06/05/2009

OS MILAGRES DO SANTO CONTESTÁVEL

Nos últimos dias, dois factos mereceram particular destaque nos órgãos de comunicação social.

O primeiro facto, foi a promoção, de beato a santo, de D. Nuno Álvares Pereira, já há muito chamado de Santo Condestável. Não sei se D. Nuno foi santo – ou se apenas agora o é. Confesso que não me interessa. Não são contas do meu rosário – que, por acaso, nem tenho. Que se divirtam muito todos os santos, mais suas santidades, no seu etéreo e improvável reino dos céus. E passem muito bem.

Descendo à terra, onde a fome e a guerra dão cartas (até parecendo que, lá nas alturas, andam deuses e santos muito distraídos), lembrei-me que, por cá, nos dias que correm, voltámos a ter um santo em actividade: D. Sócrates, também designado, pelo povo mendicante, como o Santo Contestável. Como o povo, apesar da míngua, é sempre um grande poeta, já há por aí quem rime contestável com detestável, irritável, comprável, execrável e, finalmente, descartável. E está tudo a ser muito amável…

Este santo, de cujas virtudes nenhum capitalista descrê, tem produzido por aí milagres de pasmar. Um deles, foi fazer desaparecer mais de 250 mil postos de trabalho. Cem mil que desapareceram desde que subiu ao altar, e mais 150 mil que prometeu criar e ninguém sabe onde estão. Outro milagre digno de registo, foi licenciar-se em engenharia sem que ninguém soubesse como nem porquê, mas o mais provável é ter sido fecundado pelo Espírito Santo com todo o saber necessário, razão pela qual até o diploma foi passado ao domingo, dia santo por natureza.

Tão santo é, que transforma os nossos impostos em dádivas aos bancos falidos e fez de um ignorante campónio, ex-caixa bancário, administrador do maior banco privado português. Mas os milagres não se ficam por aqui. Há tempos, conseguiu salvar da ruína uma empresa falida e a contas com o fisco, bastando, para tal que, por inspiração divina – por si, naturalmente, canalizada – os seus confrades vestissem de azul celeste um pequeno computador da Intel, e lhe chamassem Magalhães. Aparvalhado – ou seja: maravilhado – Portugal abriu os olhos de espanto e engoliu a caixa azul sem pestanejar. E ninguém foi preso. Por milagre também, certamente.

Famosos são, também, os milagres da Cova da Beira, onde o negócio do ambiente floresce, enquanto o ambiente, propriamente dito, falece. Ligado a estes milagres está um outro, que impede os tribunais de decidirem sobre as multiplicações das contas bancárias que (tal como Cristo fez com os pães) surgem gordas e repolhudas, não se sabe de onde.

Mas talvez o milagre maior seja o já famoso milagre de Alcochete, que transformou uma zona natural protegida num brilhante espaço comercial, e tudo enquanto o Diabo (salvo seja, cruzes, te arrenego, que estamos a falar de obra do Senhor e dos seus santos!) esfregava um olho. A par deste milagre, anda por aí um outro, ainda a ser investigado pelas autoridades, que se prende com o desaparecimento de 4 milhões de euros, que levaram sumiço mal caíram na caixa das esmolas.

E aqui estamos nós, como outrora, nas mãos de um santo, como o foram o Condestável e os dois Antónios, o que dava cabo das bilhas das moças, ali para os lados da Sé, e o outro, o santo António da Calçada, que dava cabo do coiro a quem não lesse pela sua cartilha.

Segundo facto:

Veio agora São Sócrates, o Contestável – ou, se preferirem, o Detestável – insurgir-se contra o facto de a GCTP e o PCP não pedirem desculpas pelo facto de uns quantos infiéis terem insultado um seu beato, de nome Vital, que apareceu no Martim Moniz para ali abençoar os que, no dia 1.º de Maio, se manifestavam contra o governo.

Parece não saber o Contestável e Detestável homem, que Vital desertou, um dia, do lado daqueles a quem queria agora abençoar, traindo e renegando os valores e ideais que jurava, então, a pés juntos serem os seus. Há quem diga que, em boa verdade, não era uma questão de ideais, mas de lugar no varandim, supondo-se, já então, com direito a sentar-se à direita daquele a quem ambicionava, em breve, substituir. Seja como for, Vital pôs-se a jeito para o martírio, com aquela malícia beata que tem pouco de santo e muito de perverso. Afinal, um lugarzinho no altar europeu, com esmolas fartas e sinecuras convenientes, sempre valia o risco.

Ao fim e ao cabo, o beato Vital prestou-se, para agradar ao Santo Contestável, a fazer o mesmo que um membro da Juve Leo faria se fosse, equipado a rigor, meter-se no meio da rapaziada dos No Name Boys, ou vice-versa. Por isso, de desculpas não precisa, mas, apenas, que lhe reconheçam o frete, ali na Santa Sé do Largo do Rato. Há que beijar os pés a quem nos dá a mão.

Sobre desculpas, andam por aí umas vozes, nada santas, a resmungar blasfémias contra o Detestável e, cada vez mais, Contestável santo, porque ele não só não cumpriu um sem fim de promessas, como ainda lhes retirou aquilo que tinham nos seus parcos baús.

Muitos oraram, há quase quatro anos, no altar de São Sócrates, e hoje estão desempregados, ou em vias disso. Outros, perderam a casa, porque deixaram de a poder pagar. Outros, não conseguem, sequer, arranjar um emprego. Outros, querem ter filhos, mas têm medo da vida, do amanhã. Outros, eram remediados e, hoje em dia, são pobres. As grávidas começaram a parir nas bermas das estradas, nas macas das ambulâncias ou no chão da garagem; outras, vão parir a Espanha. Os doentes morrem às portas de urgências encerradas. Há crianças que palmilham quilómetros até à escola, onde as esperam horas de frio ou calor abrasador, conforme o tempo que faz. Há quem não avie o medicamento necessário, porque a pensão não chega para esses luxos. Entretanto, a Ordem do Santo Execrável nada em abastança e nada falta aos seus acólitos.

Por isso, o rebanho começa a balir protestos ou, no caso dos mais beatos, a engolir em seco. Falta a erva no pasto, mas os membros da Ordem enfardam como gente grande. Quem nos pede desculpas pelo desemprego e pela penúria? E pelos despejos? E por todas as aflições que antes não havia e agora há? E por muitos terem acreditado no santo e, com as suas orações, o terem colocado no pedestal? Quem nos pede desculpas por todos os embustes dos últimos quatro anos? E por tantos sermões enganosos?

Não sou homem de religiões. Por isso, não sou homem de orações. Mas sou um homem de fé. Acredito que as pessoas, as sociedades, têm a capacidade de construir um mundo à medida das suas aspirações e desejos. Basta, para tanto, que se libertem dos que os condicionam e instituem paradigmas que aprisionam mais do que prisões. Que não dêem o poder a quem não está do seu lado.

Esta é, como todas as outras, uma crónica de esperança num futuro sem crápulas, sem corruptos, sem oportunistas. Sem intrujões. É dizer, à minha maneira, que «O que faz falta é avisar a malta!».


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/05/2009.
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