30/04/2008

ELES

Enquanto o arroz sobe, contribuindo para o alastrar da fome que por aí existe, o destaque não pode ir para a invasão de esquadras policiais por bandos de marginais. Realmente, por muito que esta lixeira se pareça, cada vez mais, com uma república das bananas, e por muito significativa do deboche a que chegámos sob o consulado do «engenheiro» Sócrates, esta novidade do assalto a esquadras policiais nada é comparado com a falcatrua monumental da «crise do arroz». Será, por isso, sobre o que ela significa que falaremos hoje.

Então, de repente, os senhores que mandam na economia, que fazem e refazem as crises – e as gerem de acordo com as suas conveniências – (e daqui para diante designados por Eles), inventaram a questão do arroz. Em consequência, o seu preço disparou. Parece que, em Portugal, já subiu 16%.

Quem ganha? Os grandes produtores, os grandes armazenistas, os grandes distribuidores. E – é claro – os governos, já que o IVA, mesmo mínimo, passa a produzir uma colecta maior.

Quem perde? Não vale a pena dizer. Todos sabemos quem perde.

Os mecanismos são sempre os mesmos. Eles começam por falar em quebras de produção, em diminuição drásticas das reservas estratégicas (coisas que o cidadão comum não sabe bem o que é – e, se souber, nunca poderá confirmar), lança-se o fantasma do racionamento, sugere-se o espectro da fome, e aí está o baile armado. Quando o produto escasseia, por um dia ou dois, nas prateleiras, o rastilho começa a arder. Em pânico, o consumidor procura precaver-se. Já não pensa no preço, mas em açambarcar. Paga o que pode e o que não pode, mesmo que, depois, o arroz crie bicho na prateleira da despensa. O arroz, esse é que nunca mais voltará ao preço antigo.

Se pensarmos um pouco, perceberemos que o mesmo se passa com a chamada crise do petróleo e a respectiva escalada de preços. Porque é que o petróleo estava, há poucos anos, a 30 dólares (e já se dizia que estava caríssimo), e agora, que está a cento e muitos dólares, se desce uns cêntimos já se diz que o ficou barato? Porque é, afinal, que o petróleo sobe?

Eu recordo algumas das razões por Eles apontadas:

- Ou é porque estamos na época dos furacões no Golfo do México;

- Ou é porque as reservas dos EUA estão abaixo do previsto;

- Ou é porque a Nigéria vive dias de instabilidade;

- Ou é porque a vaga de frio nos EUA levou a um aumento do consumo;

- Ou é porque a vaga de calor nos EUA levou a um aumento do consumo;

- Ou é pela crise no Médio Oriente;

- Ou é pelo aumento de procura nos países emergentes, como a China e a Índia;

- Ou é porque o Irão pode estar a construir um reactor nuclear;

Ou é porque a Coreia do Norte disparou um míssil terra-ar;

- Ou é porque os EUA ameaçam invadir outro país qualquer (produtor de petróleo, está bem de ver);

- Ou é porque houve mais uma ameaça terrorista (mesmo que anteriores nunca se tenham confirmado);

- Ou é porque há greve dos trabalhadores num determinado complexo extractivo;

- Ou é porque as reservas mundiais não são tão consideráveis como se julgava.

Enfim. Eles têm sempre uma justificação. Ou várias. Esgotadas todas elas, um dia dirão que é o petróleo que tem vontade própria e que só aceita ser extraído se o preço do barril aumentar todos os dias. Mas a única, a verdadeira, aquela que nunca nos é dita, é esta: o preço do petróleo aumenta porque Eles querem. Eles – e não deus, nem o diabo, nem o clima, nem qualquer outro factor humano ou natural.

O petróleo aumenta porque isso é do interesse das grandes empresas petrolíferas e dos seus governos. Ponto final.

Voltando à questão do arroz e dos cereais.

Eles não dizem que a produção agrícola mundial foi, em 2007, de 2,3 mil milhões de toneladas de cereais, ou seja, mais 4% do que no ano anterior. Nem que, se desde 1961, a produção mundial de cereais triplicou, a população apenas duplicou. Sendo assim, que razões existem para esta aparente escassez de cereais e para a sua vertiginosa subida de preço? Sem dúvida, que as gritantes desigualdades que assolam o planeta, tanto mais imorais quanto é certo que os povos das regiões que mais riqueza produzem acabam por ser, em regra, quem menos delas beneficiam. Mas também é certo que essas carências são cada vez mais acentuadas por uma coisa maquiavélica e nefanda que por aí anda há cerca de três décadas, e que dá pelo nome de globalização neoliberal. Ou seja: uma globalização feita por Eles e à medida d’Eles.

Então, o que está a acontecer é que bens essenciais ao desenvolvimento da sociedade humana (caso do petróleo) e ao seu bem-estar e sobrevivência (caso dos cereais e dos bens alimentícios, em geral) estão entregues ao sistema especulativo do quem-dá-mais, brincando-se, deste modo, com a vida – no sentido literal do termo – de milhões de seres humanos.

