28/03/2007

SEJA MODERNA E PATRIOTA – DÊ À LUZ NUMA AMBULÂNCIA!

Desde que o governo do senhor José Sócrates acelerou a sua política de Saúde, aumentaram os partos nas ambulâncias. É normal – e é moderno.

Normal, porque uma parturiente que tenha a sorte de residir num local onde a maternidade fechou, entre o tempo de espera pela ambulância e o tempo que a mesma demora a chegar à maternidade mais próxima, pode não ter outro remédio se não abrir as pernas e deixar que os bombeiros se desenrasquem.

Moderno, porque já todos percebemos que as maternidades são locais onde o ser humano perde grande parte das suas capacidades de sobrevivência. Na verdade, o acto de parir é a coisa mais normal do mundo. Qualquer mamífero que se preze, pare sem ajuda ou assistência. Nas savanas e nas estepes, em cima de ervas ou na terra árida, nas grutas e nos gelos, ou no meio dos oceanos, como os golfinhos e as baleias. Maternidades? Médicos? Enfermeiras? Parto assistido? Não, meus amigos. Na natureza, o acto de nascer é já um acto de selecção natural. Se a fêmea e a cria não tiverem as melhores condições de sobrevivência, para quê, então, vir ao mundo mais um trambolho, um ser débil que só vai custar coiro e cabelo ao Estado e, principalmente, debilitar a espécie? É por estas e por outras que o défice está como está!

Sejamos, então, compreensivos e tolerantes com as políticas de Saúde que o senhor José Sócrates e o seu ministro da Saúde, o estimável Dr. Correia de Campos, estão a implementar. Visam, tão-somente, transmitir um novo vigor à raça, torná-la mais forte e resistente. E o défice, claro, agradece.

É na mesma perspectiva que devemos encarar o fecho de 56 Serviços de Atendimento Permanente nos Centros de Saúde. O Ministério justifica esta longa lista de encerramentos (só as listas de espera é que conseguem ser mais longas) com o argumento de que os SAP não são verdadeiras urgências. Mas como o Governo quer afastar das urgências os casos que não sejam extremamente graves, não se percebe lá muito bem o que deve fazer uma pessoa que tenha uma forte indisposição a meio da noite. Espera que passe? Morre (a bem da Nação) se for caso disso? Bem, se a lógica for a mesma que está a levar ao fecho das maternidades – e penso que é – parece-me claro que também estamos perante uma nova vertente do processo de selecção natural, onde só sobrevivem os mais aptos. Com a vantagem adicional, nada desprezível, de continuarmos a reduzir o défice.

Sejamos patriotas! Reconheçamos que essa coisa de a Saúde ser um direito garantido a todos os portugueses pela Constituição da República (e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem) é algo que não faz sentido. Nem isso, nem emprego estável, nem salários suficientes – e em dia. São coisas que já não se usam. Moderno, é parir na ambulância, é não ter emprego nem ordenado certo, é não saber a que porta bater se, a meio da noite, uma criança ou um idoso estiverem com problemas graves de saúde.

Por isso, Portugal é um exemplo para o mundo, já que foi um dos países onde a despesa com a saúde aumentou menos por habitante, mas onde os ganhos em saúde foram maiores. (O Governo, modestamente, coitado, diz que não é assim). Mas, a confirmar o que digo, está o facto que, de acordo com a OCDE, entre 1995 e 2004, o aumento médio das despesas de saúde foi em Portugal de 3,2% ao ano, enquanto em Espanha atingiu 4,2% ao ano; nos EUA 4,8% ao ano; na Finlândia 4,4%; na França também 4,4% ao ano; na Grécia 4,9% ao ano; na Irlanda 7,4% ao ano; na Itália 3,3%, na Inglaterra 5,4% ao ano, e na Suécia 3,9% ao ano.

E se foi assim entre 1995 e 2004, as coisas, com o senhor José Sócrates, ainda conseguiram piorar, pois, entre 2004 e 2007, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde aumentaram apenas 2,2%, enquanto o PIB, a preços correntes, cresceu 10,7%, o que determinou que a percentagem que essas despesas representam em relação ao PIB tenha diminuído de uma forma continua de 5,2% para apenas 4,8%. Durante esse período, como os preços aumentaram 8%, dá que o valor da transferência de 2007 é inferior, em termos reais, em cerca de 5,5%, em relação à transferência de 2004.

Portanto – e sem querer chamar mentirosos ao senhor José Sócrates e ao seu ministro da Saúde – não é verdadeiro o principal argumento utilizado pelo Governo na sua campanha contra a saúde dos portugueses, ou seja, que os custos com o Serviço Nacional de Saúde têm crescido de uma forma insustentável, e que é preciso reduzi-los.

