28/10/2008

O ANALFABETISMO ECONÓMICO

CHÁVEZ falou em Zúlia do "camarada Sarkozy", e disse-o com certa ironia, mas sem o querer ofender. Antes pelo contrário, quis reconhecer a sua sinceridade quando, na sua condição de presidente rotativo da Comunidade de Países Europeus, falou em Beijing.

Ninguém proclamava o que todos os líderes europeus conhecem e não confessam: o sistema financeiro actual não presta e é preciso mudá-lo. O presidente venezuelano exclamou com franqueza:

"É impossível voltar a fundar o sistema capitalista, seria como uma tentativa de colocar a navegar o Titanic depois de estar no fundo do Oceano."

Na reunião da Associação de Nações Europeias e Asiáticas, em que participaram 43 países, Sarkozy fez confissões notáveis, segundo os telexes:

"O mundo vai mal, encara uma crise financeira sem precedentes pela sua magnitude, rapidez, violência, e as suas consequências sobre o meio ambiente põem em causa a sobrevivência da humanidade: 900 milhões de pessoas não têm os meios para se alimentarem.

"Os que participamos desta reunião representamos dois terços da população do planeta e metade das suas riquezas; a crise financeira começou nos Estados Unidos, mas é mundial e a resposta deve ser mundial."

"O lugar para uma criança de 11 anos não é a fábrica, mas a escola".

"Nenhuma região do mundo tem lição para dar a alguém." Uma clara alusão à política dos Estados Unidos.

No final recordou perante as nações da Ásia o passado colonizador da Europa nesse continente.

Se Granma tivesse subscrito essas palavras, diriam que se tratava de um cliché da imprensa oficial comunista.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse em Beijing que não se podia "prever a entidade e duração da crise financeira internacional em curso. Trata-se, nem mais nem menos, da criação de uma nova carta constitutiva das finanças." Nesse mesmo dia foram divulgadas notícias que revelam a incerteza geral desatada.

Na reunião de Beijing, os 43 países da Europa e da Ásia acordaram que o FMI deveria ter um papel importante assistindo os países gravemente afectados pela crise, e apoiaram uma reunião de cúpula inter-regional na busca da estabilidade a longo prazo e do desenvolvimento da economia do mundo.

O presidente do governo espanhol, Rodríguez Zapatero, declarou que "existia uma crise de responsabilidade em que uns poucos se enriqueceram e a maioria se está empobrecendo", que "os mercados não confiam nos mercados". Fez um apelo para os países fugirem do proteccionismo, convencido de que a concorrência faria com que os mercados financeiros jogassem o seu papel. Ainda não foi oficialmente convidado à Cúpula em Washington pela atitude rancorosa de Bush, que não lhe perdoa a retirada das tropas espanholas do Iraque.

O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, apoiou a sua advertência sobre o proteccionismo.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, por sua vez, reunia-se com eminentes economistas para tratar de evitar que os países em desenvolvimento sejam as principais vítimas da crise.

Miguel D’Escoto, ex-ministro de Relações Exteriores da Revolução Sandinista e actual presidente da Assembleia Geral da ONU, demandava que o problema da crise financeira não fosse discutido no G-20 entre os países mais ricos e um grupo de nações emergentes, mas nas Nações Unidas.

Existem desacordos acerca do lugar e da reunião onde deve ser adoptado um novo sistema financeiro que ponha fim ao caos e à ausência total de segurança para os povos. Existe grande temor de que os países mais ricos do mundo, reunidos com um grupo reduzido de países emergentes golpeados pela crise financeira, aprovem um novo “Bretton Woods” ignorando o resto do mundo. O presidente Bush declarou ontem que "os países que discutirão aqui, no próximo mês, sobre a crise global também devem voltar a comprometerem-se com os fundamentos do crescimento económico a longo prazo: mercados livres, livre empresa e livre comércio."

Os bancos emprestavam dezenas de dólares por cada dólar depositado pelos poupadores. Multiplicavam o dinheiro. Respiravam e transpiravam por todos os poros… Qualquer contracção conduzia-os à falência ou à absorção por outros bancos. Era preciso salvá-los, sempre à custa dos contribuintes. Fabricavam enormes fortunas. Os seus privilegiados accionistas maioritários podiam pagar qualquer quantidade por qualquer coisa.

Shi Jianxun, professor da Universidade de Tongui, Shanghai, declarou num artigo que publicou na edição exterior do Diário do Povo, que "a crua realidade tem levado as pessoas, no meio do pânico, a repararem que os Estados Unidos têm utilizado a hegemonia do dólar para pilhar as riquezas do mundo. Urge mudar o sistema monetário internacional baseado na posição dominante do dólar."

Com poucas palavras explicou o papel essencial das moedas nas relações económicas internacionais. Assim vinha acontecendo há séculos entre a Ásia e a Europa: lembremos que o ópio foi imposto à China como moeda. Disso falei quando escrevi "A vitória chinesa".

Nem sequer prata metálica, com a qual pagavam inicialmente os espanhóis desde a sua colónia nas Filipinas os produtos adquiridos na China, desejavam receber as autoridades desse país, porque se desvalorizava progressivamente devido à sua abundância no chamado Novo Mundo recém conquistado pela Europa. Até vergonha sentem hoje os governantes europeus pelas coisas que impuseram à China durante séculos.

As actuais dificuldades nas relações de intercâmbio entre esses dois continentes devem resolver-se, segundo o critério do economista chinês, com euros, libras, ienes e iuanes. Não há dúvidas que a regulação razoável entre essas quatro moedas ajudaria o desenvolvimento de relações comerciais justas entre a Europa, a Grã-Bretanha, o Japão e a China.

Estariam incluídos nesse contexto o Japão e a Alemanha ― dois países produtores de sofisticados equipamentos de tecnologia avançada, tanto para a produção quanto para os serviços ― e o maior motor em potência da economia do mundo, a China, com cerca de 1.400 milhões de habitantes e mais de 1,5 milhões de milhões de dólares nas suas reservas de divisas convertíveis, que são em sua maioria dólares e bónus do Tesouro dos Estados Unidos. Segue-se o Japão, com quase as mesmas cifras de reservas em divisas.

