23/01/2008

VIVER E MORRER EM PORTUGAL

A náusea e o vómito

As Bolsas de Valores, segundo alguém disse, são os locais onde os capitalistas se devoram uns aos outros. Por isso, meus amigos, estou-me nas tintas para o facto das acções subirem ou descerem. Ali, o negócio é virtual, na medida em que nada daquilo tem a ver com a vida real. Vendam-se as acções ao preço que se venderem, os parafusos continuam a ser feitos como no dia anterior, o peixe continua – ou não – a ser pescado, as searas crescem ou definham conforme o tempo e o mérito do agricultor mandarem, e as couves e as batatas desenvolvem-se sem se incomodarem com quem compra ou vende acções, e a que preço.

Aliás, ainda ninguém me explicou porque é que uma empresa tem, num dia, acções na bolsa a determinado valor e, no dia a seguir, sendo exactamente a mesma – e fazendo exactamente a mesma coisa e ao mesmo preço – passa a valer mais, ou menos.

Por explicar, pelo menos em termos racionais – está o facto de, um certas alturas, as acções descerem e, aos gritos, os economistas, analistas, comentadores e políticos desatarem a proclamar maus tempos – tempos terríveis – para quem não tem empresas, nem acções. Cheira-me a esturro.

Outra coisa que falta explicar, é porque os lucros fabulosos conseguidos na especulação – porque é disso que se trata – bolsista, não pagam os mesmos impostos que nós pagamos só pelo simples facto de trabalharmos e ganharmos para a bucha. Ou pagamos sobre as nossas tristes pensões.

O que me rala são as pessoas que morrem à porta de urgências encerradas, e as palavras criminosas de um ministro da Saúde, ao defender a tese sublime de que ninguém pode provar que as pessoas se salvariam caso as urgências estivessem abertas.

Espero bem que um dia seja julgado, tal como o seu presidente do conselho de ministros, o inefável e sinistro «engenheiro» Sócrates (o verdadeiro promotor destas políticas), por todas estes atentados à vida e à saúde dos portugueses.

E não deixo de registar, com repulsa, a pressa do pai do bebé de Anadia em absolver o governo, o que me levou a pensar aquilo que depois se confirmou. «Aí está um socialista de gema». Não quero dizer que, naquele caso concreto, a morte não fosse o desfecho inevitável. Mas não será que afastar os serviços de urgência das populações é arriscar a perda de vidas em nome de critérios economicistas. O que vale mais? A vida, ou o défice?

Por tudo isto, Portugal enoja-me. Como nunca me enojou. E – podem crer – a náusea é minha velha companheira, pois já tinha os olhos e o espírito bem abertos durante os tempos em que a ditadura impunha as suas regras e fazia cumprir os seus desígnios.

Mas se em ditadura tudo se espera, em democracia o que é expectável é o respeito pelo cidadão que elege quem se propõe governá-lo e, com os seus impostos, sustenta o Estado. Estado que outro papel não tem que não seja fazer reverter para os cidadãos e para o país, de forma justa e eficaz, o que recolhe de cada um de nós. Escuso de me cansar a dizer que nada disso acontece em Portugal.

Tenho afirmado várias vezes que, hoje em dia, as diferenças entre o sistema democrático em vigor – se de democrático merece o nome… – e a ditadura, são apenas as que se relacionam com o voto (é menos condicionado), a liberdade de expressão (é teoricamente permitida) e a garantia, também teórica, de ninguém ser prejudicado pelas suas opções ideológicas, o que impede a existência, por exemplo, de presos políticos.

Na verdade, as coisas não são bem assim. Antes do 25 de Abril, tive oportunidade de votar em listas da oposição, e lembro-me de acompanhar o meu pai às mesas de voto nas eleições presidências a que concorreu Humberto Delgado. É certo que os resultados nas urnas, fossem eles quais fossem, eram sempre transformados em vitórias dos candidatos do regime, tal como é certo que os cadernos eleitorais eram uma enorme farsa, de onde eram excluídos milhares de eleitores, mas onde os mortos podiam votar, pois faziam-nos pelas mãos dos legionários e outros esbirros do fascismo.

Mas o que se passa, hoje, com o nosso voto? Votamos em quem? Porquê? Para quê? Fomos induzidos a tomar opções partidárias, a fidelizar-nos a um determinado partido e, a partir daí, tornamo-nos servos dessa estrutura política, abençoando-a com o nosso voto e apoio activo. Ou remetendo-nos, passivamente, como silenciosos cúmplices, às suas piores práticas.

Aceitamos como prática normal – e até achamos excelente, se tal vier do partido a que aderimos – que a mentira, o discurso ardiloso, a vã promessa eleitoral e a manipulação ou coação psicológicas sejam armas da luta pelo poder. Sujeitamo-nos, depois, às consequências nefastas das políticas levadas a cabo, mesmo que estejam nos antípodas do prometido e se revelam absolutamente contrárias aos nossos interesses e direitos, atirando-nos para o desemprego, levando-nos a casa e o pão, limitando-nos – ou vedando-nos – o acesso à saúde e à educação. A isto, de facto se chegou.

Ou seja: pela força e atropelo – em ditadura – ou pela subtil manipulação – em dita democracia – os resultados são iguais. O poder político faz o que sabe fazer, que é, ontem como hoje, asfixiar o mais possível o cidadão, extorquindo-lhe directamente (pelos impostos) ou indirectamente (pelos mecanismos que levam à perda do poder de compra, de que a inflação superior aos aumentos salariais é o melhor exemplo), e oxigenar os detentores do poder económico que, com as variações que o tempo e os métodos construíram, são os mesmos que o fascismo alimentava.

Quanto à liberdade de expressão, meus caros amigos, experimente usá-la quem depender profissionalmente de alguém afecto ao partido no poder, caso não partilhe das mesmas simpatias. Experimente um candidato a um emprego deixar entender a sua ideologia ou cor partidária, e depois diga que não percebeu as razões da exclusão.

Ainda sobre a liberdade de expressão, veja-se quem tem acesso às grandes tribunas da comunicação social escrita e falada, e atente-se nos critérios, ditos jornalísticos, que alinham cientificamente as notícias, seleccionam os comentadores, convidam analistas e valorizam – ou desvalorizam – as diversas iniciativas políticas ou partidárias. Mais uma vez, aquilo que a ditadura impunha pela censura, esta «democracia» alcança pelo controlo dos meios de comunicação social dominantes – ditos de referência – para que a plebe continue a ser plebe, e os senhores feudais continuem a ser os senhores feudais.

