31/05/2007

REFLEXÕES III

A REUNIÃO DO G-8

Para os não informados – eu sou o primeiro – G-8 significa o grupo de países mais desenvolvidos, incluíndo a Rússia. A esperada reunião, que começa dentro de 6 dias, tem despertado grandes expectativas, dada a profunda crise política e económica que ameaça o mundo.

Deixemos que as notícias falem.

A agência alemã de notícias DPA informa que o ministro alemão de Transportes e Urbanismo, Wolfgang Tiefensee, declarou "que os países da União Europeia acordaram uma estratégia comum".

"Os ministros europeus de Urbanismo, reunidos na cidade oriental de Leipzig num conselho informal sob a divisa "Desenvolvimento urbano e coesão territorial", utilizarão uma estratégia comum para a protecção do meio ambiente e a detenção da mudança climática".

"Por exemplo – advertiu Tiefensee – no sul europeu poderia acontecer um aumento da temperatura de até seis graus no verão, enquanto que nas costas poderiam ocorrer fortes tormentas invernais".

"A seca que ameaça a Espanha e a escassez de água na Polónia são mais dois exemplos dos desafios perante os quais se confronta a União Europeia”, acrescentou o alemão, ao concluir o conselho.

A AFP, pela sua vez, comunica que "o ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, considerou "muito difícil" que na próxima cúpula do G-8 se consiga sucesso sobre o problema do aquecimento climático em virtude da oposição dos Estados Unidos".

A Alemanha será o país anfitrião da cúpula que se realizará de 6 a 8 de Junho, em Heiligendamm, dos oito países mais industrializados do mundo.

“Embora nos Estados Unidos existam muitos que desejam outro tipo de política sobre o aquecimento climático, ‘infelizmente, o governo de Washington impede’ materializar esta postura”, segundo o ministro social-democrata alemão.

A chanceler alemã, Ângela Merkel, lançará um ‘sinal forte’ sobre a necessidade de actuar urgentemente neste assunto; enquanto a administração estadunidense multiplicará os seus sinais de oposição.

A agência inglesa Reuters comunica: "Os Estados Unidos rejeitaram a proposta alemã para conseguirem que o Grupo dos Oito acorde restrições mais duras para as emissões de carbono que produzem o aquecimento global”, segundo uma minuta do comunicado que será apresentado na reunião.

Os Estados Unidos ainda têm sérias e fundamentadas preocupações sobre esta minuta de declaração, à qual a Reuters teve acesso.

"O tratamento da mudança climática é totalmente contra a nossa posição e cruza múltiplas "linhas vermelhas" em termos com os que simplesmente discordamos”, disseram os negociadores estadunidenses.
"Este documento é chamado de FINAL, mas nunca concordaremos com nada da linguagem climática utilizada no texto", acrescentaram.

A Alemanha quer um acordo visando conter o aumento das temperaturas, diminuir as emissões globais em 50 por cento em relação aos níveis de 1990 para o ano 2050 e incrementar a eficiência energética em 20 por cento até o ano 2020.

Washington rejeita todos esses objectivos.

Enquanto Blair declara que persuadirá o seu amigo George, o certo é que ele acrescentou mais outro submarino aos três que estão a ser construídos actualmente na Grã Bretanha, com o que a despesa em armas sofisticadas incrementará mais 2,5 biliões de dólares aos 2.500 biliões destinados a esta indústria. Talvez, uma pessoa com um dos novos programas de computação de Bill Gates pudesse calcular como os recursos gastos em meios bélicos têm privado a humanidade de educação, saúde e cultura.

George deve dizer o que na verdade pensa na reunião do G-8, incluído o tema dos perigos que ameaçam a paz e a alimentação dos seres humanos. Alguém deve perguntar-lhe.

Ele que não tente fugir à questão, assessorado pelo seu amigo Blair.


Fidel Castro Ruz
29 de Maio de 2007

30/05/2007

DE PÉ, Ó VÍTIMAS DO PS!

Hoje é dia de greve geral. Estou aqui como quem está numa trincheira. Num campo de batalha. E espero que a batalha de hoje acrescente um novo ânimo a quem luta por um país decente. Política, social, económica e culturalmente decente. Justo. Vamos, então, à luta!

Há dois anos, na sua intragável vozinha de coisa falsa, dizia Sócrates em plena campanha eleitoral: «Nós não vamos combater o défice fazendo dele uma obsessão, arruinando a nossa economia e fazendo disparar o desemprego».

Continuando a citar a espécie de engenheiro que governa o país, recordemos outra promessa feita por ele na mesma altura: «Com o PS, a política ambiental vai recuperar o dinamismo que nunca deveria ter perdido e a qualidade de vida vai voltar à agenda política».

E mais dizia: «Nós vamos retirar 300 mil idosos da pobreza, porque o país tem de ser capaz de garantir uma vida digna àqueles que passaram uma vida inteira a trabalhar».

E todos se lembram, ainda, da sua famosa promessa, afirmada por ele a plenos pulmões e colocada em grandes cartazes por todas as ruas do país: «Nós vamos recuperar 150 mil empregos», acrescentado ainda o engenheiro fabricado na Independente, referindo-se ao desemprego existente na altura – e cito: «7,1% de taxa de desemprego é bem a marca de uma governação falhada, de uma economia mal conduzida».

Nessa altura, respondendo aos jornalistas sobre a sua promessa de não aumentar os impostos, afirmava, sorridente, o engenheiro de aviário: «Recomendo a todos os senhores jornalistas que leiam o programa. E não está previsto no programa nenhum aumento de impostos».

Os socialista prometeram isto e muito mais. Prometeram praticamente tudo. Prometeram que a Saúde seria para todos, independentemente do local onde vivessem e da sua situação económica. Prometeram melhorar o sistema de Ensino. Prometeram retirar a Cultura do sistema de asfixia financeira em que vivia, e dedicar-lhe 1% do orçamento.

Passados dois anos, levantemos o «manto diáfano da fantasia» socialista e olhemos para «a nudez crua da realidade»:

Se 7,1% de taxa de desemprego, no tempo do PSD, eram a marca de uma governação falhada, os 8,2% de hoje serão o quê? São, para vergonha do governo – e para nossa desgraça – a maior taxa de desemprego dos últimos 21 anos, com 73 novos desempregados, em média, por dia.

Dos 300 mil idosos que queriam retirar da pobreza, nem 20 mil recebem o suplemento de solidariedade.

Prometeram não aumentar os impostos, mas, só em dois anos, aumentaram 9 impostos, e cada português paga hoje mais 330 euros (66 contos) em impostos do que pagava há dois anos.

Prometeram mais e melhor Saúde para todos, especialmente para os mais idosos e desfavorecidos, e o que temos é uma Saúde mais cara e de acesso mais difícil. Os medicamentos aumentaram 6,6% e 300 deles deixaram de ser comparticipados. As taxas moderadoras aumentaram 27%. Nas regiões mais pobres, onde a população é mais idosa e carente, fecham-se serviços e reduzem-se horários. Agora, as grávidas parem cada vez mais em ambulâncias ou no chão da garagem, enquanto outras são encaminhadas para Espanha.

Prometeram melhor sistema de Ensino, mas o caos e o descontentamento instalaram-se. Milhares de crianças passaram a ficar a quilómetros das suas novas escolas, por encerramento daquelas que frequentavam. Portugal, em consequência, apresenta os piores índices europeus em matéria de Educação.

Prometeram retirar a Cultura da asfixia financeira e dedicar-lhe 1% do orçamento, mas, hoje em dia, o ministério está falido e, praticamente, só existe no papel. Política cultural não existe.

Prometeram colocar o ambiente no centro da sua estratégia, mas, dois anos depois, as leis e projectos não saíram da gaveta, e o país está cada vez mais desordenado, mais sujo e mais roído pelo mar. Apenas no que respeita à co-incineração o governo quis agir, não por questões ambientais, mas porque a co-incineração nada mais é do que um grande negócio da China, com largos proveitos para as cimenteiras e graves riscos para a saúde pública. Para sua infelicidade e sorte nossa, os tribunais têm vindo a cortar as vasas a esse atentado.

Dois anos depois das promessas de Sócrates, Portugal está mais longe da Europa, os portugueses estão mais pobres, há mais desemprego, a saúde é uma miragem – e, cada vez mais, um luxo só ao alcance dos mais favorecidos – o ambiente está caótico, o investimento parou, o poder de compra entrou em queda livre. Enfim, Portugal afunda-se.