Na actual conjuntura, incrementa-se o valor do dólar pela posição dominante dessa moeda imposta à economia mundial, justamente assinalada e rejeitada pelo professor de Shanghai.

Grande número de países do Terceiro Mundo, exportadores de produtos e matérias-primas com pouco valor agregado, somos importadores de produtos de consumo chineses, que soem ter preços razoáveis, e equipamentos do Japão e da Alemanha, os quais são cada vez mais caros. Mesmo quando a China tem tentado que o iuane não fique sobrevalorizado, como demandam sem cessar os ianques para protegerem as suas indústrias da concorrência chinesa, o valor do iuane incrementa-se e o poder aquisitivo das nossas exportações diminui. O preço do níquel, o nosso principal produto de exportação, cujo valor atingiu mais de 50 mil dólares a tonelada não há muito tempo, nos últimos dias apenas ultrapassava os 8.500 dólares por tonelada, isto é, menos de 20% do preço máximo alcançado. O do cobre reduziu-se a menos de 50%; assim sucessivamente acontece com o ferro, alumínio, estanho, zinco e todos os minérios indispensáveis para um desenvolvimento sustentável. Os produtos de consumo, como café, cacau, açúcar e outros, para além de todo sentido racional e humano, em mais de 40 anos apenas incrementaram os seus preços. Por isso, há bem pouco tempo eu advertia igualmente que, como consequência de uma crise que estava ao virar da esquina, os mercados perder-se-iam e o poder aquisitivo dos nossos produtos reduzir-se-ia consideravelmente. Nessa circunstância, os países capitalistas desenvolvidos sabem que as suas fábricas e serviços paralisam-se, e só a capacidade de consumo de grande parte da humanidade já nos índices de pobreza, ou por debaixo deles, os poderia manter em funcionamento.

Esse é o grande dilema que coloca a crise financeira e o perigo de que os egoísmos sociais e nacionais prevaleçam por cima das vontades de muitos políticos e estadistas angustiados perante o fenómeno. Não têm a menor confiança no próprio sistema do qual surgiram como homens públicos.

Quando um povo deixa para atrás o analfabetismo, sabe ler e escrever, e possui um mínimo indispensável de conhecimentos para viver e produzir honradamente, faltar-lhe-ia vencer ainda a pior forma de ignorância da nossa época: o analfabetismo económico. Só assim poderíamos saber o que está a acontecer no mundo.


Fidel Castro Ruz
26 de Outubro de 2008

22/10/2008

NOTAS SOLTAS E UMA CONSTANTE

Com o petróleo a cerca de 70 dólares, quando há três meses rondava os 140, não se vê que os preços dos combustíveis tenham descido na mesma proporção. Sempre rápidas a aumentar os preços à mais ligeira subida do crude, as petrolíferas arranjam sempre desculpas para não os baixar quando o inverso se verifica. Pelo contrário: se ignoram, com o descaramento de quem pode, quer e manda, as constantes descidas, logo se aprestam a aumentar os preços mal se verifique algum aumento.

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que funciona como “almofada” para o pagamento das pensões em caso de dificuldades extraordinárias no sistema, perdeu 3,14% nos primeiros nove meses deste ano, disse o ministro do Trabalho. E perdeu porquê? Porque esse Fundo é constituído, em grande parte, por acções, logo, depende das variações da especulação bolsista.

Como sabemos – e como alguns não sabem – as bolsas de valores nada têm a ver com a economia real, com o verdadeiro valor das coisas, sendo antes locais, como alguém disse, onde os capitalistas tentam devorar-se uns aos outros. Com a crise bolsista que se vive, lá foram à viola 250 milhões de euros, preciosos para garantir as reformas de quem trabalhou toda a vida.

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.

A Organização Internacional do Trabalho espera uma subida de 20 milhões de desempregados. A crise financeira poderá fazer subir de 190 milhões para 210 milhões o número de desempregados no mundo inteiro, até o final de 2009, advertiu o director daquela organização, Juan Somavia.

Também a população de trabalhadores pobres, vivendo com menos de um dólar por dia, pode aumentar em 40 milhões, e a dos que vivem com dois dólares por dia, em mais de 100 milhões, acrescenta a OIT.

Juan Somavia salientou que estas projecções «podem revelar-se por baixo se os efeitos do actual abrandamento do crescimento económico e da ameaça de recessão não forem rapidamente combatidos».

Milhares de postos de trabalho já foram suprimidos em Wall Street e noutros centros financeiros, com a falência de bancos ou fusões na sequência da crise financeira. Mas a OIT adverte que os cortes vão também atingir trabalhadores dos mais variados sectores, como a construção civil, a indústria automóvel, o turismo, os serviços e o imobiliário.

«Não é uma simples crise de Wall Street, é uma crise em todas as streets (ruas). Precisamos de um plano de salvamento da economia para as famílias de trabalhadores e a economia real, com regras e políticas que assegurem empregos decentes», disse.

Em Portugal, a coisa está cada vez mais negra. Até Sócrates já desistiu dos tais 150 mil novos postos de trabalho. O mais provável é termos, até finais de 2009, menos 150 mil postos de trabalho do que tínhamos quando o PS entrou para o governo.

E eu pergunto: mas que se há-de fazer, se estamos nas mãos deles?

Os gestores portugueses determinam para si próprios ordenados e reformas fabulosos, permitindo-se, até, acumular vários ordenados e várias reformas.

Entre eles, está a nata da classe política, já que saltitam dos governos e da Assembleia da República para os cadeirões das administrações das empresas públicas ou privadas, ou vice-versa. No fundo, tratam de tratar das suas vidinhas, não se esquecendo, pelo meio, de fazer a nossa vida negra. Enfim, ganham mais num mês do que um trabalhador com ordenado médio ganha em vários anos.

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.

