco – mas sorri – para anunciar que o desemprego está a baixar, mesmo que esteja mais alto do que no ano passado, por esta altura. Sorri, anafado, Correia de Campos, ministro da Saúde, para decretar o fecho de maternidades e o aumento das taxas moderadoras, com o mesmo sorriso que teve quando decidiu retirar da lista dos medicamentos comparticipados perto de cem fármacos. Sorri, especialmente, quando privatiza a saúde. Um sorriso maligno, de tumor.

Sorriem, preclaros, os ministros da Economia, das Finanças e da Agricultura e Pescas, cada um no seu estilo, quando garantem que vamos no bom caminho, mesmo que todos os dias se produza menos, se importe mais, o endividamento das famílias ultrapasse todos os limites do razoável e, em suma, a indústria, o comércio e a agricultura não saibam para que lado se hão-de virar.

Um comerciante aqui do Seixal, a quem fiz a conversa das «lojas às moscas», contou-me que esteve, há dias, num grande centro comercial de Lisboa, onde viu o impensável há tempos: várias lojas fechadas. Disse-me que o parque de estacionamento, que era habitual estar lotado, estava, também ele, quase deserto. Isto corresponde ao que tenho visto por todo o lado, onde nem os saldos de 30, 40, 50 e 60% atraem meia dúzia de compradores, quanto mais as célebres corridas de há uns anos atrás.

Mas o governo sorri. Mente, mas sorri. Destrói o país, mas sorri. Leva, literalmente, o país para a cova, mas, como faz o ministro Costa, sorri alarvemente durante a função fúnebre.

A Península de Setúbal está sob a ameaça da co-incineração, método de eliminação de resíduos industriais perigosos (RIP) que, com boa vontade, se poderá classificar de criminoso – e há muito considerado pela União Europeia como coisa ultrapassada e de consequências extremamente perigosas para a saúde pública e para o ambiente – e Sócrates, para quem esta questão é uma fixação próxima da paranóia, uma teimosia pessoal, uma vingança pela derrota de há cerca de seis anos, sorrirá, finalmente, porque julga que, desta vez, vai levar a sua avante.

Na Arrábida, um parque natural de extrema sensibilidade, um santuário da fauna e da flora mediterrânicas, com espécies únicas no planeta, e onde a existência da própria cimenteira é um crime terceiro-mundista, Sócrates, qual Mobutu do ambiente, impõe, ditatorialmente, a sua solução assassina para a eliminação de RIP. Só a co-incineração fará sorrir, ainda que sinistramente, o cangalheiro Sócrates.

Para que se tenha uma pálida ideia do que é a co-incineração, basta que se diga que, nos países onde ela funcionou, era proibido produzir leite e outros produtos alimentares num raio de 30 quilómetros. Mas Sócrates, aqui, casquina como Drácula, porque julga que vai satisfazer a sua birrinha de menino «copo de leite». A ver vamos… Em Tróia, do outro lado do Sado, Belmiro não deve estar a construir um complexo turístico para os ricos do mundo virem respirar dioxinas, furanos e outros venenos. Veremos, então, quem vai sorrir no fim, isto é, quem vai sorrir melhor.

Também vêm aí a aulas. E o Governo sorri, porque o negócio da Educação, tal como o negócio da Saúde (que a nossa Constituição diz que devem ser tendencialmente gratuitas), esses negócios vão de vento em popa.

Pois é. As famílias portuguesas vão ter que abrir (mais) os cordões à bolsa. Em 2006/2007, os pais e encarregados de educação vão gastar mais de 500 milhões de euros na compra de manuais escolares e material didáctico. Segundo dados avançados pelo ministério da Educação, estão inscritos cerca de 1,5 milhões de alunos no ensino básico e secundário (i.e., no ensino obrigatório) o que representa uma média de 350 euros (70 contos) por família.

Feitas as contas, chega-se à conclusão que o valor mínimo de despesas ascende aos 130 euros (26 contos) por aluno, somando só o preço dos livros escolares, referentes ao 2.º ciclo do Ensino Básico. Mas, se aos livros recomendados acrescentar os livros auxiliares, ou cadernos de actividades, o custo agrava-se e sobe para mais de 150 euros (30 contos).

Mas é a passagem para o 3.º ciclo que faz disparar os preços para valores mais elevados e representa os anos em que mais dinheiro vai ter que se desembolsar. Os manuais escolares obrigatórios para o 3.º ciclo atingem, em média, os 200 a 250 euros (40 a 50 contos), que somados aos cadernos de actividades, alcançam valores que rondam os 275 euros.

O preço dos manuais escolares é um verdadeiro imposto, sobre as famílias com filhos em idade escolar. Na verdade, o ensino é obrigatório, mas como é que um casal com filhos, se cada membro do casal ganhar à volta do ordenado mínimo, pode mandar os filhos à escola? Ou será que, como antigamente, só os filhos dos ricos é que podem ter estudos? Mesmo as famílias da dita classe média, com as despesas da habitação, saúde, alimentação e vestuário, onde é que vão buscar dinheiro para pagar os balúrdios que os livros, cadernos e material escolar custam? Dizem os cangalheiros que há casos em que o Governo pagará a factura. O Governo? Ou nós? Directa ou indirectamente, é sempre o contribuinte a encher o baú de alguém.

Mas o governo sorri, porque ao sacrifício pedido às famílias para poderem dar educação aos seus filhos, corresponde a entrada de muito dinheiro no bolso daqueles que o Governo abençoa com a negociata dos manuais e demais material escolar. Negociata de 500 milhões de euros, ouviram bem?