Resumindo e concluindo: Portugal foi um dos países onde a despesa com a Saúde aumentou menos por habitante, mas onde os ganhos em Saúde mais subiram. Portugal é igualmente um dos países da OCDE onde a comparticipação do Estado na despesa total da Saúde é mais baixa, pois, em percentagem, a comparticipação do Estado na despesa total de saúde de cada português (71,9%) é inferior à média dos países da OCDE (80,4%). Na verdade, os gastos do Estado com a "Função Saúde", medidos em percentagem do PIB registaram, a partir de 2005, também uma diminuição. Entre 2004 e 2007, o PIB, a preços de mercado, aumentou em 10,7%, enquanto com os gastos suportados pelo Estado com a "Função Saúde" cresceram apenas 5,4%, ou seja, praticamente metade do aumento do PIB. Porque no mesmo período os preços subiram os tais 8%, resulta daqui que o valor atribuído pelo Estado à "Função Saúde" seja em 2007, em termos reais, inferior à de 2004. Dizendo melhor: entre 2004 e 2007, as Despesas Totais do Estado aumentaram 9,6%, enquanto as despesas do Estado com a Educação e Saúde dos portugueses cresceram apenas 2,2%, ou seja, quatro vezes menos. E se, entre 2004 e 2007, os preços aumentaram 8%, isto significa que, em termos reais, o valor atribuído pelo Estado à Educação e Saúde é inferior ao valor de 2004 (menos 5,4%).

Mas que importa isso? A Educação e a Saúde já não são a chave do desenvolvimento do País. Primeiro, porque os portugueses trabalham de qualquer maneira, mesmo sem salário e sem saúde. Segundo, porque os cursos não servem de nada, já que é entre os portugueses com cursos superiores que o desemprego mais alastra. Terceiro, porque arranjar um canudo, hoje em dia, depende mais das habilidades e dos conhecimentos certos do que do estudo, do saber. Principalmente se o artista andou na Universidade Independente…

Mas é por estas e por outras que o défice desce, mas o nível de vida dos portugueses desce… e a economia está, literalmente, paraplégica.

Da cintura para baixo. E da cintura para cima.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/03/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

26/03/2007

A FRUTA DA ÉPOCA

Há sempre uma época em que a fruta é mais abundante, mais suculenta e mais carnuda, mas mesmo assim não deixa de estar sujeita a ser atacada por pragas que acabam por a estragar e de lhe retirar o que ela tem de mais puro e nutritivo.

Por mais que se queira, não se consegue compreender alguns dos procedimentos que rodeiam a completa bagunça de alguns serviços públicos e quem sofre são sempre os mais necessitados que não podem gritar a sua indignação e protestar contra o poder instituído, porque “democraticamente” a quem manda, tudo é permitido.

Tenhamos então como base não um conto imaginário, mas sim a pura e dura realidade vivida por um dos muitos milhares de cidadãos atingidos pela prepotência escudada num pretenso défice a ser atingido.

Aconteceu neste mês em que a Primavera começa a dar os seus primeiros sinais e a parca reforma que se recebe, em troca do suor de toda uma vida de trabalho sofre uma quebra, tornando-se angustiante para quem tem de cumprir as suas responsabilidades e fica sem saber o que se passa.

Imaginando algum erro informático e sem vontade de dar mais um passo, o nosso cérebro só contempla uma expressão: “assim não dá”.

- Mas o que foi agora ?

Desabafa-se com as pedras da calçada ou num recôndito canto da casa de toda uma vida e assalta-nos o pensamento de que “qualquer dia ainda andamos a pedir para dar aos Grandes Senhores”.

Nesta labiríntica confusão de pensamentos e emoções, procura-se entender e procurar uma explicação razoável em fonte segura, ou seja, na Caixa Nacional de Pensões, para saber o motivo do corte na mísera pensãozita que nos foi atribuída.

Ao mesmo tempo que se “saca” a respectiva senha para o atendimento, depara-se com uma sala cheia, levando-nos a imaginar que afinal não somos só nós a querer explicações e que os atingidos pela “fruta” são aos milhares.

Só o tempo de espera da nossa vez num ambiente carregado e triste, leva-nos a pensar que a poluição da rua, a chuva, o vento e o frio, seriam um melhor refugio para este desencanto.

Mas nem tudo está perdido e no meio de tudo isto surge um funcionário que trabalha como segurança e que pela experiência do seu dia-a-dia presta algumas informações úteis, explicando como se preenche a folha onde deve constar “o local do crime” (em sentido figurado), com a indicação dos escalões de cada pensão, etc.

