27/02/2008

MEU QUERIDO FASCISTA

Nunca me passou pela cabeça escrever-te e – muito menos – utilizar, a ti me dirigindo, um termo aparentemente carinhoso. Aliás, a expressão, tal como está, se no teu tempo eu a proferisse, com os ossos malharia numa das tuas cadeias, pois em subentendidos e sarcasmos eras tu especialista. Na verdade, de fascista apenas querias ter os métodos, que não a fama. Bem depressa compreendeste que erguer a mão, como Hitler ou Mussolini, era coisa em desuso – e estupidamente desnecessária – melhor te servindo acenar levemente às massas e vestir a pele de cordeiro democrático.

Deixaste a mão erguida ao alto para os meninos da Mocidade Portuguesa e para certos totós que, aos domingos, se fardavam de legionários, inchando o peito para fazer rir a vizinhança. Mas até esse Carnaval foi definhando e, quando caíste da cadeira, já a paródia das fardas e desfiles, de mão erguida ao sol, era coisa em via de extinção. Ficavam a polícia política – a bronca e brutal PIDE, disfarçada de defensora do Estado – e a Censura, para que não constasse aos peixinhos do teu aquário que também havia rios e mar.

Mas, meu querido fascista, agora que estás morto e enterrado, posso tratar-te como quiser, sendo que os riscos que corro não são de ti que virão. Aliás, o tempo despe a história, ilumina-a e, apesar de nunca ter ido à bola contigo, por me teres obrigado a viver tempos sombrios e pesados, querendo sujeitar-me à tua visão do mundo, reconheço hoje que havia barreiras que respeitavas e que alguns cuidados punhas na condução das nossas vidas. Frontalmente contrário à tua ideologia e aos teu métodos, e fazendo o que me foi possível (que bem pouco foi, quase nada, a bem dizer…) para que, um dia, acontecesse aquilo que, de facto, aconteceu num certo dia 25 de Abril, digo hoje, não por mérito teu, mas por demérito dos que, hoje em dia, ocupam o teu cadeirão, que nunca pensei que fosse possível afirmar que já não te considero o maior malfeitor da história da governação em Portugal, pelo menos das governações que conheci ao longo da minha vida. E que reconheço que eras um homem de convicções, agindo de acordo com o que pensavas ser melhor para o povo e o país. Convicções nefastas, mas sinceras e verdadeiras.

Ora acontece, meu querido fascista, que há dias tive uma forte discussão com um «socretino» militante (eu explico: agora o presidente do conselho é um tipo chamado Sócrates, do qual têm vindo a lume trapalhadas atrás de trapalhadas, coisas feias, que metem cursos tirados por tortuosas vias, exames enviados por fax, diplomas passados ao domingo, projectos assinados por favor, enfim, um rosário de habilidades, mentirolas e de situações obscuras, tudo aliado a uma governação de cabotagem – e de cabotinagem – cujo único farol é o ego do marmanjo, de tal modo que chamam «socretino» a quem apoia este artista…), dizia, então que discuti com um «socretino» puro e duro, daqueles que acham que o direito ao trabalho (eu gosto mais de dizer: o direito ao pão) e o direito à saúde não são direitos efectivos dos cidadãos, a não ser em termos genéricos e teóricos. Lá na dele, direitos sociais são chão que deu uvas, governem-se os ricos e desenrasquem-se os pobres, que são a escória da sociedade.

Não me lembro, meu querido fascista, de alguma vez teres dito uma barbaridade destas. Lembro-me, até, que num dos teus mais famosos discursos, proclamaste, na tua vozinha de falsete, que enquanto houvesse um português sem pão, a revolução (do Estado Novo) continuaria.

Mas posso dar-te muitas outras notícias que te farão rebolar de gozo (ou – sei lá? – de raiva) na tumba onde tentarás descansar.

Por exemplo: há dias, o Instituto Nacional de Estatísticas descobriu, finalmente, que os portugueses, já estão a cortar na compra de bens alimentares. Como acontecia no teu tempo, lembras-te? É certo que tu não deixavas aumentar o pão (o velho papo-seco custou, anos a fio, 4 tostões), e o bacalhau, que era a comida dos pobres, remediava o que parecia sem remédio. Tal como não deixavas mexer nas tarifas dos transportes, cujos preços, na Carris, variavam entre os 50 centavos e moedinha de 1 escudo, havendo ainda o bilhete operário, mais barato, mas só para as primeiras horas da manhã. Os preços dos bens e serviços essenciais, fosse na alimentação, fosse nos transportes, mantinham-se inalteráveis anos e anos. Apesar de míngua, o Zé Povinho sabia que o dia seguinte, se não fosse melhor, seria, pelo menos igual. Pior, era difícil

Abrias escolas, abrias posto de saúde, então chamados postos da Caixa. Estes, que se dizem republicanos, democratas e socialistas, fecham escolas, tribunais, maternidades, urgências, e reduzem os centros de saúde à sua expressão mais simples. Tu, apesar de fascista, ainda tinhas algum respeito pelo povo. Os banqueiros e os grandes capitalistas, é certo, estavam como peixe na água, os extractos sociais estavam bem demarcados, mas, querido fascista, hoje o escândalo é mil vezes maior. A classe política e a alta classe empresarial tomaram o freio nos dentes e servem-se do país como se este fosse um bolo dividido em fatias, lambuzando-se com elas num sôfrego e desavergonhado festim. Nunca os bancos lucraram tanto, e nunca os políticos puderam legislar em sem proveito de forma tão vampiresca e alarve. Determinam os seus ordenados e reformas (sempre farfalhudas e várias) e casos há em que basta trabalhar 18 meses, para que se ganhem milhares de contos para o resto da vida. Entretanto, ao bom povo português, reduzem-se as pensões e aumenta-se a idade de reforma. Farias coisas destas? Consentirias nisto? Duvido

Ao mesmo tempo – e por consequência – a fominha é mais que muita. Uma em cada cinco crianças portuguesas passa fome, e é a própria União Europeia que afirma ser Portugal o país onde o risco de pobreza e as desigualdades na distribuição dos rendimentos são dos mais elevados da comunidade.

Tal como nos teus velhos tempos, estar-se empregado e receber ordenado não significa não se ser pobre, pois são aos milhares, segundo os próprios dados oficiais, aqueles que não ganham para alimentarem decentemente as suas famílias. O desemprego galopa, as empresas encerram umas atrás das outras, os salários em atraso são coisa comum e a corrupção, meu querido fascista, generalizou-se a tal ponto que, um dia destes, passa a ter, como o aborto e o consumo de droga, cobertura legal.

O país envelhece, porque os casais recusam-se a dar filhos a este sítio tristonho e miserável, onde o dia seguinte é sempre pior que o dia anterior. Para que tu vejas como as coisas estão, uma instituição de senhores bem colocados e bem pensantes, chamada SEDES, dirigiu ao país um documento onde diz que se sente em Portugal «um mal-estar difuso», que «alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional». Este mal-estar e a «degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento». E se essa espiral descendente continuar, «emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever».