Desculpem-me, mas não posso, hoje, deixar de dedicar umas palavras ao futebol. Não pelo futebol em si, que, como dizem os especialistas, já não é um desporto, nem um espectáculo, mas uma indústria. Verdade seja que, hoje em dia, quem manda nos clubes são os bancos, as grandes empresas ligadas ao negócio do futebol (sejam de equipamentos, sejam as cadeias televisivas, sejam os mercadores de carne, também chamados agentes de jogadores) ou, como se vê a olho nu, os interesses imobiliários. Os sócios e simpatizantes dos clubes é que, nos dias que correm, ali não pescam nada. Só pagam. Aliás, apareça por aí um mafioso russo cheio de guita, e verão como as SAD’s lhe fazem logo olhinhos na esperança de que ele abra os cordões à bolsa e compre… a empresa – ou a instituição.

O caso Mateus – é a ele que me refiro – só aqui o trago porque, como temos vindo a falar em risos e sorrisos, ele apenas dá para rir. A bandeiras despregadas, à gargalhada.

Ele é, caros ouvintes, o retrato fiel do que é o nosso país e a sua «classe dirigente»: uma estrumeira governada por oportunistas, corruptos, incompetentes relapsos, manipuladores, ladrões e, como cereja neste bolo, uma vara de imbecis. E quando digo «vara», não me estou a referir a pau, ou ripa, mas a um conjunto de porcos, entenda-se.

Longe de me preocupar com as consequências disto tudo, eu dou pulos de contente. É que quanto mais depressa esta coisa bater no fundo – o futebol e o país – mais depressa nós, os verdadeiros donos de tudo – do país e do futebol – tomaremos conta do que é nosso.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/08/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

27/08/2006

ESTA SEMANA

ARRÁBIDA
Os malandros dos pescadores de Sesimbra e de Setúbal andavam a estragar a biodiversidade da Arrábida e por isso o governo socialista que temos viu-se obrigado a criar legislação para os proibir de se aproximarem a menos de 450 metros da costa.
A preocupação demonstrada pelo secretário de estado (discípulo do Sócrates) vai ao ponto de querer também preservar as pedreiras e de pressionar a cimenteira do Outão para avançar rapidamente com a co-incineração de resíduos industriais perigosos, pois essas actividades fazem muita falta à fauna e à flora da Arrábida, para já não falar nos seres humanos que vivem à sua volta.
E não venham os chico-espertos das Câmaras Municipais, das Associações Ambientalistas e de Moradores ou os Movimentos de Cidadãos quererem novos estudos de impacte ambiental, porque isso já foi feito no século passado e ia dando mau resultado, não fosse terem sido manipulados para o lado que melhor servia os interesses de quem os mandou fazer.
Quem não teve esta visão tão angelical e decidiu contrariar a tão bondosa vontade do Governo em lançar gratuitamente para a atmosfera as partículas provenientes da co-incineração, foi aquele senhor que preside à Câmara Municipal de Coimbra, que ao proibir a circulação de viaturas pesadas com destino a Souselas, está assim a impedir a população local de beneficiar de um ar mais puro e saudável. Nem os votos contra dos vereadores socialistas evitaram esta medida tão radical. Mas ele que se cuide, porque o secretário de estado já disse que o governo vai fazer tudo para alterar esta situação, nem que seja preciso retirar competências às Autarquias.
É destes democratas que o País já há muito estava a precisar.


PARTIDOS
Aqueles que fazem as Leis e que deveriam ser os primeiros a cumpri-las, são afinal os primeiros a violá-las, obrigando o Tribunal Constitucional a multá-los em cerca de 300 mil euros, por infracções (leia-se: falcatruas) detectadas nas contas referentes a 2003.
Dos 17 partidos ou movimentos só 4 escaparam à lupa dos Conselheiros do TC, porque, não tendo praticamente expressão a nível eleitoral, faltam-lhes as fontes de financiamento que os outros têm, sendo assim fácil para eles demonstrarem de onde veio e para onde foi o dinheirinho.
Os prevaricadores desculpam-se que as faltas são da responsabilidade das estruturas locais por serem amadoras e não possuírem uma contabilidade organizada. Pois é: arranjam-se uns bodes expiatórios e assim já podem continuar a esbanjar como querem.
Alguns dos partidos até já andam a estudar novas formas de demonstração da sua contabilidade para que não sejam apanhados outra vez na curva. Ou seja, já andam a ver a melhor maneira de poderem enganar o Tribunal de Contas para evitarem a multazinha.
Grandes democratas a quem não falta o dinheiro: falta-lhes é vergonha na cara.


EDUCAÇÃO
Quando se pensa e se diz que em Portugal a educação é gratuita, não se fala naquilo que as famílias são obrigadas a gastar no princípio de cada ano lectivo por cada criança que apenas entra para o ensino básico. Este ano prevê-se que os custos deverão ser superiores a 250 euros para a compra de materiais e manuais de apoio essenciais a cada aluno.
Estima-se que o movimento total deste negócio da educação seja cerca de 500 milhões de euros, integralmente pagos pelas famílias com filhos em idade escolar obrigatória.
Se pensarmos que 250 euros são quase um ordenado mínimo nacional e que milhares de famílias pouco mais auferem mensalmente, imagine-se as dificuldades por que vão passar no próximo mês com esta despesa extra.
E depois venham com a balela do ensino gratuito. Gratuito para quem ?