Mas falta falar das liberdades. Com o PS, voltou o reino da bufaria, da delação, das perseguições políticas. Os boys e as girls são os novos «informadores» de sua excelência o senhor Presidente do Conselho, a quem directamente reportam, ou através do ministério que os tutele. Isto, enquanto não for oficializada a nova PIDE, para tornar tudo mais simplex. Então, será deste bufos, destes boys e girls acantonados por todo o aparelho de Estado, que sairão os novos pides, os novos Barbieris os novos Rosas Casacos. Entretanto, os «delitos de opinião» vão sendo punidos com suspensões, cessações, despedimentos e outras práticas neo-salazarentas.

Por outro lado, avança a chamada monitorização de rádios, televisões, jornais e blogues feita pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, para se perceber quem é da cor e quem é do contra – e daí se tirarem as devidas consequências. Isto para não falar do novo Estatuto do Jornalista, que institui um tribunal especial para julgar e condenar os jornalistas de «sarjeta», ou seja, os que dizem as verdades que os neo-salazaristas querem manter escondidas.

A corrupção é a moeda corrente. Nada há que ela não compre. Mas o PS recusa medidas eficazes ao seu combate, mesmo que sejam as pálidas propostas apresentadas por um socialista, João Cravinho. Aparentemente, o PS – como partido e como governo – não quer ir à lenha para se queimar.

Na política externa, Sócrates continua a aceitar que os portugueses sejam a carne para canhão nas guerras imperiais de conquista que Bush, alucinadamente, promove. Só este mês – e só no Iraque – já foram abatidos mais de cem soldados invasores norte-americanos. O passeio que Bush prometera, tanto no Afeganistão, como no Iraque, está a ser uma longa caminhada de mortes, mutilações, deserções, suicídios, e distúrbios mentais.

Foi contra isto tudo que a Greve Geral foi decretada. O mesmo é dizer que o foi em nome da vida, em nome da decência, em nome da liberdade, em nome da justiça, em nome, enfim, do direito ao pão. Em nome da democracia.

De pé, ó vítimas do PS!


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/05/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

28/05/2007

REFLEXÕES – II

BUSH À ESPERA DE UM ESTRONDO

Era a palavra que me vinha à mente. Procurei num dicionário e ali estava de origem onomatopéica e de conotação trágica: "ESTRONDO". Talvez jamais a tenha usado na minha vida.

Bush é uma pessoa apocalíptica. Observo os seus olhos, o seu rosto e a sua obsessiva preocupação por simular que tudo aquilo que vê nas "telas invisíveis" são raciocínios espontâneos. Percebi que a sua voz se quebrava quando respondeu às críticas de seu próprio pai quanto à política que põe em prática no Iraque. Apenas expressa emoções e sempre finge racionalidade. Contudo, conhece o valor de cada frase e de cada palavra no público ao qual se dirige.

O dramático é que aquilo que ele espera que aconteça custe muitas vidas ao povo norte-americano.

Jamais se pode concordar, em qualquer tipo de guerra, com factos que sacrificam civis inocentes. Ninguém poderia justificar os ataques da aviação alemã contra as cidades britânicas durante a Segunda Guerra Mundial, nem os mil bombardeiros que no mais álgido da contenda destruíam sistematicamente cidades alemãs, nem as duas bombas atómicas que num acto de puro terrorismo contra anciãos, mulheres e crianças os Estados Unidos fizeram explodir sobre Hiroshima e Nagasaki.

Bush expressou o seu ódio contra o mundo pobre quando, no dia 1º de junho de 2002, em West Point, falou em atacar preventiva e inesperadamente "60 ou mais escuros cantos do mundo".

Quem vai acreditar agora que os milhares de armas nucleares que possuem, os sistemas de mísseis, os sistemas de direcção precisos e exactos que tem desenvolvido, são para combater o terrorismo? Será que servirão para isso os submarinos sofisticados que constroem os seus aliados britânicos, capazes de circunavegar a Terra sem saírem à superfície e reprogramar os seus mísseis nucleares em pleno vôo? Jamais imaginei que num dia qualquer seriam apresentadas tais justificativas. Com essas armas o imperialismo tenta institucionalizar uma tirania mundial.

Com elas aponta para outras grandes nações que surgem não como adversários militares capazes de superá-lo no tocante à tecnologia de armas de destruição em massa, mas sim como potências económicas que rivalizarão com os Estados Unidos, cujo sistema económico e social consumista, caótico e esbanjador, é absolutamente vulnerável.

O pior do estrondo no qual agora descansam as esperanças de Bush é o antecedente da sua maneira de actuar na altura dos acontecimentos de 11 de Setembro, onde, tendo conhecimento de um iminente golpe sangrento ao povo norte-americano, podendo prevê-lo e até inclusive evitá-lo, entrou de férias com o seu aparelho administrativo completo. Desde o dia em que foi eleito Presidente — graças à fraude que, mesmo como numa república bananeira, levaram a cabo seus amigos da máfia de Miami — e antes da sua tomada de posse, W. Bush recebia informação detalhada com os mesmos dados e pela mesma via que os recebia o Presidente dos Estados Unidos, quem fez a observação. Nesse momento ainda faltavam nove meses para os trágicos acontecimentos simbolizados no derrube das Torres Gémeas.

Se novamente acontecesse algo igual com material explosivo de qualquer tipo, ou de carácter nuclear, visto que existe urânio enriquecido espalhado a granel pelo mundo desde a época da guerra fria, qual o destino provável da humanidade? Tento lembrar-me, examino muitos momentos da sua marcha através dos milénios e pergunto-me:acaso são subjectivos os meus pontos de vista?

Ontem mesmo Bush gabava-se de ter ganho a guerra aos seus adversários no Congresso. Tem cem biliões de dólares, todo o dinheiro que necessita para duplicar, como o deseja, o envio de soldados norte-americanos para o Iraque e continuar a matança, enquanto os problemas na região se agravam.

Qualquer opinião sobre as últimas proezas do Presidente dos Estados Unidos vira fiambre em questão de horas. Será que o povo norte-americano também não pode apanhar pelos cornos este pequeno miúra moral?


Fidel Castro Ruz
25 de Maio de 2007

26/05/2007

UM CHEIRINHO A FASCISMO

Um professor da Direcção Regional de Educação do Norte foi suspenso após ter feito comentários à licenciatura do primeiro-ministro. O docente em causa, de seu nome Fernando Charrua, ter-se-ia referido em termos jocosos à licenciatura de José Sócrates, o que não agradou à senhora directora regional, Margarida Moreira, provavelmente uma girl socialista atenta e obrigada. A distinta senhora considerou que o dito era insultuoso e que foi proferido em ambiente de trabalho, dando por isso lugar à instauração de um processo disciplinar e à suspensão do professor. Fernando Charrua, aliás, admitiu ter feito um «comentário jocoso a um colega, dentro de um gabinete», acrescentando que o referido comentário foi «retirado do anedotário nacional do caso Sócrates/Independente».

Aqui fica o aviso: a partir de agora, todos os portugueses que, por qualquer meio, teçam, durante o horário laboral, comentários jocosos, depreciativos ou meramente risonhos sobre a licenciatura de José Sócrates, estão sujeitos à alçada rigorosa da sua hierarquia profissional. Suspensão imediata, processo disciplinar e pena consequente, que pode ir da repreensão ao despedimento com justa causa. Por outras palavras: a liberdade de expressão não é aplicável nos casos em que o suposto engenheiro Sócrates seja o alvo do comentário.

Atenção, meus amigos! Anda no ar um cheiro inconfundível a fascismo e à sua indispensável bufaria. Há muito que eu venho dizendo que as coisas estão a ir por caminhos muito tristes e sombrios. E entre os métodos dos socialistas e os métodos dos fascista (garanto-vos eu, que a ambos conheço de ginjeira) encontrar uma diferença de vulto é mais difícil que encontrar a tal agulha no palheiro.

Falando de Sócrates, dessa coisa nefasta que está a estender os seus tentáculos à volta da nossa incipiente democracia, asfixiando direitos, liberdades e garantias a mais de nove milhões de portugueses, enquanto os restantes acumulam o que àqueles é retirado, quero dizer que o homem nem sempre conta mentiras. Há dias, fugiu-lhe a boca para a verdade. Disse ele, dirigindo-se a pessoas que tinham acabado de adquirir a nacionalidade portuguesa: «Quero deixar-vos também uma palavra de confiança, confiança em vós, nas vossas famílias e a certeza que cada um de vós dará o seu melhor para um país mais justo, para um país mais pobre». Foi um lapso, disse ele. Pois foi. Mas um lapso nascido no seu subconsciente, na convicção íntima que ele tem sobre o destino deste desgraçado país.

