31/12/2008

DO GUETO DE VARSÓVIA À FAIXA DE GAZA

O ano de 2008 termina como começou e decorreu. Pesado, triste, injusto, violento, manchado de sangue, sujo de fome e de sofrimento para milhões de pessoas. Os senhores que mandam – tanto do alto do poder económico como na política, através dos seus homens de mão – mostraram a sua face hedionda. Os escândalos rebentaram uns a seguir aos outros, provando qual a marca genética do capitalismo reinante.

O povo critica-os, despreza-os, vai percebendo cada vez melhor quem eles são, mas, como que por hipnose, continua a sustentá-los, a mantê-los. No fundo, a deixar-se governar por esta gente.

Portugal, entregue a um pardacento aprendiz de Salazar, arrogante e insensível aos problemas sociais (que só tem agravado) – mais desemprego, mais trabalho precário, menos poder de compra, pior educação, pior saúde, pior segurança social, estagnação económica e a inevitável recessão – tornou-se um feudo do Partido Socialista.

Não vale a pena gastarmos muitas palavras para caracterizar a governação do «engenheiro-chefe», mas há dois exemplos que, na singeleza da forma como contrastam, dizem tudo a respeito da rapaziada cor-de-rosa que abocanhou o poder em Portugal.

Atentemos no Diário da República n.º 255, de 6 de Novembro 2008:

Exemplo 1:

No aviso n.º 11.466/2008 (2.ª Série), declara-se aberto concurso no I.P.J. para um cargo de «assessor», cujo vencimento anda à volta de 3.500 euros (700 contos mensais). Na alínea 7 lê-se: «Método de selecção a utilizar é o concurso de prova pública que consiste na (...) Apreciação e discussão do currículo profissional do candidato.»

Exemplo 2:

No Aviso simples da pág. 26.922, a Câmara Municipal de Lisboa lança concurso externo de ingresso para «coveiro», cujo vencimento anda à roda de 450 euros (90 contos) mensais. E ali se lê que o método de selecção é o seguinte: «Prova de conhecimentos globais de natureza teórica e escrita, com a duração de 90 minutos. A prova consiste no seguinte:

1. - Direitos e Deveres da Função Pública e Deontologia Profissional;
2. - Regime de Férias, Faltas e Licenças;
3. - Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos.»

Depois, vem a prova de conhecimentos técnicos: Inumações, cremações, exumações, trasladações, ossários, jazigos, columbários ou cendrários.
Por fim, o homem tem que perceber de transporte e remoção de restos mortais. Os cemitérios fornecem documentação para estudo. Para rematar, se o candidato tiver:

- A escolaridade obrigatória, somará + 16 valores;
- O 11º ano de escolaridade, somará + 18 valores;
- O 12º ano de escolaridade, somará + 20 valores.

No final, haverá um exame médico para aferição das capacidades
físicas e psíquicas do candidato.

Tudo isto, meus amigos, para um vencimento de 450 euros mensais! O outro, o boy socialista, que vai arrecadar 3.500 euros por mês, só precisa de uma cunha.

Está tudo dito. Tem sido assim desde que Sócrates subiu ao poder, e assim vai continuar a ser até que ele seja apeado e substituído por gente séria e decente. Entretanto, será este regabofe do socialismo de plástico.

Se em Portugal é assim, no mundo, a pata dos poderosos não deixa de esmagar quem se lhe oponha. Pela força, ou pela dependência económica. O ano termina com uma das mais violentas carnificinas em que os sionistas neo-nazis de Israel são peritos.

Convém aqui recordar a história recente, que as boas consciências ocidentais se esforçam por apagar. Após a II Grande Guerra, e utilizando como argumento os massacres nazis (que não foram praticados apenas sobre judeus, mas, como se sabe, sobre comunistas, socialistas, sindicalistas, católicos, democratas sem filiação definida e outros opositores ao nazismo, pois todos estes homens e mulheres alimentaram as câmaras de gás e os fornos crematórios), os judeus reforçaram a exigência de criar um estado na Palestina.

A Inglaterra, que administrava o território como potência colonial, tinha consciência da instabilidade que a criação desse estado provocaria na comunidade árabe, mas os EUA, que emergiam da guerra como uma nova potência, e sob a pressão do sionismo, cuja força económica sempre foi determinante na economia norte-americana, pressionaram a favor da causa judaica.

