31/05/2006

O OUTRO CAMPEONATO DO MUNDO

Um pouco por toda a parte – mas, segundo parece, com exagero doentio em Portugal – a comunicação social dá enorme destaque à maior competição do pontapé na bola que, entre selecções nacionais, se realiza no mundo. No entanto, meus amigos, aconteça o que acontecer, ganhe quem ganhar, perca quem perder, para além das manifestações de euforia ou desânimo, o mundo continuará na mesma. Ia a dizer «continuará a ser a porcaria do costume», mas hoje prometi a mim mesmo não ser agressivo.

Por isso, muito pouco me preocupo com o evento que aí vem, com «os nossos rapazes» – que, segundo contas feitas por alto, devem ganhar, no seu conjunto, mais de meio milhão de contos por mês – nem me vou preocupar com o treinador ou o presidente da Federação, e muito menos com um ou outro mafioso que gosta de golfar, volta não volta, as suas patacoadas a propósito da “seleçon”. O que eu espero do campeonato que aí vem, é «só» poder assistir a bons jogos, ver grandes golos, defesas extraordinárias, tudo com muita emoção, incerteza e desportivismo. Que aquilo seja uma festa para os olhos e para o espírito. Um tempo de descanso e alegria. Sem políticos nem políticas.

Desconfio, porém, que pouco – ou nada – disso vai acontecer. Os grandes jogadores, se estão em fim de carreira, apenas aspiram a mostrar a sua habilidade em duas ou três jogadas por jogo, mas desde que isso não seja perigoso para as pernas, nem muito cansativo para os músculos. Ainda querem fazer, nos seus – ou noutros – clubes, mais uma ou duas épocas. Depois, os maiores artistas vêm de campeonatos desgastantes, estão saturados de bola, não é nas selecções que ganham a vidinha, não vão para ali, como se percebe, para deixar a pele em campo. Patriotas, sim; mas trouxas, não.

Há, é verdade, os bons jogadores mais novos, que pretendem mostrar o que valem. São os que querem melhorar as suas cotações no mercado internacional, «dar o salto» das suas carreiras. Esses, vão encarar cada jogo presos num dilema: como mostrar valor sem arriscar uma lesão. Também aqui o principal – as cores nacionais – ficam em segundo ou terceiro plano.

Portanto, meus amigos, as minhas expectativas só vivem do que poderão fazer as selecções menos cotadas, aquelas que ninguém conhece, nem os nomes da maioria dos seus jogadores. Aquelas que vão entrar em campo com verdadeiro espírito de conquista, equipadas com a pele de David, e enfrentando, de dentes e punhos cerrados, os Golias do futebol mundial. Serão poucas, mas sempre serão algumas. É por essas, por esse espírito, que eu vou torcer. Pelos mais fracos, pelos que lutam por um lugar ao sol.

Por outras palavras. Vou tentar divertir-me durante duas ou três semanas, mas não vou distrair-me do que continuará a acontecer neste país e neste mundo. No grande e verdadeiro campeonato, onde nós, gente simples, a ralé, os Zés-Ninguém, somos a tal equipa que já entra derrotada no relvado, porque é tudo – o campo, a bola, as regras, o árbitro, as bancadas, o policiamento e os balneários (com escutas instaladas) – é tudo propriedade do nosso adversário. Até o resultado é deles – e já está feito antes do jogo.

Ao chegar aqui, lembrei-me do grande, verdadeiro e trágico campeonato do mundo, que está a decorrer em vários estádios, como, por exemplo, no do Médio Oriente. Falo da Palestina e do Iraque, cenários de um dos mais trágicos e sangrentos desafios que alguma vez a humanidade travou.
É. Entretido com o que se vai passando nesta lixeira à beira-mar encravada, neste aterro sanitário, neste esgoto moral e físico da Europa (Mau! Já estou a ser outra vez agressivo. É melhor utilizar, para não magoar os tímpanos de algum ouvinte mais patriota e menos atento à realidade, a velha metáfora: neste jardim à beira-mar plantado. Assim é mais bonito, não é?) mas eu dizia que, entretido com a nossa casa, não temos falado no que vai pelo mundo.