A contribuir para que sejamos um país cada vez mais pobre, aí estão mais 500 despedimentos anunciados na multinacional norte-americana Delphi, o que me deixa uma dúvida no espírito. Quando Sócrates falou em 150 mil postos de trabalho, durante a campanha eleitoral onde enganou cerca de dois milhões de eleitores, estaria a referir-se a mais 150 mil novos postos de trabalho, ou em 150 mil novos desempregados? Se calhar, foi isso…

Entretanto, fruto das «excelentes» políticas do suposto engenheiro Sócrates – e também suposto socialista – o número de portugueses a trabalhar em Espanha e inscritos na Segurança Social do país vizinho é já superior a 75 mil. Diz o Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais espanhol que existiam, no final de Abril, 75.307 portugueses naquelas condições, mais alguns do que em Março. Face a finais de 2006, a subida é já de quase 4%.

Por cá, (olha a grande novidade!) a taxa de desemprego subiu para valores dramáticos, sendo este o terceiro trimestre consecutivo em que aumenta o número de pessoas sem trabalho. Quem o diz é o insuspeito Instituto Nacional de Estatística, que divulgou os números de desemprego referentes aos primeiros três meses de 2007. Sem papas na língua, afirma – e prova – que o número de desempregados voltou a aumentar. E para aborrecimento – e vergonha, se a tivesse – do suposto engenheiro Sócrates, acrescenta-se que para encontrar um valor superior ao anunciado é preciso recuar 21 anos, mais precisamente, até ao segundo trimestre de 1986.

Os números mostram que Portugal tinha 469.900 desempregados no final do primeiro trimestre deste ano, número que representa uma taxa de desemprego de 8,4%, mais 0,7% do que no mesmo período do ano passado, e mais 0,2% acima do último trimestre de 2006. As estatísticas mostram também que o actual ritmo de crescimento económico não só não é suficiente para alimentar uma descida do desemprego, como continua a deixar-nos cada vez mais para trás em relação ao resto da Europa. Maiores vítimas do desemprego são os jovens entre os 15 e os 24 anos, com uma taxa de desemprego de 18,1%, valor que representa um aumento face aos 15,7% registados há um ano, e aos 17,9% do final de 2006.

Caso o suposto engenheiro Sócrates não se lembre disso, aqui fica a ideia. Encerrar o INE, ou privatizá-lo. Assim, as confederações patronais já podiam divulgar os dados que mais lhes conviessem. Ou, então, levantar processos disciplinares a todos os responsáveis pelas estatísticas, dado que elas não respeitam as conveniências e as verdades oficiais. Tudo a bem da nação.

Enquanto isto acontecia, os meios de comunicação social passavam o tempo na Aldeia da Luz entretidos com o caso da menina desaparecida. Talvez por isso, quase ninguém deu destaque a uma decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, que confirmou a suspensão da co-incineração de resíduos perigosos na Arrábida. Distracções.

Que Sócrates mais o seu ministro do Ambiente tenham metido a viola no saco, compreende-se. Há verdades que devem ser escondidas, porque, como esta, representam uma violenta bofetada na cara arrogante do «engenheiro» que vai sendo primeiro-ministro. Mas já não se compreende que a maioria dos jornais e as televisões tenham escondido a coisa.

Leio-vos passagens do texto que o advogado Castanheira Barros, que representa as Câmaras de Setúbal, Palmela e Sesimbra, em defesa da saúde pública das suas populações, ameaçadas pela co-incineração na Arrábida, escreveu no seu blog, http://castanheira.blogspot.com/. Diz ele:

«Depois da Laika ter sido posta em órbita pelos soviéticos em 1957, passando a ser o primeiro ser vivo no espaço, eis que agora é notícia a Leya, cadela de José Mourinho, que os jornalistas portugueses decidiram pôr nos píncaros da Lua. E porquê? Que fez ela de especial? Nada, que se saiba. Tal aconteceu no mesmo dia em que o Tribunal Central Administrativo – Sul confirmou a suspensão da co-incineração de resíduos perigosos na Arrábida. A estratégia da mediatização do banal e da banalização do fundamental, funcionou mais uma vez.

Transformou-se em trivial o que tem sido uma raridade em Portugal: adopção de providências cautelares contra as pretensões do Governo, e em transcendental o que não passa de uma banalidade: uma cadela a viajar de avião ao colo da sua dona. Sem dúvida que o dono da cadela é um homem muito especial, desde logo porque Mourinho é também contra a co-incineração no Outão, mas nada justifica que se tenham escrito páginas inteiras acerca do romance construído à volta da cadela, e apenas breves notícias sobre o anúncio público de uma decisão judicial que é de crucial importância para a saúde pública e para o meio ambiente. Nem uma só câmara de televisão se dignou colher a opinião dos Presidentes das Câmaras de Setúbal, Sesimbra e Palmela, que vêm travando, até ao momento com sucesso, uma titânica batalha judicial contra o Governo.

E se a decisão tivesse sido ao contrário, ou seja, se o ministro do Ambiente ou a Secil tivessem ganho o recurso que apresentaram? Passaria também essa decisão despercebida aos portugueses? A imprensa desempenha, todos nós sabemos, um papel crucial na aculturação ou na estupidificação do nosso Povo. O último jogo de futebol entre o Benfica e o Sporting preencheu, no dia seguinte, 23 páginas de um jornal desportivo deste País.
Para bom entendedor, meia palavra basta.»

Pois é, amigo Castanheira Barros. O jogo está viciado. A liberdade de expressão, o direito à informação, a ausência de censura, as razões e os direitos de milhões de portugueses são coisas de faz-de-conta. A democracia está detida preventivamente, em parte incerta. Aquilo que por aí anda é a velha ditadura, agora mascarada de socialista e democrática.

E se não abrirmos os olhos e dermos as mãos (nós, os que só queremos ser cidadãos de corpo inteiro) pode crer – podemos todos crer – que dias bem piores aí virão.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/05/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

18/05/2007

REFLEXÕES - I

O que aprendemos do VI Encontro Hemisférico de Havana

Maria Luisa Mendonça trouxe ao Encontro de Havana o impactante documentário sobre o corte manual da cana de açucar no Brasil.

Numa síntese que elaborei, com parágrafos e frases do original, a essência do que Maria Luisa expressou foi o seguinte:

“Sabemos que a maioria das guerras, nas últimas décadas, tem como factor central o controle das fontes de energia. O consumo de energia é garantido aos sectores privilegiados, tanto nos países centrais quanto nos países periféricos, enquanto a maioria da população mundial não tem acesso aos serviços básicos. O consumo per capita de energia nos Estados Unidos é de 13 000 quilowatts, ao passo que a média mundial é de 2 429 e na América Latina é de 1 601.

O monopólio privado de fontes de energia é garantido por cláusulas em Acordos de Livre Comércio bilaterais ou multilaterais.

O papel dos países periféricos é produzir energia barata para os países ricos centrais, o que representa uma nova fase da colonização.

É preciso desmitificar a propaganda sobre os supostos benefícios dos agrocombustíveis. No caso do etanol, a cultura e processamento da cana-de-açúcar contamina os solos e as fontes de água potável, porque utiliza uma grande quantidade de produtos químicos.

O processo de destilação do etanol produz um resíduo denominado vinhoto. Por cada litro de etanol produzido são gerados de 10 a 13 litros de vinhoto. Uma parte deste resíduo pode ser utilizado como fertilizante, mas a maior parte contamina rios e fontes de águas subterrâneas. Se o Brasil produz 17 ou 18 bilhões de litros de etanol anualmente, isso significa que, pelo menos, 170 bilhões de litros de vinhoto se depositam nas regiões dos canaviais. Imaginem o impacto no meio ambiente.

A queima da cana-de-açúcar, que serve para facilitar a colheita, destrói grande parte dos microorganismos do solo, contamina o ar e causa muitas doenças respiratórias.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil decreta quase todos os anos em São Paulo – que representa 60% da produção de etanol do Brasil- uma situação de emergência, porque as queimas levaram a humidade do ar até níveis extremamente baixos, entre 13% e 15%. O que faz com que seja impossível respirar nesse período na região de São Paulo onde se faz a colheita da cana.