Em Portugal há, pelo menos, dois milhões de pobres declarados. Há milhares de pequenas e médias empresas, que são as responsáveis pela maioria dos postos de trabalho neste país, com a corda na garganta. Produzem grande parte da riqueza que se produz em Portugal, e não se entretêm a especular na bolsa nem a fazer fortunas nos off-shores. Mas o governo decide apoiar com 20 mil milhões de euros os bancos, para irem pedir dinheiro ao estrangeiro, aumentando ainda mais a nossa dívida externa, que já está em números nunca vistos.

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.

No seu programa Prós e Contras, (pago por todos nós), Fátima Campos Ferreira, convidou Faria de Oliveira, Ricardo Salgado, Carlos Santos Ferreira e Fernando Ulrich, presidentes, respectivamente, da CGD, do BES, do BCP e do BPI.

O assunto era a decisão do Governo de avalizar os tais 20 mil milhões de euros à banca portuguesa, para fazer face à crise. Entre a assistência, viam-se altos quadros da banca nacional, entre os quais se destacavam ex-ministros do PS e do PSD. Todos dos Prós e nenhum do Contra. Foi um programa dos Prós e Prós, e por isso a D. Fátima estava feliz da vida.

Às tantas, lembrei-me do que por aí se disse a respeito dos lucros da banca nacional, prova indesmentível de que se encontra – ou devia encontar – florescente. Então, porque havia de necessitar deste aval do Estado? É que, se bem me lembro, só nos últimos quatro anos, estes quatro maiores bancos portugueses arrecadaram qualquer coisa como mais de 8 mil milhões de euros, em lucros líquidos, à razão de quase 8 milhões de euros por dia. E que, só nos primeiros seis meses deste ano (já em plena crise, portanto), esta gentinha embolsou nada menos que 727 milhões de euros.

Aqui, a nossa querida Fátima Campos Ferreira podia ter perguntado para onde foram parar estes lucros todos, que bastante jeito faziam agora. Tanto mais que esses lucros foram conseguidos à força das comissões, juros, taxas e outras alcavalas que rapam impiedosamente os bolsos das famílias e das pequenas e médias empresas portuguesas. Coitada. Não se lembrou de pergunta tão elementar. Ou lembrou-se que os seus convidados não apreciariam a pergunta…

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.

O novo Código do Trabalho socialista provoca a redução de salários, simplifica os despedimentos, reduz direitos, aumenta a precariedade e o desemprego, põe a vida dos trabalhadores nas mãos da entidade patronal, já que os horários de trabalho serão definidos pelo patrão. Na prática pode ser-se obrigado a trabalhar a qualquer dia e a qualquer hora. O trabalho extraordinário deixa de ser considerado como tal, e passa a ser pago em dias de descanso, colocando as horas trabalhadas num chamado banco de horas.

Mas que se há-de fazer? Estamos nas mãos deles.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/10/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

19/10/2008

O GALHETEIRO

Este governo do “engenhero” Sócrates que se auto-denomina de socialista, não pára de nos surpreender diariamente com excelentes “pérolas” de ideias peregrinas que só servem para nos sufocar cada vez mais.

Uma das últimas veio do ministro da Agricultura e Pescas (qual agricultura e quais pescas?) de seu nome Jaime Silva, que em Beja, entre duas febras de porco preto e um tinto do Redondo, lançou o desafio aos restaurantes para substituírem as garrafas invioláveis por cartas de azeites.

Este iluminado ministro deveria também propor uma carta para a azeitona, uma carta para o vinagre, uma carta para o sal e a pimenta, uma carta para a manteiga, etc.

É o fim do galheteiro!

Que mais terá este bando para inventar?


Celino Cunha Vieira

15/10/2008

A CRISE – ALGUNS FACTOS E A CAUSA

Comecemos por algumas notas soltas:

Após um longo período de expansão, o mercado da habitação entrou em regressão. O número de contratos para compra de casa no segundo trimestre do ano caiu quase 18% em relação ao mesmo período de 2007. Houve menos casas vendidas no Verão de 2008, fruto natural da perda de poder de compra da população portuguesa. De igual modo o montante concedido nos contratos tem diminuído. Apesar do valor médio de cada empréstimo rondar os 96 mil euros, o montante global sofreu uma queda de 15,8% no segundo trimestre, face ao mesmo período de 2007.

Entretanto, vimos uma interessante reportagem na televisão, pela qual ficámos a saber que os imóveis de luxo se esgotam quando ainda estão em planta ou na fase de construção, o que significa que a crise atinge as classes de menores rendimentos, onde a chamada classe média já se inclui de há uns anos para cá, mas não afecta minimamente a dita classe alta, que continua a esgotar mansões e condomínios de luxo.

Também a venda de automóveis está em queda, embora no segmento dos carros de grande cilindrada a crise não se faça sentir…

Face às políticas de contenção salarial, cresce o número de portugueses sobreendividados. Muitos recorrem à DECO para obter apoio a fim de renegociar o pagamento das dívidas aos bancos. Entre Janeiro e Setembro, foram 1.323 as pessoas que recorreram a esta Associação de Defesa do Consumidor. Mais 200 do que em igual período do ano passado. É o valor mais alto de sempre.

O agravar galopante das taxas de juro, o desemprego e a corrosão dos salários são as principais explicações para cada vez mais pessoas falharem as mensalidades. Algumas pessoas que pedem ajuda chegam a ter dez a 15 créditos, e muitas acabam por não conseguir honrar os compromissos e perdem os bens.

Não menos interessante e significativo é o reflexo disto tudo ao nível da fé. Os lojistas de Fátima também se queixam da crise, pois os santinhos, medalhas, imagens e todo o tipo de recordações relacionadas com as aparições ficam nas prateleiras. E até nas igrejas, onde a fé levava os crentes a abrirem os cordões à bolsa, sente-se como nunca a penúria que alastra entre a população portuguesa. Nos últimos dois anos, o total das dádivas e esmolas que as pessoas dão nas eucaristias ou deixam nas caixinhas a isso destinadas, sofreu uma quebra na ordem dos 50 por cento.