PASSAPORTE
Pedir o novo Passaporte Electrónico Português (PEP) significa pagar quase o dobro face ao anterior modelo, ou seja, em vez dos 34 euros que tínhamos de desembolsar, passamos a entregar no mínimo 60 euros, mas com a grande vantagem de o documento ser de 1ª e possuir já um “chip”.
O secretário de estado José Magalhães até disse que o preço “é um dos mais baixos praticados na União Europeia por um passaporte topo de gama”.
Vamos fazer inveja aos pindéricos do estrangeiros quando nos apresentarmos nas suas fronteiras com um topo de gama para os fazer roer as unhas de raiva.
É assim: se têm dinheiro para férias nas Caraíbas ou noutros Países fora da União Europeia, então podem pagar mais uns cobres para o “simplex” do Sócrates, que coitado, este ano ainda só passou férias cá dentro. É verdade que foi num hotel de luxo do Algarve, mas assim deu o exemplo de como é desnecessário possuir passaporte.


CARLOS SOUSA
Não sei o que se passa ou o que se passou em relação ao pedido de demissão do Presidente Carlos Sousa da Câmara Municipal de Setúbal. Não o conheço pessoalmente e nem sequer acompanhei as suas actividades políticas ao longo dos muitos anos em que foi autarca.
Mas não compreendo nem posso aceitar esta forma de fazer política, porque, das duas uma: ou o senhor Carlos Sousa é incompetente e cometeu alguma irregularidade como Presidente de uma Câmara, devendo ser denunciado e penalizado por isso, ou então está a ser vítima de um saneamento político por parte do partido que o indicou para cabeça de lista.
A desculpa da renovação de quadros não colhe, porque se assim fosse, existem muitos outros autarcas do PCP que já há muito deveriam ter sido substituídos, ou melhor, nem sequer se deveriam ter recandidatado.
No tempo da União Nacional os Presidentes de Câmara eram nomeados ou substituídos de acordo com a sua fidelidade ou infidelidade ao regime, não importando o que as populações pensavam deles.
Pelos vistos a história repete-se, mesmo vindo de onde menos se poderia esperar.

23/08/2006

VER E VIVER A HISTÓRIA

Quem ouve ou quem lê estas «provocações» com regularidade, já deve ter percebido que não evito – e que até desejo – o debate de ideias, a discussão dos temas que aqui trago – ou outros que os ouvintes queiram colocar – mas sempre numa base de elevação e inteligência argumentativa.

A ironia, a agressividade, a causticidade, a frase ou a palavra mais duras, que definam a revolta face às injustiças que, em Portugal ou pelo mundo fora, vitimam os povos – e especialmente, os seres humanos mais desfavorecidos ou espoliados dos seus direitos básicos – são (essas formas de dizer, que temperam o conteúdo) ferramentas necessárias ao transmitir das mensagens. Respondam-me na mesma moeda, com argumentos, com agressividade igual ou superior, mas com argumentação honesta e minimamente inteligente, e terão o meu respeito e a minha disponibilidade para a discussão. Mas se os únicos argumentos que alguns têm se resumem ao insulto pessoal, à ordinarice gratuita, ao vomitar de frases onde só há raiva e despeito, e são, ainda por cima, cobardemente anónimas, já sabem que ficam a falar sozinhos.

E agora, vamos ao que interessa, vamos ao tema central da minha provocação desta semana, reflexo do riquíssimo período de aprendizagem que vivi enquanto daqui estive ausente. Sim, ainda é o Líbano e a guerra de agressão que Israel ali tenta manter, mesmo depois de ter recolhido às suas fronteiras com o rabo entre as pernas.

Sabemos, hoje, que Israel e os EUA já tinham combinado a invasão do Líbano muito antes dos dois soldados judeus terem sido capturados. São os próprios norte-americanos que o confessam. Mas também sabemos que os principais objectivos da invasão falharam todos. Aqui estão eles:

1) Matar Hassan Nasrallah – Falhou
2) Impedir que o Hezbollah retaliasse com mísseis - Falhou
3) Ocupar toda a área a sul do Rio Litani - Falhou
4) Empurrar o Hezbollah para norte da região de Litani - Falhou
5) Voltar os libaneses e outros árabes contra o Hezbollah - Falhou
6) Destruir a capacidade militar do Hezbollah - Falhou
7) Desarmar completamente este movimento da resistência libanesa - Falhou
8) Provar a invencibilidade da capacidade militar de Israel - Falhou
9) Provar aos árabes que qualquer resistência seria sempre inútil - Falhou
10) Fortalecer os regimes fantoches da Jordânia, Egipto e da Arábia Saudita, entre outros – Falhou
11) Fomentar a presença dos Estados Unidos no Líbano e no resto do Médio Oriente – Falhou
12) Preparar o caminho para um confronto da aliança Israel/USA com a Síria e o irão, e derrubar os respectivos governos – Falhou

Mas para se compreender todo o alcance da derrota sionista, deveria ter-se estado, como referiu o jornalista do Independent, Robert Fisk, com a resistência no meio da terrível destruição provocada por milhares de bombas e mísseis que, diariamente, os nazis de Israel lançavam, especialmente a sul do rio Litani, no território do qual pretendiam expulsar o Hezbollah. Só assim, segundo ele, se poderia perceber a natureza desta guerra e o seu enorme significado político para o Médio Oriente. Ver o poderoso exército de Israel a bater em retirada da aldeia de Ghandoutiya, depois de perder 40 homens em apenas 36 horas de combate, incapaz mesmo de penetrar na cidade esmagada de Khiam, onde o Hezbollah celebrava a vitória, deu para ficar de pé com os homens do Hezbollah a olhar para estradas vazias a sul, vendo todo o caminho para Israel e para o colonato de Mizgav Am, do outro lado da fronteira. Não seria desta forma que Israel pensava terminar esta guerra.