A tragédia do povo palestiniano tinha início, e sucedia ao drama da ocupação inglesa. De facto, em 1947, a Inglaterra submete a questão às Nações Unidas, cuja Assembleia, ignorando todos os argumentos e apelos dos palestinianos, aprova a partilha da Palestina entre árabes e judeus. Em 14 de Maio de 1948, a Inglaterra retira-se da Palestina e os judeus proclamam o Estado de Israel, ocupando as melhores terras e controlando os recursos hídricos, essenciais numa zona por natureza árida. Face ao esbulho, os árabes da Palestina, do Egipto, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano declaram guerra ao recém-criado Estado de Israel, ignorando a excelência do potencial bélico sionista, devidamente fornecido pelas potências ocidentais.

Com a vitória dos judeus, em 1949, são estabelecidas fronteiras ainda mais draconianas. Cerca de 75% da Palestina é incluída nas fronteiras de Israel; Jerusalém foi dividida entre Israel e Jordânia. O estado árabe-palestiniano deixa de existir. Quase 2/3 da população árabe é forçada a abandonar as suas casas e torna-se refugiada. Centenas de milhares de palestinos emigram para os estados árabes, nos quais passaram a sobreviver em acampamentos precários, e onde, periodicamente são chacinados pelos sionistas e seus aliados. Os que permaneceram, ficaram na condição de refugiados na sua própria pátria.

Nos campos de refugiados, desde então, nasceram, sofreram e morreram gerações inteiras de palestinianos. Será, assim, motivo de espanto que os palestinianos resistam e lutem pelo seu direito a viverem, livre e dignamente, na sua própria terra?

Apesar da comunidade internacional pouco mais fazer do que derramar lágrimas de crocodilo pela infelicidade dos palestinianos, e porque é sempre bom, em política, salvar as aparências, foram aprovadas numerosas resoluções nas Nações Unidas, apelando à paz, ao retorno dos refugiados às suas terras e casas (as que não tiverem sido ocupadas ou destruídas pelos judeus), exigindo a retirada dos sionistas dos territórios ocupados e o estabelecimento de fronteiras permanentes. Israel não acatou nenhuma delas.

Curiosamente – ou talvez não – os paladinos «justiceiros» norte-americanos, que já invadiram países, depois de sobre eles derramarem toneladas de bombas, argumentando que não cumpriam resoluções da ONU, ainda não tiveram oportunidade de invadir Israel e obrigar os judeus a respeitar as resoluções que os vinculam.

Aparentemente – e de acordo com a velha filosofia nazi – para norte-americanos e judeus, os palestinianos não deverão ser seres humanos, ou, sendo-o, não se lhes aplica, por qualquer desconhecida razão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nem dos animais…

Socorramo-nos de um artigo publicado no New York Times, pela altura da célebre visita do Papa, João Paulo II, em 1999, ao campo de refugiados de Dehaishem:

"Quase 10.000 refugiados palestinos, quase todos muçulmanos, vivem em menos de 1 milha quadrada de terra, amontoados em barracas que formam becos salpicados de sucata de carros velhos, velhas bobinas de fio e lixo. Eles são refugiados há 52 anos, e muitos deles ainda guardam as chaves de suas casas, que foram forçados a abandonar, quando da criação de Israel."

Mas quem conseguir visitar a Faixa de Gaza, perceberá ainda melhor a tragédia dos palestinianos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, (o «Soweto de Israel» em alusão ao antigo gueto da África do Sul), não é um estado e não foi anexada a Israel. As forças de Israel controlam toda a fronteira. Se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam de obter uma permissão dos israelitas. Muitos palestinianos – nascidos a partir de 1967 – nunca saíram dessa faixa, uma tira de terra situada entre o deserto de Negev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente. Não restam dúvidas. O sionismo judaico aprendeu bem as lições de Hitler, desde o gueto de Varsóvia aos campos de extermínio.

Perante este quadro, quem se pode admirar com ataques suicidas? Não perderam os palestinianos tudo o que é possível perder? Tudo, menos a coragem, deve acrescentar-se.