Olhamos para um lado, e os democratas de serviço – os tais «socretinos» – eventualmente inspirados nas tuas técnicas e métodos, meu querido fascista, fazem listas de professores que se atrevem a dar entrevistas na televisão, falando contra as políticas governamentais. Olhamos para outro lado, e logo nos deparamos com despedimentos selectivos, enquanto o aparelho de Estado se enche de rapazes e raparigas afectos ao regime. São os cunhados e os primos do teu tempo, agora chamados boys e girls, mas multiplicados por milhares. Um festim? Um bacanal!

Voltando ao documento da SEDES, diz ele – vê lá tu! – que se regista o acentuar da «degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários» de todo o espectro. E, aqui, os relatores do documento não têm dúvidas sobre a crise que surgirá caso não seja evitado o eventual fracasso da democracia representativa: «criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas».

A associação considera ainda preocupante «assistir à tentacular expansão da influência partidária» – quer «na ocupação do Estado», quer «na articulação com interesses da economia privada». Outro factor que contribuiu para a «degradação da qualidade da vida política» é o resultado «da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz», que por vezes deixa a sensação de que «também funciona subordinada a agendas políticas», o que «alimenta um estado de suspeição generalizada» sobre a classe política. «É o pior dos mundos», acrescentam.

Para a Sedes, o Estado «demite-se do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos casos um perigoso rasto de desconfiança». E aqui surge a palavra «corrupção». «É precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança».

E assim vai o País, meu querido fascista. Aparentemente livre da PIDE e da Censura, mas tanto ou mais aperreado do que no teu tempo. E ainda mais injusto. E ainda mais sem esperança. E ainda mais violento e inseguro.

Por isso, se for ofensivo comparar este tal Sócrates à tua pessoa, deixa que te diga que serás tu quem terá toda a razão se te sentires ofendido.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/02/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

24/02/2008

CUBA

Vive-se hoje mais um importante dia nos destinos de Cuba com a eleição dos novos dirigentes políticos, nos quais irão recair as responsabilidades de conduzir o País nos próximos anos.

E desiludam-se aqueles que pensam em mudanças radicais ou aberturas ditas democráticas, pois o povo escolheu nas urnas e definiu de forma esmagadora o que queria para o futuro.

A Revolução, que entrou no seu 50.º aniversário, irá continuar porque o povo assim decidiu e porque existem homens e mulheres que independentemente do líder, sabem o que é preciso fazer para defenderem o País das agressões e das tentativas de anexação por parte do vizinho todo poderoso.

Em 4 de Junho de 2006, escrevia eu aqui nas “Crónicas” o seguinte:

“Ontem, dia 3 de Junho, o Comandante da Revolução Raul Castro cumpriu o seu 75.º aniversário, continuando a dedicar toda a sus vida à causa que abraçou desde muito jovem, colocando ao serviço da Revolução Cubana toda a sua inteligência, cultura e humanismo.
Há quem pense que Raul Castro é uma figura política “apagada” e que as responsabilidades que lhe têm sido atribuídas se devem a ser irmão de quem é. Puro engano! Raul Castro é uma das individualidades cubanas com mais competência, sendo um incansável trabalhador, metódico e sempre pronto a enfrentar e a resolver os problemas que surgem.
Ao longo da história cubana dos últimos 50 anos, Raul Castro esteve sempre na primeira linha do combate às desigualdades sociais, à educação, à saúde, etc. e se não se tem evidenciando mais, é porque a sua modéstia assim o impõe e porque também existe um outro homem que ele respeita e admira: o seu irmão Fidel.
Das muitas qualidades que possui destaco apenas a do seu sentido de justiça e da sua importante intervenção nos primeiros dias após o triunfo da Revolução, onde conseguiu conter os excessos que sempre existem, evitando muitos fuzilamentos de possíveis inocentes, julgados por tribunais populares e sem qualquer garantia de defesa, que eram sumariamente encostados ao “paredão” da Fortaleza “Morro Cabaña”.
Centenas de vidas foram salvas por ele e possivelmente alguns foram juntar-se à corja de Miami que conspirou e conspira contra Cuba, mas o que importa é a acção em si, porque a Revolução tinha e tem princípios e não foi feita para vinganças pessoais ou colectivas, mas sim para libertar todo um povo escravizado.
São episódios como este que poucos conhecem e que revelam bem o seu carácter e a sua personalidade, constituindo um dos principais pilares de toda uma ideologia e estrutura implantada no País desde 1959 e que continua a progredir e a consolidar-se.
Parabéns Comandante Raul Castro.”

Uma revolução só é possível se existirem revolucionários e Cuba pode orgulhar-se de ser o único país do mundo onde a teoria está de mãos dadas com a prática, pese embora todas as dificuldades por que tem passado.

Fidel não é imortal, tal como nenhum de nós, e mal seria se uma Revolução só pudesse subsistir assente numa única pessoa.

Nesta hora em que a liderança tem um novo protagonista, há que enaltecer a coragem e a lucidez de quem sabe retirar-se com toda a dignidade e de consciência tranquila, dando lugar a outros para continuarem a obra por ele idealizada e a que dedicou toda a sua vida.

Até sempre Comandante.


Celino Cunha Vieira

20/02/2008

SIM, SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO…

"A entrevista da SIC e do Expresso a Sócrates não foi uma entrevista, foi uma sessão de propaganda." A frase é de Vasco Pulido Valente, na sua crónica publicada no jornal Público, de 19 de Fevereiro.

Castanheira Barros, que é o advogado que não desiste de lutar contra a co-incineração no Outão – e no país – enviou-me, por seu turno, esta observação. «Nunca imaginei ser possível pôr dois passarinhos a entrevistar um papagaio. Só mesmo a televisão de Carnaxide seria capaz de uma tal proeza».

Outra opinião: «A entrevista televisionada de 18 de Fevereiro, ao primeiro-ministro José Sócrates, pode ser chamada de conivência jornalística. Neste jogo de cartas marcadas, os que fazem figura de jornalistas estão ali só para fingirem que são isentos. Mas o seu verdadeiro papel é dar as "deixas" e evitar cuidadosamente perguntas que ponham em causa a política neoliberal do governo Sócrates. A técnica destes senhores é cingirem-se aos temas de conjuntura, esquecer os de estrutura e respingar uns salpicos de pequena política. Triste jornalismo este».

Esta visão da cordial conversa foi publicada no site www.resistir.info. Juntas, as três opiniões que transcrevi. completam-se e resumem exactamente o que penso da referida entrevista. Confesso, aliás, que não esperava outra coisa: de Sócrates, o elogio das suas políticas; dos jornalistas, o cuidado de não confrontar o «engenheiro» com a triste realidade social e económica de um país, onde cada vez mais portugueses, quando metem a mão no bolso, só tiram de lá os cinco dedos, como dizia o célebre humorista brasileiro, Apparício Torelli.

Bem pagos – e com emprego certo – os senhores jornalistas não estavam interessados em desagradar ao chefe, coisa perigosa nos tempos que correm. Na verdade, emprego e remuneração dependem sempre – e cada vez mais – de se estar (ou não) nas boas graças de quem manda. E quem manda, por agora, todos sabem quem é. Dobrar a espinha, refrear a língua, ser-se serviçal, faz bem à estabilidade laboral e à conta bancária.