No resto, é o mesmo – ou pior – forrobodó. Acredito, até, que esta «democracia» e estes «democratas» estão a fazer coisas que os homens da ditadura não fariam. Acuso-os, até, de irem mais longe em desumanidade e indiferença pelo sofrimento dos cidadãos do que os próprios fascistas.

Sócrates, neste momento, é um fala-barato, um rei nu que ainda não percebeu a velocidade a que está a resvalar para o ridículo e para o descrédito. Há factos e sinais alarmantes, que provam ter o homem assumido que a maioria absoluta é poder absoluto. Que as regras e a moral deixaram de contar. Por exemplo:

Há dias, o deputado do PCP, Manuel Tiago, perguntou ao Governo porque razão certo advogado foi contratado duas vezes pelo Ministério da Educação para levar a cabo determinado trabalho. Da primeira vez, embora a remuneração fosse cumprida integralmente, o trabalho não foi concluído. Apesar disso, o Ministério da Educação voltou a contratar o mesmo advogado, só que, desta vez, aumentou-lhe a retribuição, que fora de 1.500 euros mensais, no primeiro contrato, para 20 mil euros mensais, no contrato actual. O deputado quer saber – e muito bem – porque razão não foram utilizados os recursos internos do Ministério, que motivos justificaram a nova contratação, exactamente com o mesmo advogado que não cumpriu os compromissos anteriormente contratualizados, e, também, que motivos justificam um aumento de 1.233,33%.

Eu julgo que tenho a resposta para estas perguntas todas. É que, segundo consta por aí, o distinto advogado é irmão de uma célebre figura do PS, envolvido num escândalo que tem agitado a opinião pública e merecido grande cobertura da comunicação social.

Mas há mais: há dias, recebi um e-mail que dizia o seguinte:

«Sabe quem é António Pinto de Sousa? É o novo responsável pelo gabinete de comunicação e imagem do Instituto da Droga e Toxicodependência. Tem competência atribuída para empossar quem quiser, independentemente da sua qualificação académica e profissional, para os cargos dirigentes do Instituto, contrariando os próprios estatutos do IDT. Ah! Já me esquecia de dizer que é irmão de José Sócrates...»

Como estas duas situações circulam sem respostas, esclarecimentos ou desmentidos, perdoe-se a veleidade, mas muito gostaria que esta simples crónica contribuísse para apurar a verdade. É que se isto for verdade, como tudo leva a crer, já nada faltará para que a náusea se transforme em vómito.

Depois de tanta coisa triste – e feia – uma velha anedota para encerrar a nossa crónica de hoje – e fazer sorrir, ainda que o sorriso seja triste:

Um alemão, um francês, um inglês e um português comentam uma pintura representando Adão e Eva no Paraíso.

Diz o alemão:

- Olhem que perfeição de corpos: ela esbelta e espigada, ele com este corpo atlético, os músculos perfilados... Devem ser alemães.

Imediatamente, o francês contesta:

- Não acredito. É evidente o erotismo que se desprende de ambas as figuras... Ela tão feminina... Ele tão masculino... Sabem que em breve chegará a tentação... Devem ser franceses.

Movendo negativamente a cabeça, o inglês comenta:

- Nada! Notem... A serenidade dos seus rostos, a delicadeza da pose, a sobriedade do gesto... Só podem ser ingleses.

Depois de alguns segundos de contemplação, o português afirma:

- Não concordo. Olhem bem: não têm roupa, não têm sapatos, não têm casa, só têm uma triste maçã para comer, não protestam e ainda pensam que estão no Paraíso... Só podem ser portugueses.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/01/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

20/01/2008

REFLEXÕES XXXI

O PRESENTE DOS REIS MAGOS

Os cabogramas anunciaram-no com antecedência. No dia 6 de Janeiro informavam que Bush viajaria para o Médio Oriente logo a seguir ao seu cristão descanso de Natal. Visitaria as terras dos muçulmanos, de outra religião e cultura à qual os europeus que viraram cristãos declararam a guerra, por infiéis, no século XI da nossa era.

Os próprios cristãos mataram-se uns aos outros, tanto por motivos religiosos quanto por interesses nacionais. Parecia que tudo tinha sido vencido pela história. Ficavam as crenças religiosas que deviam ser respeitadas, as suas lendas e tradições, fossem ou não cristãs. Neste lado do Atlântico, mesmo como em muitas outras partes do mundo, as crianças ansiosas estavam à espera de cada 6 de Janeiro procurando rações suficientes para os camelos dos Reis Magos. Eu também experimentei essa sensação de esperança durante os primeiros anos da minha vida, pedindo o impossível aos afortunados Reis, com as mesmas ilusões com as quais alguns compatriotas esperam milagres da nossa perseverante e digna Revolução.

Não possuo a capacidade física necessária para conversar diretamente com os vizinhos do município onde fui proposto candidato para as eleições de domingo. Faço o que puder: escrevo. Para mim é uma nova experiência: não é o mesmo falar do que escrever. Hoje, que disponho de mais tempo para me manter informado e meditar sobre aquilo que vejo, apenas me dá para escrever.

O bom é esperado, o mau surpreende e desmoraliza. Preparar-se para o pior, é a única forma de se preparar para o melhor.

Parece não real ver Bush, o conquistador das matérias-primas e dos recursos energéticos de outros povos, impondo normas ao mundo sem se importar pelas centenas de milhares ou milhões de pessoas que morrem e pela quantidade de cárceres clandestinos e centros de torturas que devem ser criados para atingir os seus objetivos. “Sessenta ou mais escuros cantos do planeta” devem ficar à espera de ataques preventivos ou inesperados. Não fechemos os olhos, Cuba é um desses cantos escuros. Assim o disse textualmente o chefe do império e fiz com que a comunidade internacional reparasse nisso mais de uma vez.

Em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, a poucas milhas do Irã, a AP informa que “O presidente estadunidense George W. Bush disse no domingo que o Irão ameaça a segurança do mundo, e que os Estados Unidos e os seus aliados árabes devem unir-se para enfrentar o perigo antes que seja tarde demais”.

