26/09/2007

O BALCÃO DE SÓCRATES

No último programa, um ouvinte entrou em linha para emitir uns desabafos e classificar este programa como um tempo de antena do PCP (partido ao qual ele disse já ter pertencido, confessando-se agora um admirador do PS e de José Sócrates). Entende o ouvinte que, aliás – e pelo que disse – muda de posto sempre que estas “Provocações” entram no ar, que o nosso programa não é democrático, pois, para além de desancar no governo, na maioria dos casos só entrarão em linha comunistas e afins. Para quem, como disse, não ouve o programa – ou raramente o ouve – não deixa de ser curiosa tão definitiva conclusão. Como não deixa de ser curioso o facto de ter entrado em linha e ter dito tudo o que lhe apeteceu. Democraticamente.

Convém dizer, mais uma vez, que as posições que assumo nesta rádio são da minha conta e risco, nada mais pretendendo fazer para além do chamar à discussão factos da nossa vida real, situações que, na maioria dos casos, decorrem dos aspectos sociais e políticos que, em termos nacionais ou internacionais, mexem com a nossa vidinha. Nada mais faço que exprimir críticas e opiniões – que são as minhas – e denunciar situações, muitas delas escandalosas, que fazem da vida dos portugueses um autêntico inferno. E devo realçar que nunca, aqui na “Rádio Baía” – como nunca, no jornal “Outra Banda”, que dirigi durante seis anos – fui obrigado a fazer um desmentido, por ter relatado ou comentado factos falsos. Se o ouvinte, apesar de me ouvir pouco, alguma vez me apanhou (ou apanhar) a mentir, agradeço que logo me desminta, pois não gostaria de ser comparado a muitos políticos que conheço, alguns deles primeiros-ministros, ministros e deputados, líderes partidários e outros escroques que fazem da política – e da mentira – o seu ganha-pão. E de alguns deles diz-se fã este nosso ouvinte.

Também é preciso dizer, para quem não me conhece, que nunca tive jeito para ser “yes men”, ou fazer eco da voz do dono, seja lá o dono quem for. E se um dia entender – como é meu direito – participar partidariamente num programa ou num debate público, terei toda a honra em esclarecer que o faço nessa condição. Porém, aqui, na “Rádio Baía”, só fala o cidadão João Carlos – por especial deferência da sua direcção, que nada me paga – nem cobra – por esse facto.

Depois, telefona para cá quem quer, diz o que quer, e como quer. Se há coisa mais simples do que isto, desconheço. Daí, que eu seja levado a pensar que, bem lá no fundo, o que incomoda o ouvinte é virem aqui a lume coisas que, por ele ser, hoje em dia, simpatizante do PS, bem gostaria que fossem caladas. Pois é. Ainda não há censura, é uma chatice…

Por exemplo:

Eu não devia dizer que a crise económica, resultante das políticas seguidas e diariamente agravadas pelo governo de Sócrates, fez duplicar o número de famílias em situações de falência. Em 2006, segundo os últimos dados oficiais, o número de portugueses declarados falidos ascendeu a 635, um aumento de 74,5 por cento face aos 364 casos de insolvências de pessoas singulares registados no ano anterior.

Para o responsável da Associação Portuguesa de Gestores e Liquidatários Judiciais e dos Administradores da Insolvência, Artur Ribeiro da Fonte, não existem dúvidas de que este «é um número muito elevado», a ponto de frisar que tem «conhecimento de pessoas que estão em situações muito, muito, difíceis».

O crédito malparado (de cobrança duvidosa) totalizou 2,201 mil milhões de euros em Julho último, mais 1,8% que no mês anterior. Na verdade, quem vive com ordenados baixos – os mais baixos da Europa, recorde-se – não aguenta o aumento selvático das taxas de juro nem suporta, todos os meses, gastar mais dinheiro para comprar as mesmas coisas – ou menos.

Eu também não devia dizer que todos os dias aumenta o número de bebés que nascem em ambulâncias, nem que milhares de pequenos alunos são agora obrigados a levantarem-se de noite – e a chegarem a casa de noite – porque são forçados a frequentar escolas que ficam a quilómetros das suas residências.