Diz o jornalista que «longe de humilhar o Irão e a Síria — o que era o plano israelo-americano — estes dois estados foram mantidos intactos e a reputação do Hezbollah cresceu por todo o mundo árabe. A "oportunidade" que o presidente George Bush e a sua secretária de Estado, Condoleezza Rice, aparentemente viram na guerra do Líbano, tornou-se uma oportunidade para os que resistem à América mostrarem a fraqueza do exército de Israel». Os sionistas não conseguiram sequer manter a cidade cristã de Marjayoun (tida por eles como segura). Afinal, ficou claro que o exército invasor, de 30 mil homens, que se dizia estar a correr para o norte do rio Litani, nunca existiu como tal.

E enquanto os invasores retiravam, diz o jornalista que, «desciam de Beirute dezenas de milhares de famílias xiitas, com roupas de cama empilhadas sobre os tectos dos seus carros, muitas delas arvorando bandeiras do Hezbollah e fotos de Sayed Hassan Nasrallah. Nas filas de tráfego, longas de quilómetros, junto a pontes rodoviárias destruídas e às crateras dos bombardeamentos, o Hezbollah distribuía bandeiras amarelas e verdes da "vitória", enquanto avisava os pais para não permitirem que as crianças brincassem com os milhares de bombas não explodidas, que agora jazem por todo o lado». E Robert Fisk pergunta: «Mas porque estão estas pessoas a voltar? Haj Ali Dakroub, um encarregado de construção de 42 anos, perdeu parte do seu lar em 1996, quando Israel bombardeou Srifa. Agora toda a sua casa foi arrasada. “O que há aqui para Israel destruir tudo isto?”, perguntou. “Nós não negamos que houvesse resistência em Srifa. Havia antes e haverá no futuro. Mas nesta casa vivia apenas a minha família. Então porque a bombardeou Israel? Vou reconstruir a minha casa com os meus dois filhos. Israel pode voltar daqui a 10 anos e destruir tudo outra vez e então reconstruirei tudo de novo. Isto foi uma vitória do Hezbollah. Em 1967, os israelitas foram capazes de derrotar todos os países árabes em seis dias, mas aqui não puderam derrotar a resistência em um mês. Estes homens da resistência saíam do chão e disparavam. Eles ainda estão aqui”», garantiu Ali Dakroub.

Deveríamos ter visto, se a nossa televisão passasse coisas dessas, como os soldados libaneses, já com base no sul do Líbano, se juntaram aos homens do Hezbollah, em Srifa, para limpar o entulho de uma casa na qual se acreditava estarem sepultados os corpos de uma família inteira. A Cruz Vermelha Libanesa e o pessoal da defesa civil juntaram-se à busca, e o mukhtar (chefe da aldeia), que é um representante do governo, tratava abertamente os homens do Hezbollah como heróis.

Não resisto agora – e disso peço desculpa, pois vou alongar-me um pouco – a transcrever uma maravilhosa entrevista que a Sky News fez ao deputado britânico, Georges Galloway. Oiçam com atenção, pois tanto as perguntas da jornalista, como as respostas do deputado valem por uma lição de história:

Jornalista: O homem que temos hoje connosco não tem por hábito guardar as suas opiniões para si próprio. Opôs-se com determinação à invasão do Iraque e actualmente defende que o ataque do Hezbollah contra Israel se justifica; o deputado do Respect (um partido político) está connosco no nosso estúdio no centro de Londres. Boa noite… ou aliás, bom dia Sr. Galloway. Como é que justifica o seu apoio ao Hezbollah e ao seu líder, Hassan Nasrallah?

Galloway: Que disparate! Que absurdo! Que maneira tão estúpida de expor o assunto e que pergunta tão falsa e idiota! Há 24 anos, no dia do nascimento da minha filha – acabo de celebrar o seu 24º aniversário – corria eu para o hospital (para a ver nascer) por entre uma enorme manifestação em Londres contra a invasão e a ocupação israelita do Líbano. Israel invadiu e ocupou o Líbano durante toda a vida da minha filha de 24 anos. O Hezbollah faz parte da resistência nacional do Líbano e tenta expulsar – tendo afastado com sucesso a maioria dos israelitas das suas terras em 2000 – Israel do resto das suas terras e resgatar milhares de prisioneiros libaneses que foram sequestrados por Israel nos termos da sua ocupação ilegal do Líbano. É Israel que ocupa o Líbano, é Israel que ataca o Líbano, não é o Líbano que ataca Israel. Vocês acabam de passar uma reportagem em que 10 soldados se apressam a invadir o Líbano e pedem-nos para chorar o resultado da operação, como se se tratasse de um crime de guerra (os soldados israelitas foram mortos). Israel está a invadir o Líbano e matou 30 vezes mais civis libaneses…

Jornalista: (tentando interrompê-lo) Você acaba de identificar…

Galloway: (tomando de novo a palavra com vigor) …que não foram mortos em Israel. Parece-me que deveria ser você a justificar o preconceito evidente que está escrito em todas as linhas do seu rosto e inscrito em todas as nuances da sua voz e que obstrui todas as perguntas que faz.

Jornalista: Você tocou na questão essencial, não é assim? Quando diz que o Hezbollah foi criado nos anos 80 para se livrar dos soldados israelitas que estavam presentes no solo libanês, e como disse agora, isso foi feito, também, já em 2000…

Galloway: Não, isso não foi feito…

Jornalista: (interrompendo) Então, isso foi um fracasso…

Galloway: Não, isso não foi feito, e esse é um aspecto essencial que vocês escondem aos vossos telespectadores. Israel foi obrigado a deixar uma grande parte do Sul do Líbano em 2000, mas continua a ocupar parte do Líbano desde 2000…

Jornalista: (interrompendo) O objecto de uma recente resolução da ONU são terras de cultivo…

Galloway: (continuando) … Milhares de prisioneiros foram sequestrados por Israel, e o Hezbollah, bem como o Governo libanês querem que eles sejam libertados…

Jornalista: (interrompendo) Falei há instantes com o porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros israelitas e ele disse que três libaneses foram “capturados”, talvez você prefira este termo, e que serão levados perante um juiz num tribunal.