Logo ali o mistério fica desvendado e neste vai-vem de algumas horas de espera a chamada aguardada com tanta ânsia logo se esvazia, porque a justificação do corte deve-se ao aumento no escalão e por isso a diminuição da pensão, sendo o resultado da conjugação da Lei, com o Decreto-Lei aprovado em mil novecentos e troca o passo, tendo em consideração a Portaria e o Despacho de dois mil e não-sei-quantos.

Estupefactos com estas informações (do segurança), pergunta-se então se a via dos correios não funciona e se os pacatos cidadãos não têm o direito antecipadamente a uma explicação clara e transparente que lhes permita fazer contas à vida, já que protestar de nada lhes vale.

E não venham dizer que os meios de comunicação são complicados, já que o plano tecnológico, tal como o sol, quando nasce deveria ser para todos.

É esta a FRUTA DA ÉPOCA a que estamos sujeitos e que nos desmotiva, porque os pobres são cada vez mais pobres e os ricos podem sempre recorrer à fruta bem servida e que não apodrece.


Jaime Reis

21/03/2007

FOI HÁ QUATRO ANOS…

Nestes dias em que a baronada do CDS/PP divertiu o país inteiro, mostrando o que é, na realidade, o «charme discreto da burguesia», pensei fazer desta paródia o tema da minha crónica. Mas pus-me a pensar que nem Portas, nem Ribeiro e Castro valem tantos minutos. Que se amanhem.

Poderia, também, atirar-me ao que disse um ouvinte, há oito dias, nada preocupado com a situação na Rhode, pois acha que os interesses económicos são sacrossantos, ao pé dos quais, em consequência, os direitos humanos são coisa de somenos, meros detalhes. Mas esse ouvinte, que faz gala em se dizer de direita, acaba por explicar, melhor do que as minhas palavras, o que há de desumano e perverso nas políticas que defende. Pus, por isso, a ideia de lado.

Foi então que uma crónica publicada no Correio da Manhã e uma pequena notícia me recordaram que a guerra do Iraque começou há quatro anos.

Vamos primeiro à notícia, cujo título é este:

«CONFESSOU ATAQUE A UM BANCO FUNDADO APÓS A SUA PRISÃO»

E lê-se no texto:

«Khalid Shaikh Mohammed, apresentado pelo governo norte-americano como suposto autor dos atentados do 11 de Setembro, confessou o assalto a um banco fundado após a sua prisão. "Fui responsável pelo planeamento, treino, supervisão e financiamento dos ataques ao Plaza Bank, no estado de Washington", disse ele na confissão que lhe foi extorquida no campo de concentração de Guantanamo. A prisão de Khalid foi em 2003 e o referido banco foi fundado em 2006. Com os tratos aplicados pelas polícias políticas de Bush, este pobre Khalid seria capaz de confessar até mesmo o assassinato de Jesus Cristo».

Vejamos se eu entendi bem. O homem está preso pelos norte-americanos desde 2003, o banco só é fundado em 2006, e ele confessa que organizou financiou e supervisionou o assalto a esse banco?! E ainda dizem que em Guantanamo os prisioneiros estão sujeitos a um regime desumano. Más línguas… Até podem, da prisão, organizar assaltos a bancos em plenos EUA!

Muito bem. Mas fez ontem quatro anos que os EUA invadiram o Iraque. O pretexto para a invasão, conforme se lembram, foi o de que Saddam Hussein apoiava o terrorismo internacional, em geral, e a Al Qaeda, em particular, para além de ter um arsenal de armas de destruição maciça capaz de pôr em perigo toda a civilização ocidental.

Hoje, quase todo o mundo sabe aquilo que muitos de nós já sabíamos na altura: tais pretextos não passaram de um conjunto mal amanhado de mentiras reles e grosseiras, apoiadas em «provas» toscamente fabricadas, e que o objectivo imediato da invasão foi o de deitar a mão aos imensos recursos petrolíferos existentes no Iraque. Sabemos, para além disso, que a invasão do Iraque se enquadra numa estratégia global de dominação do mundo por parte dos norte-americanos, única maneira de poderem alimentar o seu sistema económico-financeiro, altamente dependente da sangria que, a bem ou a mal, praticam sobre o resto do planeta, e a que podemos chamar, com todo o rigor, «colonização global».