Segundo o CM conseguiu apurar, nas missas do último domingo caíram nos pratos e cestos que percorrem as igrejas, em média, menos 30% das esmolas do que no domingo anterior.

Aquele jornal contactou responsáveis pelos conselhos económicos de 37 paróquias das dioceses de Braga (12), Porto (10), Lisboa (10) e Évora (5), e todos disseram que ontem se viveu «o domingo mais negro» dos últimos anos nos ofertórios das missas em Portugal. Afinal, não é só nas bolsas de valores que as coisas se pintam de preto…

Para o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, «é natural que as pessoas, em alturas de crise, cortem também nas oferendas», mas disse que «este não é, de todo, o aspecto que mais preocupa a Igreja. Nós estamos preocupados é com as famílias, com as dívidas que se avolumam e com o desemprego que cresce e dificulta ainda mais a vida», disse o prelado.

Também o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, classificou ontem de «verdadeiros escândalos» os «sistemas de remuneração e gratificação de dirigentes de instituições financeiras», que «contribuíram» para a crise. «O Mundo foi abalado como uma espécie de tsunami, com consequências humanas e económicas e pondo em causa a paz social», referiu o bispo, acrescentando que «as primeiras vítimas inocentes desta crise são os mais pobres e desfavorecidos». Segundo D. António Marto, o sistema financeiro está «desligado da própria economia» e a viver de «práticas especulativas» que «não deixarão o Mundo como até agora».

Aqui chegados, conviria abrirmos os olhos e percebermos a natureza das pessoas que têm conduzido o mundo nas últimas décadas, quer a nível político, quer a nível económico. A uma conclusão chegaremos logo. Não foram, de modo nenhum, os povos, ou seja, os trabalhadores, os reformados, os estudantes, os desempregados, enfim, os milhões e milhões de seres humanos espalhados pelo planeta. Foram os donos do poder económico, os grandes magnatas e, às suas ordens, os políticos que em seu nome governam.

Apesar do tempo não estar para risos, sempre apetece soltar uma enorme gargalhada se pensarmos que esta gentinha, ainda há três ou quatro meses, apenas se dizia preocupada com o preço do petróleo, com a inflação e o défice das contas públicas. Ao mesmo tempo, prometia o crescimento económico, com mais emprego e melhor qualidade de vida e cantava loas ao mercado e à livre concorrência, um e outra tidos como a verdadeira alma da democracia e a panaceia para todos os males. Afinal, aquilo que ontem era sagrado, é, hoje, demoníaco.

Como se esperava, a crise internacional foi para Sócrates autêntica sopa no mel. Afinal, o «engenheiro» e o seu governo estavam a fazer um «bom trabalho» com resultados magníficos, que levariam à recuperação da economia e ao crescimento económico. Mas, agora, uma malvada crise externa imprevisível, de que não tem culpa, veio dar cabo de tudo. Mas qual era a verdadeira situação do país? A que Sócrates apregoava, ou a que os portugueses sentiam e os dados até do FMI, Eurostat e Banco de Portugal mostravam sobre a evolução do nosso país, nos últimos anos?

Segundo o economista Eugénio Rosa, «em 2005-2007, de acordo com o FMI, a taxa de crescimento económico foi pouco superior a 1% ao ano, portanto um crescimento anémico. Para 2008, o crescimento previsto é apenas 0,8%, e de 1% em 2009. E os valores 2008-2009 são previsões que poderão ser ainda corrigidas, tal como aconteceu com as anteriores previsões do próprio FMI, do governo e do Banco de Portugal — pois é cada vez mais evidente que o País caminha novamente para a recessão económica. Nos últimos anos, a taxa de crescimento do investimento foi reduzida. Em 2005 e 2006 o investimento total registou mesmo uma taxa de variação negativa (-0,9% e -0,7%, respectivamente) e nos anos seguintes a taxa foi baixa (2,8% em 2007, e 1,6% é a previsão para 2008 e 2009). O investimento público diminuiu, entre 2004 e 2007, de 3,1% do PIB para apenas 2,4% do PIB. Como consequência, o PIB potencial, que dá o crescimento potencial da economia portuguesa no futuro sem inflação, atingiu valores extremamente baixos. Segundo o FMI, o seu valor diminuiu, entre 2007 e 2008, de 1,5% para apenas 1,2%, o que revela, por um lado, uma degradação crescente do aparelho produtivo português devido ao reduzido investimento realizado e, por outro lado, dificulta, para não dizer mesmo impede que, no futuro, Portugal possa atingir taxas elevadas de crescimento económico. O PIB por habitante, que é o indicador mais utilizado do nível de riqueza, entre 2005 e 2008, diminuiu de 75,4% para 72,2% da média da UE27, e a produtividade, fundamental para assegurar o crescimento económico, baixou no mesmo período de 68,7% para 67,3% da média da UE27. A Balança Corrente do País, que dá o saldo das relações de Portugal com o estrangeiro, tem apresentado elevados saldos negativos. Em 2004, o saldo negativo foi de -10.900 milhões de euros e, em 2008, o FMI prevê que atinja -19.400 milhões de euros, ou seja, praticamente o dobro, o que é indicador da crescente falta de competitividade da economia. Como consequência, o endividamento do País ao estrangeiro atingiu valores assustadores, hipotecando o futuro de Portugal. Entre 2004 e 2008, o valor dos activos portugueses pertencentes já a estrangeiros aumentou de 92.900 milhões de euros para 166.300 milhões de euros (99% do PIB), o que fez que o valor do rendimento gerado no País transferido para o estrangeiro aumentasse vertiginosamente atingindo, em 2008, cerca de 21.868 milhões de euros. Em 2004, cerca de 18% do PIB e, em 2007, o correspondente a 20,5% do PIB foi para o estrangeiro, deixando o País e os portugueses mais pobres. É este o "bom" trabalho realizado pelo governo de Sócrates; é este o estado em que se encontra o País para enfrentar a grave crise que abala o sistema mundial do capitalismo.