Eu não devia dizer que nunca tantos portugueses (aos milhares) saem todos os anos de Portugal, para procurarem no estrangeiro uma vida melhorzinha, fartos que estão de cheirar a miséria que por aí alastra.

Eu também devia fingir que não sei que nas últimas décadas, onde a governação do PS teve peso decisivo, Portugal perdeu 40% da sua frota de pesca. Com o forte contributo da política de reestruturação e de abate financiada pela União Europeia, passámos de 14 mil embarcações, em 1986, para as actuais nove mil. Acresce que muitos dos barcos de pesca que sobrevivem foram compradas por espanhóis. E que mais embarcações vão ser abatidas nos próximos tempos, já que o plano de recuperação de pescada e lagostim implica a redução dos dias de pesca permitidos anualmente (menos 10%). E consequentemente o abate de mais navios. Assim, eu devia esconder que em apenas duas décadas perdemos 20 mil pescadores (alguns foram trabalhar para Espanha) e que, com uma costa destas, sejamos obrigados a comprar peixe aos espanhóis, que pescam o que querem e onde querem.

Talvez eu devesse estar muito contente – e até dar pulos de alegria – por Sócrates anunciar a abertura de um balcão onde se pode dirigir quem tiver perdido a carteira, e logo ali lhe passarem novos documentos. Mas o que gostava, era que Sócrates, que abriu o tal balcão chamado «Perdi a Carteira», abrisse outro ao lado, chamado «Perdi o Emprego», e outro logo a seguir, com o título «Perdi a minha Casa», e mais outro, muito grande, pois iria ter milhões de utilizadores, chamado «Perdi o meu Poder de Compra». E ainda outro, que deverá chamar-se «Perdi o meu Centro de Saúde», ao pé de outro que seria «Perdi a minha Maternidade», e outro ainda, chamado «Perdi a minha Escola». E como o país perde, todos os dias, capacidade produtiva, porque as fábricas fecham, a agricultura definha, as pescas agonizam e estamos, cada vez mais, dependentes dos interesses e da vontade do estrangeiro, logo à frente de todos estes balcões, estaria o principal, com um grande letreiro lá no topo, onde se leria: «Perdi o meu País».

E, já que os balcões, pelos vistos, são como as cerejas, sugiro o mais triste de todos os balcões, que se chamaria, simplesmente, «Perdi a Esperança».

E – porque não? – mais um balcão apenas destinados a Sócrates e à sua troupe? Com que nome? É fácil. Chamar-se-ia apenas: «Perdemos a Vergonha».


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 26/09/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

19/09/2007

UM CÓDIGO À MANEIRA…

Passado este breve período de ausência (que, a dada altura, me pareceu demasiado longo) verifico que voltei ao ramerrão de uma vida sem graça – ou, dizendo melhor – à desgraça de uma vida que todos os dias piora.

Como disse antes de ir, questões de saúde de âmbito familiar levaram-me a um sítio que, não sendo propriamente um local perdido no meio de nada, ainda assim me permitiu um certo alheamento do que se ia passando no planeta Terra e – principalmente – neste local pouco recomendável chamado Portugal. Tentei, esforçadamente, desligar dos jornais e da televisão, razão porque regressei mais calmo. Contudo, mal caí na realidade, rapidamente perdi o sossego mental entretanto adquirido e a náusea voltou a ser a companheira do meu quotidiano. O problema é que não consigo alhear-me das coisas. Nem devo. Nem quero.

Caio, então, na vida real e reparo que andam por cá umas senhoras e uns senhores muito bens vestidos, comendo, bebendo e passeando à custa do orçamento, conversando e rindo muito, enquanto, pelo meio, discorrem sobre as voltas que pretendem dar às nossas vidas. A sua preocupação final, segundo vão tentando não dizer, é impor um novo tratado que regule o espaço comunitário, transformando-o num feudo dirigido pelas grandes potências e, consequentemente, pelos interesses económicos que nelas estão baseados.