Na verdade, o trigo e outros cereais, que deveriam servir para alimentar as pessoas, estão agora a ser vistos como fontes de produção de combustíveis – os chamados biocombustíveis – tendo em vista uma alternativa ao petróleo, já que, apesar das recentes descobertas de novas jazidas – as mais importantes das quais no Brasil – ele, o petróleo, não passa de um recurso finito.

Poderão alguns dizer que, sendo o petróleo um recurso natural não renovável, que fontes energéticas alternativas devem ser encontradas, no sentido de garantir que as bases civilizacionais existentes possam ser mantidas. De acordo. Mas já não estarei de acordo se me disserem que esses recursos, necessários para a sobrevivência, bem-estar e progresso de toda a humanidade, devem estar na posse de alguns (os tais Eles), e assim entregues à lógica do regateio, do quem-dá-mais… e por aqui me sirvo.

Em primeiro lugar, porque o planeta não é d’Eles, mas de todos o que o habitam; em segundo lugar, porque não são Eles, mas outros milhões de seres humanos, que produzem, extraem, transformam, contabilizam, transportam e distribuem esses bens.

Ora, se esta lógica não se inverter, um dia destes teremos que Eles, como donos disto tudo – das riquezas naturais e dos meios de produção – farão com a água o que estão a fazer com petróleo e o arroz e outros cereais. Ou a pagamos ao preço que a sua gula infinita ditar, ou morreremos à sede.

(Aliás, esta experiência já foi encetada em vários países, sendo, neste preciso momento, um dos sonhos do Partido Socialista e da restante direita, recordando-se, a propósito, que Sócrates vem, desde os seus tempos de ministro do Ambiente, dando passos seguros nesse sentido, designadamente com a criação das empresas multimunicipais e a ideia de privatizar todos os serviços de captação e distribuição de água).

Por isso, cantava o Zeca que Eles comem tudo. Falta acrescentar que também bebem (ou querem beber) tudo.

E quando for possível controlar a própria atmosfera, Eles também quererão ser donos do ar. Então, nada faltará para serem nossos donos, tendo sobre nós direitos de vida e de morte.

Como, de certo modo, já têm.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

27/04/2008

REFORMAS

Mais uma vez não resisti a transcrever um mail que me chegou há dias e que pela sua actualidade e espírito humorístico (por enquanto) merece a pena ser lido.



NOVAS REGRAS – LIMITE DE REFORMA

Adequação dos Organismos ao limite de idade para aposentação:

Tendo em vista a nova idade mínima para aposentação, sugerimos que sejam tomadas algumas providências para sobrevivência de toda e qualquer empresa:

01. Transformação das escadas existentes em rampas com corrimão não escorregadio;

02. Colocação de suporte para apoio nas casas de banho após a ampliação para possíveis cadeiras de rodas;

03. Substituição de todo o sistema de telefones por aparelhos mais modernos que possibilitem que a perda de audição provocada pela idade avançada, seja compensada com o aumento de volume amplificado;

04. Aumento de tamanho de todas as fontes de impressão dos documentos emitidos a partir desta data, possibilitando a leitura em futuro próximo;

05. Compra de lentes de aumento para distribuição aos funcionários;

06. Aumento de tamanho dos monitores de computador para 27 polegadas;

07. Implementação dos seguintes tipos de falta não justificada:

- Esquecimento do local de trabalho;
- Esquecimento de como se faz o trabalho;
- Falta de ar;
- Incontinência urinária;
- Dor nas costas;
- Comparência em funeral de colegas que estavam prestes a aposentar-se.

08. Implementação de porta bengalas em todas as mesas de trabalho;

09. Despertador individual para casos de sono diurno;

10. Aumento das letras de todos os computadores;

11. Instalação de uma UTI Geriátrica de última geração;

12. Aumento do "time-out" para o encerramento das portas dos elevadores, tendo em vista a agilidade de locomoção dos funcionários ainda existentes;

13. Aquisição de armários para fraldas e remédios para uso dos funcionários;

14. Proibição de qualquer actividade ou vestuário dos funcionários mais novos que possa provocar ataque cardíaco ou desregulamento do marca-passo do colega, próximo da idade mínima em questão;

15. Criação de exercícios físicos voltados para a terceira e quarta idade;

16. Revisão da avaliação de desempenho do funcionário, incluindo o item "Lembrança da Senha", sendo que o funcionário, prestes a aposentar-se nos termos da lei, que ainda se lembre da sua senha, tenha a nota máxima neste item;

17. Alteração nas instruções de pedido de aposentação;

- Incluir Certidão de Óbito.



Por agora é só um texto com sentido de humor, mas não estaremos muito longe da realidade se a esquerda moderna que nos (des)governa continuar no poder.

Quem acompanhou nos últimos dias as emissões televisivas com reposição de reportagens feitas há 34 anos, certamente que chegará à conclusão que os problemas do País continuam a ser os mesmos e nalguns casos até muito piores.

E não se culpe o 25 de Abril, mas sim todos aqueles que à sua sombra nos querem impingir esta espécie de “democracia” que nada tem justiça nem de social.