Em consequência directa da invasão do Iraque, já morreram mais de 650 mil iraquianos, entre militares e civis (homens, mulheres, crianças, idosos) e as tropas invasoras, só em baixas confirmadas pela coligação, já vão nos cerca de 3.500 mortos, na sua grande maioria norte-americanos. A somar a isto, há os soldados que morreram já depois de regressados aos EUA ou aos seus países, mais os estropiados, mais os que, afectados psicologicamente, deixaram de ser, para sempre, pessoas com uma vida normal. E há o pessoal civil norte-americano e de outras nacionalidades, designadamente mercenários e outros aventureiros, usados em funções de segurança, cujas mortes não são divulgadas nem constam das estatísticas.

Há dias, José Saramago lembrou a Cimeira das Lajes, onde foi dado o tiro de partida para a guerra, considerando-a «ridícula» e «grotesca». Devo dizer que o escritor nem foi tão contundente como poderia ter sido. «Ridícula» e «grotesca» é o mínimo que se pode atirar ao triste episódio que teve Durão Barroso como lacaio-mor, enquanto Bush e Blair, como fhurer e vice-fhurer, respectivamente, deste sinistro e dissimulado IV Reich, carimbavam as coordenadas do genocídio.

Apesar de todas estas evidências, que os últimos quatro anos abundantemente confirmaram, alguns escribas ainda por aí se vão empenhando em esgotar os neurónios para justificarem o crime. Empertigados nas suas colunas de opinião, acomodados nos estofos que os impérios sempre reservam para estas figuras, consolados com os muitos ordenados mínimos que acumulam só para dizerem o que dizem, de tal modo – e tão vigorosamente – se espremem, que se lhes esgota o miolo e a lucidez. Por isso, não se aperceberem do ridículo das suas teses e da vacuidade dos seus argumentos.

É o caso de um certo Alberto Gonçalves, esforçado admirador/servidor do império, que no Correio da Manhã alinhavou, a propósito das afirmações de José Saramago, coisas destas: «À primeira vista, a condenação da guerra no Iraque atingiu uma espécie de consenso universal. O sintoma não está nos protestos organizados, na maioria provenientes do caldo ideológico que criou Saramago. O sintoma está nas próprias reportagens dos protestos, que eliminaram o espaço para as dissidências e as hesitações a fim de decretar: a guerra foi um erro. Um erro e, segundo concluiu esta escola de isenção jornalística, uma deliberada mentira».

Concluiu-se que, para cronista, as notícias das manifestações contra o Iraque deveriam merecer, por parte dos jornalistas que cobrem esses factos, um conveniente comentário laudatório das teses que justificaram a invasão. Ou seja: a repetição das mentiras que conduziram à guerra, propaladas por Bush e Cia., mentiras que, aliás, já foram publicamente admitidas pelos seus autores, coisa que o cronista não sabe, ou prefere dar de barato.

Deslumbrado com o seu brilhante raciocínio, continua o clarividente cronista: «Por estes dias – diz ele – dez minutos de um qualquer noticiário resumem a matéria com catedrática confiança. Após dez minutos, o espectador médio repete convictamente a tese da mentira (ao invés de Bush, o sr. Blix não mente) e as teses adjacentes: Saddam não representava nenhum perigo para o Ocidente».

E mais adiante: «Parecem-me demasiadas certezas. Eu só tenho duas: 1) não gostaria de viver sob os sagrados preceitos islâmicos; 2) apenas a América é capaz de combater a ameaça que o islamismo pendurou sobre as nossas tolerantes cabeças».

Se bem percebi a prosa, entende o cronista Alberto que Bush pode – ou não – ter mentido, mas que o senhor Blix (que era o chefe da equipa de inspectores que as Nações Unidas tinham no Iraque para verificar da existência de armas de destruição maciça), também podia estar a mentir ao concluir que nenhuma arma dessa natureza foi encontrada no país. Isto é: afinal, as armas sempre podiam existir, e Saddam queria invadir os países ocidentais, eventualmente liderando uma vasta coligação islâmica, destinada, antes de mais, a impor os seus preceitos à cristandade.

Coitado do Alberto! As coisas que ele sabe! O pior, no entanto, é aquilo que ele não sabe – ou finge não saber, o que seria muito, mas mesmo muito feio.

Não sabe, por exemplo, que o Iraque era um exemplo de tolerância religiosa, onde vários credos conviviam – incluindo o católico – sem problemas de qualquer espécie. A menos que, para ele, a comunidade católica e as suas igrejas sejam uma criação dos norte-americanos. Não sabe, também, que o Iraque já era dos países mais ocidentalizados da região, onde as mulheres podiam vestir-se e agir como quisessem, coisa que, por exemplo, não acontece no Koweit ou na Arábia Saudita, onde vigoram rigorosos regimes feudais, machistas e profundamente antidemocráticos. Não sabe que já é pacífica e universalmente aceite que o Iraque nunca esteve relacionado com o chamado terrorismo internacional – e, principalmente, que não mantinha ligações à Al Qaeda. Não sabe que, militarmente, o Iraque não representava um perigo real para nenhum país, e que só representou esse perigo enquanto os EUA o armaram e atiçaram contra o Irão, na ressaca da queda da ditadura do Xá, Reza Palehvi, o ditador tirano – e, como nós sabemos, grande amigo dos norte-americanos.