E assim termina 2008 e começa 2009. Então, a par dos desejos (irrealistas) de um Bom Ano Novo, que só por hábito e tradição aqui vos deixo, fica a promessa de continuarmos a ser, nesta trincheira de liberdade que é a Rádio Baía, uma voz de denúncia e combate.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 31/12/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

30/12/2008

A NEGAÇÃO DO NATAL

Já vivi muitos natais. Nasci no tempo da II Grande Guerra, que terminou quando eu tinha três anos. Ainda me lembro de ver, em casa dos meus avós, onde vivia, as célebres senhas do racionamento. Cresci em tempos difíceis, pesados como chumbo. Na escola da Câmara, a 13, das Amoreiras, onde fiz a quarta classe, muitos dos alunos da minha turma iam para a escola de pé descalço, levando uma alcofa com uma panela para, depois das aulas, irem para a fila da sopa dos pobres – a chamada Sopa do Sidónio – ali na Rua de Campolide, ao pé do asilo das Irmãzinhas dos Pobres, instituição que ainda lá está.

A tuberculose, nessa altura, era uma doença fatal, que alastrava impiedosamente. Tal como a fome. Lembro-me de ouvir os lamentos da minha avó, aflita para gerir os parcos recursos da casa, provenientes da magra mesada que o meu pai deixava, e da féria que o meu avô trazia para casa todos os sábados, umas notas de vinte que espalhava em leque, no velho toucador, como se a disposição do dinheiro o fizesse parecer um pouco mais.

A minha tia, solteirona – e que me dedicou toda a sua vida, como se dum filho se tratasse – era uma católica convicta que, todos os anos, armava um presépio no largo parapeito de uma janela da sala de jantar. Nessa tarefa a ajudava, coisa que fazia com prazer, pois gostava de construir caminhos minuciosos, dispor o musgo, encher de algodão a paisagem, imitando neve, esforçando-me para que, ano após ano, o presépio tivesse uma configuração variada. Por isso, o Menino Jesus nascia todos os anos num sítio diferente – num estábulo, numas velhas ruínas, numa gruta, eu sei lá… – já que, para além das imagens tradicionais, tudo o resto era construído por nós. Ela incentivava-me nessa acção criativa.

Sem nunca me sentir atraído pela religião – para grande mágoa dela – o presépio, no entanto, representava para mim uma lição de amor e solidariedade, uma história bonita e doce, algo que só podia trazer ao mundo paz e felicidade. Aquelas figurinhas de barro eram, na minha imaginação, miniaturas de pessoas de carne e osso, que me adoçavam a existência ano após ano, pedindo tréguas numa guerra de sobrevivência que durava o resto do ano.

Longe vão esses tempos de inocência e sonho. O século XX, afinal, não foi um século de paz, de harmonia, de justiça, de solidariedade. Pelo contrário. Para quem acreditar em Deus e no Diabo, não será difícil concluir que, nesse século que há pouco acabou, o Diabo levou a melhor. A humanidade conheceu as duas mais sangrentas e mortíferas guerras da sua história, a par de muitas outras de menor dimensão. O mundo transformou-se num palco de violência, determinada pela ganância e pelo saque que os poderosos levam a efeito sobre os mais fracos e desprotegidos.

Celebra-se o Natal, mas a sua mensagem essencial não tem espaço nem força. Se Cristo veio ao mundo – como filho de Deus, como alguns acreditam, ou, apenas, como simples mortal – para dizer aos homens que todos são iguais e que todos devem viver em paz, de forma solidária e num clima de justiça e fraternidade, o mundo cristão está-se nas tintas para isso. Nunca as sociedades foram tão desiguais, violentas e desumanas. Olhe-se para a história dos últimos cem anos, e veja-se como a civilização ocidental, de raiz cristã, tem estado na origem dos maiores conflitos de sempre, levando a todos os pontos do globo a morte e a destruição em massa. Quem lançou as chamas do nuclear sobre populações indefesas em Iroshima e Nagazaki? Quem lançou toneladas de napalm sobre civis no Vietname? Quem produziu arsenais de armas químicas e as vendeu aos seus aliados conjunturais, e depois os enforcou, por serem criminosos de guerra? Quem saqueia meio mundo, para manter níveis de vida incomportáveis, e faz do negócio das armas uma das suas principais fontes de rendimento?

Quem, depois disto tudo, fala em Cristo e em Deus, como se Cristo e Deus – ou a ideia deles – se pudessem associar a estes crimes?

Mas amanhã é Natal. Um Natal sem paz, sem igualdade, sem justiça, sem amor, sem solidariedade. Um Natal de faz de conta, onde nem o espírito consumista é o que era. As lojas estão às moscas. A baixa, que outrora fervilhava de gente nesta altura do ano, atarefada nas últimas compras natalícias, é um deserto.