Celino Cunha Vieira

23/04/2008

O FEITIÇO E O FEITICEIRO

A notícia é recorrente e relaciona-se com o aumento do endividamento das famílias e, sobretudo, com a sua falta de capacidade para satisfazer os compromissos resultantes desse endividamento.

E antes que os artistas do costume venham dizer que tudo se resume a falta de cabeça e ao facto de haver muita gentinha que dá o passo maior do que a perna, ou que a ânsia consumista leva as pessoas a comprarem bens supérfluos, para tanto empenhando dedos e anéis, quero dizer que, sim senhor, há gente dessa. Sempre houve, há, e haverá. Contudo, para sermos sérios e objectivos, o que se passa, hoje em dia, e explica a amplitude do crédito malparado e sua subida quase meteórica, radica noutra realidade bem mais dolorosa.

Em primeiro lugar, esta onda de incumprimento explica-se porque as condições de vida de milhões de pessoas se agravaram de tal modo, que as responsabilidades que há poucos anos – ou há poucos meses – eram perfeitamente suportáveis, deixaram de o ser. Ou porque os encargos subiram de forma insuportável, ou porque os rendimentos caíram por via do desemprego ou da corrosão do poder de compra. Ou pela conjugação dramática destes dois factores.

Em segundo lugar, porque a sociedade de consumo – esta maravilhosa sociedade de consumo! – encaminhou cientificamente as famílias para o recurso ao crédito, abrindo-lhes a ratoeira do endividamento como única forma de sobreviverem e garantirem níveis de vida minimamente aceitáveis.

De facto, a situação chegou a um ponto tal, que há um número significativo de bens e serviços que só podem ser adquiridos, pelo cidadão comum, através do fatídico endividamento. Exemplos? A habitação, a educação própria ou dos filhos (livros e material didáctico, propinas, deslocações, refeições, etc), determinadas consultas médicas e determinados tratamentos ou intervenções cirúrgicas, próteses oculares e dentárias, ou outros bens de primeira necessidade, como certos electrodomésticos indispensáveis nos dias de hoje, sejam eles o frigorífico, o esquentador ou o fogão. E ninguém me diga que estou a falar de luxos, a menos que defendam que o normal seria vivermos ao nível dos habitantes da Serra Leoa…

Os orçamentos familiares, confrontados com o aumento constante do custo de vida e com as fatídicas políticas de contenção salarial que diariamente lhes corroem o poder de compra, enfrentam, assim, despesas tão comuns como o vestir e o calçar, as deslocações para o trabalho ou para a escola, a electricidade e a água, o telefone e o gás, entre outras que o quotidiano nos impõe (nalguns casos, fato e gravata) como um problema de difícil solução.

É neste contexto – que é a regra – que se explica o recurso ao crédito e, consequentemente, face ao selvático neoliberalismo reinante, a inevitável situação de rotura. O incumprimento.

Há um velho ditado que nos diz que «o diabo tem uma capa com que tapa e outra com que destapa». Na verdade, aqui chegados, começamos a compreender que, de certa maneira, o feitiço começa a virar-se contra o feiticeiro, como o que está a acontecer nos EUA é um bom exemplo. De facto, toda a gente fala da crise norte-americana do imobiliário, do “subprime”, do alastramento dessa crise à Europa e a Portugal, sem dizer, no entanto, que ela resulta da própria natureza predadora do capitalismo. Da sua cega e congénita ânsia devoradora.

Ao oferecer crédito para a habitação a baixos juros, tendo como única garantia o imóvel (é isto o “subprime”), os bancos e as empresas financeiras de vão de escada – ou de crédito pelo telefone, como por aí abundam – mais não fizeram que aliciar uma enorme fatia da população norte-americana para a aquisição de casa a preços relativamente baixos, entrando, assim, numa fatia do mercado que lhes estava a escapar. Como o sistema não se compadece com essa coisa do direito à habitação, nem as taxas de juro se fizeram para outra coisa que não seja aumentar os lucros da agiotagem, o sistema achou que estava na altura de fazer subir as taxas de juro para, deste modo, arrecadar os milhões que imaginavam estar nos bolsos das suas novas vítimas. Ao que parece, as contas saíram-lhe furadas, pois milhões de norte-americanos deixaram de poder cumprir, e lá ficaram os bancos e as financeiras sem o seu dinheiro, mas com milhares de casas vazias e, praticamente, sem valor, já que não havia mercado para elas.

De certo modo, é isto que pode acontecer em Portugal, a continuarem estas políticas assassinas do aperta o cinto. Aliás, já há quem diga que a solução para equilibrar as coisas, em termos de justiça social, seria precisamente ninguém pagar aos agiotas. Asfixiá-los com as cordas com que eles nos asfixiam. Assim como quem diz: «Pagaremos as nossas contas e honraremos os nossos compromissos logo que tenhamos empregos estáveis e ordenados compatíveis com um país civilizado, democrático, membro da União Europeia e respeitador dos Direitos Humanos. Até lá, meus amigos, fiquem com as casas, com as mobílias, com os electrodomésticos. Talvez rendam alguma coisa na Feira da Ladra».