Não sabe, finalmente, que não é o mundo islâmico que pretende impor os seus dogmas ao pobres e desprevenidos ocidentais, mas que são os EUA, à frente – e em nome – do civilizadíssimo e cristão mundo ocidental, que impõem o seu domínio (militar, económico e cultural) ao resto do mundo – mundo islâmico à cabeça.

Na realidade, não é o mundo islâmico que tem centenas de bases militares espalhadas por todo o globo, tal como não é o mundo islâmico que invade países na Ásia, em África, na América Latina, ou na Europa. Não é o mundo islâmico que dispõe de um arsenal de armas de destruição maciça, capaz de destruir várias vezes o nosso planeta (como se uma não bastasse…). Tal como não foi o mundo islâmico que lançou duas bombas atómicas sobre centenas de milhares de civis japoneses, nem bombardeou – até com armas químicas – durante anos a fio, os campos e as cidades vietnamitas.

Diz, então, este Alberto, na sua rechonchuda crónica, que não gostava de «viver sob os sagrados preceitos islâmicos». Mas gosta, pelos vistos, que o resto do mundo viva de acordo com os preceitos sociais, políticos e económicos made in USA, e impostos – se tal for preciso – a ferro e fogo. Seria – esta crónica a que me venho referindo – uma bela manifestação de neocolonialismo serôdio, se não fosse, antes de tudo, um magnífico exemplo do que pode produzir uma mentalidade decisivamente vassala.

Quanto a mim, porque quero viver num mundo de paz e liberdade, onde os homens e os povos se respeitem nas suas diversas opções e culturas, e onde os povos e os seus governos cooperem no respeito pela independência de cada um, sou dos que se manifesta contra esta guerra, esperando que os EUA saiam ainda dela mais humilhados do que saíram, há décadas, do Vietname.

Porque, meus amigos, é mais fácil cair-nos em cima uma bomba norte-americana, ou alguns de nós sermos «democraticamente» metidos num avião da CIA, rumo a Guantanamo, do que sermos obrigados a rezar a Alá cinco vezes por dia.

Não acham?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/03/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

14/03/2007

ENTREGUES À BICHARADA

Leio no Diário de Notícias:

«Privados abrem clínicas onde Governo fechou centros de saúde.

Três grupos privados e a União das Misericórdias Portuguesas são as entidades privadas e da rede social que já puseram em marcha um ambicioso programa de abertura de unidades de saúde que pretendem ocupar o vazio deixado pelo Estado ao fechar urgências, centros de atendimento permanente e maternidades.

Mirandela, Espinho e Cerveira são as três localidades onde já está prevista a abertura de novas unidades de saúde, depois de o Ministério ter anunciado a intenção de desinvestir. Enquanto tal não se verifica, na Mealhada, a Misericórdia local inaugurou recentemente o serviço de urgências, assim como em Vila do Conde – cujas urgências deverão encerrar, segundo o previsto pelo relatório técnico do Ministério da Saúde – e onde também funciona há um mês o atendimento permanente na Misericórdia local.

As misericórdias têm sido as mais activas instituições a procurar colmatar as lacunas da rede pública. Na continuação do que tem sido a filosofia destas instituições, novos serviços de saúde, para além dos que já foram anunciados, poderão surgir nas áreas onde o ministério encerrar valências. A posição destas instituições da rede social com uma longa presença no sector da saúde, depende também do que vier a ser o futuro do serviço público em Portugal.»

E, mais à frente, diz o DN:

«A banca é, actualmente, dos sectores da actividade económica mais activos em investimentos no domínio da saúde. E está, para já, presente em todas as anunciadas intenções, por parte de grupos privados, de investir em zonas que o Ministério da Saúde se prepara para deixar. É o caso dos privados da Hospor, detido pelo grupo BES Saúde, e da Rede Nacional de Saúde Privada, que estão no terreno para ocupar o espaço que o ministério deixa vago, respectivamente, no Vale do Rio Minho e em Mirandela.