Entre 2006 e 2008, as remunerações médias reais em Portugal a nível de toda a economia diminuíram -1,4%. Na Administração Pública, a quebra foi ainda maior pois atingiu -3,8%. As pensões médias pagas pela Segurança Social estagnaram no período 2007-2008, tendo mesmo o seu poder de compra diminuído em 2008 em -0,4%. A parte da riqueza criada no País (PIB) que reverteu para os trabalhadores em "ordenados e salários" diminuiu, entre 2006 e 2008, de 35,2% para apenas 33,3%, ou seja, baixou em 5,4%, agravando-se ainda mais as desigualdades sociais, e as condições de vida dos trabalhadores e dos reformados. É este o "bom" trabalho realizado por Sócrates, e é esta a situação em que se encontra a maioria dos portugueses para enfrentar a grave crise que atinge presentemente o capitalismo, que vai determinar recessão económica, aumento do desemprego e a redução do poder de compra da maioria da população.

Neste momento, Sócrates, como todos os neoliberais que dominam nos media, procura fazer crer que a actual crise financeira resultou apenas de uma deficiente supervisão (veja-se o seu discurso na Assembleia da República), e que basta fazer uns remendos nesta para resolver o problema do funcionamento do sistema. Ora isso não é verdade. A "deficiente" supervisão é inevitável no capitalismo, como prova o que se verifica em Portugal a nível dos combustíveis, da electricidade, do gás, das telecomunicações, etc, cujos preços são superiores aos preços médios praticados na UE. E isto sucede devido ao domínio do poder político pelo poder económico, e à própria lógica do funcionamento dos "mercados", tão defendidos por Sócrates, cuja ganância para obter lucros elevados não olha a meios. Como afirma Alex Jilberto e Barbara Hogenboom no livro “Big Business And Economic Development”, o neoliberalismo que levou a actual crise mundial, foi tornado possível pela política generalizada de privatizações de empresas públicas que atingiu grande número de países.

Portugal não fugiu à regra. Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso e Sócrates, que agora derramam "lágrimas" pelo País e pelas camadas mais desprotegidas da população atingidas já pela crise, realizaram em Portugal uma política de privatizações que levou à entrega das principais empresas públicas ao grande capital privado nacional e estrangeiro. Só em 2007, 12 empresas públicas que foram privatizadas (EDP, PT, GALP, PORTUCEL, BRISA, TABAQUEIRA, CIMPOR, CUF, REN, TOTTA, CP, BES e BPI) deram aos grandes patrões privados lucros superiores a 3.457 milhões de euros. É evidente que se aquelas empresas não tivessem sido privatizadas, por um lado, constituiriam um importante instrumento no combate à crise e, por outro lado, aqueles lucros que foram para os grandes patrões privados teriam revertido para o Orçamento do Estado, dando a este meios financeiros para pôr em pratica uma politica social e de investimento público visando reduzir os efeitos da crise, no lugar das mini-medidas anunciadas pelo governo cujos resultados serão naturalmente reduzidos e insuficientes.

Um dos méritos desta crise será tornar claro a necessidade de inverter rapidamente todo o processo de privatizações. As nacionalizações não podem apenas servir para que sejam os contribuintes a pagar as consequências de uma gestão capitalista ruinosa, de que é também exemplo o Fundo de Garantia de 20 mil milhões de euros, criado pelo governo à custa do Estado para assegurar à banca o pagamento dos empréstimos que esta tenha de fazer, o que revela a fragilização clara da banca fruto da gestão capitalista.

Como contrapartida de uma política que não preparou nem o País nem os portugueses para a crise, afinal o que é que este governo tem para oferecer aos portugueses: apenas a redução não durável do défice orçamental para 2,2% feita ainda por cima num período em que a economia portuguesa estava mergulhada numa prolongada crise, o que deixou o País mais atrasado, fragilizado e desarmado perante uma globalização selvagem dominada pelo capital financeiro».

Termino citando Karl Marx, que deve rebolar-se de gozo lá no sítio onde estiver: «A superprodução é especificamente condicionada pela lei geral da produção de capital: produzir até ao limite estabelecido pelas forças produtivas, o que quer dizer explorar a quantidade máxima de trabalho com o montante de capital dado, sem qualquer consideração pelos limites reais do mercado ou as necessidades suportadas pela capacidade para pagar».

E como dissemos aqui há oito dias, as crises de superprodução estoiram quando os trabalhadores já não podem mais permitir-se comprar toda a multidão de bens que os capitalistas os levaram a produzir. A superprodução conduz a mercados saturados, os quais por sua vez levam a uma queda da taxa de lucro para os capitalistas. Confrontados com uma queda da taxa de lucro, a classe capitalista responde com cortes de salários e despedimentos maciços num esforço para cortar custos.

Estes factores são hoje evidentes com os mercados de habitação por todo o globo abarrotados com milhões de casas não vendidas (e milhões de seres humanos sem casa ou a viver em casas miseráveis) lucros em hemorragia contínua para fora dos bancos e corporações, despedimentos e cortes salariais a continuarem sem pausa.

A crise tem uma causa: chama-se capitalismo. Os factos, esses, são a prova.

Só falta condenarem-se, de uma vez por todas, os criminosos.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/10/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

12/10/2008

SOMOS E DEVEMOS SER SOCIALISTAS

Em 2 de Outubro passado, falei do preço internacional dos combustíveis que estamos a consumir. Tenho a impressão de que, pela sua magnitude, chamou a atenção de muitos dirigentes e quadros.

Em geral, fala-se das percentagens da população que têm acesso à electricidade ou a outros serviços da vida moderna. Esta pode flutuar entre 40%, ou menos, e 60%, ou um pouco mais; irá depender do acesso aos recursos hidroeléctricos ou de outros factores.

Antes do 1º de Janeiro de 1959, quase a metade da população de Cuba não tinha electricidade. Actualmente, com uma população ao redor de duas vezes mais e amplo acesso a essa energia, o consumo multiplicou-se várias vezes.

No nosso país, como em grande parte do mundo — excepto nas nações muito ricas — essa electricidade chega por ar com a utilização de torres, postes eléctricos, transformadores e outros meios, muitos dos quais foram derrubados pelos fortes ventos dos furacões Ike e Gustav em toda a Ilha.