Disse o «engenheiro» que vai conseguir criar os tais 150 mil novos postos de trabalho, pois já conseguiu criar 94 mil. E ninguém lhe perguntou quantos já se perderam, uma vez que o número de desempregados, em finais de 2007, era superior ao registado em finais de 2006, sendo, actualmente, o número mais elevado dos últimos 21 anos. A mistificação, própria para iludir atrasados mentais, passou impune.

Jornalista que se prezasse, que honrasse a sua profissão, teria dito ao chefe dos socialistas e do governo que, para lá da manipulação dos números, há uma realidade vivida por centenas de milhares de portugueses que nem das estatísticas fazem parte. Era forçoso ter lembrado ao distinto entrevistado que o INE só considera desempregados os que não têm emprego ou qualquer ocupação remunerada, e que, de algum modo, procuram obter um emprego. Os “biscateiros”, ou os desempregados que já desistiram de procurar emprego não contam, pelo que o desemprego real atinge muito mais de meio milhão de pessoas. A somar a isto, há milhares de portugueses, sobretudo jovens, em permanente subemprego, com situações precárias, saltando de call center para call center, sujeitando-se a situações verdadeiramente dramáticas em termos de retribuição e perspectiva de futuro.

Depois, há os milhares de portugueses que já desistiram de Portugal, o que seria, se vergonha fosse palavra – e conceito – que fizesse parte do património do PS e do seu capo, uma situação incontornável quando se fala de desemprego, recuperação económica e desenvolvimento. Quantos milhares de novos emigrantes já se espalharam por essa mundo fora, desde que Sócrates é senhor presidente do conselho de ministros? Só em Espanha e Inglaterra contam-se por 200 mil, e sempre a subir.

Isto é: os jornalistas não tiveram a coragem de confrontar Sócrates com as consequências reais das suas políticas, tanto na questão do desemprego, como nas outras áreas abordadas, com a Saúde e a Educação à cabeça. Em vez disso, foi um acabrunhante «sim, senhor primeiro-ministro», reverencial e calculista, não fosse o diabo tecê-las. Eles sabem bem do que Sócrates é capaz, e como certos jornalistas já sentiram na pele a chicotada das irritações do chefe dos socialistas. (Que me desculpem os socialistas a sério).

Mas estamos conversados a este respeito. Afinal de contas, as coisas não mudaram assim tanto desde os velhos tempos de Salazar e Caetano.

Uns dias antes, um homem que não se conforma com a situação miserável a que o país chegou, perguntava. «Como é que se percebe que, em 2006, em Portugal, 100 famílias tenham visto crescer os seus rendimentos em 36%, quando a esmagadora maioria da população teve os seus vencimentos estagnados?». A pergunta, feito por Carvalho da Silva, na apresentação de um estudo sobre as desigualdades elaborado pela CGTP, revela que, no outro lado da moeda, existem mais de 300 mil famílias sem rendimentos. Face a isto, quem se poderá espantar que Portugal seja, no âmbito da UE, o país onde o fosse entre ricos e pobres mais largo é, e, ainda por cima, está em alargamento constante?

A ilustrar o que acabei de dizer, dou-vos um belo e sugestivo exemplo. No campo Grande, foi construído, e está em fase de comercialização, um condomínio de luxo. Os preços começam em 1 milhão de euros nos pisos inferiores, vão subindo conforme a altura, e terminam em 4,5 milhões de euros, nos pisos superiores, ou seja, oscilam entre os 200 mil e os 900 mil contos. Uma ninharia. Apenas quero esclarecer que os pisos superiores (os tais de 900 mil contos), já foram todos vendidos.

Entretanto, milhares de portugueses, especialmente jovens casais, perdem as suas casas, pois o desemprego ou a degradação dos seus salários retiram-lhes o direito a uma habitação digna e, inclusivamente, à sua própria subsistência, tal como a Constituição da República determina e a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra. Em Portugal, pelo que se vê, tanto a Constituição da República, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só têm aplicação prática em 10% da população.

Esta teria sido outra boa questão para colocar ao senhor presidente do conselho. Mas é próprio dos passaritos reverenciarem o palrar dos papagaios.

Mas já que estamos a falar em desemprego e baixos salários, termino, para desanuviar, com uma interessante lista que ilustra precisamente o contrário. Trata-se uma breve recolha de exemplos onde se verifica que os senhores políticos têm sempre uma dourada linha de fuga após os seus gloriosos tempos de governação. Ou seja: que políticos e senhores da alta finança estabeleceram um eficaz vaivém de cadeirões e gabinetes, um toma-lá-dá-cá de convenientes conivências, de tal modo que ser-se ministro escancara as portas dos conselhos de administração de empresas públicas ou privadas, e ser-se gestor é meio caminho andado para se chegar a ministro.

Vamos, tão, à tal lista, onde podemos constatar como nomes célebres da política estão – ou estiveram – em altos cargos da gestão empresarial.

- Fernando Nogueira: de Ministro da Presidência, Justiça e Defesa, chegou a presidente do BCP Angola;

- José de Oliveira e Costa: de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
saltou para presidente do Banco Português de Negócios (BPN);

- Rui Machete: de Ministro dos Assuntos Sociais, foi a presidente do Conselho Superior do BPN e presidente do Conselho Executivo da FLAD;

- Armando Vara: ministro-adjunto do primeiro-ministro (demitido por indecente e má figura), passa a director adjunto da CGD, depois a administrador e, finalmente, a vice-presidente do BCP;

- Paulo Teixeira Pinto: de Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a presidente do BCP. (Depois de 3 anos de "trabalho", sai com 10 milhões de indemnização e mais 35.000 euros x 15 meses por ano, até à hora da sua morte…);

- António Vitorino: de Ministro da Presidência e da Defesa vai a vice-presidente da PT Internacional e a presidente da Assembleia-Geral do Santander Totta;

- Celeste Cardona: de Ministra da Justiça passou a vogal do CA da CGD;

- José Silveira Godinho: de Secretário de Estado das Finanças, a administrador do BES;

- João de Deus Pinheiro: de Ministro da Educação e Negócios Estrangeiros, a vogal do CA do Banco Privado Português;

- Elias da Costa: de Secretário de Estado da Construção e Habitação, a vogal do CA do BES;

- Ferreira do Amaral: de Ministro das Obras Públicas (que entregou todas as pontes a jusante de Vila Franca de Xira à Lusoponte) a presidente… precisamente da Lusoponte;

- Mira Amaral: de Ministro da Economia a administrador da CGD, de onde é reformado, após 18 meses de exaustivo trabalho, com uma reforma de 3.600 contos mensais.

E, caros amigos, por falta de espaço e tempo, fiquemo-nos por aqui, que para exemplo já basta. Mas são estes – ou outros parecidos – que compram os tais apartamentos de 900 mil contos.

Entretanto, viva a República!

E – principalmente – viva a Democracia nacional-socialista, que é, actualmente, o maior albergue de parasitas de que há memória neste desgraçado país.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/02/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

19/02/2008

MENSAGEM DO COMANDANTE-EM-CHEFE

Queridos compatriotas:

Prometi-lhes na última sexta-feira 15 de fevereiro que na próxima reflexão trataria de um tema de interesse para muitos compatriotas. Nesta ocasião a mesma adquire forma de mensagem.