Bush acusou o governo de Teerão de “financiar terroristas, debilitar a paz no Líbano, e de enviar armas à milícia religiosa afegã Talibã. Acrescentou que o Irão tenta intimidar os seus vizinhos com uma retórica alarmante, desafia as Nações Unidas e desestabiliza totalmente a região ao não querer esclarecer as intenções do seu programa nuclear”.

Bush disse “as ações do Irão ameaçam a segurança das nações em toda a parte. Portanto os Estados Unidos fortalecem os nossos compromissos de segurança assumidos há muito tempo com os nossos amigos no golfo Pérsico e convocam os seus amigos para enfrentarem este perigo”.

Bush falou no hotel Emirates Palace, construído por um custo de 3 bilhões de dólares e onde uma suíte custa 2.450 dólares por cada noite. Tem um quilometro de comprimento e uma praia de areia branca de 1,3 quilômetros de comprimento. Segundo Steven Pike, um porta-voz da embaixada dos Estados Unidos nos Emirados Árabes Unidos, cada grão da areia dessa praia foi importado da Argélia.

Todo o mundo sabe que ele quer é a guerra contra o Irão, é sua guerra. Promete, além disso, que as tropas norte-americanas permanecerão pelo menos mais 10 anos no Iraque.

O pior é a incapacidade de rectificar, dos principais candidatos dos partidos chamados a sucedê-lo. Nenhum deles se atreve a roçar com uma pétala de uma rosa essa prática imperial, sob o pretexto de lutar contra o terrorismo, engendrado pelo próprio sistema e o seu colossal e insustentável consumismo, pretendendo o impossível: crescimento sustentável, emprego total e sem inflação.

Esses não foram os sonhos de Martin Luther King, de Malcolm X e de Abraham Lincoln, nem de nenhum dos grandes sonhadores que a humanidade teve ao longo da sua azarada história.

Aquele que tiver tempo para ler e analisar as notícias que chegam através da Internet, cabogramas e livros, pode comprovar as contradições às quais foi levado o mundo.

Num artigo publicado pelo jornal El País, órgão de imprensa espanhola que faz referência ao tema dos preços dos alimentos e ao combustível. Escrito por Paul Kennedy, professor de Historia e diretor de Estudos Internacionais sobre Segurança na Universidade de Yale, um dos intelectuais de maior influência nesse país, o mesmo assevera que “o petróleo é o maior elemento de dependência que têm os Estados Unidos a respeito das forças externas”.

“Em meados do século XVIII, a Grã-Bretanha possuía a maior indústria de construção de veleiros do mundo. Contudo, ao mesmo tempo em que os seus estaleiros construíam centenas e inclusive milhares de veleiros por ano, uns inventores ingleses criavam a máquina de vapor, que produzia enormes quantidades de energia garantida pelas jazidas especialmente betuminosas do sul de Gales. O motor de vapor e o carvão impulsionaram o desenvolvimento do império britânico durante mais 150 anos”.

Mais adiante salientava o ponto de vista que mais nos interessa: a interconexão cada vez maior entre o petróleo e os alimentos. As razões são muito bem conhecidas: a enorme demanda energética entre as grandes economias asiáticas e a incapacidade dos países mais ricos — os Estados Unidos, o Japão e a Europa — de reduzirem seu consumo.

“Porém também aumenta a demanda mundial de soja, sobretudo por causa do aumento do consumo na Ásia. As dezenas de milhões de porcos que há na China devoram uma incrível quantidade de soja durante o ano. Os preços futuros da soja são 80% superiores neste ano (dezembro de 2007) aos do ano passado (2006)”.

“Ninguém pode estar seguro, mas o lógico é que o crescimento contínuo da população mundial e o aumento das rendas reais para mais de 2.000 milhões de pessoas nos últimos anos se traduzam numa demanda cada vez maior de proteínas — mais carne bovina, mais porco, mais frango, mais peixe — e, por conseguinte, mais cereal para alimentar os animais”.

O professor de Yale poderia ter acrescentado: mais ovo e mais leite, visto que as suas produções precisam de consideráveis quantidades de ração. Porém um bocado mais adiante faz referência a um artigo publicado no The Economist, principal órgão das finanças européias, qualificando-o de “excelente, muito detalhado e aterrador”, intitulado O fim da comida barata. “A revista começou o seu índice de preços dos alimentos nada menos que em 1845. O índice de preços dos alimentos é o maior em 162 anos”.

O Brasil, que já se auto-abastece de petróleo e possui abundantes reservas, sem dúvida poderá fugir desse dilema. Erigido sobre um pequeno planalto que flutua entre 300 e 900 metros de altura, possui 77 vezes a superfície de Cuba. Essa irmã república desfruta de três climas diferentes. Ali são cultivados quase todos os alimentos. Não é açoitada por furacões tropicais. Junto da Argentina poderiam ser tábuas de salvação para os povos da América Latina e do Caribe, incluindo o México, embora jamais garantia de segurança para eles, porque estão à mercê de um império que não admite essa união.

A escritura, como muitas pessoas sabem, é um instrumento de expressão que carece da rapidez, do tono e da mímica da linguagem falada, que não utiliza signos. Utiliza varias vezes mais do escasso tempo disponível. A vantagem da escritura é que pode ser feita numa hora qualquer do dia e da noite, mas não sabes que pessoas vão lê-la, muito poucos podem resistir à tentação de melhorá-la, incluir o que não disserem e riscar parte do já dito; às vezes a gente sente a vontade de deitá-la no lixo por não ter o interlocutor na frente. Durante toda a minha vida transmiti idéias sobre os sucessos tal como os via, desde a mais escura ignorância até hoje em que disponho de maior tempo e das possibilidades de observar os crimes que são cometidos contra o nosso planeta e a nossa espécie.

Aos revolucionários mais jovens, recomendo especialmente exigência máxima e disciplina férrea, sem ambição de poder, auto-suficiência, nem vanglórias. Cuidar-se de métodos e mecanismos burocráticos. Não se apoiar em simples lemas. Ver nos procedimentos burocráticos o pior obstáculo. Usar a ciência e a computação sem cair na linguagem tecnicista e ininteligível de elites especializadas. Manter a sede do conhecimento, a constância, os exercícios físicos e também mentais.

Na nova era em que vivemos, o capitalismo não serve mesmo nem como instrumento. É como uma árvore com raízes podres da qual só brotam as piores formas de individualismo, de corrupção e de desigualdade. Também não se deve dar nada de presente aos que podem produzir e não produzem ou produzem pouco. Devemos premiar o mérito daqueles que trabalham com as suas mãos ou a sua inteligência.