Um artigo do jornal Granma, de María Julia Mayoral, destaca de maneira geral os destroços na rede eléctrica causados pelos dois fenómenos; mas, além disso, acrescenta que, durante a passagem dos furacões, os grupos electrogéneos garantiram a electricidade a "966 padarias, 207 centros de elaboração de alimentos, 372 emissoras de rádio, 193 hospitais, 496 policlínicas, 635 estações de bombeio de água, 138 lares de idosos, e a outros centros fundamentais."

"Essa garantia significa … que, rapidamente, tiveram que ser desmontadas centenas de equipamentos de emergência colocados em entidades de produção e de serviços, com o objectivo de reinstalá-las de maneira urgente em lugares sem conexões com o SEN. Isso foi possível, graças à acção coordenada de brigadas de montagem de vários organismos, empresas de transporte e ao apoio das autoridades locais. Os meios transladados provisoriamente serão levados para os centros de origem quando a situação voltar à normalidade."

As palavras, que transcrevo de forma textual, demonstram o desvelo com que os dirigentes do Partido e do governo, nacionais e locais, se dedicaram a buscar soluções.

O artigo de María Julia intitula-se "Despesas milionárias para fornecer energia à população».

Considero oportuno lembrar que os grupos electrogéneos foram instalados com os objectivos seguintes:

• Garantir serviços vitais como a saúde ou a conservação de alimentos em quaisquer circunstâncias.

• Produções de alimentos industriais tais como pão, leite e outros géneros.

• Garantir fundições de aço, que não podem ser interrompidas porque provocariam grandes prejuízos à indústria.

• Serviços da defesa e informações públicas que não podem faltar em nenhum momento. Basta assinalar os próprios centros de Meteorologia e os seus radares, que acompanham a trajectória dos furacões.

• Geração progressiva de electricidade com consumo mínimo, muito mais eficiente que as termoeléctricas disponíveis.

Ressaltados esses pontos, é necessário lembrar que os grupos electrogéneos vão, desde pequenos motores com potência para produzir 40 ou menos kW/hora, até equipamentos de mais de mil. Às vezes, há que somar vários desses motores, por exemplo, num centro hospitalar com avançado equipamento tecnológico e um sistema de climatização indispensável, que soem ser grandes consumidores de energia.

Tais motores funcionam com diesel e a sua eficiência cresce à medida que aumenta a sua capacidade de geração de electricidade até um ponto determinado. Precisam de óleos adequados, reservas de peças, manutenção, etc.

Um número crescente de grupos electrogéneos são constituídos por motores que são de produção contínua e que consomem outro combustível.

O ideal é que cada centro de produção ou serviços referido receba electricidade do Sistema Electro-Energético Nacional (SEN), com maquinarias mais eficazes que trabalham com fuel oil, de muito menor custo que o diesel, obtido da refinação do petróleo, combustível de crescente uso no transporte de carga e de passageiros, em tractores e outros equipamentos agrícolas.

Quando os grupos electrogéneos que trabalham com diesel se convertem, por qualquer motivo, em geradores de electricidade para as moradias e são submetidos a um regime de trabalho durante 20 horas ou mais, as consequências são negativas. O seu destino principal são as emergências e, no desenvolvimento actual de Cuba, um número reduzido de horas de pique.

De entre os geradores que consomem hidrocarbonetos, nada pode comparar-se com os grupos electrogéneos que trabalham com fuel oil, embora o investimento seja mais custoso. Pelo seu peso e complexidade, não podem ser transladados de um lugar para outro em qualquer momento. Nesse sentido, unicamente são superados pelas fábricas de ciclo combinado a partir de gás, ao qual extraem previamente o enxofre e outros elementos poluentes.

É conveniente salientar a necessidade de que nenhum dirigente esqueça que não se deve perder um só minuto em reintegrar todos os motores que consomem diesel às suas funções em municípios e províncias vizinhas mal acabe a emergência. Temos sério deficit desse combustível, gasta-se demais no país e foi imprescindível reduzir as quantidades demandadas.

A produção e distribuição de alimentos e materiais de construção, reitero, têm prioridade absoluta neste momento. Não somos um país capitalista desenvolvido em crise, cujos líderes enlouquecem hoje, procurando soluções entre a depressão, a inflação, a falta de mercados e o desemprego; somos e devemos ser socialistas.


Fidel Castro Ruz
4 de Outubro 2008

08/10/2008

CAVACO – O DISCURSO INCOMPLETO

No seu discurso do 5 de Outubro, Cavaco Silva recordou que se vivem tempos difíceis e que «novas formas de pobreza e exclusão social» se conjugam com «novas e chocantes disparidades». Traçando um quadro negro da situação económica e social, referiu-se ao desemprego, às reformas baixas, à pobreza, às desigualdades sociais, à subida das taxas de juro e ao fraco crescimento económico como problemas a combater. Dirigindo claramente um recado ao governo, Cavaco disse que «o que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos. Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar». Referiu, também, que «muitas famílias têm dificuldades em pagar os empréstimos que contraíram para comprar as suas casas».

Tratou-se de uma visão realista da realidade nacional, contrária à visão cor-de-rosa que o governo socialista vai distribuindo nas suas constantes acções de propaganda. Claro que Sócrates assobiou para o lado, como se nada daquilo fosse com ele.

Porém, Cavaco podia ter ido mais longe. Podia ter dito, por exemplo, que se a situação chegou ao que chegou, tal se deve às políticas de direita aplicadas ao longo de vários anos, todas elas de proteccionismo ao grande capital e de sangria das classes trabalhadoras, tudo dentro da mais perfeita lógica capitalista, na versão neoliberal actualmente em curso.

