25/10/2006

A GRANDE CALDEIRADA

Escolher, entre os grande portugueses, o maior de todos eles, parece ser a ciclópica tarefa a que a RTP deitou mãos. Um programa desta natureza (cópia, aliás, do que se faz lá fora, já que somos incapazes de produzir coisas boas e originais) tem inerente o risco de misturar alhos com bugalhos e, assim, preparar apetitosas caldeiradas, onde entram condimentos tão variados como ditadores, falsos democratas e democratas a sério, futebolistas e cientistas, fadistas e historiadores, ou médicos, escritores e compositores misturados com toda a espécie de bicho careta que, sem méritos especiais, deu no goto da rapaziada.

Pensando bem, talvez nem se trate de um risco, mas de um objectivo em si mesmo, tendo como útil efeito colateral fomentar a polémica e a zaragata. É assim, afinal, que se conquistam, se distraem – e se educam – as audiências…

Colocar Eusébio ou Amália ao nível de Egas Moniz, Pedro Nunes, Damião de Góis, Saramago ou Gil Vicente, ou Figo, Cristiano Ronaldo e António Variações a par de Domingos Bontempo, Viana da Mota, Freitas Branco ou Eça de Queiroz, tal como incluir, neste petisco, políticos como Salazar, Marcelo e seus derivados (Sócrates é, claramente, um sucedâneo de Salazar), serve, para além de entreter as audiências, levá-las a aceitar a arreata da figura tutelar – as únicas verdadeiramente importantes. Não mereceria, por isso, muitos comentários, não fosse dar-se o caso de, por esse mundo fora, se terem registado resultados «interessantíssimos».

Em França, por exemplo, não foi de entre Victor Hugo, Voltaire, Pasteur ou Descartes – ou, vá lá, Napoleão – que os telespectadores escolheram o maior dos franceses. Mereceu essa honra duvidosa um general de arrecuas, que fugiu a sete pés da França ocupada pelos nazis, e onde só voltou depois das forças hitlerianas terem sido vencidas por uma Resistência heróica, que abriu caminho aos exércitos aliados.

Na Grã-Bretanha, nomes como Shakespeare ou Alexander Fleming perderam para Churchill, que viria, aliás, a ser clamorosamente derrotado nas primeiras eleições que se seguiram ao fim da Segunda Grande Guerra.

Na Alemanha, nem Beethovem, nem Goethe, nem Kant, mereceram a coroa de louros, mas, sim, Konrad Adenauer – outro político contemporâneo.

Nos EUA – país onde nada nos pode ou deve espantar – venceu um tal Ronald Reagan, como podia ter sido Búfalo Bill, Arnold Schwarzenegger ou al Capone, já para não falar do Super-Homem ou do Homem Aranha. Tanto fazia.

Assim, as democracias reinantes (passe a contradição… ou nem por isso) parem e amamentam esta ausência de cultura, esta falta de perspectiva histórica, esta burrice alarve e sem valores, porque é na estupidificação colectiva que o poder político encontra a sua principal ferramenta. É, como li, há dias, num muro: «A melhor arma do opressor é a cabeça do oprimido».

Já que falámos em caldeirada, a semana passada foi, para Sócrates, um grande tacho dela. Santana se chamasse, e logo teríamos aí os cães de fila do PS, com lugar cativo e bem pago na comunicação social, a falar de «trapalhadas» e coisas dessas.

Ele foi o ministro da economia a decretar o fim da crise, e logo a morder a língua com toda a gana. Chamou-se a si mesmo infantil e deu o dito por não dito.

Ele foi o governo, que prometera, em campanha eleitoral, manter as SCUTs gratuitas, e vá de lhes acrescentar umas portagens.

Ele foi o ministro da Saúde (Saúde… salvo seja!) a não saber justificar as novas taxas moderadoras nos internamentos, que afinal já não são isso, mas taxas de utilização, ou coisa que o valha.

Ele foi os médicos internistas a declarem que a rede de urgências que o governo quer impor é muitíssimo insuficiente, e que muitas das novas urgências não passam de SAPs a que se acrescentaram análises e RX.

Ele foi os mesmos médicos a criticarem o facto de os peritos que fizeram o frete ao Governo, ao elaborarem o estudo, terem seguido critérios de capitação de 200 mil habitantes por urgência, quando nos países onde os governos se preocupam um pouco com as pessoas, como a França, por exemplo, o critério é de 110 mil pessoas por urgência. Quase metade!

Ele foi os autarcas (mesmo os do PS) aos gritos pelo fecho das urgências.

Ele foi o secretário de Estado da Energia a dizer que os aumentos de 16% eram, só – e apenas – por culpa dos consumidores.

Ele foi o governo a dizer que não sabia de nada desse aumento, nem tinha que se meter nisso, para, horas depois, sempre ter qualquer coisa a dizer… e lá foi, a correr, reduzir o tamanho do roubo, recuando a todo o vapor.

Ele foi um primeiro-ministro ausente na apresentação do OGE, embora não esteja em gozo de férias, nem no Quénia, nem numa qualquer estância de Inverno, no estrangeiro.

Querem maior caldeirada – ou trapalhada? E depois só o bacano do Santana é que era trapalhão…

Mas está a preparar-se, por aí uma outra caldeirada. Uma grande – enorme – caldeirada.

Pois é. Outubro está ser um mês negro para os invasores norte-americanos no Iraque. Só até ao dia 20, já tinham sido contabilizados 72 soldados mortos naquele país invadido e ocupado há vários anos. Não fosse dar-se o caso de estarmos a falar de vidas humanas estupidamente ceifadas no holocausto de uma guerra imunda, eu diria que foi pena não terem sido 72 mil.

Seja como for, faço força, em nome da Vida, da Liberdade, da Razão, da Justiça e da Paz – já para não dizer: em nome do Direito Internacional, que é coisa que não se aplica a todos, muito menos aos EUA – para que os norte-americanos sofram, no Iraque, um revés maior do que sofreram no Vietname. Aliás, até Bush já reconheceu que o Iraque se está a transformar num novo Vietname. Lerdozinho, mentecapto compulsivo, padecente de acefalia crónica, a repugnante criatura só agora viu – ou a deixaram ver – aquilo que, há muito tempo, muita gente sabia.