Como sabemos, a expansão da produção de agroenergia é de grande interesse para as empresas que produzem organismos geneticamente modificados ou transgênicos, como Monsanto, Syngenta, Dupont, Bass e Bayer.

No caso do Brasil, a empresa Votorantim desenvolveu tecnologias para a produção duma cana transgênica, que não é comestível, e sabemos que muitas empresas estão desenvolvendo este mesmo tipo de tecnologia e, como não há meios para evitar a contaminação dos transgênicos nos campos de culturas nativas, esta prática coloca em risco a produção de alimentos.

No que se refere à desnacionalização do território brasileiro, grandes empresas adquiriram usinas açucareiras no Brasil: Bunge, Novo Group, ADM, Dreyfus, além dos megaempresários George Soros e Bill Gates.

Como resultado disso, sabemos que a expansão da produção de etanol provocou a expulsão de camponeses das suas terras e criou uma situação de dependência do que denominamos a economia da cana, porque, não é que a indústria da cana gere empregos, pelo contrário, gera desemprego, porque essa indústria controla o território. Isso significa que não há espaços para outros sectores produtivos.

Ao mesmo tempo, temos a propaganda da eficiência dessa indústria. Sabemos que se baseia na exploração de uma mão-de-obra barata e escrava. Os trabalhadores são remunerados segundo a quantidade de cana cortada e não pelas horas trabalhadas.

No estado de São Paulo, que é onde está a indústria mais moderna - moderna entre aspas, evidentemente - e é o maior produtor do país, a meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15 toneladas de cana por dia.

Um professor da universidade de Campinas, Pedro Ramos, fez estes cálculos: nos anos 80 os trabalhadores cortavam aproximadamente 4 toneladas por dia e recebiam o equivalente a mais ou menos 5 dólares. Atualmente, para conseguir 3 dólares por dia, é preciso cortar 15 toneladas de cana.

O próprio Ministério do Trabalho do Brasil fez um estudo no qual diz que antigamente 100 metros quadrados de cana somavam 10 toneladas; hoje, com a cana transgênica, é preciso cortar 300 metros quadrados para alcançar 10 toneladas. Então, os trabalhadores têm que trabalhar três vezes mais para cortar 10 toneladas. Este padrão de exploração causou sérios problemas de saúde e até a morte aos trabalhadores.

Uma pesquisadora do Ministério do Trabalho em São Paulo diz que o açúcar e o etanol do Brasil estão banhados de sangue, suor e morte. No ano 2005 o Ministério do Trabalho em São Paulo registrou 450 mortes de trabalhadores por outras causas, como assassinatos e acidentes, porque a transportação para as usinas é muito precária e também em conseqüência de doenças como paragens cardíacas e cancro.

Segundo Maria Cristina Gonzaga, que fez a pesquisa, esta investigação do Ministério do Trabalho mostra que nos últimos cinco anos 1 383 trabalhadores canavieiros morreram apenas no Estado de São Paulo.

O trabalho escravo também é comum neste setor. Geralmente os trabalhadores são migrantes do nordeste ou de Minas Gerais, que são seduzidos por intermediários. Normalmente o contrato não é feito diretamente com a empresa, senão através de intermediários, que no Brasil os chamamos de “gatos”, que escolhem mão-de-obra para as usinas.

Em 2006, só em São Paulo, a Procuradoria do Ministério Público inspecionou 74 usinas, e todas foram processadas.

Apenas em março de 2007, os procuradores do Ministério do Trabalho resgataram 288 trabalhadores em situação de escravidão em São Paulo.

Nesse próprio mês, no Estado de Mato Grosso, foram resgatados 409 trabalhadores numa usina que produz etanol; entre eles havia um grupo de 150 indígenas. Nessa área do centro do país, em Mato Grosso, é comum utilizar indígenas no trabalho escravo da cana.

Todos os anos centenas de trabalhadores sofrem condições análogas nos canaviais. Como é que são estas condições? Trabalham sem um registro formal, sem equipamentos de proteção, sem água ou alimentação adequada, sem acesso aos banheiros e com habitações muito precárias; além disso, eles têm que pagar pela habitação, pela comida, que é muito cara, e precisam pagar por equipamentos como botas e facões e, claro, no caso de acidentes de trabalho, que são muitíssimos, não recebem o tratamento adequado.

Para nós, a questão essencial é eliminar o latifúndio, porque por trás desta imagem moderna há um problema fundamental, que é o latifúndio no Brasil e, evidentemente, noutros países da América Latina. Também é preciso uma política séria de produção de alimentos.

Com isto queria apresentar um documentário que fizemos no Estado de Pernambuco com os trabalhadores canavieiros, que é uma das regiões onde mais se produz a cana-de-açúcar, e assim vocês verão realmente como são as condições.

Este documentário foi feito junto da Comissão Pastoral da Terra no Brasil e dos sindicatos dos trabalhadores florestais do Estado de Pernambuco”.

Assim conclui a sua intervenção a destacada e aplaudida dirigente brasileira.

A seguir, exponho as opiniões dos cortadores de cana que aparecem no material fílmico entregue por Maria Luisa. Quando no documentário não aparecem identificadas as pessoas, indica-se a sua condição de homem, mulher ou jovem. Não as incluo todas pela sua extensão.