No fundo, nada mais pretendem do que transformar a Europa num espaço regido ferreamente pelos interesses do grande capital, transformando a «outra parte» - ou seja: os milhões de seres humanos que vivem do seu trabalho – numa enorme massa obediente e manietada aos ditames da chamada economia de mercado. Os aspectos sociais e, de uma maneira geral, todos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos europeus ficariam dependentes da vontade dos potentados económicos, perante os quais – e no caso concreto de Portugal – se esgotariam todos os vestígios da nossa independência e da nossa soberania.

Se atentarmos bem no que aqui e ali vão dizendo, ouviremos que defendem, já sem qualquer indício de vergonha ou cuidado, que nenhum serviço público é sagrado, legítimo ou, sequer, compreensível, salvo se for aberto aos interesses da iniciativa privada. Dito de outra maneira: do nascimento à morte, todos os seres humanos devem ser fonte de lucro para um qualquer grupo económico. Ou seja: o primado do lucro sobre o direito à vida. Os Direitos Humanos, tal como a sua Declaração Universal os proclama, só prevalecem enquanto couberem no saco de interesses da oligarquia financeira global.

Talvez para que isto não se discuta, nem se compreenda em todo a sua criminosa dimensão – e para evitar que suceda o que sucedeu em França e na Holanda – os grande «democratas» que dirigem os nossos destinos, fogem do referendo ao novo/velho tratado como se diz que o diabo foge da cruz.

No meio disto tudo, Sócrates arranjou tempo para ir ao beija-mão a Washington. Deu a sua pública e ridícula corridinha em cuecas, para gozo de George Bush, esse atrasado mental que, como criminoso de guerra que é, já devia estar enjaulado e à espera, no mínimo, do destino que teve Saddam. Afinal, é bom não esquecer, que os crimes pelos quais Saddam foi executado tiveram lugar enquanto ele era um amigo de peito dos EUA, e com armas e métodos fornecidos pelos próprios norte-americanos.

Falando disto, não posso deixar de me referir ao que escreveu agora o insuspeito Alan Greenspan, até há pouco presidente do Banco Central norte-americano, o equivalente ao nosso Banco de Portugal. Escreveu ele, entre outras coisas, que « foi a sede de petróleo que provocou a guerra no Iraque». No seu livro «A Idade das Turbulências», Greenspan afirma literalmente: « Sinto-me triste por ser politicamente inconveniente reconhecer o que todos sabem: que a guerra no Iraque é, em boa parte, sobre o petróleo».

Para mim – e, certamente, para todos os que me ouvem ou lêem – nada disto é novidade. Por isso, aqui me sinto tentado a repetir que Bush é culpado de crimes contra a humanidade e, com ele, todos os que, de um modo ou de outro, apoiaram – e apoiam – por acção ou omissão, as suas sangrentas aventuras.

Domesticamente, o que se discute, hoje em dia, é o novo Código do Processo Penal. A confusão é tremenda. Se, por um lado, há quem defenda que a prisão preventiva é uma pena efectiva que pode estar a ser aplicada a alguém inocente (já que a sua culpabilidade ou inocência só serão decididas em julgamento), a estranha verdade é que criminosos condenados, só porque recorreram da pena aplicada, são, automaticamente, considerados presos preventivos enquanto não for julgado o seu recurso. Assim – e porque as novas disposições do CPP, que agora entrou em vigor, obrigam a uma maior burocracia, conforme já referiu Maria José Morgado, e porque o tempo limite de prisão preventiva foi substancialmente encurtado – criminosos perigosíssimos e já condenados por crimes hediondos, podem ser devolvidos – e alguns já foram – à liberdade plena.

De facto – e para já – um traficante condenado a 9 anos de prisão por tráfico de estupefacientes deixou o Estabelecimento Prisional do Porto, no sábado. Saiu com Termo de Identidade e Residência, a mais branda medida de coacção prevista na lei. Note-se que o traficante tinha um recurso pendente no Supremo Tribunal de Justiça, depois de o Tribunal da Relação ter confirmado o acórdão da primeira instância.