Em desespero de causa, vieram agora a Câmara dos Representantes e o Senado dos EUA aprovar a prática da tortura. A partir daqui, quem for considerado suspeito de terrorismo (e os EUA é que dizem quem é – ou não – suspeito disso), fica sujeito a prisão por tempo indeterminado e, durante ela, a ser torturado até confessar aquilo que aos algozes convier.

Passam a existir, assim, duas espécies de tortura, mesmo que sejam iguaizinhas.

A tortura ilegal, ilegítima, imoral e violadora da Declaração Universal dos Direitos Humanos – ou seja: aquela que for praticada por qualquer governo, instituição, grupo ou indivíduo, desde que não afecto ao regime imperial com sede na Casa Branca, Washington;

E a tortura legal, democrática e respeitadora dos direitos do Homem, isto é: aquela que for praticada pelos esbirros norte-americanos, seja no seu território, seja na Europa, seja em qualquer parte do mundo que, como ela – a Europa – esteja sujeito à tutela imperial norte-americana.

Até ver, têm-se calado, hipócritas e canalhas, os governos ocidentais.

Como as coisas estão, com a CIA a voar de país para país, com aviões cheios de suspeitos de terrorismo, vindos ou levados de ou para uma qualquer masmorra ou centro de tortura, sem que os governos locais saibam de nada – ou finjam que não sabem – não tarda nada entram-nos casa adentro, de madrugada (tal como a PIDE usava fazer), meia dúzia de agentes norte-americanos da CIA, essa tenebrosa seita, e lá vão na ramona (hoje será em automóveis negros e de vidros fumados) a caminho de um jacto estacionado na Portela, aqueles que, como eu, abominam a bestialidade ianque – e o dizem em voz alta. Tudo, claro, sem que os governos locais ou as diversas polícias nacionais, pairando distraídas sobre a infâmia, dêem por isso. E não será de estranhar se, mais dia, menos dia, forem mesmo esses governos a fazer o frete, entregando o «terrorista» às masmorras imperiais. Já faltou mais.

Para poupar trabalho e dinheiro aos nossos governantes, dispensando, assim, escutas e ouvidores – pelo menos no que me respeita – daqui afirmo, calma mas convictamente, que estou, sem a menor hesitação, contra aquilo que, para mim, é um claro projecto imperial de dominação do mundo, levado à prática pela administração norte-americana.

Mais: porque considero esse projecto cada vez mais semelhante, nos objectivos e nos métodos, à luta pelo Espaço Vital desenvolvida pelo regime nazi e pelas suas hordas hitlerianas – e que viria a incendiar o mundo entre 1937 e 1945 – sinto ser meu dever denunciar e combater a patifaria por todos os meios ao meu alcance.

E se isto é ser terrorista…


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 25/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

16/10/2006

UMA HISTÓRIA EDIFICANTE

Vozes e conselhos amigos têm-me dito para, nestas crónicas, não bater tanto na mesma tecla, que é como quem diz, para não bater mais no ceguinho. Ou seja: para não estar sempre a fazer do Governo o bombo da festa. Algumas dessas vozes acrescentam que eu deveria falar também das coisas positivas, sem esquecer referências a episódios alegres e bem dispostos. «Farta de tristezas e más notícias está a malta», dizem-me alguns desses amigos

Aliás, eu próprio reconheço que o tema central destas provocações tem sido quase sempre o mesmo, já que, todas as semanas, as políticas governamentais a tanto me obrigam. Sendo eu – como são quase todos os cidadãos deste país – uma vítima diária da governação socialista, que hei-de eu fazer se não remar contra esta maré viva que nos fustiga há anos e não dá mostras de abrandar?

Fingir que este governo não existe? Ignorar que, a pretexto da redução do défice, este país se parece cada vez mais com uma nação da pobre África «subsariana», apesar de se situar a norte daquele continente, e pensando que integrar a UE lhe dá um estatuto de país desenvolvido e moderno? Não reagir ao fecho das escolas, das maternidades, dos serviços de urgência, aos cortes na comparticipação dos medicamentos, à perda do poder de compra que sofre a maioria dos trabalhadores e reformados deste país? Fingir que não sei – ou que não percebo – que o governo nos mente e ilude, enquanto hipoteca o futuro de um país cada vez mais sujeito à voracidade do capital financeiro e dos detentores dos grandes meios de produção?

Bem, já que eu também me sinto descontente com o formato destas crónicas – mas não com os seus conteúdos e objectivos – vamos lá a ver se encontro maneira de dar a volta ao texto e transformar este espaço de provocações em algo mais ágil e menos repetitivo. Sem deixar de provocar.

Por exemplo: contar uma história. Era uma vez uma espécie de governante que julgava que era ministro da Economia, pensando que era, para além disso, inteligente e engraçado. Só não sabia algumas coisas: não era ministro da Economia, não era especialmente inteligente e, também, não tinha graça nenhuma.

E não era ministro da Economia, porque o governo só tinha um primeiro-ministro e metade de um ministro: o primeiro-ministro caracterizava-se por ser muito vaidoso, arrogante e ligeiramente desfocado – e, talvez por isso, a dada altura, confundiu «maioria absoluta» com «poder absoluto». Tanto bastou para se julgar um Luís XIV do Portugal contemporâneo, convencendo-se, ainda, que, se não era um deus, para lá caminhava. O meio-ministro, esse, ocupava-se da pasta das Finanças, e transmitia, em voz grossa, as ordens que o primeiro-ministro lhe dava em tom de falsete, entre maneios e expressões faciais habilmente estudadas e que, apesar de um tanto ou quanto ridículas, ele julgava que eram muito firmes e viris. Ou seja: também seria meio tolinho…

E por aqui se ficavam os ministros, já que todos os outros não passavam de espécies de secretários de estado, salvo o que mandava na Saúde, que, por estar incumbido de reduzir a população e encher os cemitérios, era uma coisa inominável, uma espécie de cangalheiro e agente liquidatário do Serviço de Saúde público, devidamente industriado – e mandatado – pelo sector privado interessado nos negócios da saúde – ou da doença – e da morte.