Galloway: Por favor! Tente fazer a sua memória recuar além de 4 semanas! Eu estou-lhe a falar de milhares de prisioneiros sequestrados durante os 18 anos de ocupação ilegal do Sul do Líbano, por Israel. São esses prisioneiros que devem ser libertados em troca dos soldados israelitas que foram capturados no início desta nova etapa da crise.

Jornalista: Posso questioná-lo sobre uma reportagem que saiu no Sunday Telegraph em que se afirma que o Irão deu ao Hezbollah mísseis de longo alcance capazes de atingir qualquer parte de Israel? O Irão, que segundo esse deputado iraniano, ajudou a fundar o Hezbollah… esse deputado disse ainda que o Irão deu autorização à organização para atingir Tel-Aviv… Acha que pode culpar Israel por querer destruir esses mísseis?

Galloway: Mas é incrível! Isso é completamente absurdo! Os Estados Unidos deram a Israel mísseis que podem atingir, não apenas qualquer cidade do Líbano, mas sim qualquer cidade em todo o mundo árabe incluindo o Irão. Por que razão terão os Estados Unidos direito de dar mísseis de longo alcance, incluindo centenas de cabeças nucleares, a Israel, e o Irão não pode ser autorizado a fornecer mísseis?

Jornalista: (interrompendo) Porque os estão a dar a uma organização terrorista!

Galloway: Mas ela não é uma organização terrorista, a não ser na visão da Sky News, do The Times, do The Sun (ele é interrompido) …

Jornalista: Não, não, isso não é assim… Desculpe, mas vou ter de o interromper Sr. Galloway…

Galloway: (ele continua) … do The News of the World, de Rupert Murdoch. O Hezbollah não é uma organização terrorista, é Israel que é um Estado terrorista!

Jornalista: É uma organização terrorista, sim. Mas aqueles que são terroristas para uns, são combatentes da liberdade para outros… isso já sabe! Aos olhos da maior parte das pessoas, eles são considerados terroristas

Galloway: Não. Eles não são!

Jornalista: Eles tinham escolha, não é assim? Diga-se a verdade, eles tinham opção, tal como o IRA, de fazer política…

Galloway: Não, não, não, isso não tem nada a ver com o IRA! Escute Ana, você tem razão, você tem razão…

Jornalista: (interrompendo-o) O que eu estou a dizer é que eles tinham uma opção: fazer política, eles já têm dois ministros no Governo…

Galloway: Não vamos mais discutir este assunto! Ana, você tem razão, aquele que é um terrorista para uns, é um combatente da paz para outros… No entanto, não tem razão quando diz que aos olhos da maior parte das pessoas, o Hezbollah é terrorista. Aos olhos da maior parte das pessoas, Israel é um Estado terrorista, e é isso que você não consegue compreender… e que está na origem do vosso preconceito urdido em todas as vossas reportagens e em todas as perguntas que me fez nesta entrevista.

Jornalista: Posso fazer-lhe uma pergunta? Eu fazia alusão ao IRA e ao Sinn Fein que decidiram abraçar a política; o Hezbollah tinha a oportunidade de abraçar a política, eles já têm dois ministros no Governo, muito bem vistos no Sul…

Galloway: (ele interrompe-a) Mas o que é que está a dizer? Eles já fazem parte da política! São pessoas do Sul do Líbano…

Jornalista: Era o que eu estava a dizer. Escute-me! Eu dizia que eles já têm dois ministros no Governo. Por que razão é que eles capturaram e mataram dois soldados israelitas na fronteira? Certamente isso representa um fracasso na ambição que eles têm de se tornarem uma força política no interior do Líbano democrático…

Galloway: Porque Israel ocupa o país deles e detém milhares dos seus compatriotas, como reféns sequestrados, nos seus calabouços. É muito simples de compreender, a não ser que pense através de um relógio que remonta a apenas quatro semanas. Se você soubesse, e você já é suficientemente crescida para estar mais bem informada, que as origens destes conflitos não remontam a quatro semanas, nem a quatro anos, nem a catorze anos, mas a vários decénios. Vocês querem que as pessoas acreditem que a crise se iniciou quando o relógio começou a trabalhar na Sky News…

Jornalista: Não, não é assim…

Galloway: Felizmente, os libaneses estão mais bem informados.

Jornalista: Queria fazer-lhe uma última pergunta. Acha que as quatro semanas, como referiu, os 26 dias do conflito, retardaram as ambições do Hezbollah?

Galloway: (Galloway sorri) O Hezbollah está prestes a ganhar a guerra!

Jornalista: Deixe-me terminar, deixe-me terminar, deixa-me terminar, ou não? Há um grande número de soldados irrelevantes na fronteira, e eles (o Hezbollah) pretendem ser uma boa organização política para construir um governo libanês democrático com uma (…) que deixou igualmente um estado independente, isso também perpetrou as agressões…

Galloway: Que pergunta idiota! Como você é tola! O Hezbollah está prestes a ganhar a guerra! Pode ver isso na segunda metade do ecrã!

Jornalista: Essa não é a minha pergunta!

Galloway : O Hezbollah é hoje mais popular no Líbano entre os cristãos, os sunitas, os xiitas, entre todos os árabes, entre todos os muçulmanos, como nunca foi antes! Foi Israel que perdeu a guerra, e com ele, Bush e Blair, por terem organizado esta guerra politicamente. Eles perderam do ponto de vista político. Esta é uma derrota para Bush, para Blair e para Israel, só você é que não vê isso!