- Severino Francisco da Silva: Quando eu tinha 8 anos, meu pai mudou-se para o engenho do Junco. E quando cheguei, eu quase fazia 9, meu pai começou a trabalhar e eu atava cana com ele. Trabalhei uns 14 ou 15 anos no engenho do Junco.
- Uma mulher: Há 36 anos que moro neste engenho. Me casei aqui e tive 11 filhos.
- Um homem: Há muitos anos que trabalho no corte da cana; não sei nem contar.
- Um homem: Comecei a trabalhar com 7 anos e minha vida é cortar cana e desmatar.
- Um jovem: Nasci aqui, tenho 23 anos, desde os 9 anos corto cana.
- Uma mulher: Trabalhei 13 anos aqui na Planta Salgado. Eu semeava cana, semeava adubo, limpava cana, capim.
- Severina Conceição: Eu sei fazer todos esses trabalhos do campo: semear adubo, semear cana. Eu fazia tudo com “o bombo” deste tamanho (refere-se à gravidez) com o cabaz a um lado, e continuava trabalhando.
- Um homem: Trabalho, todos os trabalhos são bem difíceis, porém a colheita da cana é o pior que há no Brasil.
- Edleuza: Chego a casa e lavo a louça, arrumo a casa, cuido do serviço doméstico, faço as coisas. Cortava cana, e às vezes chegava a minha casa e nem podia lavar a louça, tinha as mãos feridas, cheias de calos.
- Adriano Silva: Acontece que o administrador exige muito no trabalho. Há dias que a gente corta cana e recebe o ordenado, mas há dias que não recebe nada. Às vezes é suficiente, noutras não.
- Misael: A situação aqui é perversa, o feitor quer diminuir o peso da cana. Disse que o que nós cortemos aqui é o que temos, e acabou. Trabalhamos como escravos, entendeu? Assim não se pode!
- Marcos: A colheita da cana é um trabalho escravo, é um trabalho difícil. Saímos às 3 horas da manhã, chegamos às 8 horas da noite. Isso apenas é bom para o patrão, porque cada dia que passa ele ganha mais e o trabalhador perde, diminuindo a produção e o patrão fica com tudo.
- Um homem: Às vezes deitamo-nos sem ter tomado banho, não há água, tomamos banho num riacho que passa aí em baixo.
- Um jovem: Aqui não há lenha para cozinhar, se a gente quer comer, tem que sair e buscar lenha.
- Um homem: O almoço, é o que a gente traz da casa, traz uma ração, é o que arranjar, sob esse sol, faz o que pode na vida.
- Um jovem: Todo aquele que trabalha muito precisa de uma boa alimentação. Enquanto o dono da usina tem privilégios, do bom e do melhor, e nós aqui sofrendo.
- Uma mulher: Passei muita fome. Muitas vezes deitei com fome, às vezes não tinha nada para comer, nem para dar a minha filha; nalgumas ocasiões ia procurar sal, que era o que encontrávamos com maior facilidade.
- Egidio Pereira: A gente tem dois ou três filhos, e se não se cuida, morre de fome; não dá para viver.
- Ivete Cavalcante: Aqui não existe o salário, há que limpar uma tonelada de cana por oito reais; a gente ganha conforme o que consegue cortar: se a gente corta uma tonelada, ganha oito reais, não há salário fixo.
- Uma mulher: Salário? Eu não sei nada disso.
- Reginaldo Souza: Às vezes eles pagam em dinheiro. Nesta época eles estão pagando em dinheiro; mas, no inverno pagam tudo com vales.
- Uma mulher: O vale, a gente trabalha, ele anota tudo num papelzinho, entrega-o à pessoa para que compre no mercado. A pessoa não vê o dinheiro que ganha.
- José Luiz: O feitor faz tudo o que quiser com as pessoas. O que acontece é que pedi para “calcular a média” da cana, ele não quis. Isto é: neste caso, ele obriga as pessoas a trabalharem pela força. Desta maneira a pessoa trabalha grátis para a empresa.
- Clovis da Silva: Isso nos mata! A gente passa meio-dia cortando cana, acha que vai ganhar algum dinheiro, e quando ele vai medir, constatamos que o trabalho não valeu nada.
- Natanael: O caminhão que transporta o gado aqui é utilizado para levar os trabalhadores, é pior que com o cavalo do dono; porque quando o dono coloca seu cavalo no caminhão, ele lhe põe água, serradura no chão para que o cavalo não se dane os cascos, pasto, uma pessoa para acompanhá-lo; e os trabalhadores, que se acomodem como puderem: ele entrou, fechou a porta e acabou. Eles tratam os trabalhadores como se fossem animais. O “Pro-Álcool” não ajuda os trabalhadores, só aos fornecedores de cana, ajuda os patrões e os enriquece cada vez mais; porque se gerasse emprego para os trabalhadores, para nós seria fundamental, mas não gera empregos.
- José Loureno: Eles têm todo esse poder porque na Câmara, estadual ou federal, têm um político que representa essas usinas açucareiras. Há donos que são deputados, ministros, parentes dos senhores de engenho, que facilitam essa situação para os donos e para os senhores de engenho.
- Um homem: Parece que nossa luta não acaba nunca. Não temos férias, nem o décimo terceiro, tudo se perde. Além disso, a quarta parte do salário que é obrigado receber, não a recebemos, é com isso que no fim do ano compramos roupa para nós e para nossos filhos. Eles não nos entregam nada disso, e vemos que a situação fica cada vez mais difícil.
- Uma mulher: Eu sou trabalhadora registrada, e jamais tive direito a nada, nem a um atestado médico. Quando ficamos grávidas, temos direito a um atestado médico, mas eu não tive esse direito, garantia de família; também não tive o décimo terceiro, sempre recebia alguma coisinha, depois não recebi mais nada.
- Um homem: Há 12 anos que ele não paga nem o décimo terceiro nem as férias.
- Um homem: A gente não pode adoecer, trabalha dia e noite no caminhão, no corte de cana, de madrugada. Eu perdi minha saúde, eu era forte.
- Reinaldo: Um dia eu estava com umas sapatilhas nos pés; quando dei um golpe de facão para cortar a cana que atingiu um dos meus dedos, me cortou, terminei o trabalho e regressei para a casa.
- Um jovem: Não há botas, trabalhamos assim, muitos trabalham descalços, não há condições. Disseram que a usina ia doar botas. Há uma semana que ele feriu o pé (assinala) porque não há botas.
- Um jovem: Eu estava doente, estive assim durante três dias, não recebi salário, não me pagaram nada. Fui ao médico, pedi o atestado e não mo deram.
- Um jovem: Houve um rapaz que chegou de “Macugi”. Estava trabalhando, no meio do trabalho começou a se sentir mal, teve que vomitar. O esforço é grande, o sol é muito quente e a gente não é de ferro, o corpo do ser humano não resiste.
- Valdemar: O veneno que utilizamos provoca muitas doenças (refere-se aos herbicidas). Ocasiona vários tipos de doenças: cancro de pele, nos ossos, vai penetrando no sangue e dana a saúde. Sentem-se náuseas, a gente até cai.
- Um homem: No período entre as colheitas praticamente não há trabalho.
- Um homem: O trabalho que o patrão manda fazer tem que fazê-lo; porque vocês sabem, se não o fazemos... Nós não mandamos; eles são quem mandam. Se te dão uma tarefa, tem que fazê-la.
- Um homem: Aqui estou à espera de que nalgum dia possa ter um pedacinho de terra para terminar minha vida no campo, para poder encher minha barriga, a dos meus filhos e a dos meus netos, que vivem comigo.

Será que há algo a mais?

Fim do documentário.

Ninguém fica mais agradecido do que eu por este testemunho e pela apresentação de Maria Luisa, cuja síntese acabo de elaborar. Fazem com que venham à minha memória os primeiros anos de minha vida, uma idade na qual os seres humanos costumam ser muito ativos.

Nasci num latifúndio canavieiro, de propriedade privada, rodeado pelo norte, pelo leste e pelo oeste por grandes extensões de terra propriedade de três multinacionais norte-americanas que, em conjunto, possuíam mais de 250 mil hectares de terra. O corte era manual, em cana verde, nessa altura não se usavam herbicidas, nem sequer fertilizantes. Uma plantação podia durar mais de 15 anos. A mão-de-obra era tão barata que as multinacionais ganhavam muito dinheiro.

O dono da quinta canavieira em que eu nasci era um imigrante de origem galega e família camponesa pobre, praticamente analfabeto, a quem trouxeram primeiramente como soldado no lugar de um rico que pagou para iludir o serviço militar e quando acabou a guerra o repatriaram para a Galiza. Voltou a Cuba por si próprio, mesmo como o fizeram inúmeros galegos que viajaram aos países da América Latina. Trabalhou como peão de uma importante multinacional, a United Fruit Company. Tinha qualidades como organizador, recrutou um elevado número de jornaleiros como ele, virou contratista e comprou finalmente terras na zona que limitava com o sul da grande empresa norte-americana com a mais-valia acumulada. Na região oriental a população cubana, de tradição independentista, tinha crescido notavelmente e carecia de terra; contudo o peso principal da agricultura do oriente do país, no começo do século passado, recaia sobre os escravos libertados poucos anos antes ou sobre os descendentes dos antigos escravos e sobre os imigrantes procedentes do Haiti. Os haitianos não tinham família. Viviam sozinhos em suas deploráveis vivendas de colmo e tábuas de palmeira, agrupados em casarios, com a presença de apenas duas ou três mulheres entre eles. Durante os breves meses de safra se realizavam lutas de galos. Ali gastavam os haitianos suas miseráveis rendas, e o resto utilizavam-no para comprar alimentos, que passavam por muitos intermediários e eram caros.

O proprietário de origem galega vivia ali, na quinta canavieira. Apenas saia para visitar as plantações e falava com todo aquele que o procurava ou precisava de alguma coisa. Muitas vezes acedia aos pedidos, por razões mais humanitárias do que económicas. Podia tomar decisões.

Os administradores das plantações da United Fruit Company eram norte-americanos cuidadosamente selecionados e bem remunerados. Viviam com suas famílias em mansões imensas, em lugares escolhidos. Eram como deuses distantes, que os trabalhadores famintos mencionavam com respeito. Jamais eram vistos nos cortes, onde trabalhavam seus subordinados. Os donos das ações das grandes multinacionais viviam nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo. Os gastos das plantações estavam muito controlados e ninguém podia aumentar um cêntimo.

Conheço muito bem a família do segundo matrimónio do imigrante de origem galega com uma jovem camponesa cubana, muito pobre que, mesmo como ele, não pôde ir à escola. Era muito abnegada e dedicada demais à família e às atividades económicas da plantação.

Aqueles que no estrangeiro lerem estas reflexões ficarão surpreendidos ao saberem que esse proprietário era meu pai. Sou o terceiro filho dos sete desse matrimónio, que nascemos no quarto de uma casa de campo, muito longe de qualquer hospital, assistidos pela mesma parteira, uma camponesa dedicada em corpo e alma à sua tarefa, que só contava com os seus conhecimentos práticos. A Revolução entregou aquelas terras todas ao povo.

Só me resta acrescentar que apoiamos totalmente o decreto de nacionalização da patente a uma multinacional farmacêutica para a produção e comercialização no Brasil de um medicamento contra a SIDA, o Efavirenz, de preço abusivamente alto, — igual a muitos outros —, assim como também a recente solução mutuamente satisfatória do diferendo com a Bolívia a respeito das duas refinarias de petróleo.