Um povo triste encolhe-se em lares frios e vazios de esperança. Desemprego, salários em atraso, baixíssimos salários e reformas, insegurança, medo do futuro. Desdobram-se as televisões na cobertura de acções de solidariedade, que apenas servem para nos mostrar como a miséria alastra por aí e, aviltantemente, é tida como uma coisa natural e comum. Há idosos e crianças com fome, e são vistos como se de habituais decorações de Natal se tratasse. Tudo está bem porque, nesta altura, conseguem-se umas refeiçõezinhas e umas roupitas velhas para atenuar a coisa.

Num país que se diz católico, apenas uma percentagem ínfima da população vive muito bem. As leis são feitas a seu favor e provocam, em consequência, o alastramento das carências – e, até, da miséria extrema – nos restantes extractos sociais. O Código do Trabalho, por exemplo, não é só um instrumento anti-social e anti-democrático. É, também, a negação da mensagem de Cristo.

Assim, duma ou de outra forma, todas as injustiças sociais que sofríamos no tempo do fascismo aí estão, em crescendo. E até a tuberculose volta a florescer, sendo Portugal o país europeu onde a doença mais se faz sentir. Não há palavras mansas – nem cínicas – que apaguem ou disfarcem esta realidade.

«Em verdade vos digo que mais fácil será um camelo passar pelo fundo de uma agulha, que um rico entrar no reino dos céus», terá dito Cristo. Parece-me que os ricos se estão nas tintas para o aviso, provavelmente porque apenas fingem que crêem nas palavras divinas.

Então, lembremo-nos doutras. Aquelas que relatam como os vendilhões foram corridos do templo, pelo mesmo Cristo, à força de chicote.

Estamos à espera de quê?

Um bom Natal!


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/12/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

17/12/2008

EU TAMBÉM QUERO FUGIR DAQUI

Às vezes, apetece-me gritar como o outro, o náufrago dos Malucos do Riso, quando o confrontavam com a realidade que os portugueses vivem: «Eu não quero voltar para a ilha: eu vou voltar para a ilha!». E atirava-se para a água, incapaz de regressar a um país injusto, governado por gente sem escrúpulos, onde tudo era rasca e sórdido. Ele preferia a ilha deserta e as suas carências, a viver sob a pata dos senhores empresários e dos seus governos. Ou seja: sob a pata de uma «elite» corrupta, vampirina e insaciável.

Ontem, uma colega minha disse-me que em Janeiro vai trabalhar para a Áustria, e que nunca se arrependeu tanto de uma coisa como a de ter voltado para Portugal, há cerca de um ano, depois de ter trabalhado 7 anos na Alemanha. Ela vai fugir desta lixeira nauseabunda, para não se sujeitar a um trabalho violento, mal remunerado e precário, que é o que hoje se oferece aos portugueses. Disse-lhe que também deixaria este sítio fétido e sem esperança, se a idade e as responsabilidades familiares mo permitissem. Na verdade, nem no tempo do fascismo me senti tão violentado, explorado e agredido como nestes tempos de Sócrates e da sua seita, alcunhada de socialista.

Olhemos à nossa volta e o que vemos? O pior, mais negro e mais amargo Natal de sempre. As promoções atropelam-se, na ânsia de cativar os consumidores, mas estes há muito que decidiram não gastar o que não têm. «Só para as crianças», afirmam, quando lhe falam de prendas. Insensíveis, as grandes superfícies decidiram aumentar escandalosamente os chamados produtos brancos, cujos preços subiram 14%, contra os 4% (que já é muito) dos produtos de marca. Encurralados, os portugueses não sabem para onde se hão-de voltar.

Se é assim no consumo, na Saúde não é melhor, pelo contrário. Melhor exemplo do que este, não há: os doentes oncológicos procuram o sector privado em busca de um tratamento mais rápido e mais confortável. No entanto, os 'plafonds' dos seguros a que recorrem são tão reduzidos, que os obrigam a continuar o tratamento no público, que tem dificuldades em encaixá-los atempadamente.

Lê-se na imprensa que «os doentes com cancro dos hospitais privados estão a ser empurrados para o serviço público. Vários oncologistas calculam que entre 20% e 50% destes doentes façam o transbordo, porque a cobertura dos seguros é completamente desadequada às despesas da doença. Um problema confirmado pelos hospitais privados e pelas seguradoras. Só no Hospital de Santa Maria, um em cada cinco doentes oncológicos vem do privado».