Outro beneficiário do novo CPP foi o tristemente famoso Fábio Cardoso, condenado por violar o enteado até à morte (uma criança deficiente, com seis anos de idade). Os juízes soltaram-no no sábado, tudo porque o criminoso ainda espera decisão do seu recurso e o prazo de prisão preventiva foi reduzido para dois anos. Mas porque raio é que um criminoso já condenado é considerado um preso preventivo só porque interpôs recurso, é coisa que ainda ninguém me explicou, já que na maioria dos países, conhecida a sentença, o arguido é preso e termina a prisão preventiva. Praticamente, só em Portugal a preventiva continua até a sentença transitar em julgado. Enfim…

Mas talvez nem seja para os criminosos – grandes ou pequenos – de faca e alguidar que o novo CPP foi pensado. Segundo muitas opiniões, quem vai beneficiar das novas disposições legais serão os envolvidos na quase totalidade dos processos de crime económico, corrupção e de outros crimes complexos, que poderão vir a ser arquivados na sequência deste novo CPP. Carlos Anjos, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da PJ, tem uma expressão para classificar a situação «É o descalabro total».

Em causa estão os prazos que a nova lei prevê, bastante mais reduzidos, a que se agrega a falta de recursos humanos para apoio à investigação. «São processos normalmente morosos, que não se coadunam com os tempos de investigação que a nova lei prevê», apontou o presidente da ASFIC. Muitos dos processos estão no Ministério Público, que os está a avaliar – um por um – à luz da nova lei. «Ou acusa ou manda para arquivamento, mas é muito provável que o destino da quase totalidade seja o arquivamento. É difícil, para já, avançar um número, mas podemos falar em 70 a 80%».

O novo CPP reduz para oito meses a investigação, mas Carlos Anjos alerta que «isto é manifestamente insuficiente», tanto mais que, a par da complexidade dos casos, há o problema da falta de recursos, em particular a nível das perícias. «Só há, em todo o país e para todos os processos, 30 peritos financeiros, o que já de si atrasa em média os processos nove a dez meses».

Entrevistado pelo CM, Carlos Anjos realçou outro aspecto preocupante do novo CPP. Na sua opinião, e dado que com o novo Código os prazos de investigação serão de seis meses para crimes simples e de oito meses para a criminalidade organizada, a «Assembleia da República matou a investigação. Ao aprovar o Código, não teve em conta que uma perícia de laboratório demora, em média, nove meses e uma financeira quatro meses». Exemplifica, dizendo que «no caso Freeport estamos à espera há dois anos de informações do Reino Unido e no chamado caso João Pinto esperamos há oito meses uma resposta do Luxemburgo. Assim, terminados os prazos o que acontece é o arguido, detido ou solto, poder consultar a investigação realizada pela Polícia Judiciária e assim arruinar o trabalho. O advogado do arguido pode ainda realizar diligências, como pedir uma carta rogatória no estrangeiro – cuja resposta sabe que vai demorar meses a obter – para fazer com que os autos acabem por ser arquivados. Isto dá cabo de toda a investigação».

Também a impossibilidade de os jornalistas publicarem o teor das escutas telefónicas, mesmo daquelas que já tenham sido divulgadas em tribunal, parece uma medida orientada para proteger casos semelhantes aos do Apito Dourado e Casa Pia. Aliás, o próprio Partido Socialista está agora sob sérias suspeitas de estar ligado a actividades ilegais no Brasil, relacionadas com o financiamento das suas campanhas junto do círculo da emigração. Resta saber se o teor das escutas telefónicas realizadas pelas autoridades brasileiras no âmbito deste escândalo, também estará sujeito ao sigilo imposto aos casos julgados pelas autoridades portuguesas.

Mas o que fica disto tudo, para além de um claro incremento dos índices de insegurança em que vivemos, é que o novo CPP foi feito à medida dos interesses dos criminosos de colarinho branco – essencialmente os que se dedicam ao crime económico e à grande corrupção.

O que não admira, sabendo nós quem são eles, onde estão instalados e em que círculos se movem .