E pelo mundo vai que uma verdadeira cidadela fortificada, maior que o estado do Vaticano e "mais segura do que o Pentágono" está a ser construída em Bagdad, nas margens do Tigre, na "zona verde", onde se encontram os chamados palácios de Saddam. Mil operários, vindos dos países mais pobres da Ásia, constroem ali a nova embaixada dos EUA. São mil milhões de dólares, dos quais o Congresso já libertou 600 milhões. É a maior e a mais fortificada embaixada do mundo, estendendo-se sobre mais de 42 hectares. Para se ter uma ideia da sua extensão, a área equivale a cerca de 80 estádios de futebol, ou seis vezes a da sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. Segundo um relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado americano, o complexo será composto por 21 edifícios. Dois serão destinados ao embaixador e ao seu adjunto, os outros aos escritórios, aos empregados e aos serviços. Em funcionamento pleno, ali trabalharão 8.000 pessoas, e ela tornar-se-á o cérebro da administração colonial do Iraque, escondida atrás de figuras dos líderes iraquianos, ocupados apenas em repartir as migalhas que caem da mesa dos ocupantes.

Ultrapassando em grandeza, majestade e funcionalidade os edifícios onde se reúnem o parlamento e o governo iraquianos, é uma mensagem clara para o povo iraquiano, e para o mundo, sobre quem realmente governa o país, e sobre as intenções de Washington de continuar a ocupar o Iraque durante anos. A cidadela imperial será praticamente inatacável da terra e do céu, cercada por um muro com cinco metros de espessura, com seis portas de entradas, com saídas ultra-seguras, e uma sétima, para saídas de emergência (não vá o diabo tecê-las) directamente para o aeroporto, defendida por baterias de mísseis terra-ar e terra-terra e por uma grande caserna de marines. O aspecto mais impressionante da nova embaixada é o seu isolamento total do resto da capital iraquiana. Ao contrário dos velhos palácios coloniais britânicos, a cidadela ianque será como uma nave espacial aterrada no centro de Bagdad. Completamente auto-suficiente, terá os seus próprios poços para o abastecimento de água, uma central eléctrica, um sistema de recolha e tratamento de lixo, sistema de esgotos, a maior piscina da cidade, restaurantes, snacks, cinemas, ginásios e um sistema de comunicações interno.

Bagdad cai em ruínas, mas nas bases norte-americanas – nesta, tal como nas outras 14 disseminadas por todo o Iraque – a vida continua a decorrer com as mil comodidades de uma tranquila província americana. Os soldados do império, totalmente ignorantes acerca do lugar onde estarão, verão assim o Iraque apenas através dos visores dos seus tanques e das miras ópticas das suas armas. Esta nova cidade proibida, já denominada "o palácio Bush", ou a "mãe de todas as embaixadas", poderia ser chamada, com mais propriedade, como a maior estação de combustíveis do mundo, graças à qual os EUA poderão continuar a delapidar as riquezas do planeta e poluir a terra, o ar e a água. Isto passa-se no Iraque onde, graças aos "acordos" com o governo fantoche local, os nazis norte-americanos (perdão: os queridos democratas, salvadores da humanidade) não só se apropriaram desta vasta zona sem pagar um centavo, como impuseram que todas as suas estruturas são território norte-americano, bem como a impunidade absoluta para os seus homens.
O projecto de construção da nova embaixada (a única obra de construção imobiliária no Iraque que, por enquanto, está dentro dos prazos previsto), foi confiado, na maior parte, a uma empresa kuwaitiana, a First Kuwaiti Trading (dirigida por um tal Wadi al Absi, um cristão maronita libanês) e a seis outras empresas, das quais cinco norte-americanas. A sociedade de Wadi al Abdi, com mais de 7.000 empregados no Iraque, foi criticada várias vezes por diversos organismos humanitários, assim como por empreiteiros e responsáveis norte-americanos, pelas péssimas condições de vida e de trabalho dos seus empregados, transferidos em massa para a região a partir dos países mais pobres da Ásia: com jornadas de 12 horas de trabalho, ausência de todas as condições de segurança, são verdadeiros escravos utilizados para construir as pirâmides do novo faraó americano.