Claro que tudo isto é uma caricatura, um exagero – uma utopia, se quiserem – mas não devemos perder de vista que, de certa maneira, e de forma involuntária, é isso que milhões de famílias fizeram nos EUA. E que milhares de famílias estão a fazer, porque a tal são forçadas, em Portugal. No fundo, é o capitalismo a debater-se com as suas inevitáveis contradições.

A ilustrar o que dissemos – e a ilustrar ainda melhor para quem governam Sócrates e o Partido Socialista – a banca portuguesa continua a acumular lucros e a beneficiar das benesses que o governo lhe concede. Denuncia, a este propósito, o economista Eugénio Rosa:

«Apesar dos compromissos públicos assumidos, quer pelo ministro das Finanças, quer pelo primeiro-ministro, durante o debate do Orçamento do Estado, de que a banca passaria a pagar a mesma taxa de imposto que as restantes empresas, em 2007 isso não aconteceu novamente, tendo-se mesmo reduzido a taxa efectiva de imposto paga pela banca, para apenas 14%».

De facto, e de «acordo com dados divulgados pela própria Associação Portuguesa de Bancos, em 2006, a banca portuguesa obteve 2.800 milhões de lucros e pagou apenas 544 milhões de impostos e taxas, o que correspondeu a uma percentagem de 19%. Em 2007, apesar de ter obtido mais lucros, pois passaram, entre 2006 e 2007, de 2.800 milhões de euros para 2.847 milhões de euros, o imposto pago desceu 28,7%, pois passou de 544 milhões de euros para apenas 388 milhões de euros, o que significou que, em 2007, a percentagem paga fosse apenas de 14%. Se a banca tivesse pago as taxas legais, ou seja, aquelas que têm de pagar nomeadamente as PME, o Estado teria recebido, em 2006 e 2007, mais 564 milhões de euros de IRC e derrama do que recebeu. Portanto, os elevadíssimos lucros da banca continuam a serem financiados à custa do Orçamento do Estado, apesar das promessas socialistas. Também aqui Sócrates diz uma coisa e faz outra, já o que está em jogo são os interesses dos grandes grupos económicos de que este governo está cada vez mais refém e apoia à custa do OE».

Enquanto isto, milhares de portugueses perdem as suas casas, que passaram a não poder pagar. Caem no desemprego e curvam-se em trabalhos precários, sob ordenados miseráveis. Pedem um empréstimo para tratar da boca ou mudar de lentes. Contam os cêntimos, para conseguir ter uma côdea em cada dia que falta até ao fim do mês. E – o que é pior – alguns deles até pensam que as coisas são mesmo assim.

Ah! Já me esquecia! Passam, na próxima sexta-feira, 34 anos sobre o 25 de Abril.

Que ironia, meus senhores. Que ironia.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

16/04/2008

ERA UMA VEZ A CAROCHINHA…

As finanças perdoaram ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas uma dívida de 10 milhões de euros de IVA, respeitante a reembolsos indevidos verificados entre 2003 e 2007, pois consideraram que o Sindicato, embora agindo contra a lei, estaria de boa-fé, ou seja, pensaria que estava a agir correctamente.

Não interessa que haja um princípio do Direito que diga que não serve ao infractor alegar que desconhece uma lei para se eximir ao seu cumprimento, ou ficar impune pela transgressão cometida. Ou melhor: isso só vale em termos gerais, mas nunca para o maior sindicato da UGT, cujos dirigentes são, há anos, os melhores aliados dos banqueiros e dos sucessivos governos, levando os bancários a perder, ano após ano – e há várias décadas – poder de compra. Aliás, são estes mesmos dirigentes sindicais, todos eles ligados ao PS (maioritariamente) e ao PSD, que destruíram uma classe forte e organizada, e que hoje se encontra perdida e abandonada nos seus locais de trabalho, cada vez mais insegura e mal paga. De facto, os bancários, como classe e força organizada, há muito que deixaram de existir. Já passaram à história.

Mas passemos deste particular para o geral – e para o que é a grande notícia do momento: a dramática perda do poder de compra dos portugueses.

Dizia, há dias, o economista Eugénio Rosa:

«O aumento da taxa de inflação em Portugal tem sido superior ao divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística e pelos órgãos de informação. E isto porque a estrutura das despesas das famílias portuguesas que o INE tem utilizado no Índice de Preços no Consumidor, que era a de 2000, estava desactualizada, pois já não correspondia à realidade.

O INE realizou, em 2005-2006, um inquérito às despesas das famílias portuguesas. No entanto, ou por razões politicas (os resultados não interessavam ao governo) ou por quaisquer outras razões que nunca explicou, só muito recentemente – 2.ª quinzena do mês de Março de 2008 – é que divulgou os resultados obtidos. E, como era previsível, os resultados mostraram que a estrutura das despesas das famílias que o INE vinha utilizando para cálculo do Índice de Preços do Consumidor já não correspondia à realidade. As classes de despesas cujos preços têm aumentado mais em Portugal – ex.: despesas de habitação – tinham uma importância (peso) na estrutura das despesas das famílias que era bastante inferior ao verdadeiro. Este facto determinava que o valor mensal do Índice de Preços no Consumidor divulgado pelo INE, que serve para medir a inflação, fosse inferior ao aumento real dos preços em Portugal.