Por isso, «médicos dos dois sectores reconhecem o problema e afirmam que a situação tem de mudar. Jorge Espírito Santo, presidente do colégio da especialidade de oncologia da Ordem dos Médicos, disse que "mais de 50% dos doentes fazem o transbordo. São poucos os que conseguem pagar o resto dos tratamentos". Uma passagem que vai "contra as boas práticas".

António Sousa, director do serviço no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, diz que "há uma certa confusão desde que os privados entraram na área. As pessoas fazem uma abordagem terapêutica lá e depois vêm completá-la aqui. Mas quem começa a tratar um doente devia segui-lo até ao fim". Nesta unidade "chegam seis a sete doentes nestas circunstâncias todos os meses", diz ele».

Mas enquanto não há dinheiro para a Saúde (salvo para as operações de mudança de sexo, pois então…), verificando-se, por exemplo, que os hospitais devem 727 milhões de euros a fornecedores, há para aconchegar os cofres dos bancos e insistir em obras faraónicas, que Sócrates não quer deixar de realizar por nada deste mundo, desprezando a paupérrima situação económica e social da grande maioria dos portugueses. Só de pensar nas derrapagens, trabalhos a mais, luvas, comissões, pagamentos por debaixo da mesa e outras habilidades normais em Portugal, fico de cabelos em pé.

Soubemos agora que a electricidade vai subir 4,3% para as famílias e bastante mais para a indústria, o que significa que os industriais vão pôr os consumidores a pagar esse aumento, encarecendo os seus produtos. Isto é: são sempre os mesmos a pagar a factura. E Sócrates, muito contentinho, por aí vai continuando a debitar patacoadas, distribuindo contas de vidro aos indígenas, enquanto lhes retira couro e cabelo.

O pão também vai aumentar, de nada servindo a baixa dos preços dos combustíveis que se tem verificado, embora os anteriores aumentos do petróleo tenham servido de argumento para encarecer o pãozinho.

Entretanto, estoirou mais um escândalo financeiro, a mostrar a que gente está entregue a economia mundial e, consequentemente, o nosso futuro. E a provar, também, que Víctores Constâncios existem em toda a parte.

Durante 20 anos, um tal Bernard Madoff sustentou um esquema em pirâmide, igualzinho ao que a D. Branca tinha em Portugal, aqui há uns anos atrás. Igualzinho, claro, é uma forma de dizer, pois a D. Branca enrolava meia dúzia de papalvos, na sua maioria gente simples, e o Madoff meteu no seu esquema grandes instituições financeiras internacionais. A fraude atingiu muitos milhares de milhões de euros e – vejam lá – nenhuma entidade fiscalizadora, nenhum banqueiro, nenhum especialista, nenhum governo, nenhum espertalhão, nenhum Vítor Constâncio topou o que se passava. Vinte anos? E andava tudo cego? Ou andava tudo a comer do mesmo tacho?

Adivinhem agora quem vai pagar a factura. Todos nós, obviamente.

Mas é a esta gente que estamos entregues. Melhor: é a este sistema político e económico que estamos entregues. O capitalismo é isto mesmo. Meia dúzia de senhores abocanhando tudo o que podem, devorando-se, às vezes, uns aos outros, mas pondo milhões de seres humanos a sustentá-los e a pagar a conta do seu apetite devorador.

Então, quando seremos nós, que tudo pagamos e tudo produzimos, a tomar conta da nossa vida e a construir o nosso destino, acabando de vez com esta gente que, bem vistas as coisas, nem de gente merece o nome?

Não sei quando será. Mas para ajudar a que isso aconteça um dia, é que já não quero ir-me embora e, enquanto puder, aqui – ou noutro lado – lutarei pela nossa liberdade.

E, se disso tiver oportunidade, atirar, como o outro, os meus sapatos à cara dos Bushes e dos Sócrates deste mundo.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/12/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

10/12/2008

CONTAMINAÇÕES

Como se recordam, o tema central das nossas Provocações da semana passada centrou-se no facto de serem gratuitas as operações de mudança de sexo, enquanto milhões de utentes do Sistema Nacional de Saúde pagam – e bem – por consultas, hospitalizações, medicamentos, intervenções cirúrgicas, e por aí fora. Para além, é claro, de terem dificuldades cada vez maiores no acesso a cuidados de saúde, face ao fecho selvagem de inúmeros serviços.