Cavaco devia saber que o capitalismo é uma doença e que as crises são, apenas, um sintoma dessa doença. O capitalismo é um sistema económico que dá origem a conflitos implacáveis e destruidores, seja na produção e distribuição de bens e serviços, seja na gestão e aproveitamento do sistema financeiro. Em suma: é a lei da selva. O capitalismo, que vive da exploração máxima da força do trabalho, acaba, também, por arrastar os trabalhadores para as lutas que os capitalistas travam entre si, e a que chamam competição. Os resultados estão à vista. Falências, desemprego, baixos salários, péssimas reformas, descalabro económico. A crise, em suma.

Nas últimas décadas, várias foram as formas que os grandes empresários utilizaram para travar a subida dos salários reais dos seus empregados. Uma delas, que nos últimos anos afectou particularmente Portugal, chama-se «deslocalização de empresas», levando-as para regiões onde os salários são mais baixos, ou aproveitando a entrada de imigrantes com salários mais baratos e sem quaisquer direitos. A introdução de novas tecnologias foi sabiamente usada para reduzir postos de trabalho e obrigar a que os trabalhadores, à míngua de emprego, aceitassem trabalho a qualquer preço, mesmo que fossem produzidas cada vez mais mercadorias para venda.

Os resultados eram previsíveis. Por um lado, os lucros das empresas subiam, já que, afinal de contas, os trabalhadores produziam cada vez mais sem receberem mais por isso. Mas, por outro lado, após alguns anos, os salários estagnados dos trabalhadores demonstraram-se insuficientes para lhes permitir comprar a crescente produção do seu próprio trabalho. Tendo em atenção a natureza do capitalismo, os donos das empresas, incapazes de vender tudo o que produziam, recorrem aos despedimentos como tábua de salvação. Obviamente, isso só agravou o problema.

Então, qual foi a maneira encontrada pelo capitalismo para ultrapassar a crise? O recurso ao crédito pelas classes trabalhadoras. Ou seja: o endividamento maciço. Uma vez que o poder de compra dos trabalhadores não lhes permitia comprar o que era produzido, a solução para vender o que se produzia era emprestar aos trabalhadores o dinheiro para comprar mais. E assim ganhavam em três carrinhos: continuava a política de baixos salários, vendia-se o que se produzia e ainda se ganhavam fortunas com os juros dos empréstimos concedidos. Que maravilha!

Na vertigem do lucro rápido e fácil, pouco importava aos acumuladores de riqueza a mínima análise sobre as consequências, a curto prazo, desta aventura. Mas era fácil de prever. Em breve, milhares de famílias ficaram sem capacidade para pagar as suas dívidas, o consumo voltou a retrair-se, as lojas ficaram às moscas mesmo em tempos de saldos, já só se compra o estritamente necessário e, tal como Cavaco implicitamente referiu, milhares de portugueses nem o necessário conseguem comprar.

Assim, ao falar da crise sem analisar as suas causas, Cavaco fez um discurso incompleto. No fundo, ele não quis pôr em causa o essencial, ou seja, o próprio sistema capitalista e todas as maleitas que lhes estão nos genes. Porque ele é, naturalmente, tal como Sócrates, um homem de direita, um homem do sistema.

Deste modo, então, por mais bonitas e certas que sejam as palavras, elas não passam de mera constatação da doença, mas não trazem a receita necessária para a cura.

E a receita é muito simples. Os estados devem tomar o controlo da economia e pô-la ao serviço das populações. Pôr fim à selvajaria financeira, à especulação, à corrupção e à concentração da riqueza e dos meios de produção nas mãos de meia dúzia, que, como acabou de se provar nos EUA, estão a lançar na miséria milhões de seres humanos em todo o mundo.

Resumindo: o capitalismo não é o fim da História. Um sistema de cooperação e solidariedade é possível. E necessário.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/10/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

05/10/2008

UM TEMA PARA MEDITAR

CUBA é um país onde a electricidade, em circunstâncias normais, chega directamente a 98% da população, onde existe um sistema único de produção e fornecimento da mesma e se garante aos centros vitais em qualquer circunstância, através de geradores electrogéneos. Assim que sejam restabelecidas as linhas de transmissão assim será de novo.

Vale a pena meditar um minuto a cada dia sobre o custo da energia eléctrica, sem a qual, a vida civilizada no mundo actual torna-se impossível. Isto é válido ainda mais, se chegar a época do ano em que as noites são mais longas e todas as luzes e equipamentos são ligados ao mesmo tempo, e são poucos os lares que não dispõem de vários aparelhos electrodomésticos.

Reflectir no tema permite-nos compreender o desafio de um grande número de países no mundo que devem importar o combustível. Em Cuba nunca abundou nem pôde abundar a energia hidráulica, sem rios caudalosos; a solar, uma forma renovável e não poluente de energia, embora custosa, é empregue em vários milhares de pontos que satisfazem as necessidades sociais; e por último, a eólica, cujas experiências se iniciaram sob o perigo destruidor dos furacões. Não vai cessar, por isso, o esforço para dar resposta às crescentes necessidades de energia.

A nossa produção de electricidade depende, fundamentalmente, das termoeléctricas, construídas em todo o país nos anos de Revolução, pois antes apenas existiam, acompanhadas da extensa rede de que precisa uma ilha longa e estreita para compensar déficits regionais e os tempos de reparações imprescindíveis.

Nas nossas mãos, no entanto, está a poupança do combustível que é consumido em cada dia não só para produzir electricidade, mas também nas actividades da nação: indústria, transporte, construção, amanho de terras, etc., etc. Não vou enumerar todas porque são dezenas as circunstâncias em que aquele é consumido não poucas vezes além do necessário, tanto em Cuba quanto em qualquer canto do mundo; porém, no nosso caso, com a agravante de nos ter acostumado a receber da Revolução muitas coisas pelas quais não temos lutado. Inclusive, esquecemo-nos, muitas vezes, de que os furacões existem, ao qual se acrescentam as mudanças climáticas e outros fenómenos criados pela chamada civilização.

Um dado ajudar-nos-ia a ilustrar tal situação: o valor da energia consumida anualmente por Cuba, aos preços vigentes deste ano, ultrapassa os US$8 bilhões.