Conseguimos universalizar os estudos superiores, então devemos universalizar o trabalho físico simples, que pelo menos ajuda a realizar parte dos infinitos investimentos que todos demandam, como se existisse uma enorme reserva de divisas e de força de trabalho. Cuidem-se especialmente daqueles que inventam empresas do Estado sob qualquer pretexto e depois administram os fáceis lucros como se tivessem sido capitalista toda a vida, semeando egoísmo e privilégios.

Entretanto, se não se tomar consciência dessas realidades, nenhum esforço poderá ser realizado para “impedir a tempo”, como disse Martí, que o império ao qual viu surgir porque viveu nas suas entranhas, destrua os destinos da humanidade.

Ser dialéticos e criadores. Não há mais alternativa possível.

Agradeçamos a Bush o seu papel de Rei Mago, visitando o lugar onde nasceu o filho do carpinteiro José, se alguém conhece o lugar exacto do humilde presépio onde nasceu o Nazareno. Nesta ocasião, o chefe do império leva como presente aos países árabes dezenas de milhares de milhões de dólares para comprar armas provenientes do complexo militar industrial, e, ao mesmo tempo, dois dólares por cada um dos que fornece a estes para armar o estado do Israel, onde a agência das Nações Unidas que trata o tema garante que 3,5 milhões de palestinos foram privados dos seus direitos o expulsos desse território.

O seu instrumento obsessivo é ameaçar o mundo com uma guerra nuclear. Só ele é capaz de levar consigo esse Presente dos Reis Magos.


Fidel Castro Ruz
14 de janeiro de 2008

16/01/2008

ESQUERDA MODERNA, OU DIREITA ANTIGA?

O Banco Alimentar Contra a Fome é uma coisa que existe, mas não deveria existir. Porquê? Porque a existência de gente com fome, em pleno século XXI, num país europeu que arrota novos aeroportos e TêGêVês, e que se permite conceder a um cidadão com vários e copiosas fontes de rendimento, perfeitamente válido e apto para o trabalho, uma reforma de 3.600 contos, por apenas 18 meses como gestor numa empresa do Estado, ou ordenados e futuras reformas de luxo ao governador do seu Banco Central, é algo que a moral recusa, a inteligência não entende e a decência condena.

E não deveria existir, principalmente, porque o senhor «engenheiro» que ocupa o lugar de primeiro-ministro (melhor dizendo: de presidente do conselho de ministros), se diz socialista e de esquerda, embora esclareça que se trata de esquerda, sim, mas… «moderna».

Mas a verdade é que vivemos num país onde 500 famílias detêm a maior fatia da riqueza nacional e os bancos acumulam lucros a um ritmo nunca visto. Com o mesmo ritmo – isto é: a uma velocidade alucinante – os pobres descem aos patamares da miséria e os remediados passam a pobres. A grande maioria da população, nos últimos 12 anos – mas com maior intensidade nos últimos 2 anos correspondentes ao consulado socratiano – todos os dias empobrece e percebe que o futuro vai ser cada vez pior. Na realidade, nada disto me parece compatível com democracia, socialismo e esquerda, leve ela as etiquetas que lhe quiserem pôr.

Já que falei no Banco Alimentar Contra a Fome (cuja simples existência é, por si só, a prova da falência das políticas em curso nas chamadas democracias dominadas pelo capital financeiro), soube, há dias, que a crise é de tal ordem que «há médicos e professores a pedirem ajuda para dar de comer aos filhos».

A notícia saiu no insuspeito Expresso, num excelente trabalho de Raquel Moleiro e Isabel Vicente, e transcreve declarações de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, que denuncia a existência dos chamados «novos pobres», saídos de uma classe média sobre-endividada.

Deixem-me ler parte do texto:

«Manuela, 33 anos, hesitou antes de escrever aquele “e-mail” para o Banco Alimentar Contra a Fome. E mesmo enquanto o redigia, não tinha ainda a certeza de, no fim, ter coragem de carregar no botão de enviar.

Ela, bacharel em Relações Internacionais, quadro de um ministério, casada com um professor de educação física, ex-atleta olímpico. Mãe de uma bebé com cinco meses, tinha agora de pedir ajuda para alimentar a família. O marido que ficou sem emprego, um salário de 2000€ que desapareceu no mês em que festejaram a gravidez, a renda da casa que foi falhando vezes de mais, o cartão de crédito gasto até ao limite, o apartamento trocado por um quarto, e nem assim a comida chegava à mesa. "No dia em que enviei o e-mail faltavam três semanas para receber. e só tinha 80€", explica. "Havia para a bebé, mas nós íamos passar fome".

O caso tem um mês. Ana Vara, assistente social do BACF, ligou a Manuela mal leu o pedido. E disse-lhe o que tanto tem repetido ultimamente: “Não tenha vergonha, não é a única”. “Nos últimos quatro meses, mais que duplicaram os pedidos directos ao banco alimentar. E há cada vez mais casos de classe média”, garante Isabel Jonet. A directora do BACF chama-lhes "os novos pobres": empregados, instruídos, socialmente integrados, mas, ainda assim, vítimas da pobreza e até da fome. Nos últimos três meses, chegaram ao banco alimentar de Alcântara 250 casos, 30% dos quais se enquadram nesta nova categoria. E em todos há pontos transversais: mais mulheres, muitas mães, desemprego inesperado, rupturas familiares, e sempre sobre-endividamento.

(...) As famílias tradicionalmente carenciadas aparecem no banco alimentar, pedem olhos nos olhos. Os novos pobres gritam por ajuda, envergonhadamente, através do correio electrónico.

Como Luciana, médica, cujo desemprego súbito do marido fez ruir a estrutura económica do lar de nove filhos Sem ele saber, sem o magoar de vergonha, pediu apoio alimentar para uma casa onde nunca tinha faltado nada».

Por este breve excerto da reportagem do Expresso, podemos ver o que por aí vai.

Mas se as coisas vão mal para a generalidade dos portugueses, cuja capacidade de reacção é tradicionalmente lenta e mole, também, neste dealbar do ano de 2008, começam a azedar para os lados do «engenheiro» feito à pressa.