Chegou o momento de postular e eleger o Conselho de Estado, o seu Presidente, Vice-presidentes e Secretário.

Desempenhei o honroso cargo de Presidente ao longo de muitos anos. Em 15 de fevereiro de 1976 foi aprovada a Constituição Socialista mediante o voto livre, directo e secreto de mais de 95% dos cidadãos com direito a voto. A primeira Assembléia Nacional foi constituída em 2 de Dezembro daquele ano e elegeu o Conselho de Estado e a sua Presidência. Com antecedência tinha exercido o cargo de Primeiro-Ministro durante quase 18 anos. Sempre dispus das prerrogativas necessárias para levar à frente a obra revolucionária com o apoio da imensa maioria do povo.

Conhecendo o meu estado crítico de saúde, muitos no exterior pensaram que a renúncia provisória ao cargo de Presidente do Conselho de Estado a 31 de Julho de 2006, que deixei nas mãos do Primeiro Vice-presidente Raúl Castro Ruz, era definitiva. O próprio Raúl, que adicionalmente ocupa o cargo de Ministro das F.A.R. por méritos pessoais, e o resto dos companheiros da Direção do Partido e do Estado, foram relutantes em considerar-me afastado dos meus cargos apesar do meu estado precário de saúde.

Era incómoda a minha posição na frente de um adversário que fez todo o imaginável para se desfazer de mim e de maneira nenhuma me agradava dar-lhe esse prazer.

Mais tarde consegui alcançar novamente o domínio total das minhas faculdades mentais, a possibilidade de ler e meditar muito, obrigado a isso pelo repouso. Ao mesmo tempo tinha suficientes forças físicas para escrever longas horas, que compartilhava com a reabilitação e os programas pertinentes de recuperação. Um elementar senso comum indicava-me que aquela atividade estava ao meu alcance.

Por outro lado sempre me preocupei em falar da minha saúde, para evitar ilusões que no caso de um desenlace contrário, trariam notícias traumáticas para o nosso povo no meio da batalha. Prepará-lo psicológica e politicamente para a minha ausência, foi a minha primeira obrigação após tantos anos de luta. Nunca parei de assinalar que se tratava de uma recuperação que não era “isenta de riscos.”

O meu desejo sempre foi cumprir o dever até ao último alento. É o que eu posso oferecer.

Aos meus estimáveis compatriotas que me deram a imensa honra de me elegerem em recentes dias como membro do Parlamento, em cujo seio devem adoptar-se acordos importantes para o destino da nossa Revolução, comunico-lhes que não aspirarei nem aceitarei - repito - não aspirarei nem aceitarei, o cargo de Presidente do Conselho de Estado e de Comandante-em-Chefe.

Em breves cartas endereçadas a Randy Alonso, Diretor do Programa Mesa-Redonda da Televisão Nacional, que a meu requerimento foram publicadas, incluíam-se discretamente elementos desta mensagem que hoje escrevo, e nem sequer o destinatário das minhas missivas conhecia o meu objetivo. Tinha confiança em Randy porque o conheci muito bem quando era estudante universitário de Jornalismo, e me reunia quase todas as semanas com os principais representantes dos estudantes universitários, do que já era conhecido como o interior do país, na biblioteca da ampla casa de Kohly onde eles moravam. Hoje o país inteiro é uma imensa Universidade.

Parágrafos selecionados da carta enviada a Randy a 17 de Dezembro de 2007:

“A minha mais profunda convicção é que as respostas aos problemas actuais da sociedade cubana, que possui uma média educacional aproximadamente de 12 graus, quase um milhão de diplomados universitários e a possibilidade real de estudo para os seus cidadãos sem discriminação alguma, requerem uma maior diversidade de resposta para cada problema em concreto que as contidas num tabuleiro de xadrez. Nem um só detalhe pode ser ignorado, e não se trata de um caminho fácil, se é que a inteligência do ser humano numa sociedade revolucionária tem que prevalecer acima de seus instintos.”

"O meu dever elementar não é assegurar cargos, nem muito menos obstruir o passo a pessoas mais jovens, mas sim, contribuir com experiências e ideias cujo valor modesto vem do tempo excepcional que me tocou viver.”

"Penso como Niemeyer, que é necessário ser conseqüente até ao fim.”

Carta de 8 de Janeiro de 2008:

"... Sou decidido partidário do voto unido (um princípio que preserva o mérito ignorado). Foi o que nos permitiu evitar as tendências para copiar o que vinha dos países do antigo campo socialista, entre eles, o retrato de um candidato único, tão solitário quanto ao mesmo tempo solidário com Cuba. Respeito muito aquela primeira tentativa de construir o socialismo, graças ao qual continuamos o caminho escolhido.”

"Tinha muito presente que toda a glória do mundo cabe em um grão de milho", reiterava naquela carta.

Trairia, portanto a minha consciência se ocupasse uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total que não estou em condições físicas de oferecer. Explico-o sem dramatismo.

Felizmente, o nosso processo ainda conta com quadros da velha guarda, unidos a outros que eram ainda mais jovens quando começou a primeira etapa da Revolução.
Alguns, quase crianças, incorporaram-se aos combatentes nas montanhas e depois, com o seu heroísmo e missões internacionalistas, encheram de glória o país. Eles têm a autoridade e a experiência para garantir a substituição. Igualmente o nosso processo dispõe da geração intermédia que apreendeu junto a nós, os elementos da complexa e quase inacessível arte de organizar e dirigir uma revolução.

O caminho será sempre difícil e precisará do esforço inteligente de todos. Desconfio dos caminhos aparentemente fáceis da apologética, ou a autoflagelação como antítese. Preparar-se sempre para a pior das variantes. Ser tão prudentes no êxito quanto firmes na adversidade, é um princípio que não pode esquecer-se. O adversário a derrotar é extremamente forte, mas mantivemo-lo controlado durante meio século.

Não me despeço de vocês. Só desejo combater como soldado das ideias.

Continuarei a escrever sob o título "Reflexões do camarada Fidel".

Será mais uma arma do arsenal, com a qual se poderá contar. Talvez a minha voz seja escutada. Serei prudente.

Obrigado


Fidel Castro Ruz
18 de Fevereiro de 2008

17/02/2008

TIMOR

Passada uma semana sobre os incidentes em Timor Leste em que Ramos Horta foi vítima de um atentado, estranha-se que pouco ou nada se saiba sobre os pormenores, principalmente o que teria supostamente levado o Major Reinado a cometer tal acto, quando se sabe que brevemente iria ser amnistiado e que seriam convocadas eleições antecipadas, havendo já um acordo de princípio com o Partido mais votado, a Fretilin, que por manobras pouco transparentes não foi designado para formar governo.

Tudo está muito mal contado e esperemos que o Presidente Ramos Horta possa sobreviver e que tenha a coragem de contar toda a verdade sobre o assunto, mesmo que tenha de denunciar os velhos “amigos” e renunciar a outros interesses políticos e económicos.