Assim, segundo o Índice de Preços no Consumidor que o INE utilizava, o aumento de preços, entre Fevereiro de 2007 e Fevereiro de 2008 (a chamada variação homóloga da taxa de inflação) foi de 2,86%, enquanto o aumento de preços calculado com base na estruturas das despesas das famílias dos anos 2005-2006 já é de 3,03%».

E acrescenta o economista:

«Os trabalhadores têm sido “enganados” sistematicamente com as previsões falsas do governo, pois é com base nelas que o governo tem aumentado as remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, o que tem contribuído para uma redução muito significativa do seu poder de compra. Mas, para além disso, todas as classes da população que vivem nomeadamente de salários e de pensões têm sido também “enganadas” com os valores de aumento da inflação divulgados pelo próprio INE, pois estes valores também não têm traduzido com verdade o aumento real dos preços em Portugal».

Depois do Eugénio Rosa ter escrito isto, as notícias rebentaram esta segunda-feira – e com estrondo. A inflação está a atacar forte e feio os portugueses. A torto e a direito. Sem dó nem piedade. E no pior sítio possível: no pãozinho para a boca.

Dir-me-ão que isto não é novidade. Dir-me-ão, até, que quase todas as semanas aqui falamos disto. É verdade. Então, onde está a novidade. A novidade, meus amigos, está no facto de ser a própria comunicação social e o próprio INE a não poderem disfarçar a situação. Lêem-se e ouvem-se coisas destas:

«A inflação está a atacar os portugueses onde mais dói. O Instituto Nacional de Estatística revelou, ontem, que a inflação homóloga subiu para 3,1%, em Março, com os aumentos mais expressivos a ocorrerem nos produtos alimentares, nos transportes e na habitação, exactamente os gastos que mais pesam nos orçamentos familiares.

Um inquérito do INE às despesas das famílias, divulgado no final de Março, mostrou que 80% do rendimento vai para bens e serviços e que, do total dos gastos, 55% dizem respeito a habitação, alimentação e transportes. Ora, estas três categorias "foram as que apresentaram as contribuições positivas mais significativas para a formação da taxa de variação homóloga". Os preços de Habitação, Água, Electricidade, Gás e Outros Combustíveis subiram 4%, face a Março do ano passado. Os Produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas aumentaram 3,6% e os Transportes sofrem um acréscimo de 2,3%. Embora haja categorias com maiores subidas, como a de Tabaco e Bebidas alcoólicas (+12,1%), o INE faz uma ponderação dos gastos que mais pesam na carteira.

Analisando com mais detalhe as subcategorias de produtos e serviços monitorizadas pelo organismo, verifica-se que, só na alimentação, a que mais peso tem na inflação geral, Pão e Cereais aumentaram 9% e que Leite, Queijo e Ovos sofrem um acréscimo de 13,5% face aos preços verificados há 12 meses.

Deste modo, os resultados agora divulgados mostram que a previsão de inflação do Governo para este ano, de 2,1%, está mais longe de ser alcançada. Isto porque a inflação média dos últimos 12 meses subiu de 2,5%, em Fevereiro, para 2,6%, em Março. Uma vez que os aumentos salariais foram definidos em função da estimativa de inflação, quanto mais os preços se afastarem do valor de referência, mais poder de compra perdem as famílias».

Face a isto, o que diz Sócrates? Nada. E o que diz o ministro Teixeira dos Santos? Quase nada, a não ser que não há razões para corrigir a coisa e dar a mão á palmatória, já que – diz ele – as metas definidas pelo governo quanto ao crescimento da economia e à taxa de inflação ainda podem ser alcançadas. Quando se verificar que não foram, aí já será tarde para remediar o mal, não é verdade, senhor ministro?

Com que então, as metas definidas pelo governo ainda podem vir a ser alcançadas. Pois podem. E a Branca de Neve também pode casar com o Príncipe Encantado e convidar a Gata Borralheira para a boda, enquanto a Carochinha e o João Ratão aproveitam a maré e vão de lua-de-mel para as Ilhas Maldivas.

Falando a sério, aqui temos, então, um exemplo vivo do que se discutiu, há oito dias, neste mesmo local. Uma «minoria esclarecida», comandada, hoje em dia, pelo «engenheiro» Sócrates, está a condenar à fome e a toda a ordem de carências uma maioria acéfala (o povo, claro) a quem só resta sujeitar-se aos ditames desses iluminados. E porque este conceito de sociedade, aqui defendido por um ouvinte da casta dos «esclarecidos», mais corresponde a uma visão feudal da sociedade, resta decidirmos quando acertaremos o passo com os tempos modernos, onde o feudalismo só tem lugar nos compêndios de história. Ou seja: quando restauraremos – ou instauraremos? – a Democracia em Portugal.