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas "Provocações" da Rádio Baía em 19/09/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

09/09/2007

REFLEXÕES XXV

W (BUSH) E A APEC

As reuniões importantes sucedem-se a um ritmo tal e é tanta a velocidade com que voa e fala Bush, que é quase impossível determinar a quantidade. Durante a viagem a Sydney, fez escala de várias horas no Iraque. Não posso afirmar se isto aconteceu há dois ou três dias, porque quando em Sydney é quinta-feira, e o sol radia quase na vertical sobre a Terra, em Havana ainda é quarta-feira com o ar fresco da noite. O planeta Terra globalizado muda e transforma conceitos. Só uma realidade permanece inalterável: a rede de bases militares, aéreas, navais, terrestres e especiais do império, cada vez mais poderoso e ao mesmo tempo débil.

Não há que fazer especial esforço de persuasão. Deixemos que fale a própria agência norte-americana de notícias.

“SYDNEY, Austrália (AP).- O presidente dos Estados Unidos George W. Bush pediu na terça-feira aos países da Bacia do Pacífico que lutem de maneira conjunta contra o aquecimento global da atmosfera, e disse que a China e outras nações responsáveis pela contaminação ambiental devem contribuir para a procura de uma solução efectiva.

“Bush apoiou uma proposta da Austrália para que os países da APEC, (siglas em inglês de Asia-Pacific Economic Cooperation, ou Fórum da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), respaldem um novo enfoque perante o desafio da mudança climática.

“Esse enfoque ao contrário do protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos e a Austrália se negaram a assinar, exige uma acção mais firme por parte da China e de outros países em desenvolvimento.”

“’Para que exista uma política eficaz no que respeita à mudança climática, a China deve estar presente’, disse Bush numa entrevista colectiva da qual também participou o primeiro-ministro da Austrália John Howard. Bush e Howard emitiram um comunicado conjunto que apoiou a energia nuclear, as novas tecnologias alternativas e abundante diálogo a favor da diminuição do aquecimento global da atmosfera.”

“Por outro lado, perto de trezentos manifestantes, muitos deles estudantes de colégios, reuniram-se para protestar contra Bush, contra a guerra no Iraque e contra o apoio que Howard oferece a Bush e à guerra.

“Soube-se por outra parte que na minuta de declaração final que emitirá a Cúpula na sua reunião do próximo fim de semana, faz-se uma breve referência ao problema da mudança climática. The Associated Press obteve uma cópia da minuta na quarta-feira.”

Os parágrafos que aparecem entre aspas, tirados do cabograma, são textuais. Outras agências internacionais tradicionais afirmam com maior ou menor extensão os mesmos factos.

Não é, contudo a única notícia que chega da contínua torrente de palavras de Bush.

Por exemplo, a agência DPA informa que em Sydney, Bush traçou as directrizes daquilo que se deve fazer em Myanmar, antiga colônia britânica da Birmânia com 678.500 quilômetros quadrados e 42.909.646 habitantes.

“Sydney, 5 de setembro de 2007 (DPA).— O presidente dos Estados Unidos George W. Bush criticou hoje, utilizando duros termos, a junta militar de Myanmar (antiga Birmânia) e instou os líderes que participarão neste fim de semana na Reunião de Cúpula do Foro de Cooperação Ásia-Pacífico (APEC), na cidade australiana de Sydney, a fazerem o que lhe corresponde.

“’É imperdoável que exista esta classe de comportamento tirânico na Ásia. É imperdoável que pessoas que se manifestam a favor da liberdade recebam o tratamento de um Estado repressivo’, afirmou hoje nas suas primeiras declarações públicas após a sua chegada a Sydney na véspera para participar da Cúpula de APEC.

“Nas suas palavras o presidente norte-americano referia-se à violenta repressão dos protestos que tiveram lugar nos últimos dias de Agosto em Myanmar. ‘Aqueles que vivemos comodamente numa sociedade livre devemos levantar a nossa voz contra esse tipo de violações dos direitos humanos’, enfatizou Bush.”