Se o Major Reinado tinha afirmado recentemente que só obedeceria ao Presidente da República, porque carga de água é que o iria matar ?

Se o Major Reinado foi com um grupo de homens praticar tal acto, onde estão os outros mortos e feridos, sem ser o seu adjunto ?

Se o Tenente Salsinha montou uma emboscada ao primeiro-ministro Xanana, onde estão as provas reais de tal acto, sem ser as declarações do próprio Xanana ?

É assim pertinente a questão que circula em Dili: a quem interessaria a morte de Ramos Horta ou de Reinado ?


Celino Cunha Vieira

13/02/2008

DO RAMBO DE TIMOR, AO CALADINHO DE S.BENTO

Não consigo ouvir a palavra Timor sem que, cá dentro – no sítio onde dizem que o coração, ao assinalar as emoções, muda de ritmo e, por vezes, parece até doer ao cavalgar dores ou alegrias – algo se manifeste à revelia da minha vontade.

A verdade é que passei dois anos da minha juventude naquela terra de muitas e variadas gentes, onde timorenses, europeus (quase todos ali presentes em chamada missão de soberania), chineses (que dominavam todo o comércio), africanos, indianos e, por fim, a mistura de todas estas raças, conviviam num clima de aparente tolerância e relativa afectividade. É claro que os timorenses, na base da pirâmide, acabavam por ser, na sua própria terra, quem nenhuma voz activa tinha na vida social e económica (a vida política, nesse tempo, era coisa ferreamente reservada aos representantes do Estado) limitando-se, na sua maioria, a sobrevier praticamente à custa de uma agricultura precária, já que a pesca era ainda mais frágil e incipiente.

Depois, tínhamos os donos da terra: o clã do velho Carrascalão (que para ali fora deportado nos primórdios do fascismo, e que tomara tudo o que a vista alcançara). A filharada pai Carrascalão vivia aparte de tudo, contra tudo, acima de tudo. Não se sentiam europeus, porque nasceram mestiços. Também não se sentiam timorenses, porque prezavam o seu sangue branco e o seu estatuto de amos e senhores. Detestavam a tropa, não pelo seu peso colonial, mas porque lhes roubavam o mando a que julgavam ter direito. Enfim, eram a face mais conflituosa – e preconceituosa – da sociedade daquele tempo.

Seja como for, os dois anos que passei naquela metade de ilha foram uma experiência extraordinária, não só pela relação com uma realidade colonial, que muito me ensinou, como também pela ligação aos diversos extractos sociais, onde as clivagens me pareciam absurdamente esbatidas. Depois, o mar e os seus corais, as montanhas e a floresta, o sol radioso, as acácias vermelhas, as chuvas densas e fortíssimas da monção – mais certas e infalíveis que um relógio suíço – ou o perfume tropical de uma terra quase virgem, deixaram-me marcas que jamais perderei. Nem quero.

Mas vêm estas divagações a propósito do atentado perpetrado pelo major Alfredo Reinado, um rapazola a soldo dos interesses ocidentais, interesses que têm nos australianos e norte-americanos os seus principais representantes.

Na verdade, Alfredo Reinado reinou à fartazana com a tolerância – nem sei se deva dizer: com o apoio – de Xanana Gusmão, Ramos Horta e toda a tropa aliada que ali está para salvaguardar a possibilidade de Timor ser, de facto, dos timorenses. Alfredo Reinado saiu da prisão quando quis, como quis, com quem quis, com as armas que quis e, posteriormente, instalou-se, com os seus seguidores, onde quis. Deu as entrevistas que quis, movimentou-se como e quando quis e, se não foi recapturado, meus amigos, foi, apenas, porque ninguém… quis. O homem dava jeito.

Xanana e Ramos Horta, há muito rendidos aos ditames das radiosas democracias ocidentais – e, por isso, um saiu da prisão de Jacarta, e o outro foi prémio Nobel (e ambos presidentes da república e primeiros-ministros) – acabaram por ser vítimas do monstro que criaram e alimentaram. O que falta saber é se Reinado, de costas quentes pelos amigos ocidentais, se precipitou na execução do golpe, ou se alguém, em Camberra ou Washington, acreditou demais na capacidade do pequeno Rambo.

O que é certo, é que Xanana, Ramos Horta e os seus aliados Carrascalões e Cia., terão começado a perceber que não podiam governar Timor sem estabelecer laços com as forças políticas que, de facto, representam o povo timorense, entre as quais se destaca a Fretilin, onde Xanana nasceu como político e patriota e que, depois dos compromissos que o devolveram á liberdade, renegou sem pudor, para não dizer que traiu miseravelmente.

E foi assim que Timor, pequeno e pobre (mas com razoáveis jazidas petrolíferas, que a Fretilin quis fazer reverter a favor do povo timorense, e por isso, foi apeada pela santa aliança pró-ocidental) se tornou palco de mais um acto da longa tragédia política que a rapaziada dos dólares ali tem em cartaz.

Reinado morreu, veremos quem é o próximo Rambo. Ou totó.

Viajemos, agora, até ao nosso país, onde a tragédia em cena assume, por vezes, aspectos de comédia burlesca e rasca.

Soubemos que o desemprego atingiu o seu mais alto nível dos últimos 21 anos. O «engenheiro» Sócrates, porém, calou-se. A fantasia dos 150 mil novos empregos foi chão que deu uvas. Ou ele quereria dizer: menos 150 mil empregos?

Soubemos que Portugal precisaria de 60 anos, ao ritmo actual das políticas implementadas pelos socialistas, para alcançar a escolaridade média da União Europeia. O «engenheiro» Sócrates não solta um pio sobre esta triste realidade.

Soubemos que o governo socialista quer acabar com o Conservatório Nacional. A denúncia circula por aí nestes termos: «Disto, já se suspeitava há algum tempo, mas agora é público: o Ministério da Educação quer mesmo acabar com a Escola de Música do Conservatório Nacional. Por isso, se o deixarem, uma instituição com quase 180 anos, que já nos deu Maria João Pires, Bernardo Sassetti e tantos outros, tem os dias contados. Já não se trata de destruí-la devagarinho, como até aqui – deixando-a cair aos bocados, como o órgão do século XVIII a deteriorar-se, ou o Salão Nobre quase a ruir sobre a plateia. Desta vez, a sinistra ministra quer fazer o serviço de uma só vez. Com três golpes tão rápidos e certeiros que, espera ela, ninguém vai sequer perceber o que se passa.

O primeiro golpe é acabar com os Cursos de Iniciação. Crianças dos 6 aos 9 anos de idade vão deixar de ter acesso às 6 horas semanais de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática hoje ministradas pelo Conservatório.

O segundo golpe é matar o Ensino Articulado. Adolescentes com talento musical já não poderão conciliar a formação artística de alto nível do Conservatório com a frequência às outras matérias da sua escola habitual. Quem quiser ser músico, a partir de agora, tem que decidir profissionalizar-se aos 10 anos de idade – sem poder voltar atrás.

Por fim, o golpe de misericórdia é dar cabo do Ensino Supletivo – o regime que tem formado, ao longo dos anos, a maior parte dos músicos portugueses. De Alfredo Keil a Pedro Abrunhosa, passando por centenas e centenas de outros».