É que, na verdade, esta visão retrógrada e cavernícola de sociedade, própria de um indivíduo de direita, reaccionário e anti-social, tem correspondência prática nas políticas do PS e do capo Sócrates. Reflecte-as. Sem querer, ele acabou por definir Sócrates como um déspota, o actual cabeça de turco de uma nova aristocracia autoritária e predadora, e que considera o populacho um conjunto de seres inferiores, como tal agindo e governando. Sem querer, também, esse ouvinte acaba por ser de uma utilidade extrema, pois confirma, sem rebuço e sem hesitações, tudo aquilo que temos aqui defendido: ISTO NÃO É UMA DEMOCRACIA!

Então, a grande notícia é que a fome continua – e agrava-se. Cortando já na paparoca, forçados a recorrer ao crédito e, assim, hipotecando presente e futuro, perdendo frequentemente o emprego, perdidos cada vez mais nas malhas do trabalho precário, antecâmara de ciclos crónicos de desemprego e desespero, os portugueses já não sabem para que lado se hão-de virar, acossados que estão por todos os lados.

E Sócrates cala-se, ou fala de energias alternativas. Teixeira dos Santos diz, sem se desmanchar, que tudo será como planeado e prometido. Um sindicato amigo mete ao bolso 10 milhões de euros de IVA, mas é desculpado. Pequenas e médias empresas fecham, aos milhares. Nas suas casas, milhões de portugueses mal acendem a luz de noite, racionam a água, cortam na alimentação, enfim, vivem no fio da navalha. O rol dos pobres aumenta, mas os socialistas, no poder, dizem que Portugal vai no bom caminho.

Ah! Também vem aí o TGV. E a nova ponte. E o novo aeroporto.

Pois. A Carochinha também vai ser muito feliz, mais o seu João Ratão…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

09/04/2008

SOPRAR A VELA E IR EMBORA

Há anos que remo contra a maré. Com braços fracos e remos feitos de tábuas, que é o que se arranja. Mas remo com a certeza da minha razão. À minha frente, no mastro deste barco imaginário, uma vela, uma simples vela, bruxuleia dentro de uma lanterna tosca. É fraca a luz, mas também é o que tenho. Vale, no entanto, por um farol salvador, já que significa, na minha (talvez quixotesca) ideia, a luz da verdade e da justiça. Um rumo. Um rumo para uma sociedade à deriva, atolada em escolhos de iniquidade, canalhice e falsidades. Um rumo que nos leve a outro sítio, a outro tempo. Um e outro limpos da pulhice que nos infecta.

Neste remar (é bom que se diga), nada procuro para mim, mas para todos. Para quase todos, já que no meu sonho não têm lugar os poderosos parasitas que nos sugam e nos definham. Viveremos bem sem eles – que nem são muitos – e que nada fazem de útil. Nada dão. Pelo contrário, apenas devoram o que outros produzem.

Há dias, contudo, em que me apetece baixar os braços. E, também, calar a voz que espanta o nevoeiro que enche de opacidade e perigos este navegar quase sem esperança. Porque há anos que remo e vejo a história repetir-se sem que nada de novo e decente aconteça. Às vezes, lá se vislumbra uma terra iluminada por um sol mais puro e mais quente, uma réstia da felicidade desejada – e merecida – mas logo as trevas caem sobre esse continente encantado, desfazendo o sonho. A última vez que isso sucedeu foi há 34 anos, que se cumprem este mês, quando for o dia 25.

E lá voltamos à faina. As mãos sangram, o suor alaga, o sal greta, o sol curte a pele envelhecida por maus-tratos e marcada por cicatrizes ancestrais. E o barco nunca enche, nem a faina dá para o sustento. E eu remo. E todos – quase todos – remamos um remar sem fim e sem proveito. Andamos às voltas nesse mar de enganos e perdição. De baixios assassinos e impiedosos.

«Não remo mais», prometo a mim mesmo, quando os músculos da alma me doem mais do que os do corpo. No entanto, não consigo largar as mãos dos remos, que já se transformaram num prolongamento dos meus braços. Também já não sei onde acabo eu e começa o barco, nem onde acaba o barco e começa o mar. E remo sempre, vigiando a luz que, no mastro tosco, tremeluz e, por milagre, resiste a todas as borrascas.

Fecho os olhos e remo. E oiço o mesmo marulhar ameaçador, como se os bojos de navios fantasmas roçassem perigosamente o meu frágil batel. Por cansaço ou cobardia, chego a desejar, nos piores momentos, que um deles me abalroe e acabe de vez com este frenesim. Mas a luz, essa pequena luz que resiste a ventanias e vagalhões, parece animar-se com o meu desânimo. E contagia-me. E recupera-me para a tarefa de remar, remar, remar sempre, como se também eu fosse o vento ou o mar. E que só são vento e mar porque não param, não se esgotam, não desistem.

Não! Mesmo sem esperança, remar contra a maré – esta maré – será sempre o meu destino.

De noite, olho as estrelas que pontilham o céu, mundos distantes onde alguns, em vez disso, vêem – ou dizem ver – sinas e futuros. Eu vejo o que já vi ontem, ou há mil anos e – desconfio – verei amanhã. A repetição de tudo. O mesmo filme. As mesmas ilusões. Os mesmos desenganos. As mesmas afrontas.

