03/05/2009

FASCISMO COM ADOÇANTE

Na semana passada, discutimos aqui o 25 de Abril. Gosto do confronto de ideias, das opiniões diferentes, da defesa de pontos de vista antagónicos. Costuma dizer-se que da discussão nasce a luz, e é bem verdade. O que é preciso é que, nessas discussões, apenas participem pessoas sérias e bem intencionadas, como foi, aliás, o caso. Quando assim é, bendita discussão.

Como se lembram, o que estava em causa não era o 25 de Abril e a sua essência, mas o facto de eu dizer que, embora compreendendo as razões das comemorações e dos festejos, não participava neles por considerar que o que resta do 25 de Abril é o direito de votar e alguma liberdade de expressão. E disse que o direito ao voto e a liberdade de expressão ainda existentes, só existem porque não é conveniente, para o poder económico e para o poder político, mancomunados, acabarem com isso. Mas que bem gostariam de o fazer. E disse mais: disse que não hesitarão em limitar ou anular esses direitos quando sentirem que eles poderão pôr em causa o actual estado de coisas, isto é: colocar a economia ao serviço das pessoas. Disse-o há uma semana, como já o tinha dito há cinco anos.

Assim sendo – e no que a mim respeita – não alinho nos foguetórios, pois o meu espírito – o espírito de quem viveu de corpo inteiro o dia 25 de Abril de 1974 e os tempo de esperança que se lhe seguiram – apenas sente o luto pelo que se perdeu e a necessidade de luta contra este fascismo com adoçante que nos governa. E, meus amigos, porque também me recuso a viver de saudades, daqui não saio.

Não saio, também, por um outro motivo. Já pensaram que os portugueses com menos de 45 anos nada sabem do que representou o 25 de Abril, nem o que foi o regime anterior? Que pensarão eles – que vivem numa democracia falsificada, com contratos a prazo, com desemprego, com salários insuficientes, com a corrupção e a fraude a olear as altas esferas do poder económico e do poder político, com uma Justiça que protege os grandes e é implacável para os pequenos, com mais de dois milhões de portugueses a viver em níveis insustentáveis de pobreza, com fábricas a fechar todos os dias, pondo sem trabalho famílias inteiras – sim, o que pensarão eles que festejamos? Isto, ou o que foi, e eles nunca viveram? Ou o que, em boa verdade, nunca chegou a ser, por nunca ter passado de uma bela promessa, apenas em parte – e porque curto tempo – concretizada?

Como posso eu festejar o 25 de Abril, quando os senhores da governação e do poder económico, tão ou mais descarados do que eram os seus equivalentes de antes do 25 de Abril, se enchem à conta do Estado, reservando para si grandes proveitos imediatos e futuros, mas retirando-os, em nome da crise, a mais de nove milhões de portugueses?

Sabiam que o Instituto de Emprego e Formação Profissional divulgou os números do desemprego, e que, de acordo esses dados, o número de desempregados inscritos atingia, em Março de 2009, 484.131, tendo aumentado, entre Dezembro de 2008 e Março de 2009, 68.131, o que significa um aumento médio mensal de 22.709 desempregados? E que, se este ritmo de aumento mensal se mantiver, no fim de 2009, existirão inscritos nos Centros de Emprego mais 272.504 que, somados aos 416.005 que existiam em 1 de Janeiro de 2009, totalizarão 688.509? E que, mesmo aquele número – 484.131 – não corresponde à totalidade dos desempregados existentes no País?

Faço minhas as palavras do economista Eugénio Rosa, que divulgou estes dados, e que afirmou que «o 25 de Abril não se coaduna com tanto desemprego e com a miséria e o medo que gera. Não foi para isso que se fez o 25 de Abril».

A nossa sociedade actual, embora num patamar superior, está tão desigual e injusta como o era antes do 25 de Abril. O povo limita-se a votar – e cada vez menos, porque, com razão, não acredita nos políticos nem no sistema – e os que votam vão lá, na sua maioria, atrás de equívocas simpatias, por fidelidades absurdas, assim como quem apoio o seu clube de futebol.

Os ministros falam de nada – ou só de coisas boas que mais ninguém vê – mas nenhum disse, nem o senhor ministro das Finanças, que no 1.º trimestre de 2009, só as receitas do IRS (e do Imposto Único de Circulação) é que cresceram. Isto significa que só a maioria dos portugueses é que continua a ser sangrada, porque os impostos sobre o trabalho por conta de outrem sobem sempre, enquanto os outros descem.

Tal como acontecia nos tempos da ditadura, enquanto a fome alastra, as grandes empresas vêm os lucros subir em flecha. Veja-se o caso da Galp, que já foi entregue aos privados. Agitam-se bandeiras para dizer que os preços do gás pagos pelas famílias em Portugal vão descer, em média, 4,1% a partir de Junho de 2009, como isso representasse uma grande medida e também um grande benefício para os portugueses. Mas o que não se explica é a situação escandalosa que se verifica no mercado de gás em Portugal, pois as famílias portuguesas continuam a pagar preços muito superiores aos preços da União Europeia.

Não há censura, diz-se por aí, mas (e volto a socorrer-me de Eugénio Rosa) «esconde-se dos portugueses que os preços do gás natural em Portugal, sem impostos, ou seja, aqueles preços que revertem na sua totalidade para as empresas, e que constituem a fonte dos seus lucros, que são pagos também pelas famílias portuguesas, eram muito superiores aos preços médios da União Europeia. E a diferença para mais oscila entre 49,2% e 53,5. Entretanto, o preço do gás natural no mercado internacional, entre 1 de Janeiro de 2008 e 15 de Abril de 2009, passou de 22,96 euros por megawatt-hora para apenas 11,24 euros por megawatt-hora, ou seja, para cerca de metade».

Isto é: ao anunciar, com pompa e circunstância, uma redução média de apenas 4,1% nos preços do gás pagos pelas famílias portuguesas, quando os preços do gás, em Portugal, sem impostos – ou seja, à saída das empresas – são cerca de 49% superiores aos preços médios praticados na União Europeia, e quando, entre Janeiro de 2008 e Abril de 2009, o preço do gás no mercado internacional desceu 51%, o que se está a fazer, objectivamente, é satisfazer os interesses da GALP, dominada agora por grandes grupos estrangeiros (ENI, Sonangol) e portugueses (Amorim), que tem 90% do mercado de gás em Portugal, defendendo a manutenção dos seus elevados lucros. E isto torna-se mais escandaloso num altura de grave crise económica e quando as famílias portuguesas enfrentam dificuldades crescentes. Então, que democracia é esta, que assim espreme o pobre para encher o rico e, como faria qualquer regime fascista, esconde da população os dados que provam a sangria?

Repito, então, a minha afirmação da semana passada: «convictamente vos digo que já nada distingue estes “democratas” dos outros ditadores.»

Ou distingue. Um governante como Sócrates, com o seu passado e as suas trapalhadas, nunca seria ministro de Salazar. Nem, sequer, porteiro.

E está tudo dito.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 29/04/2009.
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