É bem conhecido que no Iraque têm morrido por volta de um milhão de pessoas e dois milhões viram-se forçados a emigrar a partir do momento em que o país foi invadido pelas tropas dos Estados Unidos e dos seus aliados, entre eles a Austrália. Nenhum desses dois países mencionados assinou o acordo de Kyoto, convertendo-se em aves estranhas os representantes permanentes dos seus governos nas Nações Unidas, onde a recusa é quase unânime. Também se sabe que o substituto de Blair programou a retirada das tropas britânicas que se encontram no Iraque. Nesses três países, incluindo logicamente os Estados Unidos e a Austrália, existe uma crescente resistência à aventura do Iraque, ao qual se acrescenta hoje a aventura do Afeganistão, onde os campos se encheram de papoula, com a qual se pode produzir noventa por cento do ópio do mundo.

No Afeganistão, país de tradição independentista e rebelde, jamais tinha acontecido esse fenômeno. Agora surge sob a ocupação estrangeira. A maioria dos seus habitantes, 84 por cento, são de crença muçulmana sunita. Os soldados e as armas dos Estados Unidos e dos seus aliados da OTAN matam ali todos os dias mulheres e crianças. Além do mais, Bush ameaçou o Paquistão em levá-lo novamente à idade de pedra, declarou terroristas os Guardiães da Revolução, um contingente de milhões de homens ligados ao exército iraniano, e pressiona fortemente, com o mesmo pretexto de lutar contra o terrorismo, o primeiro-ministro do governo do Iraque apoiado até agora pelas tropas invasoras.

Deixemos que cada um medite sobre a missão atroz dos governos repressivos formados durante décadas pelos Estados Unidos para a América Latina nas escolas norte-americanas de torturadores, e sobre o papel que conserva a droga no mercado da sociedade consumista do império. Essa é a democracia que W predica na APEC. Tudo de marca e patente norte-americana.

Quer-se castigar o povo de Myanmar mesmo como fizeram ao povo de Cuba. Por que não concedem uma Lei de Ajuste para que os seus emigrantes formados como enfermeiros, médicos, engenheiros e pessoas capazes de produzirem mais valores para as multinacionais, tenham direito a residirem nos Estados Unidos?

A reflexão estende-se e devo concluir.

Como no nosso país cada instituição ou acontecimento importante vai fazendo um ano adicional de vida, cinco, dez, até cinqüenta ou mais, aproveito a ocasião para partilhar a honra dos cienfuegueros pela comemoração, há dois dias, do 50º Aniversário do levantamento dos marinheiros do Comando do Distrito Naval de Cayo Loco, dirigidos pelo Movimento 26 de Julho, e do 20º Aniversário da criação dos Clubes de Computação para Jovens, que cumpre-se precisamente amanhã sábado. Envio a todos os meus mais calorosos parabéns.


Fidel Castro Ruz
7 de Setembro de 2007

07/09/2007

REFLEXÕES XXIV

OS SUPER-REVOLUCIONÁRIOS

Leio cuidadosamente todos os dias as opiniões sobre Cuba das agências tradicionais de imprensa, incluíndo as dos povos que fizeram parte da URSS, as da República Popular da China e outras. Chegam-me notícias de órgãos de imprensa escrita da América Latina, Espanha e do resto da Europa.

O quadro é cada vez mais incerto perante o temor de uma recessão prolongada como a dos anos posteriores a 1930. O governo dos Estados Unidos recebeu no dia 22 de julho de 1944 os privilégios outorgados em Bretton Woods à potência militar mais poderosa: emitir o dólar como moeda internacional de câmbio. A economia desse país estava intacta depois da guerra, em 1945, e dispunha de quase 70 por cento das reservas em ouro do mundo. Nixon decidiu unilateralmente, em 15 de agosto de 1971, suspender a garantia em ouro por cada dólar emitido. Com isso, financiou a matança do Vietname numa guerra que custou mais de 20 vezes o valor real das reservas em ouro que ainda lhe restavam. Desde essa altura a economia dos Estados Unidos baseia-se à custa dos recursos naturais e das poupanças do resto do mundo.