Sob a luz débil dessas estrelas eu vejo, à minha volta, neste mar sinistro e negro, os destroços da Lisnave e da Siderurgia, da Mundet e da Indelma, e flutuando, ainda brancas e legíveis, as cartas de despedimento de mais 800 portugueses que deram parte das suas vidas aos tubarões da Delphi e da Izaki Saltano.

Mais além, baloiçando numa tábua doirada, os convites aos ex-ministros Ferreira do Amaral e Jorge Coelho, para as presidências da Lusoponte e da Mota-Engil. Noutro sítio, onde deveria morar a decência e onde alguns (ainda) apregoam virtudes e atacam a repugnância dos compadres safardanas, que se deleitam num repasto de boys e girls, ironicamente um novo boy, acabadinho de chegar, ocupa o seu triste poleiro. Choro por essa rendição.

Alguns corvos, vindos sabe-se lá de onde, casquinam trocistas, porque, mesmo ao lado, desfazem-se as certidões de óbito de dezenas de portugueses que, empurrados de hospital para hospital (ou às portas das urgências encerradas) morreram como cães abandonados.

Está sujo este mar. É quase um pântano, tal a quantidade e natureza dos detritos que nele se putrefazem. Vejo recortes de jornais de há 30 anos, de há 20 anos, de há 10 anos, de ontem, de hoje e, numa estranha premonição, de amanhã, onde as notícias são sempre as mesmas: mais despedimentos, mais miséria, pior saúde, pior educação, mais insegurança, mais corrupção, mais desigualdades, pior justiça, um Portugal cada vez mais atrasado e mais pequeno.

Vejo as folhas de rendimentos dos políticos, sujas da infâmia que as escreveu, já com as respectivas reformas anexadas, boiando, nojentas, ao lado das declarações de rendimentos de milhões de reformados e pensionistas, pálidas e definhadas, carregadas com a lista das suas dívidas na farmácia e na pobre mercearia que sobrevive às grandes superfícies devoradoras. Vejo os salários mínimos e os salários em atraso misturados com altos rendimentos, dividendos e outras falcatruas.

Soprar a vela e ir embora. A tentação é essa. Mas a luz da vela, triste e trémula, tem a força e o calor de um sol. Não posso largar os remos nem sair do barco. Nem calar-me. Ela é o meu exemplo e o meu guia.

Por isso aqui estou. Talvez exausto. Talvez em carne viva. Talvez febril. Talvez inútil e perdido sem remédio. Talvez…

Paciência. Mas enquanto este mar for o que é, eu não deixarei de ser quem sou.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

06/04/2008

17 MILHÕES

O Conselho de Administração da Assembleia da República aprovou um orçamento suplementar, o qual permite distribuir este ano mais 900 mil euros pelos partidos políticos com assento parlamentar, num total de 17 milhões de euros.

Porque a benesse devidamente aprovada pelos senhores deputados é feita de acordo com os votos obtidos nas últimas eleições, caberá 8,1 milhões de euros ao PS, 5,2 milhões de euros ao PSD, 1,4 milhões de euros ao PCP, 1,3 milhões de euros ao CDS e 1,1 milhões de euros ao BE.

Este dinheiro, que sai dos nossos impostos directos e indirectos, poderia ser aplicado em muitas outras coisas com utilidade social, em vez de alimentar as cliques partidárias que deveriam ser sustentadas pelos seus apoiantes e defensores.

Que pensarão disto os mais de 2,5 milhões de portugueses que vivem no limiar da pobreza, os mais de 500 mil que esperam por uma consulta ou cirurgia, os desempregados ou os jovens que não vislumbram qualquer futuro digno para uma vida normal ?

Assim não há País que resista a tanto saque e são sempre os mesmos a pagar.

Celino Cunha Vieira

02/04/2008

ELE SABE O QUE FAZ

Aqui há tempos, quando um ouvinte louvava a governação socretina e, em especial, atribuía a Sócrates virtudes que mais ninguém vê, perguntei-lhe se já alguma vez tinha desembarcado no planeta Terra. De facto, aquele ouvinte, a quem as maldades da governação não deverão afectar, pois, conforme deixa entender, tem um nível de vida que lhe permite passar ao lado das privações e angústias que afectam milhões de portugueses, mais parecia, pelo que afirmava, um extraterrestre acabadinho de aterrar, só tendo ouvido, até então, a propaganda governamental.

Claro que todos sabemos que não é disso que se trata, mas de alguém cujas posições de classe demonstram que as políticas desenvolvidas em Portugal se baseiam na exploração de vastas camadas da população, para que os senhores das castas superiores (quero eu dizer: das classes exploradoras e dos seus delfins, lacaios e, até, os seus bobos) possam manter níveis de vida de nababos. Ele sente-se bem com o desconforto dos outros – e, naturalmente, melhor se sentirá quanto mais esse desconforto aumentar.

O tempo, porém, tem-se encarregado de demonstrar que Sócrates não passa de um pantomineiro de alto calibre, mas que, como acontece a todos os pantomineiros, já começou a esgotar a sua capacidade de enganar os papalvos.

Recentemente, baixou o IVA em 1%. Fê-lo com a encenação adequada, com trombetas e flâmulas, como se o facto significasse a bondade da governação e os seus cuidados relativamente aos mais desfavorecidos.