Depois desta explicação, vamos lá à história do tal totó que pensava ser ministro. Disse ele, numa sexta-feira, dia 13, que a «crise económica tinha acabado totalmente». Quando ouviu isto, o primeiro-ministro que julgava ser rei, ficou verde de raiva, deu vários gritinhos acompanhados de pulinhos frenéticos, e chamou logo o ministro das Finanças para saber se tinha encomendado o recado ao parolo que se julgava ministro da Economia.

«Eu, Majestade?!», indignou-se o Fala Grosso. «Posso não ter a vossa superior inteligência, mas nunca cairia numa asneira dessas. Nem que as contas públicas, em vez de défice, apresentassem o maior «superavit» do mundo! Então, como é que poderíamos, depois, continuar a esfolar os súbditos de Vossa Majestade?». Estava vermelho, debaixo do seu cabelo branco.

«Então, esse indigente desgraçado já pensa que pode abrir a boca e definir as políticas do meu governo?», guinchou, lívido, o reizinho. «É o que dá a certos saloios terem umas câmaras e uns microfones à frente! E logo hoje, que acabámos de aprovar o OGE para o ano que vem, com o qual a plebe vai esticar o cinto até ao osso. Esse gajo que retire já o que disse!», decidiu, num último guincho e assanhando as sobrancelhas, para fazer cara de mau.

E foi assim que o suposto ministro da economia, em menos de 24 horas, veio dizer que, afinal, «Não se decreta o fim de uma crise. Isso é um bocadinho infantil, de quem não percebe nada de economia. O que eu quero dizer é que não é bom falar de crise».

E como o povo daquele país era todo – ou quase todo – muito burro, toda a gente – ou quase toda – percebeu que… não tinha percebido nada, mas também não fazia mal, porque as coisas são mesmo assim, e eles são doutores, estão lá para governar, e lá sabem o que fazem e o que dizem, mesmo quando desdizem, não é verdade?

Agora, que acabou esta história, é que eu vejo que ela não tem graça nenhuma, mas paciência, a nossa história, nos últimos 30 anos, também não faz rir ninguém – a não ser o que já se riam antes de 1974 e mais uma corte de seus filhotes e netinhos, também chamados os novos-ricos.

E já que estamos a falar em história, dou-vos um retrato da França e da época de Luís XIV, o tal reizinho do poder absoluto, que se confundia com o Estado. Descubra as diferenças – ou as parecenças – com o Portugal de hoje.

“Os principais estados europeus passam a preocupar-se com o equilíbrio das contas públicas e da balança comercial, aumentando as exportações e diminuindo as importações. Esta política económica, o mercantilismo, consiste na maior acumulação possível de ouro e prata. Ao mercantilismo correspondeu, politicamente, o absolutismo. Este sistema baseia-se na teoria do direito divino dos reis, e foi levado ao extremo por Luís XIV: o rei detém uma autoridade total e absoluta sobre os súbditos, concentrando em si os poderes do Estado. Há uma sociedade de ordens, estratificada e hierarquizada, em que o estatuto de cada ordem provém da sua condição de nascimento e das funções que exerce. O Clero e a Nobreza eram as ordens privilegiadas (estavam isentos de impostos, recebiam rendas, tinham tribunal próprio). O povo estava sujeito a pesados impostos e outras obrigações para com as classes privilegiadas”.

Adaptação deste texto para os dias que correm:

”Os governos europeus passam a preocupar-se com o equilíbrio das contas públicas, pois é a pretexto desse equilíbrio que podem justificar as políticas restritivas impostas às classes trabalhadoras e aos pequenos e médios empresários. Esta política económica consiste na maior acumulação possível de capitais nas mãos do poder económico. A esta acumulação corresponde, politicamente, a ditadura de fachada democrática. Este sistema baseia-se na teoria do direito divino do rei dinheiro – ou o primado da economia sobre o ser humano – e é levado ao extremo por José Sócrates, que detém uma autoridade total e absoluta sobre o povo, concentrando em si os poderes do Estado. Há uma sociedade de ordens, estratificada e hierarquizada, em que o estatuto de cada ordem provém da sua condição de nascimento, dos padrinhos que tem, do partido a que pertence e das funções que exerce. Os Capitalistas e a Classe Política são as ordens privilegiadas (estão, na prática, isentos de impostos, recebem várias mordomias e rendas, têm tribunais próprios, também conhecidos por Tribunal Passivo e Tribunal das Prescrições). O povo está sujeito a pesados impostos e outras obrigações para com as classes privilegiadas”.

Como se vê, entre o absolutismo de Luís XIV e a democracia absoluta de José Sócrates, as diferenças são muito poucos. E quase todas semânticas.

Gostaram desta crónica? Gostaram?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

15/10/2006

ESTA SEMANA

SÓCRATES É SALAZAR RESSUSCITADO
De acordo com um jornal diário, a manifestação do passado dia 12 contra as políticas do (des) governo socialista que nos calhou na rifa foi das maiores de sempre, havendo até quem, entre os participantes, empunhasse um cartaz dizendo que “Sócrates é Salazar ressuscitado”.
Coitado do Salazar. Já deve ter dado muitas voltas no túmulo por o terem comparado com um primeiro-ministro que se diz democrata mas que na prática é muito mais ditador que ele alguma vez foi.
Salazar podia ter muitos defeitos, mas não pode ser comparado com esta gente que utiliza o compadrio e a mentira para fomentar as injustiças em que vivemos.