Depois da «Margem Sul jamais», veio o Ota nunca mais, e os dois estarolas – Sócrates e Mário Lino – a coincidirem no descaramento de dar o dito por não dito, como se não tivessem sido obrigados a evitar o erro enorme – e caríssimo – de construir o novo aeroporto num local de todo inapropriado. Humilhado e ridicularizado, Mário Lino não se demitiu nem foi demitido, porque Sócrates, como todos os iluminados absolutistas, não sabe o que é moral ou senso comum.

Depois, um dos muitos matraquilhos que pululam no governo, um génio capaz de meter Albert Einstein num chinelo, e que é secretário de Estado não sei do quê – nem me interessa – decidiu que os retroactivos do mês de Dezembro, relativos aos aumentos das pensões dos reformados e pensionistas, seriam pagos em míseras prestações (algumas de 68 cêntimos), ao longo de 14 meses, não fossem os pobres desgraçados estoirar o dinheiro nos casinos ou casas de alterne. Perante o ridículo da situação, que muitos julgaram não passar de mera brincadeira ou má-língua dos perigosos e subversivos opositores do regime democrático (que Sócrates interpreta como ninguém), lá veio o governo, atabalhoadamente meter marcha atrás, e, como quem dá uma esmola com dinheiro roubado, dizer que, enfim, sempre pagarão tudo no mês que vem.

Se o ridículo matasse, Sócrates, os ministros e a troupe «socialista» que comanda (isto é: a «esquerda moderna» em peso) estariam todos no Panteão Nacional, não pelos altos méritos dos seus feitos, mas como monumento indelével à pulhice política e à credulidade de um povo que ainda não aprendeu a tomar conta do seu destino.

No meio deste circo, um escândalo enorme parece estar escondido sobre o já de si grande escândalo do BCP. Fazendo rir o pagode – como compete a uma troupe que se preze – Sócrates garante que o Governo em nada interferiu na escolha dos futuros administradores do BCP. Deixaríamos de lado a óbvia mentirola, se ela não estivesse relacionada com uma manobra muito mais vasta que se relaciona com o controlo de défice de 2008.

De facto, o que parece estar pronto a ser cozinhado é a provável transferência para a Segurança Social do fundo de pensões dos colaboradores do Banco, avaliado em cerca de quatro mil milhões de euros.

Segundo Delfim Sousa, que é accionista do BCP, onde foi um quadro destacado e, também, membro da respectiva estrutura sindical e da Comissão de Trabalhadores, «esta transferência, a concretizar-se, será contabilizada como receita extraordinária da Segurança Social neste ano de 2008, e controlará o défice do Estado satisfatoriamente. Esta solução que estará na mira do Governo Sócrates, já foi testada pelo Governo de Guterres (com a transferência do fundo de pensões do BNU, realizado pelo ex-ministro Sousa Franco) e pelo Governo de Santana Lopes, para controlar o défice e cumprir os valores limite fixados pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. E foi assim, no ano de 2004, quando o ex-ministro das Finanças, Bagão Félix, transferiu fundos de pensões de empresas públicas (entre outros, o Fundo da Caixa Geral de Depósitos) para a Caixa Geral de Aposentações, conseguindo um encaixe financeiro de cerca de 1,9 mil milhões de euros.

Com gente sua a comandar o BCP, e com os principais accionistas (especialmente os que se dedicam às obras públicas) atentos e obrigados aos desejos do PS, tendo em conta o novo aeroporto e o TGV, tudo se encaminhará para uma solução que desenrasque o controlo do maldito défice.

Mesmo que, como disse em casos anteriores o Tribunal de Contas, «O impacto directo sobre as finanças públicas, que se projectará por um período longo, resultante das transferências referidas, tem um efeito positivo sobre as receitas do Estado no ano em que ocorrerem, mas têm um efeito inverso nos anos posteriores, uma vez que as receitas não serão suficientes para suportar o valor das despesas».

Perante a passividade amarela do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, o silêncio da comunicação social, mais interessada em discutir a dança dos nomes do que as manobras de Sócrates e banqueiros, as atenções voltam-se para Jo Berardo, que gosta de fazer o papel de capitalista do povo. Mas, como diz Delfim Sousa, «o Senhor Joe Berardo não é seguramente um “capitalista do povo”, como quer fazer passar na imagem que vende. Pelo contrário, Berardo defende unicamente o seu dinheiro, os seus investimentos, e o Fundo de Pensões (dos trabalhadores do BCP) representa uma responsabilidade para o Banco que quer ver eliminada, ou antes, transferida para o Estado».

E assim vai o país. Lentamente, Sócrates perde o pé. Mas enquanto não o perde de vez, milhões de portugueses afundam-se entregues a um estado que está na mão dos senhores do capital financeiro, cujas acções não estão sujeitas ao escrutínio popular. São eles que governam, mas não são eles que vão a votos.

José Sócrates e os socialistas, ao volante da sua «esquerda moderna» são, hoje em dia, as alavancas deste poder opressor e oculto, do qual não passam de meros paus-mandados. Não governam para proveito dos portugueses – para que acabem, por exemplo, os Bancos Alimentares Contra a Fome – mas, como todos sabemos, para manter nos seus feudos aqueles que os sustentam no poder, enchendo-lhes, duma ou doutra maneira, os cofres do partido e os bolsos de quem lhes faz o frete.

De onde se conclui que esta «esquerda moderna» chega a fazer corar de vergonha a velha «direita antiga».


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/01/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

13/01/2008

QUAL DEMOCRACIA ?

De acordo com os resultados que constam de um estudo publicado no Boletim Económico do insuspeito Banco de Portugal, a economia portuguesa perdeu, em termos líquidos, 19.274 empregos durante a vigência do governo liderado pelo “socialista” Sócrates.

De recordar, que durante a campanha eleitoral este mesmo senhor prometeu a criação de 150.000 novos empregos durante a legislatura, mas não disse quantos se iriam perder.

Tal como a promessa de fazer um referendo em relação à Constituição Europeia, que agora foi transformada em Tratado Europeu e que só por isso, pela mudança do nome, já não precisa de cumprir com a palavra dada por medo de vir a ter um resultado negativo.

Por isso Sócrates não mente, apenas contorna e omite o que não lhe interessa.

Qualquer semelhança com outros aldrabões anteriores ou actuais que se pavoneiam por aí usufruindo de altos cargos públicos ou privados, é pura coincidência.

Veja-se, por exemplo, a cara de pau (para não dizer de parvo) daquele ministro “socialista” que comparou a margem sul como um deserto e que agora vem dizer que a expressão foi proferida num almoço de camaradas e aproveitada fora de contexto.