Jornalista: Deixe-me retomar a minha pergunta de há pouco… não acha que é um fracasso, dado que o Hezbollah foi criado para retirar os soldados israelitas do território libanês, que agora ele tenha mais soldados israelitas no território libanês do que há vinte dias atrás?

Galloway: Em todo o caso, parece-me que eles estão a receber uma boa sova sagrada na outra parte do ecrã que estou a ver. Talvez você não consiga ver, mas eu estou a ver que eles estão a ser bem fustigados nesta guerra. Se isso é uma vitória, não sei o que se pareceria com uma derrota. A verdade é que este conflito se vai perpetuar. As resoluções das Nações Unidas não regulamentam nada. Não dão nada ao Líbano, não dão nada aos prisioneiros das masmorras israelitas, e como um dos meus pares já chamou a atenção, Israel acaba de capturar ainda mais personalidades políticas palestinianas: ministros, deputados e milhares de outros continuam retidos nos calabouços israelitas, e esta guerra vai continuar até que se chegue a um acordo, e esse acordo significa a retirada de Israel de todos os territórios usurpados que ocupa actualmente desde a guerra de 1967, a libertação de todos os prisioneiros políticos, bem como um Estado palestiniano tendo por capital Jerusalém Este. Não há justiça, não há paz! Não ficará sem trabalho tão depressa, enquanto jornalista, em Jerusalém, acredite!

Jornalista : Como de costume, o Sr. Galloway provocou uma enorme reacção via e-mail, tanto a favor como contra si. Vamos acabar por aqui, mas devo dizer-lhe que muitas pessoas acharam as suas declarações chocantes, pois encontram-se ainda a enterrar os seus mortos, ouviram-no dizer que isto era uma boa fustigação sagrada…

Galloway: Vocês estão-se nas tintas! Vocês querem lá saber disso! Vocês não sabem nada das famílias palestinianas. Vocês nem sequer sabem que elas existem! Dê-me um único nome de um único membro daquela família de sete pessoas que foi massacrada na praia de Gaza por um navio de guerra israelita! Vocês nem os nomes delas sabem, mas sabem perfeitamente todos os nomes de cada soldado israelitas que foi feito prisioneiro durante este conflito, porque acreditam, consciente ou inconscientemente, que o sangue israelitas é mais importante do que o sangue dos libaneses ou dos palestinianos. É essa a verdade, mas o discernimento dos vossos telespectadores já o sabe.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/08/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

13/08/2006

ESTA SEMANA

CRIANÇAS
Continua a passar nos vários canais televisivos um “spot” publicitário do Ministério da Administração Interna e da GALP, com a frase “todos os anos cai um avião cheio de crianças em Portugal”
Só é pena que o avião não caia em cima do ministro, ou melhor, em cima dos ministros todos, incluindo o chefe deles, pois a frase, para além de não corresponder à verdade, é, para atém de um atentado ao mau gosto, uma forma extremamente baixa de fazer passar uma mensagem ao utilizar as criancinhas.
Diz o iluminado ministro que aquilo que o choca é morrerem muitas crianças nos acidentes de automóvel, esquecendo-se que morrem muitas mais por falta de medidas preventivas, por desnutrição e por falta de assistência nos Centros de Saúde e nos Hospitais.
O Sr. ministro devia era chocar-se e ter vergonha do seu governo encerrar maternidades, pondo em risco a vida das parturientes e das crianças que podem nem sequer vir a nascer.


ESCALA NAS LAJES
O governo português do Sr. Sócrates autorizou que um avião israelita de transporte militar oriundo dos USA fizesse uma escala técnica na Base das Lajes, com a desculpa de que a carga era de material bélico não ofensivo, acreditando tão somente no que foi declarado, pois não houve o cuidado de efectuar qualquer inspecção ao seu conteúdo.
Nem sequer informaram, como deviam, o Presidente da República sobre esta autorização, o que leva a desconfiar que era para que ninguém soubesse.
Mas o que é isso de material bélico não ofensivo ? Serão supositórios, vazelina ou preservativos ?
Desculpem-me a linguagem brejeira, mas estou a pensar apenas no sítio onde deveriam meter esse material bélico.


BUSH
O presidente norte-americano George W. Bush afirmou sentir-se “óptimo” após mais um exame médico de rotina na Base Naval de Bethesda, em Washington. Bush admitiu, no entanto, que ganhou algum peso desde a última vez que foi ao médico, mas atribuiu o sucedido ao facto de ter comido demasiado bolo no seu 60.º aniversário.
A notícia não explica qual foi o exame médico de rotina, mas presume-se que faltou ao psiquiátrico, pois de contrário não poderia continuar por aí à solta e a dizer as baboseiras do costume, como a de declarar outra vez guerra ao terrorismo, para continuar a ocupar ilegitimamente outros países, sacrificando as populações locais e os seus próprios concidadãos, que, cansados com a sua política e de servirem de carne para canhão, já levou a que nos últimos 5 anos desertassem das Forças Armadas cerca de 40.000 militares.
Até quando temos de suportar este paranóico ?