Mas a notícia mais alarmante que nos chega do Médio Oriente, é outra, e vem de várias fontes distintas. E como, em Portugal, os governantes e os órgãos de comunicação social não passam, no seu conjunto, de reles lacaios do IV Reich (Ai! Lá me fugiu outra vez a boca para uma rudeza e uma agressividade politicamente incorrectas…) queria eu dizer que o nosso governo, bem como os órgãos de comunicação social, para salvaguardar a opinião pública de boatos não confirmados, resolveram omitir a coisa, sinto-me eu na obrigação de dela aqui dar o conhecimento possível.

É assim: os norte-americanos e os seus aliados ocidentais (Portugal é um deles), com a ajuda da Mossad, a polícia secreta israelita, já levaram a efeito mais de 550 assassinatos selectivos, tendo como alvo cientistas nucleares iraquianos e professores universitários de diferentes campos científicos. As fontes a que me refiro são: Frente Democrática para a Libertação da Palestina, mas esta, claro, é suspeita, pois trata-se de um grupo político com interesse directo no assunto. Mas, em Fevereiro último, um relatório semelhante, de fonte mais crível, assegura: "O Pentágono gastou 3 mil milhões de dólares na criação dos “esquadrões da morte” que poderiam estar por trás dos assassinatos de docentes...". Em folha actualizada até 14 de Março último, o Comité de Solidariedade com o Iraque do Tribunal de Bruxelas, precisa as circunstâncias em que foram torturados e assassinados 141 professores de várias instituições e centros de ensino superior, referindo nomes das instituições: Universidade de Bagdad, al-Mustansiriya, Tecnológica e al Bahrein, todas da capital iraquiana; ou as de Hilla, Mosul, Diwaniya, Instituto Técnico, de Basora, Saladino (Tikrit), Baquba, Ramada, Kufa, Mosul, entre outras instituições académicas.

Acerca da situação naquele que foi o mais intelectualmente avançado país do Islão, o redactor do relatório, Dick Adriansens, diz: "O pessoal universitário iraquiano está desesperado". A lista inclui nomes, apelidos e direcções de reitores, decanos, biólogos, sociólogos, médicos, historiadores, filólogos, físicos, engenheiros, pediatras, linguistas, geógrafos, economistas, educadores e cientistas nucleares que, lamentavelmente, já não poderão colaborar com o novo "governo democrático do Iraque". Foram assassinados.

Mas a barbárie norte-americana não se fica por aqui. O Sindicato dos Jornalistas do Iraque apresenta uma relação, actualizada a 4 de Maio último, de 109 filiados assassinados em diversas situações. Ambos os relatórios corroboram o apresentado pelo colombiano Fernando Báez, que em Maio de 2003 visitou o Iraque com uma comissão da UNESCO. Báez é biblioclastiólogo (de biblioclastia), nome que os gregos davam à destruição de livros. Só a Biblioteca Nacional de Bagdad (três pisos uniformes, de 10.240 metros quadrados construídos em 1977) perdeu com os bombardeios mais de um milhão de volumes, dezenas de milhões de documentos impressos, a quase totalidade dos arquivos microfilmados e do Arquivo Nacional do Iraque.

Báez pergunta-se: porque fizeram as tropas de ocupação vista grossa aos saqueadores das grandes bibliotecas do país? Quem organizou os grupos de civis que, no meio ao caos, entraram nos recintos climatizados que guardavam os manuscritos mais importantes, pergaminhos, peças e placas de argila com mais de 2 mil anos, mais antigas que o reino de David?

O antigo director da Biblioteca de Bagdad lamentou com nostalgia: "Não recordo semelhante barbaridade desde os tempos dos mongóis". Referia-se à invasão de Bagdad, em 1258, quando as tropas de Hulagu, descendente de Gengis Kan, destruíram todos os seus livros, lançando-os no rio Tigre).