Atente-se também às declarações do “socialista” Jorge Sampaio, representante das Nações Unidas para a Aliança de Civilizações (seja lá o que isso for e para que serve) que considera a política de saúde do actual governo “corajosa” e “correcta”.

E que dizer da promiscuidade da banca, principalmente a da Caixa Geral de Depósitos administrada por “socialistas” que emprestam milhões de euros a conhecidos capitalistas para estes adquirirem acções em bancos privados, reforçando as suas posições e assim poderem nomear para essas instituições esses mesmos “socialistas” que lhes concederam as benesses “legais”.

Enquanto tudo isto se passa, o Banco de Portugal liderado pelo “socialista” Vítor Constâncio não fiscaliza e nada faz, a não ser intrometer-se onde não é chamado, de modo a deixar o caminho livre para que o polvo possa estender os seus tentáculos a toda a economia.

Democracia ? Qual democracia ?


Celino Cunha Vieira

09/01/2008

GRANDE CIRCO SÓCRATES

- A trágica palhaçada

Uma pensionista deste país, que recebe todos os meses a opulenta pensão de 283 euros – o que dá cinquenta contos e uns picos – sabendo das nossas provocações, de que se diz ouvinte fiel, pediu-me que aqui desse conta do seu caso. Sofre, para mal dela, de uma doença crónica que a obriga a consultas frequentes de psiquiatria. Como é normal neste tipo de doentes, tanto pode acontecer andar bem durante uns tempos, como ver-se obrigada, em determinados períodos, a recorrer com mais assiduidade ao seu médico.

Como sabemos, o SNS não dá resposta pronta e eficaz a este tipo de doentes, pelo que a pessoa em questão tem vindo a ser assistida por um médico particular, o único que, até hoje, conseguiu mantê-la relativamente bem. Só que, por cada consulta, a senhora desembolsa 115 euros. Recentemente, a juntar a este valor, acrescentou mais 50,14 euros, de medicamentos que lhe foram receitados: Calcitab, Exxiv, Alprazolam, Cerestabon, Anafranil, Ttryptizol, Ludiomil e Concor. Faço notar, que este valor de 50,14 já beneficiou de todos os descontos que a sua doença e o valor da sua pensão permitem.

Feitas as contas, depois de receber os seus 283 euros mensais, ter pago os 115 de consulta e os 50,14 de medicamentos, ficaram-lhe no bolso pouco mais de 117 euros, ou seja, 23 contos para comer, pagar água, luz, gás e outras despesas miúdas que aparecem sempre na vida das pessoas.

Este caso, que eu conheço e aqui dele dou notícia e testemunho, é apenas um entre centenas de milhares – ou deveria dizer milhões? – que me fazem, todos os dias, ter vergonha de ser cidadão deste país. Ao tomar conhecimento concreto de casos como este, sinto crescer cá dentro uma revolta enorme e, por muito mal que pareça, um ódio profundo por todos aqueles que, de 1975 para cá, governaram este país e a isto chegaram.

Já que estamos a falar em pensionistas, que dizer da ridícula decisão dos palhaços de serviço a este circo, de pagar a prestações o aumento das pensões relativo ao mês de Dezembro? Há casos em que esse valor se traduzirá em 14 prestações de 90 cêntimos. Seria para rir às gargalhadas, se não fosse tudo isto um sintoma trágico de que vivemos num país agonizante, sangrado por vampiros impiedosos e insaciáveis.

País onde, por exemplo, as crianças da escola do 1.º ciclo da povoação de Marinheiros, em Leiria, passam os seus tempos livres na casa mortuária lá do sítio, depois de terem sido despejadas do centro de tempos livres da Quinta da Matinha, que foi ocupado por alunos de outra escola.

Face a isto, já nem sei se o que se passa na escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico de Folgosa, em Viseu, é melhor, ou pior. A verdade é que os pais dos alunos fecharam as portas da escola a cadeado, em protesto pela falta de condições do refeitório onde as crianças almoçam. Queixam-se que o refeitório ocupa o hall de entrada da escola, local «onde faz muito frio e há ratos». Dizem que a louça tem de ser tapada, porque senão aparece com excrementos da rataria. Não tarda, temos a ministra da Educação a dizer que os pais, em vez de se queixarem, talvez devessem aproveitar os ratos para compor a ementa. No estado a que o país chegou, em que o governo se vê forçado a pagar 13 euros em 14 prestações de 90 cêntimos, comer ratos deve ser a medida que se segue.

Albertina Fernandes Mendes tinha 85 anos e morreu nas Urgências do Hospital de Aveiro, após quatro horas à espera de médico. O bastonário em exercício da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, responsabilizou o Governo e o primeiro-ministro pela morte da idosa, atribuindo-a «à errada política de Saúde do Governo», que leva à sobrecarga das Urgências. E respondeu assim, quando lhe perguntaram porque razão o Governo diz que está a melhorar o SNS:

«Não seria de esperar que, de qualquer Governo, viesse uma afirmação no sentido de destruir o serviço Nacional de Saúde. Aquilo que o Governo diz, di-lo por razões políticas e quase por obrigação política. Não pode dizer que está a fazer as coisas erradas. Tem de dizer que está a fazer as coisas certas. Quem está no terreno, quem conhece os problemas da Saúde, quem se preocupa e analisa as coisas para além da demagogia política, não tem quaisquer dúvidas que o Serviço Nacional de Saúde está a ser progressivamente destruído. E mais. Eu considero até que existe neste momento um perigoso pacto de regime na área da Saúde». E explicou porquê: «Se nós assistimos ao facto dos grandes grupos económicos estarem a investir milhares de milhões de euros na área da Saúde e esperam naturalmente ter o mesmo nível de retribuição que em qualquer outro sector da economia, há uma coisa que têm de ter a certeza. Na área da Saúde não vai haver ciclos políticos. Ou seja, não vai aparecer no futuro nenhum Governo que altere esta política».

Mas, na área da saúde, as diatribes da troupe de palhaços deste circo miserável e mal cheiroso não ficaram por aqui. José Carvalho Monteiro, de 76 anos, morreu nas Urgências do Hospital de Vila Real. Na véspera, mandaram-no para casa, depois de lhe terem ministrado um remédio para os vómitos. No dia seguinte teve de voltar ao hospital, desta vez para morrer nas Urgências, com uma linda pulseira amarela.