Quanto a isto, Sócrates cala-se que nem um rato.

Outras notícias dizem-nos que quase duas mil famílias tiveram de pedir auxílio para não perderem as casas. As dívidas são o novo flagelo da sociedade moderna portuguesa. A crise perpétua em que vivemos, agravada pela subida das taxas de juro e pelo desemprego, está a deixar cada vez mais famílias em situação desesperada.

Associado a isto, está o crescimento do crédito malparado, que mantém a tendência iniciada no final de 2006. De acordo com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, o crédito de cobrança duvidosa atingiu, no final de Novembro, os 2.367 milhões de euros, o que representa um crescimento de 129 milhões, face ao mês anterior, e de 209 milhões, face ao período homólogo.

E Sócrates sem tugir nem mugir.

Mas, às vezes, Sócrates ainda fala. No dia 10 de Janeiro, garantia que iria ser construída uma nova ponte sobre o Tejo, aliás um projecto que já não é novo e, por acaso, bastante consensual. Porém, dias depois, o impagável ministro Mário Lino vem informar que, afinal, mandou o LNEC estudar outras alternativas. O que era certo num dia, passou a incerto noutro.

E Sócrates, que durante meses nunca se calava, voltou a meter a viola no saco.

O director da Polícia Judiciária, que é amigo íntimo do ministro da Administração Interna, matou a investigação do caso Maddie. Nada de espantar. Desde cedo se percebeu que o governo inglês, da mesma família política do governo português, apostava forte na protecção dos Macann, cujas ligações ao Partido Trabalhista são do conhecimento público. Tarde ou cedo, aqui chegaríamos. Parece que já chegámos.

E Sócrates nada tem a dizer.

Aparentemente, eclipsou-se a verve do senhor «engenheiro» de (pelos vistos) obras feitas… mas pelos outros.

Mas o que interessa aos portugueses a vida nacional? Na verdade, e a julgar pelos noticiários, o que realmente é importante para nós – e para o mundo – é o folclore milionário das escolhas dos candidatos às eleições presidências norte-americanas.

Pelo que somos forçados a engolir diariamente – e pelo que comemos por tabela em resultado da política do império – bem deveríamos exigir o direito de também votarmos naquela palhaçada.

Não acham?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/02/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

06/02/2008

AINDA A ESQUERDA MODERNA

- Factos e ameaças

Se alguém está à espera que fale da remodelação ministerial, declaro desde já que não falarei disso. Porque não houve remodelação. Só a teríamos se Sócrates e o PS deixassem o país em paz. Mas a gamela do poder é como a droga. Vicia. E os que nela chafurdam, não conseguem deixá-la de livre vontade. Por isso, vamos a coisas mais interessantes.

Li o título da notícia e esfreguei os olhos. Isto é: numa primeira reacção, não acreditei. No entanto – e preto no branco – ela ali estava, a merecer honras de primeira página no Correio da Manhã. E um juiz do Tribunal Constitucional, para que dúvidas não tivéssemos, confirmava, em declarações prestadas ao jornal, a sua veracidade. «Várias dezenas de titulares de cargos políticos solicitaram ao Tribunal Constitucional que o conteúdo das suas declarações de rendimentos fossem ocultadas da opinião pública».

Ora aqui está – pensei eu – um bom exemplo de transparência política, certamente inspirado nos valores da Esquerda Moderna, essa coisa defendida pelo «engenheiro» Pinto de Sousa, também conhecido por Sócrates.

Um dia depois, volto a sentir-me vítima de outra alucinação. Duas confederações patronais (as confederações da Indústria Portuguesa e a do Comércio e Serviços) querem alargar a figura do despedimento com justa causa com base na necessidade de renovar o pessoal das empresas. Querem, também, diminuir o montante das indemnizações. Se bem entendi, sempre que uma empresa entenda necessitar de trabalhadores diferentes dos que tem, porque admite, por exemplo, que gente nova pode dar mais rendimento por menos dinheiro, pode atirar para o olho da rua, com justa causa, qualquer dos trabalhadores ao seu serviço. Li e reli. Mas isto, entre outras coisas, estava lá: «A CIP sustenta que, por vezes, as empresas estão apenas carecidas de trabalhadores diferentes e não de menos trabalhadores. Daí que a renovação do quadro deva ser integrado como fundamento legitimador (da justa causa para despedimento).» Depois de me beliscar – e me ter doído – percebi que não estava a sonhar.

E, inevitavelmente, lá concluí que nada disto pode estar dissociado da emergência desse novo conceito ideológico, que dá pelo nome de Esquerda Moderna, tão querido do senhor presidente do conselho de ministros.

Outra notícia, esta por via particular, chega-me às mãos. Um trabalhador da Carris, com 33 anos de serviço, é informado que o seu posto de trabalho na empresa foi extinto. Não foi despedido, mas as ofertas para executar funções diferentes das que sempre desempenhou – e para as quais não está habilitado, nem com idade para a elas se adaptar física e psicologicamente – (trinta e três anos não são trinta e três dias, ou meses) conduzem para um quadro de rescisão por saturação psicológica muito provável. Ao fim de uma vida de trabalho, aí está eminente mais um drama que a crueldade dos senhores do mando, beneficiando do clima da governação socratiana, não hesitam em provocar. Mas a Esquerda Moderna é mesmo assim.

O concurso público para gestão do célebre Hospital Amadora-Sintra já deveria estar programado, pois o contrato com o grupo Mello termina em 31 de Dezembro deste ano. No entanto, segundo parece, o Governo esqueceu-se que o prazo para denunciar esse contrato terminava em 31 de Dezembro do ano passado, pelo que, se assim for, já não irá agora a tempo de cessar esse vínculo. Em consequência, não haverá concurso público, conforme o governo socialista tinha prometido, do que resultará o favorecimento do grupo Mello, que assim, sem mais chatices, continuará a explorar a loja que a governação lhe ofereceu.

E lá me veio à cabeça a cativante expressão Esquerda Moderna, mais os seus altos valores éticos e sociais.

Como se vê, nesta Esquerda Moderna mamam, como sôfregos leitões nas tetas da porca da sua mãe, os clãs que dominam a economia nacional. E há tetas à fartura para todos. Suculentas, macias, rosadinhas, de um rosa velho made in Largo do Rato, que está mais mãos-rotas para os senhores do capital que os velhos coitos do velho regime de Salazar e Caetano.

Depois de dominarem o sistema financeiro a seu bel-prazer, acumulando lucros sobre lucros – e sempre fabulosos – mas não pagando impostos na mesma proporção dos lucros anunciados, a Esquerda Moderna pô-los a mamar na Saúde, na Educação (onde, aliás, depois, vai comprar licenciaturas, bacharelatos, e outros títulos, alguns deles pagos a prestações), nas Obras Públicas, oferecendo-lhes estradas e pontes, ou na Cultura, oferendo ao impagável Berardo um vasto espaço público – e ainda lhe pagando por cima.