CUBA
Hoje, 13 de Agosto, o Comandante Fidel Castro cumpre o seu 80º aniversário e, ao contrário daquilo que os parasitas do costume têm dito e escrito sobre a sua saúde, ele está recuperando bem da intervenção cirúrgica a que foi sujeito e brevemente voltará ao seu quotidiano e à luta diária que desde sempre tem travado para defender o seu país e o seu povo daqueles que querem impor as amplas “democracias” iguais às do Afeganistão ou do Iraque, já para não falar dos vizinhos da América Latina que estão sob a pata dos USA.
Já em 1989, após o derrube do muro de Berlim, muitos vaticinavam a queda do regime cubano, dizendo-se que não aguentaria até ao final desse mesmo ano, repetindo-se essa mesma lengalenga nos anos seguintes, até que se cansaram de tanta asneirada.
Até mesmo em Portugal e dentro de um dos partidos políticos mais identificado com Cuba, o PCP, essa teoria tinha alguma aceitação, talvez pelo trauma causado com o fim do Bloco Socialista que entretanto se concretizou.
Na verdade, após 1989 as dificuldades foram enormes e Cuba teve de reconverter toda a sua economia devido ao isolamento a que ficou sujeita, mas isso nunca colocou em causa os valores da Revolução, antes pelo contrário, obrigando a que o povo superasse as carências com muitos sacrifícios, mas também com grande imaginação e patriotismo.
Ninguém é eterno e todos nós teremos um dia que partir deste mundo. Mas Fidel ainda tem muito para dar e para nos ensinar a compreender e a combater esta política global que cada vez mais nos asfixia e nos impõe desigualdades sociais.
Felicidades Comandante e os desejos de rápida recuperação física, porque a intelectual felizmente está intacta.

02/08/2006

PODEM CHAMAR-ME TERRORISTA

Comecei a alinhavar esta crónica no domingo à tarde, ainda influenciado pelas notícias do massacre de mais de 60 civis libaneses, na sua maioria crianças, devido ao bombardeamento premeditado do prédio onde viviam, em Canaã. E parece que ainda há mortos sob os escombros. Tenho à minha frente imagens pavorosas do morticínio, e não consigo encontrar palavras para descrever o que vejo e o que sinto. Não é difícil, ao ver aquilo, perceber as razões de quem põem bombas à cintura e decide morrer para vingar a morte dos seus parentes, amigos ou compatriotas, humilhados e trucidados pela opressão que a besta sionista exerce, há mais de 60 anos, sobre as populações árabes da região. Recordo que este massacre parece a réplica do que já fora praticado pelo exército de Israel, em 18 de Abril de 1996, também em Canaã. É um método, não é um erro.

Perante a brutalidade da acção, e como resultado da onda de repúdio que alastra por todo o mundo, até a senhora Condoleza Rice verteu uma lágrima de crocodilo, dizendo-se chocada com o sucedido. Não esclareceu se o choque teria alguma coisa a ver com o facto de os mísseis que massacraram tantas crianças, mulheres e idosos, todos civis, terem sido fornecidos pelo seu país, os EUA, o maior especialista mundial em assassinar populações segundo a técnica do «efeito colateral». Iraque, Afeganistão, Bósnia são, entre muitos, os exemplos mais recentes dessa táctica. Hiroshima e Nagazaki, os mais remotos.

É claro que, sendo domingo, muito podia acontecer até esta crónica ser lida, hoje, aos microfones da Rádio Baía, tanto mais que, na altura em que escrevia estas primeiras notas, já tinha sido marcada, por Kofi Anan, uma reunião urgente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, como de costume, lamentou a ocorrência, mas não chamou as coisas pelos seus nomes. Muito menos agiu. Aliás, mesmo que agisse e aprovasse qualquer resolução, Israel não a cumpriria, como nunca cumpriu as anteriores, já que os EUA e os seus aliados não são obrigados a cumprir nenhuma lei internacional. Mas uma coisa é certa: haja o que houver, o que o estado sionista já fez nestas três semanas de guerra, chega e sobra para voltar a ser tema desta nossa conversa e, acima de tudo para, a par do seu grande aliado e guarda-costas, os EUA, ser classificado como um estado terrorista e indigno de permanecer no quadro das nações. Como dizia uma mulher libanesa, não se pode ofender as palavras para qualificar Israel. Chamar-lhes animais, dizia ela, seria, neste caso, ofender os animais.

Mas antes de irmos a esse tema, algumas notas nacionais não podem deixar de merecer a nossa atenção. Começo por Maria João Pires, que resolveu emigrar para o Brasil, onde, segundo disse, ira respirar e descansar do que por cá tem passado, e onde verá o seu projecto de formação musical ser devidamente apoiado pelas autoridades brasileiras. Cansada e desiludida com Portugal, a notável pianista junta-se, assim, aos milhares de portugueses que, todos os anos, vão procurar no estrangeiro as oportunidades – ou os ares menos impuros – a que não têm acesso no seu país. A pianista, afinal, não fez mais do que seguir as pisadas de, por exemplo, Paula Rego, José Saramago, Maria de Medeiros ou Eduardo Lourenço, intelectuais que escolheram viver além fronteiras.

Mas diga-se, também, que com os seus 20% de cidadãos com habilitações académicas ao nível do Ensino Superior vivendo e trabalhando no estrangeiro, Portugal ocupa mais um «brilhante» primeiro lugar no ranking da União Europeia, neste caso no que respeita à fuga de quadros técnicos.

Triste destino este, que condena à emigração tanto português – são 100 mil os que, por ano, procuram outras paragens. E se alguém achar este número exagerado, que saiba que, em 1997, eram 4,5 milhões os portugueses emigrados, e que, em 2005, já eram mais de 5,1 milhões. Só nos últimos tempos, rumaram para Angola 12 mil compatriotas nossos, e em Espanha trabalham, actualmente, mais de 80 mil portugueses. Em Inglaterra, o número ultrapassa os 100 mil. São os resultados das políticas de Guterres, Durão, Santana e Sócrates, ou seja do PS e do PSD.