Reitero que sentimos profundo respeito pelo povo irmão do Brasil.


Fidel Castro Ruz
14 de Maio de 2007

16/05/2007

MENTIRAS E MENTIROSOS

Depois dos excelentes momentos que vivi na passada sexta-feira, durante o convívio que uniu os ouvintes da Rádio Baía e esta nossa equipa no restaurante Forno de Cima, em Almada, com a carinho anfitrião da Luísa Basto e do João Fernando, resolvi fazer uma pausa e mudar hoje o registo das nossas «Provocações». Antes disso, porém, quero dizer que desses momentos guardarei para sempre os rostos, as palavras e a emoção que vi, ouvi e senti, e que mais uma vez tive a prova que uma outra sociedade é possível. E ela sê-lo-á quando, sem mentiras e sem disfarces, sem vaidades e sem arrogâncias, olhando uns para os outros com espírito fraterno e solidário – conforme ali aconteceu – o povo português possa entender-se e definir o seu rumo, livre do malabarismo dos políticos, esses sábios manipuladores das palavras e das consciências. Quando também soubermos expurgar do nosso seio os oportunistas, os parasitas, os falsos amigos ou, em muitos casos, os simples vendedores da banha da cobra, ineptos papagaios de frases feitas, que se deslumbram com as suas próprias tiradas, e que estão convencidos que são a nata da democracia e um exemplo a ser seguido sem contestação. Por isso, pelo que vivi – mas, sobretudo, pelo que aprendi – no jantar desta nossa Rádio Baía com os seus ouvintes, quero deixar-vos a todos – aos companheiros da rádio e a esses ouvintes – os meus agradecimentos.

Mas disse, no início, que ia mudar o registo das «Provocações» de hoje. E assim sendo, permitam-me que me dirija exclusivamente ao senhor primeiro-ministro, pois os assuntos que tenho a tratar são com ele – e apenas com ele. Por isso, se os nossos ouvintes, mesmo os mais fiéis, quiserem desligar o rádio, estejam à vontade.

Senhor «engenheiro».

V. Exa. não vê as aspas, mas elas estão lá, na palavra engenheiro, amparando-a, não vá ela desmoronar-se por falta de solidez, de consistência. Aliás, pouco se me dá que V. Exa. tenha, ou não, direito a alardear um título académico. O que não me pode deixar indiferente é o facto de V. Exa. poder ter percorrido caminhos ínvios – e, por isso mesmo, censuráveis – para se ornamentar com um canudo, significando isso que não seria pessoa aconselhável para exercer qualquer mister, muito menos para ocupar o cargo que ocupa. E se à sua rocambolesca licenciatura me refiro não é pelo prazer de malhar em ferro frio, mas porque hoje decidi falar consigo de mentiras e mentirosos. E, nesta questão, muitas mentiras nos foram contadas. Um dia se saberá por quem. Por isso, a questão da licenciatura veio, apenas, a talhe de foice.

Alinhavo este texto num dia igual a tantos outros. Lá fora, não acontece nada. Ou não acontece nada de especial. Já não oiço a descarga do alto-forno da antiga – e assassinada – Siderurgia Nacional, e sei que, às quatro da tarde, não haverá a mudança de turno, como não houve às oito da manhã, nem à meia-noite, com milhares de trabalhadores revezando-se para que o coração da fábrica continuasse quente e a pulsar. Já não fabricamos o aço que nos fazia falta – e ainda faz – porque temos de absorver os excedentes doutros países. E agora, até sucata importamos.

Isto traz-me a outra realidade. Tenho ouvido V. Exa. falar de competitividade e produtividade, garantindo que precisamos aumentar uma e outra. Aqui chegados, garante V. Exa. o mesmo que garantem os donos do dinheiro, vulgarmente chamados capitalistas, ou seja, que o aumento da competitividade e da produtividade não se fará sem que os salários sejam contidos ou, até, reduzidos. Aliás, o muitíssimo bem pago camarada de V. Exa., que ocupa o cargo de governador do Banco de Portugal, diz que «a única forma de manter níveis de competitividade externa é através da contenção dos custos salariais» acrescentando que «a rigidez salarial no mercado de trabalho português, uma das mais elevadas da União Europeia, não facilita o ajustamento das empresas a choques negativos sobre a procura dos seus produtos, especialmente tendo em conta que a legislação laboral dificulta a adaptação do número de trabalhadores à evolução da actividade das empresas». Quer ele dizer, lá na dele, que é preciso despedir à vontade e, ao mesmo tempo, praticar salários cada vez mais baixos, mas pondo, é claro, o seu rabinho de fora.

Deixe que lhe diga, senhor «engenheiro», que alguém anda a mentir – e muito – quando faz tais afirmações. Ora eu acho que não é preciso ser-se doutor nem engenheiro para explicar a V. Exa., ou ao seu camarada Victor Constâncio, mais aos senhores capitalistas deste país, que a «competitividade» e a «produtividade» são dois conceitos que, sob o ponto de vista técnico, significam coisas completamente diferentes. Basta sabermos que a produtividade pode aumentar sem que a competitividade cresça; e inversamente, a competitividade pode crescer sem que seja necessário aumentar a produtividade.

Se V. Exa. perguntar ao seu ministro das Finanças se isto é verdade, ele responderá que é, caso não esteja mais ninguém a ouvir. Porque ele sabe que a produtividade se obtém dividindo a quantidade de produtos obtidos pela quantidade de recursos utilizados. Como sabe que a competitividade é uma coisa completamente diferente, já que mede a posição vantajosa, ou não, de uma empresa no mercado, relativamente às outras. Como é fácil de concluir, a produtividade de uma empresa pode aumentar sem que aumente a sua competitividade. Para que isso aconteça, basta que uma empresa, com produtos ultrapassados ou de má qualidade, aumente a sua produtividade, ou seja, aumente a quantidade de produtos que obtém com os mesmos recursos que utiliza, mas como não os consegue vender, porque os consumidores os não compram, a sua posição no mercado piora, piorando a sua competitividade. Inversamente, poderá suceder que uma empresa se torne mais competitiva, portanto que a sua posição no mercado melhore relativamente às outras empresas, sem que aumente a sua produtividade. Basta, para tanto, que melhore o seu marketing, ou que encontre um canal de distribuição mais adequado, ou que consiga associar aos seus produtos uma marca de prestígio, etc..

E porque estamos a falar de mentiras e de mentirosos, devo já dizer a V. Exa. que também mentem aqueles que afirmam que serão os salários baixos e o aumento da carga horária a salvação da economia e, consequentemente do país.

Contrariamente ao seu discurso, que é o discurso do grande capital, e a posição oficial dos media, os países mais competitivos da União Europeia são precisamente os que têm salários mais elevados. Tenho à minha frente um interessante quadro, retirado de dados do Eurostat que prova isso mesmo.

Não me parecendo que V. Exa. possa ser tão ignorante que desconheça estes dados, resta-me concluir que será, nesse caso, alguém a quem, com rigor, se pode acusar de fugir à verdade, alguém a quem, na linguagem comum, chamamos aldrabão – ou simplesmente mentiroso

O dia continua ensolarado, mas estranhamente quieto. Lá fora, mantém-se o silêncio. O país anda calado, tristonho, macambúzio, sem esperança. Aqueles que podiam fazer a festa, senhor «engenheiro», preferem o silêncio. Ou festejam na privacidade das suas mansões, dos seus castelos feudais. Lambem os beiços e esfregam as mãos enquanto vêem os lucros acumularem-se. São os seus amigos, os donos dos grandes grupos económicos e financeiros, para quem nunca haverá crise. Só no primeiro trimestre deste ano os lucros da banca cresceram mais 24%. Para eles, a economia vai de vento em popa.

Mas esta é uma das coisas de que V. Exa. não gosta que se fale. No entanto, se fosse um político sério – se é que numa sociedade dominada pelo poder económico podem chegar aos governos políticos sérios – seria o primeiro a promover a discussão desta e doutras matérias. Em vez disso, o seu governo e a generalidade dos meios de comunicação social (que deveriam ser um fórum de debate e esclarecimento, caso não fossem propriedade de grupos capitalistas ou rigidamente controlados pelos comissários políticos do sistema) esforçam-se por esconder ou deturpar estas realidades inconvenientes.