SAÚDE
O Ministério da Saúde vai quase duplicar as receitas provenientes das taxas moderadoras cobradas aos utentes no próximo ano, o que será feito através da criação das taxas de utilização - valores que passarão a ser cobrados para internamentos e cirurgias de ambulatório. Contas feitas, Correia de Campos, o inventivo ministro de Sócrates, quer sacar 16 milhões de euros a quem tiver a infelicidade de adoecer e necessitar de recorrer aos Serviços por ele tutelados.
No Jornal Tal & Qual e sob o título “No cobrar está o ganho”, Gonçalo Pereira (não confundir com Gonçalo Castro) dá algumas sugestões para que o patético Correia de Campos possa aumentar as receitas do seu ministério.
Diz ele que se poderia cobrar pela entrada das visitas, pelas refeições dos doentes, pelos banhos que estes tomam, pelas chamadas extra que fazem a enfermeiros ou auxiliares e até pelo consumo energético quando carregam telemóveis no hospital.
Nesta mesma linha de pensamento também eu quero contribuir com algumas sugestões, lembrando-me, por exemplo, que poderia ser cobrada uma taxa pela utilização de elevadores, macas, cadeiras de rodas ou até das arrastadeiras.
Por ser um luxo, o papel higiénico deve ser pago e as descargas de autoclismo só se dão com a introdução de uma moeda.
Nas cirurgias, para além de uma taxa fixa, também pode ser cobrado um pagamento por cada fracção de hora da anestesia e por cada ponto da sutura.
E se as visitas levarem flores, não se deve deixar de cobrar a utilização das jarras onde são colocadas.


MADEIRA
A troca de piropos entre Sócrates e Jardim está cada vez mais interessante e se não fosse o líder do Governo Regional da Madeira um pouco desbocado em algumas ocasiões, teria agora provavelmente muita gente a dar-lhe razão.
Mas se é certo que a Madeira não pode nem deve ter privilégios em relação a outras regiões, também é verdade que pelos vistos o dinheiro por lá tem sido melhor aplicado, cifrando-se o seu rendimento “per capita” 25% acima da média nacional.
O desenvolvimento da Madeira está à vista e a aposta no turismo como sector estratégico para o crescimento económico é uma realidade.
Das redes viárias às infra-estruturas básicas, de que a Madeira era mais deficitária que o continente, Jardim tem conseguido implantá-las e melhorá-las, criando assim condições para o aumento substancial de investimento na hotelaria e restauração, assim como em empresas subsidiárias a esta actividade, com o consequente aumento da oferta de emprego.
Se for feita uma análise séria, facilmente se chegará à conclusão que não sendo o Governo Regional da Madeira um espelho de todas as virtudes, pelo menos é de longe muito melhor que qualquer Governo Central nos últimos 30 anos.
Por muito que se fale e se tente especular com os sucessivos resultados que Jardim obtêm em todas as eleições, o que é certo é que a maioria dos madeirenses o apoia, reconhecendo o trabalho que tem sido feito.
A Madeira não pode ser penalizada por se ter desenvolvido mais que outras regiões e por ter aplicado melhor as verbas que lhe foram atribuídas.


ÁFRICA
Vamos vendo nas televisões e lendo nos jornais os dramas de alguns milhares de africanos que tentam chegar à Europa a bordo de pequenas embarcações, com o único objectivo de poderem trabalhar e ganhar o sustento das suas famílias que morrem de fome, enquanto uma desumana Comunidade Europeia penaliza e manda destruir alimentos básicos, quando a produção destes excede as quotas estabelecidas pelos senhores instalados luxuosamente em Bruxelas.
É chocante como estes seres humanos são tratados e recambiados para as suas terras, como se a culpa fosse deles e não de um mundo que os despreza e que não tem a mínima preocupação com as condições em que vivem.
De vez em quando os senhores todo-poderosos lá mandam uns sacos de farinha e arroz para limparem a consciência, esquecendo-se dos milhares de crianças que não chegam a adultos porque morrem por subnutrição.

11/10/2006

INCONVENIÊNCIAS

Gostei do discurso de Cavaco Silva no dia em que se assinalava mais um aniversário da implantação da República em Portugal.

A República é, por definição, um sistema político onde a soberania é do povo, exercida através do voto e da participação cívica activa, cabendo aos que aceitam servir Portugal e os portugueses fazê-lo com honrada competência, isenção, dignidade e transparência, estando-lhes vedado aproveitarem-se dos cargos em proveito próprio. Isto é a teoria, porque a prática – todos o sabemos – é muito diferente.

Cavaco sabe – porque nesta altura da sua vida já não pode ser ingénuo ou ignorante – que a corrupção é, apesar de tudo, o óleo que lubrifica os chamados sistemas democráticos, o isco e o petisco que agiliza os concursos públicos, a fonte de bem-estar onde os agentes políticos e económicos bebem e tornam, assim, suportáveis as agruras da governação ou da gestão empresarial, seja a que nível for. No funcionalismo, dos mais altos cargos até aos mais baixos patamares da administração, sempre que a ocasião se dá, escorrem gotas desse óleo milagroso, que a todos deixa satisfeitos, mesmo aqueles que, por o terem usado de menos, não viram, por agora, os seus objectivos alcançados. Aprenderam a lição e, na próxima, já sabem que devem subir a dose.

Cavaco sabe – porque, se o não soubesse, disso não falaria como falou – que onde há negócio, há corrupção. E que, quanto maior o negócio, mais esse óleo unta e besunta mãos e carteiras, cofres partidários e grandes contas no estrangeiro, de preferência em seguros “off-shores”.

Claro que se trata de um lubrificante caro, caríssimo, que alguém vai ter de pagar – porque não há nada grátis nos tempos que correm – e quem vai pagar a factura, afinal – e no final – é quem comprar o bem ou serviço que tanto óleo fez correr por baixo da mesa. Se foi uma obra pública, ou uma aquisição de bens ou serviços para a administração central ou local, é o contribuinte, com os seus impostos, que o paga, ou, na maior parte dos casos, não tendo aquilo que já pagou, como melhores serviços públicos – e mais baratos – porque a obra ou o fornecimento comeram do orçamento mais do que deviam.