Recorde-se que, devido ao encerramento das Urgências de concelhos e cidades vizinhas, agora toda a população do distrito acorre a Vila Real.

Morreu, morreu, acabou-se. O espectáculo do Grande Circo Sócrates tem de continuar. Morra quem morrer. O que importa é o grande número do défice, e a apoteose final, o Tratado de Lisboa.

Por isso, as mortes continuam: Desta vez, foi Maria Cândida Pereira, a professora de Gouveia que sofria de cancro de pulmão e morreu sem que lhe fosse reduzida a componente lectiva.

Com 47 anos, divorciada e mãe de duas meninas, com 12 e 14 anos, a professora de Educação Visual e Tecnológica solicitou a redução da carga horária, mas nunca chegou a pedir a reforma por incapacidade, porque a redução no salário não lhe permitiria sobreviver e sustentar a família. «Ela não tinha alternativa, com 60% do ordenado não conseguia viver, por isso, teve de se arrastar até à morte», disseram os seus colegas professores na Escola Básica 2/3 Ana de Castro Osório, em Mangualde, onde a vítima era docente há três anos.

Ouviram, seus estupores, responsáveis (se é que há responsáveis em Portugal) por esta situação? Esta mulher arrastou-se a trabalhar até à morte, porque as pensões que vocês impõem ao português comum, não são iguais às que cozinham para a vossa sinistra troupe.

Mas venha o quinto canal de televisão, com o lixo enlatado que as outras já servem, para encaixar mais uns palhaços sem jobs. E arranje-se maneira de assaltar o BCP, para que a promiscuidade entre o poder político e o poder económico passe a ser oficial, com anel de noivado e certidão a atestá-la.

E, sobretudo, não se deixe o povo saber porque razão a Justiça prendeu Paulo Pedroso, não vá alguém ir à lã e sair tosquiado.

Entretanto, conforme se provou ao longo destas linhas, o povo vai morrendo. De fome e de incúria. De miséria.

Por isso, ri-te, Palhaço!

(Enquanto não te pedirmos contas…)


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/01/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

06/01/2008

PARABÉNS AOS POBREZINHOS

Li algures e concordo, que “queremos um País em que as políticas sociais não sejam apenas o refúgio de consciência de um modelo de desenvolvimento economicista e assente nas fórmulas mágicas da regulação pelo mercado, não sejam apenas o suporte assistencialista para políticas e práticas geradoras de exclusão, mas se assumam como forças motoras do desenvolvimento de Portugal e de todos os cidadãos”.

“Não podemos continuar a conviver sem sobressalto com os níveis de desemprego e pobreza com que o nosso País se confronta”.

“Sabemos que muitos dos nossos idosos não dispõem das condições materiais mínimas para uma vida digna”.

“O ponto de partida tem que resultar da consideração de que a pobreza e a exclusão assumem formas e expressões que estão muito para além do desprovimento material e afectam de forma diferenciadamente violenta grupos particulares da sociedade portuguesa”.

Deparei-me entretanto, há 3 dias, com o conteúdo de um comunicado do Ministério do socialista Vieira da Silva, em que, segundo ele, com os 6 euros mensais de aumento, está assegurada pelo segundo ano consecutivo a manutenção do poder de compra de 90 por cento dos pensionistas portugueses.

Diz ainda o comunicado: “algo que não se verificou em anos anteriores, quando, fruto das regras existentes, mais de 700 mil pensionistas viram o seu poder de compra diminuir”.

Até que enfim, os pobrezinhos já podem sorrir e saltar de contentamento com as decisões tomadas pelo governo socialista do senhor Sócrates, que lhes vai conceder mais 20 cêntimos diários para gastarem em bens supérfluos.

Aquilo que li e transcrevo no início é o que consta do Programa Eleitoral apresentado pelo senhor Sócrates em 2005 e que enganando descaradamente os eleitores, conseguiu uma maioria absoluta que lhe permite governar o país de forma ditatorial, deixando a léguas, Salazar e Caetano.

Quando existem bens essenciais (como por exemplo o pão, o leite e os medicamentos) com aumentos muito superiores ao da inflação, que eles (governo socialista e governador socialista do Banco de Portugal) dizem prever para 2008, é não terem vergonha nenhuma na cara ao afirmarem que o poder de compra se mantém.

Esta e outras pérolas a que já nos habituaram, com a conivência de uma comunicação social amordaçada porque rendida aos grandes interesses económicos, leva-nos a uma completa letargia e egoísmo, indiferentes aos dramas existentes dos nossos semelhantes.

Até quando vamos continuar calados e a suportar esta ditadura mascarada de democracia ?


Celino Cunha Vieira

02/01/2008

O PIOR ANO DAS NOSSAS VIDAS

Não é preciso ser-se muito atento ou observador para se perceber que este Natal e este Ano Novo foram ainda mais tristonhos e descoloridos do que os do ano passado, que já tinham sido bem piores do que os anteriores.

O desemprego e a falta de poder de compra deram as mãos e passearam-se pelas lojas que há muito deixaram de saber o que significa «não ter mãos a medir», enquanto os festejos de fim de ano quase se limitaram aos fogos de artifício nos locais do costume, ou a pacatas e sombrias esperas, no refúgio do lar, pelas 12 badaladas do costume.

É claro que uma certa franja da nossa sociedade, que nunca soube o que são necessidades – e até se tem dado optimamente com as políticas do «engenheiro» Sócrates – foi para onde costuma ir, gastou rios de dinheiro e, quando pediu um bom 2008, já tinha, à partida, a certeza que assim vai ser. Mas esses são os que estão do lado porreiro do fosso (cada vez mais largo) que separa pobres e remediados dos ricos e muitos ricos, e para quem a crise tem o condão de, em vez de emagrecer, engordar ainda mais.

O que eu vi, numa breve volta que dei no meu habitual mister de farejar o ambiente, foi que a alegria e despreocupação de aqui há uns anos atrás, desapareceram quase completamente. Locais onde era habitual as pessoas reunirem-se para celebrarem a passagem do Ano Velho para o Ano Bom, ou estavam fechados, ou mais pareciam um velório. Nas ruas, quase ninguém circulava, e as poucas janelas iluminadas eram outra nota de que a tristeza e a desesperança vão alastrando por toda a parte.