Hoje, em Portugal, milhares de crianças não beberão leite, nem comerão carne ou peixe. E V.Exª sabe disso.
Milhares de idosos não terão a sua consulta nem comprarão os medicamentos de que precisam. E V.Exª sabe disso.
Milhares de homens e mulheres desempregados – ou à beira disso – deitarão contas à vida, sentados à beira do desespero. E V.Exª sabe disso.
Milhares de jovens casais não sabem como poderão suportar a próxima subida da prestação dos seus empréstimos para habitação. E V.Exª sabe disso.

Nos dois anos do seu mandato, senhor «engenheiro», fecharam quase 2.500 escolas. Nos locais onde encerraram maternidades, serviços de urgência ou serviços de atendimento permanente, os privados atropelam-se na ânsia de aproveitarem o terreno para a caça ao doente.

Resta-me dar-lhe os parabéns, senhor «engenheiro». Creio que a sua governação lhe guardará um merecido lugar na história.

Porque não, até, um museu na sua terra natal?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/05/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

09/05/2007

AS ÁGUAS TURVAS

O fim-de-semana foi marcado pelas eleições em França e na Região Autónoma da Madeira. Entretanto, quase secretamente, a Comissão Europeia havia enviado aos Estados Membros um livrinho com 17 páginas, a que chamou Livro Verde, mas a que eu chamarei “Manual do Terrorismo Social de Fachada Democrática”. Veremos porquê.

As eleições em França disputaram-se entre as diferentes forças e candidatos de direita. Passaram à segunda volta Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy, representando a primeira uma direita branda, vestida de preocupações sociais, e o segundo uma direita pura, dura e crua, xenófoba, neoliberal, tradicional e nacionalista, no pior sentido que estas expressões podem ter.

Se Ségolène tem vencido, a França seguiria o caminho que agora Sarkozy vai tentar seguir, mas em menor velocidade e, por isso, com menor contestação social. Grande parte do eleitorado de esquerda submeter-se-ia mais facilmente às falinhas mansas da conversa socialista, antes de perceber o logro em que tinha caído. Veja-se o exemplo português, onde é precisamente um governo dito «socialista» e de «esquerda» que, em nome de princípios e valores sociais, está a pôr em prática as medidas mais violentamente anti-sociais que os portugueses sofreram nos últimos 33 anos. E, para ser verdadeiro, devo dizer que muitas dessas medidas nem passariam pela cabeça dos governantes de antes do 25 de Abril, o que significa que o Partido Socialista consegue ser mais feroz e socialmente mais insensível do que eram os senhores do Estado Novo.

Em França, foi o reformismo platónico do PS francês que abriu o caminho para Sarkozy. A regressão social avizinha-se em todos os domínios, e até as ideias racistas de Le Pen serão por Sarkosy assumidas e aplicadas. Provavelmente vai esconder o veneno no pote do mel, pelo menos até às eleições legislativas, mas o seu programa não deixa lugar a dúvidas: será o capitalismo a todo o vapor, tendo em atenção que ele – o capitalismo – já se tornou de tal forma parasitário, que hoje não consegue conviver com as perspectivas sociais do passado, as quais, aliás, lhe serviram para se mascarar de sistema com alguns vestígios de decência e humanidade.

Mas se Sarkozy tentará ser o executor deste capitalismo selvagem, não tenhamos dúvidas de que contará para isso com a «oposição» benevolente de um PS capitaneado por madame Royal. Não serão as políticas que os dividirão, porque, como cá, apenas se combatem pelos lugares à mesa do orçamento, lugares esses que, como sabemos, alimentam o ego e, sobretudo, as carteiras e as contas bancárias.

Na Madeira, Alberto João venceu. Arrasou. O que leva o povo madeirense a ser tão definitivo e claro nas suas opções, é difícil, para quem, como eu, não vive lá, vir aqui dizer. Porém, se quiser ser honesto comigo e com quem me ouve (ou lê) não posso levar tudo à conta do caciquismo desenfreado, do défice democrático, da manipulação oportunista ou da ignorância dos cidadãos. Alguém disse que se pode enganar muita gente durante muito tempo, mas que não é possível enganar toda a gente durante a vida toda. Na verdade – e se Alberto João só fosse aquilo que muitos dizem que ele é – estou convicto que não estaria há tanto tempo à frente dos destinos da Madeira, porque os madeirenses já teriam encontrado uma solução para isso. A menos, é claro, que estivessem quase todos aptos a entrar para o Guiness como os cidadãos mais estúpidos do mundo dito civilizado.

Dir-me-ão que não será bem assim, porque, bem vistas as coisas, em Portugal, ao fim de quase 33 anos de governação socialista ou social-democrata, com os miseráveis resultados que todos vemos (desemprego, trabalho precário, baixos salários, salários em atraso, super endividamento das famílias, falências, prestações sociais em degradação, Educação e Saúde pelas ruas da amargura, corrupção, insegurança, bolsas de miséria cada vez maiores e as desigualdade sociais a aumentarem – e por aí fora…) os cidadãos continuam, invariavelmente, a dar o poleiro sempre aos mesmos, ou seja, aos autores das suas desgraças. Também o país, embora insatisfeito e descrente, não aparenta querer – ou saber – mudar de rumo.

Mas há uma diferença. Na Madeira, nem sequer se vislumbra a alternância entre o PSD e o PS. Como vimos, estas eleições reduziram o PS/Madeira à sua expressão mais simples, a uma força residual, o que, além de traduzir o apoio a uma governação que, no mínimo, agrada ou interessa à maioria dos eleitores, quis dizer que estes apreciam quem nunca se mascara (ou só se mascara no Carnaval) e se apresenta tal e qual é. Sem rodeios, sem papas na língua, sem preocupações de ser politicamente correcto. Alberto João pode ser grosseiro e boçal. Mas é genuíno. Assume-se.

Significa isto que os madeirenses já perceberam, muito antes dos continentais, o que é o PS. Um partido bastardo, eivado de oportunistas, sempre dispostos a negar num dia o que disseram no dia anterior, mestres no embuste, hipócritas, socialmente insensíveis. Um partido rendido – ou vendido – aos interesses do grande capital, e onde se acoitam os renegados de todos os quadrantes políticos, na busca sôfrega de vantagens e protagonismos, de que Pina Moura é um excelente exemplo. Também por isso, se outra coisa boa não houvesse na vitória de Alberto João, o ter destroçado o PS/Madeira e, por essa via, humilhado Sócrates e o rebotalho que o acolita, tal me bastaria para me sentir gratificado.

Então, em França e na Madeira – e salvaguardadas todas as distâncias e os diferentes contextos – o PS pagou a sua condição de partido sem matriz, a sua condição de partido que vive e sobrevive à custa dos fretes que faz ao poder económico, e a sua vocação histórica para iludir, com desavergonhadas tiradas de retórica social e de pragmatismo político, extractos sociais hesitantes e temerosos e, por isso mesmo, incapazes de protagonizarem quaisquer mudanças sociais e políticas.

Então, caros amigos, é aqui que entra o tal Livro Verde da Comissão Europeia, a que chamei “Manual do Terrorismo Social de Fachada Democrática”. Digamos, primeiro, o que é esse livro. É um verdadeiro manual ideológico, que visa ajudar (dando "argumentos") os governos e as entidades patronais a introduzir, nos respectivos países, a "flexisegurança", que é, nem mais, nem menos, a liberalização dos despedimentos sem justa causa. E para que se ultrapassem os obstáculos constitucionais, como acontece em Portugal, onde a nossa Constituição proíbe esse tipo de despedimentos, a Comissão Europeia inventou outro ovo de Colombo, ou seja, alarga a definição de justa causa, que passaria a ser praticamente tudo o que a entidade empregadora quisesse.

Diz a este respeito, o conceituado economista Eugénio Rosa: «A palavra "flexisegurança", tal como sucede com o "factor de sustentabilidade" é, segundo as ciências da comunicação, uma “palavra-armadilha”, pois procura ocultar o seu verdadeiro objectivo que, no primeiro caso, é a liberalização dos despedimentos individuais e, no segundo caso, foi a redução das pensões. São também denominadas, pelas ciências da comunicação, "palavras-virtude" porque procuram associar, de uma forma enganosa, as palavras positivas "segurança" e "sustentabilidade" àqueles objectivos (liberalização dos despedimentos e redução das pensões), que nada têm a ver com segurança nem sustentabilidade».