Outras empresas privadas poderão também vir a beneficiar desta nova política no Ministério da Saúde, como é o caso do grupo Mello, que tem previsto, ainda este ano, abrir uma clínica em Torres Vedras "com atendimento permanente". Esta é uma cidade cujo hospital deverá receber um acréscimo significativo de afluência, em virtude do encerramento das urgências de Peniche. O que poderá, por isso, suscitar procura por um serviço mais diferenciado e personalizado como o que o grupo privado pretende oferecer».

Isto li eu no DN de ontem. E não vale a pena acrescentar mais nada, pois na singela objectividade da notícia está desmontada toda a política do Governo a que chamam socialista e, por alcunha (certamente irónica), de esquerda. Uma política que mete no bolso do poder económico aquilo que retira ao bolso e à saúde das populações. E, neste caso, que obriga os portugueses a pagar aos senhores capitalistas, aquilo que já pagaram com os seus impostos, ou seja, o direito a uma Saúde «tendencialmente gratuita», como determina a Constituição da República Portuguesa.

Também aqui no Seixal, o governo decidiu encerrar os SAPs de Amora e de Corroios, atirando para o Centro de Saúde do Seixal – a rebentar pelas costuras – e, automaticamente, para o Garcia de Orta (que já nem costuras tem) a responsabilidade de satisfazerem, no campo da urgência, uma população que ronda, só naquelas duas freguesias, as cem mil pessoas.

Curiosamente, as populações de Amora e Corroios não fizeram aqui o que vimos fazer por esse país fora, onde as pessoas, lideradas pelos seus eleitos autárquicos (alguns deles militantes do próprio PS, como foi o caso de Valença) encheram ruas e praças e forçaram o senhor ministro da Saúde a um recuo apressado. O que aqui vimos, foi apenas um triste arremedo de manifestação, uma coisa chocha e desenxabida, aparentemente feita para que não se dissesse que não se fazia nada. Na verdade, nem outra coisa seria de esperar de uma acção convocada tarde e a más horas, com poucos meios e mal divulgada, e onde, principalmente, não houve o «toque a reunir», o «rebate dos sinos» agitados por uma autarquia a quem competia, antes de mais e acima de tudo, colocar a faca nos dentes e vir para a rua dar a cara e a voz em defesa dos serviços públicos e das suas populações.

Realmente, não posso deixar de considerar estranho (no mínimo) que a autarquia e as forças políticas predominantes neste concelho não tenham assumido um papel activo e dinamizador das populações na defesa de equipamentos e serviços essenciais à sua qualidade de vida, ao seu bem-estar e à sua segurança. No entanto, pergunto-me se devo estranhar ou, pelo contrário, devo concluir que este facto mais não é que a consumação do divórcio que há muito se esperava, dado que os políticos locais são alérgicos a tudo o que cheire a misturas com as chamadas massas populares, das quais se têm progressivamente afastado.

Fale-se-lhes em reuniões, encontros, simpósios, seminários e outras iniciativas de salão, com as individualidades muito bem perfiladas na mesa – e cujas fotos, sempre iguais umas às outras, constam, obrigatoriamente, das páginas do Boletim Municipal – e aí os temos a botar discursos (tal como as fotos, também sempre iguais, monocórdicos, repetitivos, gastos, bacocos e pirosos), falando em novas centralidades, desenvolvimento sustentável, planos estratégicos disto e daquilo, e outra vez o desenvolvimento (mas desta vez sustentado, em vez de sustentável), mais a sustentabilidade e a sustentação. Fale-se-lhes em criar encargos para as próximas décadas (quem vier atrás que se desenrasque, não é verdade?) com a construção dos novos Paços do Concelho e do Parque Oficinal, ou em dotar a vereação com viaturas novas, mas não se lhes fale em obra na rua, no espaço público, que para isso não há cheta e, por isso, é pouca, ou nula. Será isto o tal desenvolvimento sustentado?

Mas a malta é que vai sustentando tudo isto, com novas taxas para o tratamento dos esgotos, destinadas a reanimar os cofres municipais, exauridos por uma política que, em meia dúzia de anos, fez duplicar o quadro de pessoal da Câmara, designadamente com gente – muita gente – para os gabinetes, técnicos disto e daquilo, assessores, adjuntos, conselheiros e, principalmente, conselheiras.

Postas as coisas assim – e é assim que estão – entende-se que estes eleitos fujam do contacto com as populações como o diabo foge da cruz, já que com elas se sentem em dívida. Ou que todos os «contactos» (entre aspas, claro) só se façam em circuito fechado, sendo a «população» (também entre aspas) maioritariamente composta por outros eleitos, mais os tais técnicos, assessores, adjuntos, conselheiros e conselheiras.