Mas, meus amigos, isto não está mau para todos. Os resultados dos bancos, relativos ao primeiro semestre, continuam a sair e a impressionar o pagode. Só o Totta, o Millenium, o BES e o BPI somaram, nesses seis mesinhos, 956 milhões de euros de lucros. E, se tudo não ficar em águas de bacalhau, também ser presidente do conselho de administração dos CTT é bastante gratificante, a fazer fé nas notícias recentemente divulgadas. Milhões de euros esbanjados em despesas sumptuárias e luxos e caprichos variados, a par da venda de um prédio que, passados, dias, já valia quase o dobro. E tudo a uma empresa que compraria outro com um cheque careca, sem que tal tivesse outras consequências que não a anulação da venda. Quanto ao resto, tudo bem, os CTT e a tal empresa continuaram de mãos dadas em alegre relação comercial. Espera-se que o processo seja arquivado sem mais aquelas… Gente fina, é outra coisa.

Quem um dia convidou Mobutu para se fixar em Portugal, afinal sabia o que estava a fazer. E conhecia bem este país… Terceiro mundo, e do pior.

Mas voltemos ao Médio Oriente.

Não é fácil falar sobre a animalesca fúria sionistas contra as populações árabes. Se, num momento, temos à mão uma selvajaria para comentar – e condenar – no momento seguinte outra, ainda mais atroz e revoltante, ultrapassa a anterior em violência e barbárie.

E tão revoltantes como as proezas nazis dos sionistas de Israel, são as opiniões de alguns comentadores alinhados com a pandilha do eixo que pretende deitar as mãos a todo o mundo – Washington / Londres / Israel (como criatura do sionismo judaico) e onde luta por ter lugar uma União Europeia cada vez mais ridícula e, de tão subserviente ante o império norte-americano, cada vez mais desprezível –. Esses comentadores, embora engasgados pela realidade que é o genocídio levado a efeito pelas hordas hitlerianas comandadas de Telavive, lá vão cuspindo os gafanhotos que podem para explicar o que não tem explicação. Ou tem, mas não é aquela que eles nos servem.

É tempo – e parece que o mundo vai despertando para compreender isso mesmo – de olhar a História dos últimos 60 anos à luz da verdade e numa perspectiva de respeito pelos valores que a Declaração Universal dos Direitos Humanos contém. Desculpem-me se insisto nisto, mas só o faço porque esta é uma das muitas verdades históricas revoltantemente escondidas ou deturpadas nos últimos 60 anos.

E essa verdade, objectiva e indesmentível, à prova de toda a manobra ou manipulação ideológica, ou qualquer outra falsificação dos factos, é que o povo palestiniano foi, de todos os que eram colonizados ou administrados por potências ocidentais no Próximo e Médio Oriente, o único que não teve direito à independência. Em vez disso, foi entregue pela potência colonial – a Inglaterra – aos judeus, que, no minuto a seguir, para fundarem o seu estado, espoliaram os palestinianos de terras, casas, água e, principalmente, do direito à cidadania.

Repito – e repetirei sempre, mesmo que a voz me doa – que milhões de seres humanos, há séculos vivendo na Palestina, foram amontoados em campos de refugiados e deixados a viver entre terra árida, pedras e lixo, sempre dependentes das esmolas que os caridosos ocidentais lhes decidam deitar, para que não morram todos de repente e, claro, para aliviarem a sua consciência pesada pelo crime que sabem ter cometido. E ali ficaram, sempre sobre a mira das armas sionistas e eternamente condenados a cederem o que for seu, logo que os judeus, nas terras que lhes tinham deixado, ali entendessem fundar um colonato. Isto é, em vez de alcançarem a independência, como aconteceu ao Líbano, ao Iraque, à Síria, ao Irão (então, Pérsia) e a outros povos da região, os palestinianos ficaram pior do que se tivessem continuado sob a pata dos súbditos de Sua Majestade Britânica.

Mas nisto, que eu aqui já disse várias vezes, não tocam os comentadores marionetas, os robôs do império bushiano ou dos sionistas, comentadores que, para não sujar os dedos nem a língua, me dispenso de adjectivar. Por isso, sem medo de ser excessivo ou pouco preciso, digo que o estado sionista de Israel é, nos dias que correm, a maior afronta à humanidade e aos seus valores mais nobres, tal como – a par das atrocidades do regime nazi, do regime do apartheid Sul-Africano e das bombas sobre Hiroshima e Nagazaki – já o tinha sido na segunda metade século passado.

Subscrevo, por isso, e adopto como minha –, a definição do estado de Israel, dada por um elemento do Ezbollah, que lhe chamou aquilo que ele realmente é: um imenso colonato situado em território árabe usurpado.

Neste combate desigual, travado desde meados do século passado no Líbano, na Palestina e em toda aquela região, há duas coisas a reter:

A primeira, é que se trata de uma guerra de usurpação, visando a construção e expansão de um estado (o estado de Israel) sobre as terras e os corpos dos povos espoliados e a espoliar:

A segunda, é que esse estado, com a cumplicidade activa dos EUA e doutros países ocidentais, reivindica para si o direito a ter um dos mais bem equipados exércitos do mundo, mas nega às suas vítimas, aos povos a usurpar, o legítimo direito de disporem de meios de combate minimamente eficazes.

Mas, como temos vindo a verificar, vale mais a coragem e a determinação de um resistente, de um patriota, do que vários exército juntos. Porque, se assim não fosse, já não teríamos árabes na Palestina, no Líbano, na Síria, ou em qualquer outro lugar do mapa onde os sionistas querem, há muito, construir a sua nação: o Grande Israel, fundado sobre os ossos, as terras e os bens de milhões de árabes.

Felizmente, há sempre alguém que resiste. E nesta luta, como em muitas outras, eu já escolhi o meu lado: o lado dos oprimidos, o lado dos espezinhados.

E agora já podem, se quiserem, chamar-me terrorista.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/08/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

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