Se a corrupção se dá ao nível do privado, lá vem o preço do bendito artigo ou serviço devidamente inflacionado, o que vai dar no mesmo.

Consta que Cavaco se inspirou no facto de no célebre pacto para a Justiça, celebrado entre os manos PS e PSD, o combate à corrupção ter ficado de fora, assim como quem diz que ninguém é tolo que chegue para ir buscar lenha para se queimar. Está na cara do mais estúpido que nem o PS, nem o PSD, por todas as razões e mais uma, estão em condições de atacar a sério a corrupção, a menos que estejamos aqui a falar da pequena corrupção, a nível dos pequenos servidores do Estado, sejam eles fiscais disto e daquilo, agentes da ordem, chefes de serviço ou pessoas destes patamares de baixo.

E não estão, antes de mais, porque a grande corrupção mora sempre aos mais altos níveis da administração, está inerente às grandes obras e aos grandes negócios, inclui grandes empresas e os mais altos andares do aparelho do Estado. Se perguntarmos, agora, quem tem habitado, nos últimos 30 anos, esses altos níveis, quem teve – e tem – a assinatura mágica, a varinha de condão que decide assim ou assado, ou o poder, até, de legislar ou resolver administrativamente, chegamos sempre a duas siglas inevitáveis, fatais: PS e PSD.

E se assim não fosse, se a coisa não envolvesse sempre, mas sempre, as grandes figuras e instituições da nossa vida económica, política e social, acham que valeria a pena um presidente da República preocupar-se com isso? Cavaco, claro está, não falou á toa.

E ou eu me engano muito, ou a longa conversa que Sócrates manteve com Cavaco, depois da cerimónia, teve muito a ver com isto. É que Cavaco não se dignaria falar da pequena corrupção, ou a corrupção ocasional, mas só da grande corrupção, a institucional, aquela que, sem ela, a máquina emperra e não dá nem mais uma volta. E Sócrates, que de tolo não tem nada, deve ter lembrado a Cavaco, que também já foi primeiro-ministro, como são as coisas na realidade.

Para Sócrates, este foi, sem a menor dúvida, um discurso inconveniente.

Fez mal ao dar o flanco, porque as câmaras de televisão e os jornalistas, por muito vendados e amordaçados que estejam, têm sempre um lado que lhes puxa para a bisbilhotice. Ainda bem.

Para continuarmos no tema, vem à baila o que se passa com algumas obras públicas nacionais, bem como as derrapagens e os atrasos que se verificam na sua execução.

O túnel do Rossio, leva mais de um ano de atraso, e espera-se ainda que a Refer encontre um novo empreiteiro.

O túnel do Marquês, já vai com três anos de atraso, bem medidos, e nem tudo é culpa das providências cautelares.

O túnel do Terreiro do Paço, sem providências cautelares, será inaugurado só em 2007, mas chegou a anunciar-se a sua inauguração por alturas da Expo’98, depois pelo Euro’2004. Agora a derrapagem dos seus custo leva a obra para cima dos 300 milhões de euros, mas o ministro Mário Lino diz que são só 10% a mais do que o orçamentado, o que o deixa muito feliz, pois a Linha Amarela do Metro teve uma derrapagem de… 60%! Bendito país, que tais ministros tem!

O Metro Sul do Tejo, era para estar pronto em finais de 2005, mas a coisa aponta lá para meados de 2007.

A CRIL, no troço Pontinha/Buraca, era para estar pronta em 1996, mas só se prevê que o esteja em 2009. Treze aninhos, bem contados!

Dir-me-ão os optimistas que isto é só incompetência. Eu acho que deve andar aí muita incompetência, disso não haja a menor dúvida. Mas… não andará mais nada?

Vou terminar com a transcrição de um texto da autoria de um amigo meu, chamado, Celino Cunha Vieira, no seu blogue, http://cronicasdoguia.blogspot.com, amigo esse que, como sabe muita gente que o conhece, não está minimamente relacionado com nenhum partido político. Escreveu ele esta «inconveniência»:

«Há dias, ofereceram-me o livro “ÁLVARO CUNHAL E AS MULHERES QUE TOMARAM PARTIDO”, da autoria de João Céu e Silva, publicado pelas Edições ASA, e que foi lançado recentemente na última Festa do Avante. Esta obra é inteiramente dedicada às mulheres comunistas que, na clandestinidade, no exílio ou na prisão, entre os anos 40 e 70, desenvolveram um importante trabalho dentro da organização do Partido em que militavam e militam, tornando-se credoras de admiração, respeito e consideração de todos aqueles que se consideram e são verdadeiros democratas.

Meninas que não tiveram infância e se fizeram mulheres, amigas ou companheiras, sabendo resistir ante todas as adversidades. Meninas que foram mães ausentes e que, pelas circunstâncias, não puderam dar aos seus filhos o amor que tinham. Meninas que, perante os mais variados perigos, eram as primeiras a dar o exemplo de coragem.

Num tempo em que as ideologias políticas andam tão arredadas do mundo em que vivemos, ler este livro deverá fazer despertar algumas consciências, verificando-se que as preocupações e as injustiças anteriores a 1974 continuam na ordem do dia e a necessitarem de um combate constante de todos aqueles que pensam por si próprios e que defendem os valores de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Seria bom que todos os comunistas o pudessem ler. Uns, para que se sintam orgulhosos do seu Partido e de todos aqueles que se sacrificaram para o legar aos mais novos. Outros, para que, deslumbrados pelo poder, sintam vergonha na cara pelos actos que praticam e que nada têm a ver com os exemplos destas MULHERES».

Isto escreveu um cidadão partidariamente descomprometido. Parecendo que não, tem tudo a ver com as minhas provocações de hoje.

Olá, se tem!