E também se compreende que uma população que não vê – nem se revê – nos seus eleitos, que deles só tem notícia pela factura da água e pelas alcavalas que ela esconde – e tudo o mais é uma triste e silenciosa ausência – já não possa responder presente. Principalmente quando o chamamento é nulo. Ou quase. E assim vamos ficando, cada vez mais, entregues à bicharada.

Já agora. Não haverá, aí por Almada, alguém que queira trocar as suas três assoalhadas pela minha?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 14/03/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

11/03/2007

A VIDA É UMA URGÊNCIA ?

Logo desde o início tudo se torna URGENTE e como pêndulo deste desiderato, aqui traço um pouco daquilo que considero ser a linha da vida.

É a menina que rapidamente se transforma em mulher e numa correria, com vontade de ser mãe; são as análises e as ecografias para saber se está tudo bem e na altura mais importante, o nascimento de mais uma VIDA que vem a este mundo, onde tudo se passa a uma velocidade galopante, mas que por muitas vezes fica estagnado com as burocracias, ou melhor dizendo, com a distribuição do bolo em que a maior fatia vai direita para as políticas dos bem-falantes.

A era do silêncio já lá vai e – dizem – vivemos em mais liberdade, mas afinal esta é mais exigente e tão radical que actua mais rápida que o tal “Simplex”, onde não existem modelos e o “ser-humano” fica bloqueado com os tais procedimentos de quem “quer, posso e mando”.

Posso imaginar, para não dizer que tudo se passa sem ser na futurologia, nos locais isolados dos grandes centros que escondem a verdadeira paixão do trabalho, com homens e mulheres, e porque não dizer, adolescentes, que o fazem de sol a sol e já na calada da noite descansam, e nos seus sonhos não imaginam que num outro dia tudo se esvanece, com a debilitada saúde, ficando de mãos e pés atados, pois deixam de ter sossego, para entrar na tal linha que é a URGÊNCIA. E porquê ?

Empanturram-nos com o “não há meios” e nesta telenovela actual, onde todos os canais de informação passam dias a fio os episódios dos Centros de Saúde que fecham, e quer queiram ou não, lá vem a URGÊNCIA e há que percorrer mais outros caminhos, galgando mais e mais quilómetros, na ânsia e desejo de uma simples cura.

Não seria mais eficiente se os coordenadores destas situações, de uma vez por todas dessem mais valor ao sofrimento que percorre do Norte ao Sul de Portugal ?

Mas outras vertentes têm o carácter de URGÊNCIA...

Alguns exemplos, pois todo o cidadão tem em mente as inúmeras dificuldades que este século nos está a dar; são os jovens licenciados que queimaram todas as energias e até monetariamente tiraram o pão da boca aos seus Pais e hoje não são nada; são os profissionais especializados que se viram empurrados das empresas e que depois rastejam neste ar poluído em busca de novos horizontes para poderem sobreviver; são os reclusos que por terem descarrilado na linha do mal querem voltar a ter dignidade e só lhes sobram pequenas migalhas que não dão para saciar a fome e a sede da vida naquele momento.

Muitos pontos de interrogação, mas tudo mergulhará num mar de água salgada que nunca mais terá fim.

A URGÊNCIA é sinónimo de necessidade imediata e o nosso cantinho tão acolhedor não merece tudo isto, porque matematicamente a equação é fácil: existem portugueses de primeira e de segunda.

Ainda há tempo para que o nosso Portugal possa ser uma fonte onde a água seja mais transparente, e principalmente limpa, mas no fundo o que é preciso é mesmo URGÊNCIA.

Jaime Reis

07/03/2007

O NEGÓCIO DA MORTE

Um dia, disse a estes microfones, meio a sério, meio a brincar, que só faltava ao governo privatizar o ar e os cemitérios. Se, no que respeita ao ar, a coisa não avança porque ainda não há tecnologia que lhes permita fazê-lo, já na questão dos cemitérios – pensava eu – acabaria por prevalecer um pouco de decoro e de respeito por quem leva os seus mortos a enterrar e não vai, propriamente, realizar uma transacção comercial. Acreditava que, no país onde nascemos, teríamos reservado – todos nós – o nosso último palmo de terra, uma terra que, por não ser de ninguém, pudesse ser de todos.

Um cemitério, como eu sempre o entendi, é um espaço público destinado a garantir-nos o último dos direitos: o de não ter o corpo lançado aos bichos e onde os entes queridos possam recolher-se e mitigar a sua dor através dos rituais que o luto exige. Um cemitério, para mim – e, certamente, para todos os que me ouvem – é a outra ponta de um linha que, um dia, começou na cama de uma maternidade, competindo ao Estado (que somos todos nós) garantir que possamos nascer, viver e morrer com a dignidade devida a um ser humano (independentemente da sua capacidade financeira), que foi para isso que contribuiu com o seu trabalho e os seus impostos.