Não contente com isto, a Comissão Europeia defende também a precariedade que se verifica actualmente nas relações de trabalho, afirmando que ela se tornou necessária e inevitável devido, por um lado, ao desenvolvimento tecnológico e, por outro lado, ao facto do contrato de trabalho permanente ser uma coisa do passado, que já não corresponde às necessidades do desenvolvimento económico moderno. Chega ao cúmulo de afirmar que as diferentes formas de contratos precários existentes – contratos a prazo, "recibos verdes", contratos temporários, etc. – são uma situação benéfica para os trabalhadores, pois fornecem a estes múltiplas opções de escolha. Desta forma, cinicamente, procura "naturalizar", ou seja, tornar a precariedade uma coisa "natural" e "normal", que é também uma forma de manipulação, como ensinam as ciências da comunicação.

Esta investida contra quem vende a sua força de trabalho para se sustentar a si e às suas famílias, urdida e temperada no caldo político e cultural que avassala o mundo de hoje, não tem apenas o selo e a assinatura da direita mais ou menos troglodita. A família «socialista» europeia não só avaliza esta monstruosidade, como até já começou a aplicá-la nos países onde está no poder, como acontece em Portugal.

Pela mão do PS alastram, indesmentivelmente, a fome e a insegurança. A tal ponto, que é a mesma Comissão Europeia do Livro Verde, que vem dizer que o poder de compra dos trabalhadores por conta de outrem registou em Portugal, durante o ano passado, a maior descida dos últimos 22 anos, sendo necessário recuar ao ano de 1984 para encontrar uma evolução mais negativa. A Comissão confirma ainda que Portugal será o país da UE com o menor crescimento económico em 2007.

Nestas águas turvas se afoga a espécie de democracia em que vivemos. Mas é nessas águas que pesca, desde sempre, o Partido Socialista.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/05/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

02/05/2007

ERA UMA VEZ…

Era uma vez um senhor chamado Vasconcelos… A história podia começar assim, como qualquer história de encantar crianças, se é que às crianças de hoje ainda se contam histórias de encantamento e final feliz. Parece que o que se usa agora é pô-las a ver desenhos animados mais ou menos imbecis – ou mais ou menos eivados de violência pretensamente cómica – se não puder ser uma daquelas coisas computadorizadas, as chamadas “playstations”, com jogos de guerra, onde as explosões, os disparos, a destruição e os massacres transmitem o “american way of life”, que é como quem diz: destrói tudo o que te apetecer destruir.

Mas era uma vez um senhor chamado Jorge Vasconcelos, que era presidente de uma coisa chamada ERSE, ou seja, Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, organismo que praticamente ninguém conhece e, dos que conhecem, poucos devem saber para o que serve. Mas o que sabemos é que o senhor Vasconcelos pediu a demissão do seu cargo de presidente, porque, segundo consta, queria que os aumentos da electricidade ainda fossem maiores.

Ora, quando alguém se demite do seu emprego, fá-lo por sua conta e risco, não lhe sendo devidos, pela entidade empregadora, quaisquer reparos, subsídios ou outros quaisquer benefícios. Porém, com o senhor Vasconcelos não foi assim. Na verdade, ele vai para casa com 12 mil euros por mês – ou seja, 2.400 contos – durante o máximo de dois anos, até encontrar um novo emprego.

Aqui, quem me ouve ou lê pergunta, ligeiramente confuso ou perplexo: «Mas você não disse que o senhor Vasconcelos se despediu?». E eu respondo: «Pois disse. Ele demitiu-se, isto é, despediu-se por vontade própria!». E você volta a questionar-me: «Então, porque fica o homem a receber os tais 2.400 contos por mês, durante dois anos? Qual é, neste país, o trabalhador que se despede e fica a receber seja o que for?».

Se fizermos esta pergunta ao ministério da Economia, ele responderá, como já respondeu, que «o regime aplicado aos membros do conselho de administração da ERSE foi aprovado pela própria ERSE». E que, «de acordo com artigo 28 dos Estatutos da ERSE, os membros do conselho de administração estão sujeitos ao estatuto do gestor público em tudo o que não resultar desses estatutos». Ou seja: sempre que os estatutos da ERSE forem mais vantajosos para os seus gestores, o estatuto de gestor público não se aplica.

Dizendo ainda melhor: o senhor Vasconcelos (que era presidente da ERSE desde a sua fundação) e os seus amigos do conselho de administração, apesar de terem o estatuto de gestores públicos, criaram um esquema ainda mais vantajoso para si próprios, como seja, por exemplo, ficarem com um ordenado milionário quando resolverem demitir-se dos seus cargos. Com a bênção avalizadora, é claro, dos nossos excelsos governantes.

Trata-se, obviamente, de um escândalo, de uma imoralidade sem limites, de uma afronta a milhões de portugueses que sobrevivem com ordenados baixíssimos e subsídios de desemprego miseráveis. Trata-se, em suma, de um desenfreado, abusivo e desavergonhado abocanhar do erário público.

Mas voltemos à nossa história. O senhor Vasconcelos recebia 18 mil euros mensais, mais subsídio de férias, subsídio de Natal e ajudas de custo. 18 mil euros seriam mais de 3.600 contos, ou seja, mais de 120 contos por dia, sem incluir os subsídios de férias e Natal e ajudas de custo.

Aqui, uma pergunta se impõe: Afinal, o que é – e para que serve – a ERSE? A missão da ERSE consiste em fazer cumprir as disposições legislativas para o sector energético. E pergunta você, que não é trouxa: «Mas para fazer cumprir a lei não bastam os governos, os tribunais, a polícia, etc.?».

Parece que não. A coisa funciona assim: após receber uma reclamação, a ERSE intervém através da mediação e da tentativa de conciliação das partes envolvidas. Antes, o consumidor tem de reclamar junto do prestador de serviço. Ou seja, a ERSE não serve para nada. Ou serve apenas para gastar somas astronómicas com os seus administradores. Aliás, antes da questão dos aumentos da electricidade, quem é que sabia que existia uma coisa chamada ERSE?

Mas podem estas coisas acontecer numa república, em regime democrático, num país com sérias dificuldades económicas, com mais de meio milhão de desempregados, onde os ordenados e as prestações sociais são as mais baixas da Europa, onde o trabalho precário alastra e as condições de vida da maioria da população diariamente se agravam, com uma economia inerte e mais de dois milhões de pessoas a viverem abaixo do limiar da pobreza? Podem estas coisas acontecer num quadro destes?

Não deviam, mas, pelos vistos, acontecem. E acontecem, porque a decência e a vergonha, o sentido de Estado e a ética republicana e democrática são coisas insignificantes – e incómodas – para o carácter peculador da maioria da nossa classe política. Se é feio – e ilegal – furtar dinheiro ou rendimentos públicos, então, produza o peculador a lei ou as normas necessárias a que o seu acto, sem deixar de ser imoral e reles, passe a ser coisa legal, de modo a que por ele não venha a responder. E a isto chamo eu, além de roubo, abuso do poder. Um bacanal, em suma.

Disse aqui, há oito dias, que no dia 25 de Abril de 1974 nunca me passou pela cabeça que, 33 anos depois, Portugal fosse um país socialmente injusto, politicamente indecente e culturalmente intragável.

E se me tivessem dito, nesse dia, que dali a trinta e três anos, mais de dois milhões de portugueses viveriam na miséria, que teríamos mais de meio milhão de desempregados, que o trabalho precário seria a norma, que milhares de crianças e idosos sofreriam o pesadelo da fome e de uma assistência social deficitária, que mesmo entre milhares de portugueses com trabalho as mesmas carências seriam um facto, dada a insuficiência dos seus rendimentos, e que, enquanto isso, os governantes se refastelariam desbragadamente no aparelho de Estado, produzindo e repartindo entre si as mais vergonhosas benesses, eu soltaria uma imensa gargalhada e diria que, quem tal me afirmasse, não passaria de um louco ou, na melhor das hipóteses, de um fascista despeitado, vilipendiando o alvorecer da democracia.

Hoje, olhando para este bacanal, de que a história do Vasconcelos é apenas um pequeno exemplo, eu gostava de saber se ainda podemos dizer que vivemos em regime republicano e democrático.

E gostava de saber outra coisa: até quando o povo português, cumprindo o seu papel de pachorrento bovino, aguentará tão pesada canga?

E tão descarado gozo?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/05/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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