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

08/10/2006

ESTA SEMANA

AUDIS E PRIUS
Recebi há dias um mail de um amigo meu, o qual continha um requerimento que passo a transcrever:

”Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses
Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro, eleitor nº 6 da Freguesia de Soalhães, vem expor e requerer a V. Exª o seguinte:
Na reunião da Assembleia Municipal do passado dia 29, ouvi V.Exª afirmar que a partir desta semana iria passar a dispor de um Audi A6. Percebi, das suas palavras, que não se tratava de um acto de vaidade pessoal, mas uma forma de melhorar a imagem do município, pois que a viatura estaria ao serviço do mesmo e não do seu Presidente.
Reflectindo sobre o assunto, lembrei-me de que o Audi do município poderá resolver-me um problema logístico que tenho em mãos.
No próximo dia 13 é o casamento da minha prima Ester (jovem médica) com o David (jovem médico). Pediu-me a minha prima que a transportasse à Igreja, ao que eu anuí.
Lembrei-me então depois, que o meu carro só tem duas portas o que, convenhamos, não é muito operacional para o efeito, sobretudo para entradas e saídas, já que o vestido poderá ficar agarrado e eventualmente rasgar-se.
Foi desta forma que me lembrei que, sendo eu munícipe do Marco e estando o Audi ao serviço do município, seria um acto da maior justiça que eu pudesse transportar a minha prima ao casamento no A6.
Ainda pensei que talvez pudesse requerer a utilização do jeep Toyota, mas temo que os convidados possam gozar a noiva por se deslocar em tal veículo.
Opto, pois, pelo Audi, com a promessa de que o entregarei lavado e com o combustível reposto, dispensando o motorista.
Face ao exposto, requeiro a V. Exª se digne emprestar-me o A6 para utilização deste modesto munícipe no próximo dia 13, durante todo o dia.
Pede deferimento, (Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro)”

Com base neste requerimento, este meu amigo lembrou-se que também aqui no Seixal a Câmara adquiriu uns quantos Toyotas Prius para o Presidente e Vereadores, justificando-se a compra por motivos de ordem ecológica, na medida em que esse modelo é muito menos poluente.
Como este é um assunto que nos deve preocupar e tudo devemos fazer para melhorar o ar que respiramos, não seria má ideia que a Câmara Municipal do Seixal colocasse essas viaturas também ao serviço dos munícipes, passando a emprestá-las nos períodos em que não fazem falta aos nossos ilustres Autarcas.
Para regulamentar essa utilização, a Câmara poderia encomendar um estudo ao Escritório de Advogados do Dr. José Miguel Júdice, tal como o fez para o tarifário da água, pois estas coisas são muito complexas e não podem ser elaboradas internamente por qualquer assessor ou técnico superior especializado na matéria.
Com os Prius ao serviço de todos iríamos melhorar substancialmente o ambiente do Concelho, para além de não deixar essa árdua tarefa e esse grande sacrifício apenas para os nossos eleitos.


SOLIDARIEDADE
Estamos cansados de ouvir falar em solidariedade e em sacrifícios porque só assim poderemos garantir um futuro melhor para os nossos filhos e para os nossos netos.
Durante a 2ª Guerra Mundial e nos anos que se seguiram, já Salazar dizia mais ou menos o mesmo, vindo depois o Marcelo com as conversas em família tentar embalar-nos com falinhas mansas para que acreditássemos numa primavera que nos levaria a ver a luz ao fundo do túnel.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, mas a conversa continua a ser a mesma ao fim de 32 anos desta pseudo-democracia, depois de já nem sei quantos governos e primeiros-ministros terem passado por S.Bento.
Nos dias de hoje continuam a pedir-nos que sejamos solidários, como se isso não fosse uma das principais características dos portugueses, que nunca se negaram a ajudar quem mais precisa.
Para além dos elevados impostos e descontos para a Segurança Social, contribuímos para todas as campanhas nos peditórios que são lançados para tudo e mais alguma coisa, pagamos elevadíssimas taxas aos Bancos para que estes tenham lucros fabulosos, suportamos os ordenados principescos de políticos e gestores públicos para lhes podermos proporcionar a compra e manutenção de uns carritos e de umas casinhas na Quinta da Marinha e na Quinta do Lago, para além de, mesmo perdendo anualmente poder de compra, continuarmos a sacrificar-nos na esperança do advir de dias melhores.
Somos solidários e somos de tal modo pacíficos, que nos contentamos com umas manifestações, umas quantas greves e de vez em quando até temos a possibilidade de votar, para que tenhamos a sensação que vivemos num estado democrático.
Até quando ?

04/10/2006

UM ESPAÇO MORTUÁRIO

Volto a lembrar que rezam as estatísticas que em Portugal existem mais de dois milhões de pobres. E rezo eu que esse número aumenta a cada reunião do conselho de ministros, especialmente quando o ministro da Saúde e o ministro das Finanças têm ideias novas. Nesses dois milhões, mais de duzentos mil vivem em extrema pobreza. Estes números não são inventados, nem palpites, mas resultam da simples leituras dos documentos oficiais, das estatísticas, o que significa, logo à partida, que a situação deve ser muito mais grave.

Se cortarmos isto às fatias, como se fizéssemos um TAC, veríamos que temos mais de um milhão de idosos cujos rendimentos não chegam aos 300 euros mensais, ou seja, menos de 60 contos na saudosa moeda antiga. Desse milhão de idosos desprezados, 30% (ou seja: 300 mil), vivem abaixo do limiar de pobreza, concluiu agora a Associação VIDA (Valorização Intergeracional e Desenvolvimento Activo) que reuniu dados do Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Estatística e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), logo também não são números atirados ao acaso.

Também um estudo do Eurostat (instituição que certos doutores de falas mansas gostam de citar quando lhes convém), elaborado no âmbito do Dia Internacional das Pessoas Idosas, indica ainda que Portugal é dos países europeus onde as pessoas têm menos expectativas de uma vida saudável após os 65 anos.