A actual gestão dos cemitérios, entregue às câmaras municipais e juntas de freguesia, garante, de forma humana e solidária, esse imperativo decorrente da nossa efémera existência: o de termos o chamado lugar de eterno descanso. Aliás, a gestão dos cemitérios é uma das competências e responsabilidades históricas do poder autárquico, única forma, de resto, de a todos ser garantida uma morada final. Defendo, como homem de esquerda que me prezo de ser, que compete à sociedade que constituímos e que sustentamos – e a que chamamos, de forma abreviada, Estado – compete, dizia eu, a essa sociedade prestar a todos os cidadãos protecção e cuidados que, começando na assistência pré-natal, o devem acompanhar em todas as situações decorrentes do simples facto de ter nascido. Falo, naturalmente, do que é essencial e indispensável a uma vida saudável e digna, como seja o direito à saúde, à educação, ao trabalho suficientemente remunerado, à habitação, a alimentar-se e, naturalmente, à mais inevitável de todas as situações: a morte.

Defendem as pessoas de direita – e defendem-no, hoje em dia, os neoliberais, de que a camarilha socialista no poder é o mais eficaz representante – que tudo deve ser transformado num negócio, existindo o Estado apenas para cobrar os impostos às populações, impostos que, depois, são aplicados apenas para a concretização de investimentos que o sector privado recuse, por não serem lucrativos.

Como as coisas se estão a pôr, um dia destes todo o país, das florestas às praias e aos rios, do ar às águas das nascentes, do subsolo às nuvens, dos caminhos, das praças e das ruas e avenidas aos mais impensáveis recursos naturais, até ao espaço onde havemos de cair mortos, tudo – mas tudo, literalmente – será um imenso espaço e objecto de negócio, isto é, o país será propriedade absoluta de grupos capitalistas, uma espécie de roça gigantesca onde nós, os miseráveis indígenas, teremos, como única razão de existir, a de contribuirmos para a maximização dos lucros dos nossos senhores.

Curiosamente, a Associação Nacional de Municípios já manifestou a sua concordância com a intenção de governo de entregar a gestão dos cemitérios a empresas privadas. Compreende-se. Mas, se com essa transferência, o cheque dos autarcas também diminuísse, dado que passariam a ter menos trabalho e responsabilidades, em vez de acordo teríamos, certamente, inflamadas manifestações de indignação.

Isto tem a ver com uma pouca vergonha maior e mais ampla, que é as autarquias se estarem a libertar das suas responsabilidades de servidores públicos, deixando que os serviços essenciais, que são a razão da sua existência – e das verbas que recebem do poder central – sejam paulatinamente trespassados para a gula dos privados, como acontece já em muitos municípios com o tratamento dos lixos e das águas residuais – vulgarmente conhecidas por águas dos esgotos – e com o abastecimento de água, tornando estes serviços cada vez piores e mais caros.

Nunca a expressão «É fartar, vilanagem!», se aplicou tão bem em Portugal. É que, apesar de se libertarem das suas responsabilidades fundamentais – isto é: de fazerem cada vez menos – continuam a consumir recursos e a endividar-se como se fizessem o mesmo que já faziam – ou mais.

Aqui chegados, talvez se imponham duas perguntas: se a recolha e tratamento dos lixos já está, em muitos municípios, entregue a privados; se a captação e distribuição de águas idem, idem, aspas, aspas; se já existem empresas multimunicipais (entenda-se: prontas a serem privatizadas) que fazem o tratamento das águas residuais; se a gestão urbanística depende dos favores e da vontade dos urbanizadores – e da sua capacidade em untarem e «financiarem» as mãos e os partidos certos – então, para que servem, nos tempos que correm, as câmaras municipais? Só para gastarem recursos como se fizessem o que já não fazem, e garantir belas carreiras e confortáveis reformas aos senhores autarcas?

Uma coisa é certa: a privatização dos serviços públicos representa, em última análise, a venda de cada um de nós a um capitalista qualquer.

Uma nota final. A Câmara Municipal de Almada ainda é, nos actos e nas palavras, a mais honrosa excepção ao que por aí se vai fazendo – ou consentindo. Ela defende, como autarquia – e verdadeira autarquia de Abril – a sua população da fúria devoradora dos interesses privados.

É que nisto, como em tudo, há sempre alguém que resiste…


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/03/2007.
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