Uma ouvinte das nossas crónicas, a reforçar e nossa indignação, enviou-me o seguinte e-mail: «Acabei de ouvir a sua última crónica e não podia deixar de lhe dizer que concordo plenamente. Há um mês atrás, fui a uma consulta no Outão, onde paguei 70 euros, para não estar meses à espera, visto o meu médico de família não se entender com o meu braço. Agora, daqui a uns dias vou lá novamente, e lá terei de pagar o mesmo, e caso se confirme a necessidade de operação, o que hei-de fazer? Pagarei o que for, ou esperarei na longa lista? Como vê, é mais um caso a considerar. É a saúde que temos».

Pois é, cara ouvinte. É mais fácil mudar de sexo, para além de ser de borla. No fundo, tudo resulta do facto de a nossa vida colectiva estar contaminada por um poder político desbragado, cuja única preocupação é não só não beliscar o poder económico como, ao mesmo tempo, colocar todos os portugueses a contribuir para a sua nutrição e engorda. O social que se lixe!

Em 1802, Thomas Jefferson, que foi presidente dos EUA, disse: «Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo Americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que os seus pais conquistaram».

Sábias palavras – e actuais – a que a presente crise vem dar plena razão. Mas sosseguem, que não vou falar outra vez da crise financeira (ou seja: do roubo legal e organizado), mas apenas lembrar que nos primeiros seis meses do ano, os bancos a operar em Portugal lucraram 1,075 mil milhões de euros, de acordo com o boletim da Associação Portuguesa de Bancos. Isto é: de Janeiro a Junho, as instituições bancárias ganharam 5,9 milhões de euros por dia.

Curiosamente, a Euribor a seis meses, a taxa de mercado interbancária à qual está indexada a maioria dos créditos à habitação, desceu mais uma vez, agora para os 3,563%, estando no nível mais baixo desde Outubro de 2006. Face aos valores de final de Setembro, representa uma quebra na ordem dos 1,5 pontos percentuais, uma poupança considerável para as famílias. Mas a descida do preço do dinheiro dos bancos para as famílias e empresas ainda não reflecte esta descida, nem as medidas do Banco Central Europeu, que baixou a taxa para 2,5%. Para as empresas e as famílias tudo continua como se o dinheiro não estivesse mais barato. Por outras palavras: continuamos a financiar os banqueiros. Através dos juros e através do apoio que, com o nosso dinheiro, o governo mete nos cofres dos bancos.

Depois da saúde contaminada por medidas restritivas de um direito constitucional, é a economia contaminada pelo vírus do capitalismo puro e duro, ao qual Sócrates e o PS prestam indisfarçável vassalagem.

Se duvidam, lembrem-se que em Maio, Junho e Julho tivemos aumentos duríssimos nos bens e serviços de primeira necessidade (pão, cereais, fruta, legumes, leite, entre outros) porque o petróleo estava caríssimo. Agora, com a descida no preço dos combustíveis (que não foi a que devia – e aí está outro roubo – mas sempre foi alguma) alguém deu pela descida dos preços?

Certamente por isto – entre outras coisas, claro – Portugal surge, a par com os EUA (que péssima companhia!) na lista dos países com maiores desigualdades na distribuição dos rendimentos dos cidadãos, recentemente divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Pior, só a Turquia e o México. Uma vergonha! Mas isso parece não incomodar a espécie de «engenheiro» que nos governa, provavelmente o maior charlatão que alguma vez teve assento no cadeirão da presidência do concelho.

Estamos, ou não estamos, num país contaminado pelo insensibilidade social e pela exploração da força de trabalho, colocada ao serviço dos grandes interesses económicos? É preciso mais alguma prova?

É claro que os portugueses estão descontentes com esta «democracia». Um estudo divulgado pelo Inquérito Social Europeu refere que somos os cidadãos europeus que manifestam menor satisfação com a vida e felicidade. Estamos insatisfeitos com a nossa vida e somos um país em que as pessoas menos confiam nas outras. Pudera!