Perante isto, é um Sócrates que vai perdendo o fôlego e baixando a grimpa, que vemos a negar, sem convicção, mais algumas trapalhadas da sua vida como político e, principalmente, como «engenheiro».

E lá volto eu às notícias incríveis:

«Sócrates assinou, durante uma década, projectos da autoria de outros técnicos», garante o jornalista José António Cerejo, homem que conheço há vários anos, e por cuja honradez e mérito profissional ponho as mãos – ou qualquer parte do corpo – no lume.

E mais à frente: «José Sócrates assinou numerosos projectos de edifícios na Guarda, ao longo da década de 80, cuja autoria os donos das obras garantem não ser dele. Nalguns casos, esses documentos eram manuscritos com a letra de Fernando Caldeira, um colega de curso do actual primeiro-ministro que era funcionário do município e que, por isso, não podia assumir a autoria de projectos na área do concelho».

Pasmado, continuo a ler: «O primeiro-ministro diz que assume “a autoria e a responsabilidade de todos os projectos” que assinou e que a sua actividade profissional privada se desenvolveu “sempre nos termos da lei”. Embora se trate de uma prática sem relevância criminal, as chamadas “assinaturas de favor” em projectos de engenharia e arquitectura constituem uma “fraude à lei”, no entendimento do penalista Manuel Costa Andrade, e são unanimemente condenadas pelas organizações profissionais dos engenheiros técnicos e dos engenheiros.

A actividade privada do actual primeiro-ministro como projectista de edifícios era publicamente desconhecida até que, em Junho do ano passado, um antigo presidente da Câmara da Guarda, o também socialista Abílio Curto, a ela se referiu numa entrevista. “Uma vez disse-lhe [a José Sócrates] que ele mandava muitos projectos para a Câmara da Guarda, obras públicas, particulares. (...) O que sei é que nem todos os projectos seriam da autoria dele. Mas isso levar-nos-ia muito longe e também não vale a pena”, afirmou o ex-autarca à Rádio Altitude, pouco depois de ter terminado o cumprimento de uma pena de prisão por corrupção passiva».

Desculpem-me se sou desmancha-prazeres, mas, perante esta escabrosa situação, o grave, para mim, não é que Sócrates tenha assinado projectos que não eram seus. O verdadeiramente grave, face ao que vamos sabendo, seria se os projectos tivessem sido, realmente, da sua autoria.

Tome-se, como exemplo, no que está a dar o seu projecto político. Um descalabro social, um colapso económico, um país em vias de ruir. Se é que já não ruiu, de facto

Bem, meus amigos, agora que já percebi o que é a Esquerda Moderna, muito obrigado, mas rejeito.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/02/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

03/02/2008

OS AJUDANTES DE SÓCRATES

Como é possível alguém ainda ter disposição para se divertir no Carnaval, quando acabamos de perder dois excelentes ministros que tudo fizeram para cumprir à risca as directivas do seu chefe Pinto de Sousa, mais conhecido por José Sócrates ?

A senhora agora afastada promoveu a cultura deste país de uma forma inovadora, porque sem nos aperceber, sentimo-nos muito mais cultos e letrados, já que a cultura passou a ser acessível a todos com a substancial diminuição do preço dos livros ou das entradas para os cinemas e teatros. Cada vez há mais manifestações artísticas e em todas as áreas da cultura sente-se o dinamismo por ela implementado. A senhora até conseguiu que as visitas à exposição do Berardo continuem a ser de borla…

Quanto ao outro, o Campos, brindou-nos sempre com pérolas de extrema pertinência, lembrando-nos que se as nossas avós não tivessem morrido, ainda hoje estariam vivas.

Parece que agora o Tribunal e Contas vai investigar a negociata de um programa informático que ele mandou instalar em alguns hospitais sem ter feito o necessário e obrigatório concurso público, adquirindo-o por adjudicação directa e pelo dobro do valor normal a uma empresa criada em 1999.

Quem o desejar, pode aceder à página da empresa (www.mni.pt) ou à do programa informático (www.alert-online.com) e verificar as grandes potencialidades que oferece, destacando-se, entre outras, as seguintes:

“Controlo de análises clínicas: inicialmente, foi feito um estudo acerca dos custos de análises clínicas versus pedidos. Este estudo revelou que uma análise mais dispendiosa era frequentemente requisitada. De forma a controlar esta despesa, a partir desse momento, estabeleceu-se um protocolo que exigia a realização de um determinado procedimento antes da requisição da análise e que iria determinar se essa análise era realmente necessária. Este estudo, realizado com base em informações do ADW, ajudou o Serviço de Urgências a reduzir custos desnecessários em análises clínicas”.

Ou seja, há que controlar os médicos perdulários que requisitam análises clínicas dispendiosas só para chatear o ministro ou o próprio doente. Assim, complica-se o procedimento para o médico, com o objectivo de o dissuadir a gastar dinheiro ao ministério da saúde que tanta falta faz para comprar programas informáticos ou viaturas para os administradores.

“Reforço de equipas: tendo por base a análise dos dados do ADW, um director de um Serviço de Urgência (S.U.), notou que algumas tarefas relativas a uma determinada área estavam, na sua maioria, a ser executadas por um profissional de saúde de outra área, sobrecarregando-o com trabalho. Desta forma, foi possível identificar uma área que necessitava de reforço de pessoal.
Num S.U. em que o ADW foi implementado havia duas estações de triagem. A análise aos dados de atendimento por hora e por dia mostrou que, por vezes, quando havia mais pacientes no S.U., o tempo entre o registo e a triagem aumentava. Procedeu-se, então, à realocação de mais pessoal para a equipa de triagem durante esses períodos, o que diminuiu o tempo de espera para o atendimento por um médico”.

Então para isto é preciso um programa informático ? Se o director de um Serviço de Urgência nota estas falhas, logicamente que fará deslocar pessoal, desde que ele exista, pois na prática e com as medidas restritivas à contratação, o mais certo é que tudo continue na mesma.

“Avaliação de desempenho: o ADW forneceu dados para um director de S.U. analisar o desempenho dos profissionais, permitindo identificar aqueles que contribuíam para o bom funcionamento do serviço e, por outro lado, aconselhar aqueles que necessitavam de melhorar o seu desempenho”.

Aqui está o sistema pidesco a funcionar de uma forma encapotada, já que se “aconselha” quais os profissionais que necessitam de melhorar o seu desempenho, para de seguida os mandar para o desemprego ou para o quadro de excedentes.

Se tudo isto fosse obra dos ministros agora demitidos, ainda poderíamos ter esperança que tudo melhorasse com a sua substituição, mas infelizmente a política vai continuar a ser exactamente a mesma, já que, não tenhamos ilusões, o único responsável é o senhor Sócrates; os outros são apenas ajudantes.

Onde é que eu já ouvi isto ?