A teoria do crescimento contínuo do investimento e do consumo, aplicada pelos mais desenvolvidos aos países onde a esmagadora maioria é pobre, rodeada por luxos e esbanjamentos de uma exígua minoria de ricos não é apenas humilhante, senão também destructiva. Esse saque e as suas desastrosas consequências é a causa da rebeldia crescente dos povos, embora uns poucos conheçam a história dos factos.

As inteligências mais dotadas e cultas incluem-se na lista de recursos naturais e estão tarifadas no mercado mundial de bens e serviços.

O que acontece com os super-revolucionários da chamada extrema esquerda?

Alguns são-o por falta de realismo e pelo agradável prazer de sonhar coisas doces. Outros, não têm nada de sonhadores, são peritos na matéria, sabem o que dizem e para quem o dizem. É uma armadilha bem armada na qual não se deve cair. Reconhecem os nossos avanços como quem concede esmolas. Carecem realmente de informação? Não é assim. Posso assegurar-lhes que estão absolutamente informados. Em determinados casos, a suposta amizade com Cuba permite-lhes participar em numerosas reuniões internacionais e conversar com quantas pessoas do exterior ou do país desejem fazê-lo, sem nenhum impedimento do nosso vizinho imperial que está só a 90 milhas das costas cubanas.

O que aconselham à Revolução? Veneno puro. As fórmulas mais típicas do neoliberalismo.

O bloqueio não existe, pareceria uma invenção cubana. Subestimam a mais colossal tarefa da Revolução, a sua obra educacional, o cultivo maciço das inteligências. Sustentam a necessidade de pessoas capazes de viver realizando trabalhos simples e rudes. Subestimam os resultados e exageram os gastos em investimentos científicos. Ou algo pior: ignora-se o valor dos serviços de saúde que Cuba oferece ao mundo, onde na verdade com modestos recursos, a Revolução despia o sistema imposto pelo imperialismo, que carece de pessoal humano para realizá-lo. Aconselham-se investimentos que são ruinosos, e tais serviços como o aluger, são praticamente de graça. De se não ter detido oportunamente os investimentos estrangeiros nas moradias, construiriam dezenas de milhares sem mais recursos do que a venda prévia das mesmas aos estrangeiros residentes em Cuba ou no exterior. Além disso, eram empresas mistas regidas por outra legislação criada para empresas produtivas. Não existiam limites para as faculdades dos compradores como proprietários. O país forneceria os serviços a esses residentes ou usuários, para o qual não se requerem os conhecimentos de um cientista ou de um especialista em informática. Muitos desses alojamentos podiam ser adquiridos pelos órgãos de inteligência inimigos e seus aliados.

Não se pode prescindir de algumas empresas mistas, porque controlam mercados que são imprescindíveis. Mas, também não se pode inundar com dinheiro o país sem vender soberania.

Os super-revolucionários que receitam tais medicamentos ignoram de forma deliberada outros recursos verdadeiramente decisivos para a economia como é a produção crescente de gás, que já purificado se transforma numa fonte inestimável de electricidade sem afetar o meio ambiente, o que produz centenas de milhões de dólares anuais. Da Revolução Energética promovida por Cuba, de vital e decisiva importância para o mundo, não se diz uma palavra. Chegam ainda mais longe: vêem na produção canavieira uma cultura que se manteve em Cuba com mão-de-obra semi-escrava, uma vantagem energética para a ilha, capaz de contrapôr os elevados preços do diesel que esbanjam sem limites os automóveis dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e de outros países desenvolvidos. Estimula-se o instinto egoísta dos seres humanos, enquanto os preços dos alimentos se duplicam ou triplicam.

Ninguém foi mais crítico do que eu da nossa própria obra revolucionária, mas nunca me verão esperando favores ou perdões do pior dos impérios.


Fidel Castro Ruz
3 de Setembro de 2007

1997, 2007 © Guia do Seixal

Visões do Seixal Blog Directório Informações Quem Somos Índice