Se, por outro lado, é acrescentado o valor do níquel, do açúcar e dos produtos do Pólo Científico, que são os três principais produtos exportáveis, estes dificilmente atingem, aos preços actuais, os US$2 bilhões, dos quais teríamos que descontar as despesas e materiais necessários para produzi-los.

É claro que essas não são as nossas únicas receitas em divisas convertíveis. Pela exportação de serviços, a nossa Pátria obtém hoje mais receitas que pela exportação material que realiza. Talvez cheguemos, num prazo relativamente curto de tempo, a ser exportadores de petróleo. Já em parte o somos do óleo pesado, que não pode ser refinado em Cuba devido às nossas limitadas capacidades actuais.

Uma conclusão que podemos tirar do acima referido é que, diante da procura desmedida de combustível por parte dos organismos do Estado, a resposta foi categórica: reduza as actividades que pensou ou sonhou.

Alguns compatriotas nossos pensam certamente em tornar realidade todos os sonhos "impossíveis" que as pessoas desejam. Dentro do Estado, precisa-se de disciplina rigorosa e ordem absolutamente racional de prioridades, sem temor algum a estabelecer o que deve ou não ser feito, e partindo sempre do princípio de que nada é fácil e que só do trabalho com qualidade e com intensidade devem proceder honradamente os bens materiais.

Os que não devem faltar em nenhuma circunstância são os meios disponíveis que transportam materiais, alimentos, e os recursos para a produção e os serviços mais vitais.

Insisto mais uma vez na necessidade não do trabalho burocrático imaginário, mas do trabalho físico imprescindível e irrenunciável. Não ser apenas intelectual, mas também ser operário, trabalhar com as mãos.


Fidel Castro Ruz
2 de Outubro de 2008

01/10/2008

DO MAGALHÃES À WALL STREET

Porque as escolas continuam a fechar um pouco por todo o interior do país, em Montalegre, por exemplo, há crianças que passaram a ter de viajar duas horas por dia para frequentarem o ensino básico. Há outras cujos pais admitem colocá-las em estabelecimentos de ensino espanhóis, por ficarem mais perto das suas residências.

Entretanto, a ministra da educação diz que o Inglês chegou a todas os alunos do primeiro ciclo. Contudo, na Escola do Ensino Básico n.º 2 de Massamá, no segundo ano, os pais foram informados que a escola não tinha condições para dar aquela disciplina. E outras existem nas mesmas condições.

O governo de Sócrates também fez a festa e deitou os foguetes relativamente aos novos passes sociais para estudantes. Contudo, há pais a queixarem-se de que, para solicitar o dito passe, se vêem obrigados a saltar de empresa de transportes para empresa de transportes, porque cada uma levanta o seu problema. E que, quanto à apregoada redução de 50%, as coisas não são bem assim, pois um passe que custava 38 € não passou para 19 €, como seria de esperar, mas apenas para 24 €.

Quanto ao famoso Magalhães, a coisa tem mais para contar. Ouçamos o que por aí se diz.

Os noticiários, em coro bem afinado, anunciaram o lançamento do «primeiro computador portátil português», o tal Magalhães. A RTP chegou mesmo a dizer, sem se engasgar, que se tratava de «um projecto português produzido em Portugal».

A SIC, para não ficar atrás, salientou que é «um produto desenvolvido por empresas nacionais e pela Intel» e que a «concepção é portuguesa e foi desenvolvida no âmbito do Plano Tecnológico».

Na realidade, só com muito boa vontade é que o que foi dito e escrito é verdadeiro. O projecto não teve origem em Portugal, já existe desde 2006 e é da responsabilidade da Intel. Chama-se Classmate PC, e é um produto de baixo custo, destinado ao Terceiro Mundo, e já é vendido há muito tempo através da Amazon.

As notícias, no entanto, foram cuidadosamente feitas de forma a dar ideia que o Magalhães é algo de completamente novo e com origem em Portugal. Não é verdade. Na imprensa escrita, salvou-se, que se tenha dado conta, a notícia do Portugal Diário, que disse: «Tirando o nome, o logótipo e a capa exterior, tudo o resto é idêntico ao produto que a Intel tem estado a vender em várias partes do mundo desde 2006. Aliás, esta é já a segunda versão do produto».

Pelos vistos, o jornalista Filipe Caetano, autor da notícia, foi o único a fazer um trabalhinho de investigação, em vez de reproduzir o comunicado de imprensa do Governo.

Para a Intel, este é um negócio da China, pouco se lhe dando que conste por aí que o Magalhães é um produto do bestunto nacional. O que lhe interessa é despachar o material que tinha destinado aos países em desenvolvimento, o que nem deixa de ser o nosso caso. E a JP Sá Couto tem assim, sem concurso, todo o mercado nacional do primeiro ciclo. Tudo se justifica em nome de um número de propaganda política terceiro-mundista. Mas é assim que Sócrates tem governado o país

Entretanto, o capitalismo agoniza. Enredado nas suas próprias teias, devorado por dentro pela lógica predadora que lhe está nos genes, procura transferir para os trabalhadores do mundo inteiro a responsabilidade pelo pagamento da factura astronómica que a sua insaciável sede produziu. A solução que o governo norte-americano – e alguns governos europeus – encontram, é pôr os contribuintes a pagar a compra de bancos falidos, através da sua nacionalização.

Porque não os nacionalizaram antes, quando estavam saudáveis, de forma a evitar a actual situação e a canalizar os lucros para o bem-estar e o desenvolvimento dos respectivos países? Que culpa tem o cidadão comum dos desvarios de banqueiros gangsters e dos políticos que lhes dão apoio e cobertura? Quem mexe os cordelinhos dos sistemas financeiros? Quem, em última análise, é responsável pelo colapso financeiro?

É tempo de pensar que a ruína da Wall Street e de tudo o que ela representa, cria a oportunidade para uma outra forma de pensar a economia, para um outro sistema financeiro, sob o controle público e fiscalizado por responsáveis eleitos. O neoliberalismo agoniza.

Que morra depressa e que o enterrem bem fundo.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 01/10/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1997, 2007 © Guia do Seixal

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