Celino Cunha Vieira

01/02/2008

DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE GENOCÍDIO

Em Portugal tudo é pequeno. Quase tudo. Apenas a pouca-vergonha, a corrupção e a fúria saqueadora da oligarquia instalada (ou seja: o PS de braço dado com os donos do capital financeiro) são enormes, gigantescas. Por isso, quando os portugueses vão caindo como tordos às portas das urgências hospitalares – ou dentro delas – ou à espera que o INEM decida socorrer o desgraçado que agoniza deitado no passeio, ou caído no corredor da sua casa, não se pode dizer, para sermos rigorosos, que estejamos perante um genocídio. Ainda é cedo. Por enquanto, é apenas uma espécie disso, já que, de facto, as políticas do PS, designadamente nos capítulos da Saúde, relações laborais e Segurança Social, ainda não matam em massa e em ritmo industrial. Mas matam.

É verdade que há, também, as mortes silenciosas e invisíveis (ditas naturais) registadas entre aqueles milhares que vão definhando, escondidos em casebres e casinhotas esconsas das aldeias ou das cidades, ou em qualquer outra paragem deste país em putrefacção. São os que não alcançam os patamares mínimos da dignidade humana, sem meios para se alimentarem capazmente ou – muito menos – para acederem a cuidados de saúde que lhes evite a morte prematura. Morrem anónimos, minadinhos pela incúria e indiferença dos Salazares cor-de-rosa. Morre-se por má nutrição e falta de assistência médica e medicamentosa, porque gente há, aos milhares, que se esconde dentro do seu sofrimento e da sua miséria, de tal modo habituada à dor e ao definhamento, que isso toma por coisa natural, como se a sua condenação à morte lenta não passasse de um desígnio, de um ditame da ordem natural das coisas.

Sócrates, com a sua voz de flauta, que produz sempre os mesmos estranhos e duvidosos requebros – vá lá saber-se se por vaidade, se por gostar de se ouvir no delicodoce registo que a natureza, matreira, lhe deu – garante, sem se rir, que Portugal nunca foi governado tão à esquerda e com tantas preocupações sociais.

Não sei o que pensam deste delírio os dois milhões de pobres, mais os outros novos pobres que não entram nestas estatísticas, nem as famílias dos mortos que já perceberam qual é a política de Saúde do PS, nem o meio milhão (pelo menos) de desempregados, nem as dezenas de mulheres que foram forçadas a parir no meio de uma auto-estrada ou estrada nacional, nem as centenas de milhares de portugueses que, nos últimos anos emigraram, nem os milhões de portugueses que, todos os dias, perdem poder de compra, nem os casais que ficam sem a casa, porque as tais «políticas de esquerda» lhes deram cabo do orçamento familiar, nem os jovens que procuram, em vão, o primeiro emprego, nem os milhares de portugueses que só encontram trabalho precário e mal remunerado, nem os reformados, que sofreram agravamentos fiscais que lhes reduziram as já de si reduzidas reformas, nem aqueles que já evitam acender a luz, à noite, para que a conta da luz não corroa o fraquíssimo rendimento mensal.

Sócrates não sabe – ou finge não saber – que milhões de portugueses sabem, hoje em dia (e alguns pela primeira vez nas suas vidas) o que significa a expressão «comer o pão que o diabo amassou». Sócrates não sabe – ou finge não saber – que nunca se viveu tão mal em Portugal e que nunca, neste pobre país, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres se alargou até tocar as fronteiras da mais desavergonhada obscenidade.

Sócrates e o seu governo – onde abundam os mais ridículos, mentirosos e incompetentes ministros de que há memória nos últimos anos – mais os seus fiéis deputados na Assembleia da República (ou seja: o Partido Socialista), são todos, material e objectivamente, responsáveis pela miserável situação do país, onde uma economia à deriva só deixa margem de manobra para o grande capital financeiro, que nunca encheu as arcas como agora sucede. São os responsáveis pelas mortes que uma política de saúde criminosa já provocou – ou não pôde evitar.

«Era evidente, quando o dissemos, há um ano, que o encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente sem estar finalizada a reestruturação das Urgências era um crime.» Isto disse o bastonário da Ordem dos Médicos perante os casos mais recentes de mortes por falta de assistência médica. Pedro Nunes disse ainda que, «mais cedo ou mais tarde, estes casos teriam de acontecer», e que «casos idênticos repetir-se-ão, se não for rapidamente repensado o sistema».

No meio desta espécie de genocídio, e como óleo indispensável a lubrificar as grandes negociatas públicas e privadas – e a mistura das duas, num caldeirão de promiscuidades, de que o BCP é um belo exemplo – aí está a voz insuspeita de Marinho Pinto a clamar, do alto do seu estatuto de bastonário da Ordem dos Advogados, aquilo que toda a gente sabe. A corrupção e o clientelismo proliferam como cogumelos venenosos, que crescem e medram até nos mais altos níveis do aparelho do Estado. Não é novidade, mas sabe bem ouvir isto dito assim, de tal modo que o senhor Procurador-Geral da República, como se pela primeira vez de tal coisa tivesse ouvido falar, lá decidiu, com este empurrão, tomar as providências necessárias ao esclarecimento de tão desgraçada denúncia.

Mas a coisa não é nova. Aqui há tempos, alguém disse exactamente isto: «A cooperação prestada por responsáveis dos serviços de contribuições e impostos permitir-me-ia consolidar as suspeitas de que a falsificação de facturas visava diversas finalidades, em que avultavam a evasão fiscal, a obtenção de benefícios fiscais ilícitos, o pagamento de salários e gratificações ocultos ou não autorizados, a realização de negócios com o exterior e a corrupção de agentes da administração e do poder político.»

Estas palavras, então, caíram em saco roto, apesar de terem sido proferidas pelo então Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues. Veremos se, agora, a coisa avança.

Na semana passada falei de casos em que o tráfico de influências, favorecimento pessoal a partir do poder que se detém, o amiguismo e o clientelismo são moeda corrente atrás dos reposteiros da política. Da nova classe de boys, os chamados «manos», que por estarem ligados a altas figuras do PS, conseguiram os seus jobs na administração pública. Também nas câmaras municipais abundam os cunhados e demais elementos dos agregados familiares dos senhores presidentes e respectivos acólitos. O que é preciso é a malta safar-se, enquanto a coisa está a dar.

Trinta e quatro anos depois do 25 de Abril, a distinta classe política está bem e recomenda-se. Entrou em concubinato descarado com os senhores do cimento, das finanças e de outros valores e instrumentos que vão passando carinhosamente do público para o privado e, entre ternas manifestações de amiganço, satisfazem-se uns aos outros, revezando-se no deter das rédeas, num toma-lá-dá-cá indecente e, até ver, completamente impune.

Mas é um festim caríssimo, onde os chorudos ordenados, as opíparas e várias reformas, os abundantes e sempre disponíveis altos cargos na administração pública ou no privado, as muitas e variadas benesses e mordomias – carro às ordens, gasolina, cartões de crédito, despesas de representação, motorista, telemóvel, linhas de crédito especiais e, principalmente, impunidade absoluta em caso do caldo azedar – exigem dos miseráveis plebeus a contribuição necessária à liquidação da factura.

É um baile macabro, porque, para o consumarem, tiram vida às vidas de cada um de nós – e, como se viu, sacrificam até a vida daqueles que, mais infelizes ou desprotegidos, com ela pagam o facto de terem nascido neste triste e anémico país.

Até ver, é o triunfo dos porcos.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/01/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1997, 2007 © Guia do Seixal

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