Aqui chegado, olho para estes números e sinto que alguma coisa não bate certo. Ora, se uns, baseados nas estatísticas oficiais, dizem que cerca de 200 mil portugueses vivem em miséria extrema, e outros, baseados em estudos idóneos e insuspeitos, dizem que, pelo menos, 300 mil idosos vivem abaixo do limiar de pobreza, isto quer dizer que o número de portugueses a viver na miséria é, no mínimo, assustador. Duzentos mil, é coisa que não pode ser, porque só de idosos na miséria temos nós, como vimos, 300 mil. Mas se há, como sabemos, muita gente a viver à míngua que ainda não é gente idosa, bem, temos de ir buscar o bom do engenheiro Guterres para nos ajudar a fazer contas de cabeça. Quatrocentos mil?! Meio Milhão?! Não me atrevo a dizer outra coisa que não seja: no meu país, há centenas de milhares de pessoas com fome.

Bom, mas isso tem pouca importância porque, como sabia o nosso Almeida Garrett, são sempre precisos muitos pobres para se conseguir fabricar um rico. Logo, quanto mais pobres e miseráveis existirem em Portugal, também mais ricos teremos, e nós sabemos como os ricos são necessários à economia. Não pelos impostos que pagam, já que grande parte dos seus rendimentos não é colectável. Não pela excelência da sua capacidade empreendedora, pela inovação e genialidade que, como empresários e gestores, imprimem às empresas de onde só pensam (benza-os deus!) retirar muito lucro – e o mais depressa possível. Não porque tenham levado o país a vencer as dificuldades, pois a actividade produtiva, da indústria, às pecas, das pecas à agricultura, está, há muito, em recessão.

Vá lá, que os serviços – com destaque para as actividades financeira e seguradora – vão de vento em popa, embora daí não venham sardinhas nem peixe-espada preto, pescada, carapau ou tamboril, mas não faz mal, que tudo isso vem de Espanha. Os bancos também não põem ovos, não dão leite, não produzem maçãs, laranjas ou beringelas, mas que importa, se podemos importar quase tudo o que comemos? O que importa é que o capital financeiro tenha lucros, muito lucros, mesmo que o país não produza nada e se vá transformando, pouco a pouco, num estado parasita, uma espécie da Tailândia ocidental, vendendo sol, praias, meninos e meninas.

Por falar nisto – em serviços – parece que as prostitutas (que, legalmente, não existem no nosso país) vão dar origem a mais receitas fiscais. Acho bem. Aliás, todas elas deveriam ter o estatuto de empresárias, já que muitas são industriais do sexo, trabalhando por conta própria, com escritório montado a anúncio nos jornais de grande tiragem. Talvez comecem a passar recibos verdes.

Como as classes sociais existem, por muito que o neguem os papagaios da globalização, também as há na prostituição. Por isso, temos que grande parte das prostitutas trabalham por conta de outrem, sejam, num caso, os «empresários da noite», sejam, noutros casos, os respectivos proxenetas, para não utilizarmos a designação comum: chulos. Se falarmos das imigrantes a coisa é ainda pior, pois dependem de vários parasitas ao mesmo tempo.

É claro que o governo não diz que vai colectar as prostitutas, porque, legalmente, elas não existem: diz que vai taxar as actividades ou negócios que envolvem a mais velha profissão do mundo, o que vai dar ao mesmo.

Mas o que reflecte esta ânsia fiscal não é qualquer intuito moralizador, porque, se o fosse, os lucros gerados na especulação bolsista seriam colectados e a taxa de IRC aplicável aos bancos não seria a ridicularia que é. Reflecte, isso sim, o desespero de quem vê no horizonte o fracasso das suas políticas e recorre a todos os meios para adiar o inevitável. Quando já não for possível tirar nem mais um cêntimo aos portugueses que ainda trabalham, aos pensionistas, aos pequenos e médios empresários, enfim, quando isto tudo se assemelhar a um imenso espaço mortuário, salpicado, aqui e além, por casinos e bordéis, Sócrates fará como Guterres ou Durão, porque esta gente tem sempre um esquema de fuga bem preparado e melhor remunerado.

Na Hungria, porque um primeiro-ministro confessou ter mentido ao eleitorado, as ruas encheram-se de protestos, como se mentir, em política, fosse outra coisa para além de uma ferramenta indispensável ao caçar de votos e, depois, à manutenção do poder. Se os portugueses reagissem com violência às mentiras que os políticos lhes pregam (já para não falar das habilidades semânticas e técnicas do senhor governador do Banco de Portugal…) tumultos seriam o pão-nosso de cada dia.

Veja-se, por exemplo, a diferença entre o discurso «tecnológico» de Sócrates e o que se passa nas escolas. Na realidade, nove em cada dez escolas portuguesas têm acesso à Internet, mas o país está na cauda da Europa em termos do número de computadores nos estabelecimentos de ensino, segundo um relatório da Comissão Europeia divulgado esta sexta-feira. De acordo com o documento, que analisa o uso de computadores e Internet nas escolas em 2006, 92 por cento dos estabelecimentos de ensino em Portugal têm acesso à Internet, mas o número de computadores existentes não chega sequer a um por cada 15 alunos. Por cada 100 alunos, existem apenas 5,4 computadores em Portugal, um valor que corresponde a quase metade do registado na média da UE, fixada em dez computadores, e o terceiro mais baixo entre os 27 países analisados, só à frente da Letónia e da Lituânia. Por isso, a Comissão Europeia salienta que «são necessárias medidas políticas em Portugal para alcançar uma drástica melhoria do número de computadores nas escolas e da qualidade do equipamento, assim como das competências informáticas dos professores».

Enfim, neste espaço mortuário que nos aprestamos a ser, dos idosos às crianças, dos trabalhadores aos desempregados, das prostitutas aos reformados, nada escapa à fúria da onda cor-de-rosa.