Em primeiro lugar, não nos devemos esquecer que Sócrates e o PS já estão em campanha eleitoral. E que mais coisas roubadas esperam o momento de nos serem devolvidas.

Em segundo lugar, ao devolver aos portugueses um por cento do IVA, esqueceu-se de dizer que ainda lá tem outro um por cento dos dois que nos roubou logo no início da sua governação.

Em terceiro lugar, o que vai acontecer é que o dia-a-dia dos portugueses não vai beneficiar dessa descida, pois, ao contrário do que acontece quando o IVA sobe, os preços não vão diminuir, salvo os artigos muito caros (como os automóveis, por exemplo), que não é coisa que os portugueses comam ao pequeno almoço.

Em quarto lugar, convém recordar que, duas semanas antes – meus amigos, apenas duas semanas antes! – Sócrates afirmava, sem papas na língua, que baixar os impostos seria uma «irresponsabilidade e uma leviandade». Como não estará a chamar a si próprio leviano e irresponsável, a única conclusão a que eu posso chegar é que o senhor «engenheiro» é, de facto, um mentiroso militante. Compulsivo.

Mas o número de circo não fica por aqui. Macaqueando Santana Lopes – que tanto critica – Sócrates anunciou, como quem decreta, o fim da crise orçamental. Na verdade, a crise orçamental nunca existiu. Ela não passou de um pretexto para assaltar os bolsos e os direitos a milhões de portugueses e, ao mesmo tempo, encher os baús e as arcas dos grandes grupos económicos, que nunca antes se espreguiçaram com tanta satisfação.

O que existe – isso sim – é um agravamento da crise profunda do sistema capitalista, de que os Estados Unidos da América são o expoente máximo, sistema esse incapaz de conciliar a necessidade de pilhagem que o sustém, com soluções sociais e económicas que, a produzirem-se, negariam o próprio capitalismo.

Ainda há quem diga, generosamente, que Sócrates não percebe nada disto, que vive isolado num mundo virtual e utópico, conversando com o seu próprio umbigo. Nada mais errado. Sócrates vive a prazo – e sabe-o bem. O que ele tenta, como tentam todos os truões, é manter-se no posto o mais tempo possível.

Ele sabe que no país real – de que evita falar – existem centenas de milhares de pensionistas e reformados em vegetação absoluta. Que o desemprego é um desastre. Que milhares de jovens já perderam por completo a ideia de poderem constituir família e fundar um lar, porque não têm estabilidade de emprego nem futuro profissional. Que centenas de milhares de famílias estão endividadas até à ponta dos cabelos. Que, todos os dias, as penhoras se abatem sobre as casas que as famílias são obrigadas a abandonar, por não suportarem os juros, que sobem quase diariamente, ou porque perderam os seus empregos. Que o investimento nacional e estrangeiro está em queda, pois ninguém acredita nesta espécie de país e nesta espécie de políticas (onde só a corrupção e o enriquecimento fácil têm sucesso, como acontece nas sociedades dominadas pelas máfias ou por ditadores amigos, sejam eles da América do Sul, África, Médio Oriente ou Ásia).

Ele sabe o caos que assola a Justiça, a Saúde e a Educação, onde diariamente casos mais ou menos escandalosos enchem páginas de jornais. Ele sabe que o país está inseguro como nunca, sucedendo-se os crimes violentos e as formas organizadas de criminalidade, sejam as de colarinho branco, sejam as ponta-e-mola ou as de caçadeira de canos serrados.

Ele sabe – porque fomenta e inspira – que os ataques às liberdades individuais têm expressão semelhante às dos tempos do fascismo, quer se traduzam por legislação adequada, quer se traduzam pela actuação de pequenos esbirros e poderes, que invadem escolas e sindicatos, despedem selectivamente, admitem ainda mais selectivamente, perseguem, denunciam, bufam e, como paga, trepam meteoricamente no aparelho do Estado.

Ele sabe que o selo do Governo e do Partido Socialista é a cunha, o amiguismo, o compadrio, o toma-lá-dá-cá sem decoro e sem fronteiras, evidenciado num descarado assalto a tudo o que é administração de empresas públicas e privadas, num festim desvairado que, por o ser, denuncia que existe a noção de que o tempo começa a ser escasso.

Atacam-se os piercings, os casais recém-casados, as pequenas indústrias familiares e tradicionais, mas, no outro pólo, as grandes obras públicas têm a marca do faraonicamente supérfluo, percebendo-se que se fazem menos pelo interesse nacional e, muito mais, pelos lucros, dividendos, luvas e comissões que delas escorrerão, untando as mais diversas manápulas.

Sócrates, porque sabe tudo isto, não vive nas nuvens. Ele sabe o que faz e o país em que vive e onde – por culpa sua – a vida se tornou um inferno. Ele não precisa, por isso, de descer à terra.

O que ele e as suas políticas precisam, em nome da decência, da liberdade, da justiça social e, em suma, em nome do futuro de Portugal e dos portugueses, é de serem rápida e definitivamente… enterrados.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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