Lembrei-me que, há poucos dias, soube-se que, só no Porto, há cerca de nove mil portugueses que vivem em casas, nas chamadas «ilhas» da cidade, onde «os telhados não impedem a chuva de corroer o mobiliário e onde os ratos são convidados indesejáveis, deixando marcas de mordidelas nas orelhas e caras das crianças». E faço notar que isto não são palavras minhas, mas retiradas da reportagem que oportunamente o Correio da Manhã ofereceu aos seus leitores. Nela se retrata toda a miséria e abandono a que parte da população está votada, não só pelo flagelo do desemprego, como por força dos baixos salários.

Mas o curioso desta reportagem é que, depois de mostrar como vivem milhares de portugueses na segunda mais importante cidade do país, vai mais longe e diz:

«Ao atravessar a rotunda do Castelo do Queijo, ali mesmo ao lado, a realidade transfigura-se. É outro mundo, onde os BMW recolhem nas garagens das casas de dois milhões de euros, ou mais. Para quem passa pela avenida Brasil, na marginal da Foz, é impossível não reparar nas vistosas moradias.

Ali passamos das rendas de vinte euros para habitações cujo valor pode chegar aos cinco milhões. São casas de excepção e dão forma a uma realidade maior. Portugal é um dos países da União Europeia onde as desigualdades sociais mais se fazem sentir. Se na restante Europa os mais ricos ganham cinco vezes mais do que os mais pobres, em Portugal essa diferença é de 7,2 segundo dados da Eurostat».

É este, cada vez mais, o país de Sócrates.

E foi já a partir das primeiras horas deste ano que a vida de milhões de portugueses piorou. Aumentos garantidos – e quase todos muito acima da inflação – vão ter o pão (nalgumas regiões e em certas variedades o aumento foi de 30%), a água, os transportes, o gás, a electricidade, as portagens, as famigeradas taxas moderadoras, ou as propinas. O leite não precisou da passagem de ano para passar a pesar mais nos bolsos dos portugueses – o que equivale, em muitos casos, a pesar menos nos estômagos das famílias, especialmente no das crianças.

Continuando a dar provas da sua imensa desumanidade, o ministério da Saúde vai poupar, pelo menos, 330 milhões de euros, só em 2008. Chega-se a este valor com o encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente e a diminuição das comparticipações. Com o fecho dos SAP ficam nos cofres do Estado entre 25 a 30 milhões de euros, valor avançado pelo próprio ministro Correia de Campos, quando, em Maio, se pronunciou sobre os custos estimados dessas unidades de saúde em funcionamento.

A este valor soma-se uma verba de 150 milhões de euros, que não vão ser canalizados para a comparticipação de medicamentos, e outros 150 milhões de euros que não serão destinados à comparticipação dos meios de diagnóstico e terapêutico, como análises clínicas, Raios X, TACs e electrocardiogramas.

Assim se brinca, criminosa e desumanamente, com a saúde dos portugueses.

Entretanto, nasceu mais um bebé em plena auto-estrada que liga a Figueira da Foz a Coimbra, o sétimo, desde que o ministro da Saúde encerrou a maternidade daquela cidade. Outra notícia chama a minha atenção. Diz o DN: «Desde 5 de Junho de 2006, último dia em que funcionou o serviço de obstetrícia da maternidade de Elvas, que fazia mais de 200 partos/ano, meio milhar de crianças portuguesas já nasceram do lado de lá do Guadiana, e pelo menos 2.000 utentes já frequentaram o serviço e o aconselhamento pré-natal do Hospital do Perpétuo Socorro de Badajoz».

Na sala de espera do hospital, o repórter do DN ouviu coisas destas:

«A minha filha já cá teve o meu primeiro neto há um ano, agora venho cá com a outra, que está à espera de gémeos» E referindo-se à cidade: «Os preços são mais baratos, há mais gente, mais jovens, os hospitais são melhores, os cursos de medicina estão cheios de portugueses e muita gente já aqui procura trabalho, porque os ordenados são melhores e há mais emprego».
Um jovem agricultor de Terrugem, que acompanhava a mulher, referiu ao jornalista: «Há alguns meses que vimos cá, já que o nosso filho vai nascer aqui… Se gostava que ele nascesse na minha terra? Gostava, mas não me agradava que lá vivesse durante muito tempo. Talvez este seja um bom prenúncio…».

Não sei como é possível ser-se primeiro-ministro de Portugal – ou ministro da Saúde – e, perante este quadro, não corar de vergonha, já que não se quer mudar de política.

Mas abriu a época dos saldos. E aquilo que, há anos atrás, era um autêntico assalto às lojas, com filas enormes às portas, à espera da abertura, é hoje uma época normal, isto é, com pouca gente a entrar e ainda menos a comprar.

Bem se esforça o governo, através dos papagaios do costume, por desmentir a crise, fazendo constar que as compras de prendas, este Natal, foram superiores em cerca 5% às do ano passado. E como se conseguiu chegar a esta fantástica conclusão? Através dos pagamentos realizados com cartões de débito e crédito! Há coisas fantásticas, não há? Como se fosse possível saber-se, pelo volume de compras realizadas e pagas com esses cartões, qual o valor das prendas, do esparguete, das batatas, do pãozinho ou das bolachas de água e sal.

A verdade – e não é preciso ser-se nenhum génio para aqui se chegar – é que os portugueses compram mais no Natal porque receberam – os que receberam – o respectivo subsídio e reservam, tradicionalmente, esse montante para comprar algumas das coisas de que se privaram nos restantes meses do ano. Enfim, para que a quadra não seja tão triste.

Por outro lado – e conforme aqui dissemos a semana passada – as dívidas das famílias portuguesas às instituições financeiras está a subir em flecha, sabendo-se que esta é, precisamente, uma época em que mais se recorre aos milagrosos cartõezinhos.

Bem podem, pois, o governo e PS encomendarem sondagens e mandar palrar os seus fiéis comentadores, que a realidade, nua e crua, aí está à vista de todos.

Por isso, desejar um bom ano de 2008 a quem se estima, por muito sincero que se esteja a ser, não passa de coisa vã, mero acto da liturgia da época.

O ano de 2008, meus amigos, vai ser um dos piores anos da nossa vida.

Fecho com palavras de Guerra Junqueiro, retratando o povo português, escritas no distante ano de 1896. Mas absolutamente actuais:

«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional – reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta».


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/01/2008.
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1997, 2007 © Guia do Seixal

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