Sustê-la, é mais do que um dever patriótico: é um simples acto de pura sobrevivência.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

01/10/2006

ESTA SEMANA

INFECÇÕES
Depois do ministro da Saúde ter dito há tempos que uma das causas principais das infecções hospitalares se deve às más práticas de higiene de médicos e enfermeiros, vem agora a Direcção Clínica do Hospital de S.João, no Porto, ameaçar com procedimentos disciplinares para todos aqueles que não lavem as mãos apôs procederem a actos clínicos.
Se isto fosse um País a sério, a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros já deveria ter instaurado um processo crime ao ministro e ao director clínico daquele Hospital, pois não se admite que possa ser posta em causa a idoneidade profissional de toda uma classe, lá por poder haver um ou outro que não cumpre.
A estratégia para as falhas destes pseudo-socialistas já começa a enjoar, porque a culpa é sempre dos profissionais e nunca deles próprios e das suas brilhantes ideias ou falta de condições de trabalho.
O ministro da Administração Interna diz que há maus polícias, a ministra da Educação diz que há maus professores e agora o ministro da saúde diz que há maus médicos e enfermeiros. Mas não dizem que há maus governantes e maus gestores públicos, porque esses fazem parte da “família” e têm de ser preservados.
Se existe algum profissional de saúde que tenha um comportamento reprovável, então que lhe seja instaurado o tal processo disciplinar com vista ao despedimento e até ao afastamento da profissão que exerce, por negligência e manifesta incompetência. Agora não se ponha é tudo no mesmo saco e não venham com a desculpa de que as infecções hospitalares são da sua responsabilidade.
Digam antes que as condições de trabalho são em muitos locais deploráveis e que os profissionais de saúde não podem fazer milagres;
Digam antes que os doentes com variadas patologias infecciosas se concentram em pequenos cubículos transformados em salas de espera e que se contaminam mutuamente;
Digam antes que os blocos operatórios deveriam ter uma pressão atmosférica superior à do exterior, mas porque os aparelhos de pressurização não funcionam, as salas são focos e contaminação;
Digam antes que pela falta de manutenção dos filtros e das condutas, o ar condicionado é um excelente disseminador de toda a espécie infecciosa;
Digam antes que em muitos locais a falta de instrumentos cirúrgicos obriga a uma grande rotação do mesmo e que a sua esterilização nem sempre é a mais recomendada;
Digam antes que a falta de material de penso (que já se faz sentir pelas restrições orçamentais) obriga a que os profissionais tenham de “inventar” soluções para resolverem os problemas que se lhes deparam;
Digam antes que o encerramento de Centros de Saúde vai piorar tudo isto com a concentração de mais doentes em menos locais;
E finalmente digam antes que não têm moral para apontar o dedo seja a quem for, quando as suas principais preocupações são as taxas moderadoras e não a saúde de todos nós.


SONDAGENS
Volta não volta somos bombardeados com sondagens, as quais traduzem na maioria das vezes os resultados que os seus promotores desejam passar para a opinião pública, servindo até de argumento a alguns comentaristas afectos ao poder instituído para dizerem que tudo está bem e que os portugueses até estão satisfeitos com as decisões governamentais.
Nos tempos que correm, nem os mais ingénuos podem acreditar nesta última da Marktest que conclui: “se as eleições legislativas se realizassem hoje o PS teria mais um ponto percentual em relação ao que obteve em Fevereiro de 2005”.
Estas mentiras, de tantas vezes repetidas, qualquer dia até passam a ser verdadeiras. É como o Sócrates: não só mentiu durante a campanha eleitoral, como continua a mentir descaradamente.
Na 5ª feira disse na Assembleia da República que as reformas não iam diminuir. Na 6º feira vem o seu o ministro das finanças dizer que os aposentados da função pública iriam passar a descontar 1% da reforma para a ADSE, desde que recebessem mais de um salário mínimo e meio, qualquer coisa que nem sequer chega aos 120 contos mensais.
Realmente as reformas não baixam: os descontos é que passam a ser maiores e assim a mentira fica encapotada.
Mas o Sócrates diz mais: o crescimento interno continua a aumentar, o desemprego cotinua a diminuir e os grandes investimentos estão quase a chegar. Mas entretanto mais umas quantas empresas continuam a fechar as portas e a mandar mais uns milhares para casa.
Por muita propaganda e sondagens encomendadas, não nos queiram convencer daquilo que está à vista de toda a gente e que se traduz num descontentamento generalizado, excepto para aqueles que, bens instalados na sociedade e em perfeita sintonia com o sistema vigente, dele podem retirar benefícios pessoais e viver desafogadamente e sem preocupações com o seu semelhante.


MULHERES
Há dias ofereceram-me o livro “ÁLVARO CUNHAL E AS MULHERES QUE TOMARAM PARTIDO” da autoria de João Céu e Silva publicado pelas Edições ASA e que foi lançado recentemente na última Festa do Avante.
Esta obra é inteiramente dedicada às mulheres comunistas que, na clandestinidade, no exílio ou na prisão, entre os anos 40 e 70, desenvolveram um importante trabalho dentro da organização do Partido em que militavam e militam, tornando-se credoras de admiração, respeito e consideração de todos aqueles que se consideram e são verdadeiros democratas.
Meninas que não tiveram infância e se fizeram mulheres, amigas ou companheiras, sabendo resistir ante todas as adversidades. Meninas que foram mães ausentes e que pelas circunstâncias não puderam dar aos seus filhos o amor que tinham. Meninas que perante os mais variados perigos eram as primeiras a dar o exemplo de coragem.
Num tempo em que as ideologias políticas andam tão arredadas do mundo em que vivemos, ler este livro deverá fazer despertar algumas consciências, verificando-se que as preocupações e as injustiças anteriores a 1974 continuam na ordem do dia e a necessitarem de um combate constante de todos aqueles que pensam por si próprios e que defendem os valores de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
Seria bom que todos os comunistas o pudessem ler. Uns para que se sintam orgulhosos do seu Partido e de todos aqueles que se sacrificaram para o legar aos mais novos. Outros, que deslumbrados pelo poder, sintam vergonha na cara pelos actos que praticam e que nada têm a ver com os exemplos destas MULHERES.

1997, 2007 © Guia do Seixal

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