Só é pena que a esta insatisfação não correspondam acções cívicas e políticas que ponham os senhores do mando na ordem. Mas, como dizia Erasmo de Roterdão, o povo é «uma enorme e possante besta», que não sabe utilizar a força que tem. Como isto se aplica no caso dos portugueses! Provavelmente, estamos contaminados por uma cobardia congénita, que nos mantém sob a canga dos donos do capital financeiro e dos seus governos. Por isso, à canga acrescentamos a inevitável tanga, coisa que acontece, com frequência, aos castrados…

A ilustrar tudo isto, uma notícia que circula por aí. Diz-nos que os irmãos Sá Couto (os tais que são donos da empresa que monta o famoso Magalhães), terão um litígio com o fisco na ordem dos milhões. Lembram-se de Sócrates e outros ministro andarem pelo país – e pelo mundo – como caixeiros-viajantes, a apregoar o Magalhães? Foi lindo. Foi comovente.

Depois da imprensa falar sobre as dívidas fiscais, os manos Sá Couto esclareceram que não tinham nenhum contrato com a JP Sá Couto. Claro que não.

Mas o que importa aqui é perguntar quem serão, afinal, os beneficiários do grande contrato de venda de milhares de computadores Magalhães sem concurso público? (Computador que, afinal, não é português, mas sim Yanquee (Intel), fabricado na China e disfarçado em Vila do Conde). São, de facto, os irmãos Sá Couto. Que apenas – e por mera coincidência – são os principais quadros da secção do PS da Póvoa de Varzim. E seus grandes benfeitores.

Isto está – ou não está – tudo contaminado?

A propósito de contaminações. Parece que andam por aí 24 toneladas de carne de porco contaminada. Acontece. Mas não há problema, garantiu o inefável e delico-doce ministro da Agricultura. Afinal, as 30 toneladas representam, apenas, 0,006% do consumo nacional, por isso, o risco é mínimo. Vejamos se entendi. O risco é mínimo porque a carne não está muito contaminada, ou porque apenas poucos portugueses podem ser contaminados com dioxinas tóxicas? O senhor ministro quis dizer mesmo que o risco é mínimo porque, segundo as suas palavras, a quantidade de carne é «insignificante»? 24 toneladas que andarão por aí, contaminadas com produtos potencialmente cancerígenos, representam um risco insignificante? Para si, ou para quem as ingerir?

Senhor ministro. Explique-me lá isso, mas como se eu fosse muito estúpido…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/12/2008.
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07/12/2008

A ÚLTIMA ABERRAÇÃO DE SÓCRATES

Todos nós sabemos o que pagamos em taxas moderadoras, seja ligeira ou grave a maleita que nos afecta.

Todos nós sabemos o que pagamos pelos medicamentos, mesmo os que são comparticipados (e são cada vez menos – e mais caros – os medicamentos comparticipados).

Todos nós sabemos que a cada anúncio de baixa de preço dos medicamentos, eles sobem, em vez do inverso.

Todos nós sabemos o que pagamos por um internamento nos hospitais públicos, depois de penosas horas de espera e trambolhões no meio das urgências.

Todos nós sabemos o que se paga por fraldas para incontinentes. Todos nós sabemos o calvário de milhares de doentes crónicos, quer em despesas de medicamentos e tratamentos, quer em deslocações.

Todos nós sabemos, afinal, o que nos custa uma doença e, principalmente, o que sofrem centenas de milhares de portugueses que não conseguem suportar as suas despesas com a saúde e prescindem da consulta necessária, ou deixam de aviar os seus medicamentos – ou fazem-no a fiado, por complacência do farmacêutico amigo e generoso.

Todos nós sabemos que, para poupar dinheiro, se fecharam serviços de urgências por todo o país, se reduziram serviços nos Centros de Saúde e se encerraram maternidades.

Em conclusão: os cuidados de saúde pioraram e custam-nos mais.

Contudo… contudo, quando parecia que as coisas estavam mal para toda a gente, especialmente para quem contrai uma doença qualquer – muito ou pouco grave – ou sofreu um acidente – com ou sem culpa – eis que aparece um oásis no meio deste deserto infernal em que o governo do «engenheiro» Sócrates (dito socialista e dito de esquerda) meteu a enorme maioria da população.

Se pensam que vou falar da distribuição gratuitas de seringas aos toxicodependentes, desenganem-se. Já nem vale a pena. Se pensam que vou falar da distribuição de kits para os reclusos toxicodependentes poderem satisfazer, confortavelmente, o seu vício nas prisões – onde, por princípio e definição, a entrada de droga seria uma coisa inconcebível, e onde, em vez de incentivar o consumo, se deveria fazer o contrário, tratando os viciados – desenganem-se também. Vou falar-vos é de notícias recentes, que nos dizem que o Estado comparticipa a 100% as intervenções cirúrgicas para… mudança de sexo.

Para mudança de sexo?! A 100%?! Inicialmente – distraído como eu sou – pensei que se tratasse de uma partida de quem me chamou a atenção para tão aberrante medida. Confesso que andava a leste da coisa. Depois, pesquisei na Internet e rapidamente conclui que era verdade.

A minha primeira reacção foi pensar: Mas… e os doentes a sério, isto é, os que têm graves problemas de saúde? Mas prefiro utilizar as palavras de um amigo meu, ouvinte e também leitor assíduo destas crónicas, que me enviou um texto de que respigo algumas passagens.

Diz ele: «Então e os restantes cidadãos portugueses, idosos ou jovens, abastados ou carenciados (a maioria), ditos normais, que padecem de doenças e lesões – algumas incuráveis e irreversíveis – que têm de pagar do seu próprio bolso, ou comparticipar com consideráveis quantias, as despesas com medicamentos, tratamentos, exames médicos, intervenções cirúrgicas, etc. etc.?»

E questiona: «E os trabalhadores da Função Pública, ou da privada, os militares, os polícias, os pensionistas, os deficientes, etc., etc., a quem foram retirados velhos direitos de protecção na saúde, no Regime Geral, na ADSE e por aí fora?»

Indignado, continua: «Então, as verbas que todos nós descontamos e entregamos bovinamente (sem ofensa para ninguém, é claro) ao Estado (leia-se Governo), agora também servem para comparticipar a 100% mudanças de sexo?! Já não nos chegava o TGV? Já não chegavam as indemnizações pelas nacionalizações dos Bancos a banqueiros criminosos? Agora são as mudanças de sexo? O que virá a seguir?

Tanta publicidade sobre a disfunção eréctil, que afecta tantos homens a partir de certa idade – e, até, noutros extractos etários – já para não falar nos famosos comprimidos azuis e similares, para, afinal, não merecerem um cêntimo de comparticipação.

Mas que país é este. Que governo PS é este?», pergunta, a rematar.

E assim, inesperadamente, arranjei tema para esta crónica. Não que me faltasse assunto, pelo contrário, pois até já tinha alinhavado uma ideias sobre a nossa desgraçada situação económica, onde provaria que não foi a crise financeira internacional que trocou as contas a Sócrates. Na verdade, caros amigos, o nosso descalabro é anterior à crise, começou muito antes, pode dizer-se, até, que começou com a tomada de posse de Sócrates e comitiva.

Hoje, e só para vos aguçar o apetite, apenas vos digo que entre 2005 e 2008, com o «engenheiro» no poder, o crescimento económico foi, em média, igual a menos de metade da União Europeia, já que, em quatro anos, Portugal cresceu 4,8%, enquanto a UE a 27 cresceu 9,8%. E o pior é que, mesmo crescendo pouco, uma parcela cada vez maior da riqueza produzida foi transferida para o estrangeiro, o que veio estrangular o investimento e a consequente melhoria das condições de vida dos portugueses.

Na verdade, todos os indicadores económicos pioraram desde que Sócrates teve a sua desejada maioria absoluta. Do que resulta estarmos cada vez mais pobres e atrasados. «Todos», é uma forma de dizer, porque, no mesmo período, as grandes fortunas consolidaram-se, esgotaram-se os automóveis de luxo, os andares de 900 mil contos (sim, contos, e não euros) nos condomínios de luxo, idem, idem, aspas, aspas, os offshores lavaram milhões de euros com origem neste jardim à beira-mar plantado, enfim, foi aquilo que se sabe… e aquilo que ainda falta saber.

Mas nada disto importa. Tirem-se alguns Magalhães da manga, mude-se de sexo com uma varinha mágica, sumam-se, num milagroso passe de magia, milhões da banca privada, coloque-se um «cego» a governar o Banco de Portugal, diplome-se um «engenheiro» num abrir e fechar de olhos, ponha-se o homem a contar anedotas e histórias da carochinha, e aí está, para todo o povo português, de borla e ao domicílio, o fabuloso Circo Lusitano, no seu deslumbrante espectáculo de Natal.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/12/2008.
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