"Concluída a desastrosa pilhagem – acrescenta Báez – não havia literalmente nada que fazer. O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, a modo de desculpa perante estes factos, comentou: “a pessoa livre é livre para cometer desmandos e isso não se pode impedir”."

Entre aqueles que livremente cometem "desmandos" não há apenas militares e saqueadores. Os criminosos de guerra também contam com o apoio implícito de intelectuais "livres" como Salman Rushdie ou Oriana Fallacci, e aqueles outros que, pelo silêncio, são cúmplices activos da barbárie e escondem que a primeira destruição de livros do século XXI ocorreu na nação onde teve lugar a invenção do livro em 3.200 antes de Cristo. A última, na década de trinta do século passado, foi levada a efeito pelo III Reich, de Adolph Hitler. Até nisso se parecem um com o outro: o III Reich, de Hitler, e o IV Reich de Bush.

Cito, ainda, Fernando Báez:
«Há, no Iraque, dezenas de bibliotecários detidos, e os que trabalham temem contar a verdade completa. Sobre isto, não se diz nada. Porquê? O que se tenta esconder? Por acaso, a única resposta possível a estas perguntas, e eu a assinalo para terminar, deve ser encabeçada por uma epígrafe: “A primeira vítima da guerra é a verdade”. A frase, convém lembrar, não foi dita por um filósofo ou um jornalista. Foi dita por um congressista norte-americano, Hiram Warren Johnson, em 1917. E o pior é que os acontecimentos de Hiroshima, Nagasaki, Vietname, Etiópia, Líbano, Afeganistão e Iraque não param de lhe dar razão».

E eu acrescento, a concluir: não perca o próximo desafio. Vai ter lugar no Irão, na antiga Pérsia, outro dos berços da civilização. A equipa de Bush só espera a altura oportuna para entrar em campo. Mas nós sabemos – eu, pelo menos, sei – que as equipas de futebol são como os impérios, ou vice-versa. Um dia, vão-se abaixo.

E eu, como estou sempre ao lado dos mais fracos, vou pular de contente.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 31/05/2006. (Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

29/05/2006

ESTA SEMANA

MUDAR DE ARES
Por motivos profissionais estive fora do país e por isso um pouco arredado das notícias que têm surgido, principal fonte de recolha para alguns apontamentos que semanalmente destaco.
Podem crer que por vezes também faz bem não saber o que se passa. Não que eu queira enterrar a cabeça na areia, como as avestruzes o fazem quando surgem as dificuldades, mas mudar de ares e viver outras experiências é muito enriquecedor para se poder formar uma melhor opinião em relação ao que nos rodeia.
Se noutros países nem tudo é perfeito, pelo menos em alguns, principalmente os que fazem parte da União Europeia, dá para perceber a distância que nos separa e na impossibilidade de algum dia os podermos vir a alcançar, se as políticas que os governos que vamos tendo continuarem a ser aquilo que se vê.

Atente-se, por exemplo, em que:

JÁ NÃO EXISTEM CRIMES ECONÓMICOS
Portugal não fez uma única confiscação no combate ao crime económico em 2005, o que deveria significar já não existirem crimes desta natureza no nosso país.
Seria óptimo se assim fosse, mas a verdade é que segundo o relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), do Conselho da Europa, o combate ao crime económico relativo a Portugal tem, para além da "falta de uma estratégia de combate à corrupção", a "falta dos necessários meios materiais, financeiros e humanos e, por vezes, de treino, por forma a levar a cabo investigações aos bens e finanças".
O grupo de peritos acrescenta que lhes foram explicadas as razões do insucesso: "algumas vezes, as investigações tiveram de ser abandonadas por falta de recursos ou por atrasos devido à comunicação inadequada entre certas agências públicas e privadas ou indivíduos. Por vezes, o acesso a dados fiscais ou bancários chegou tarde demais."
A avaliação feita ao mecanismo de confiscação é severamente crítica. Os peritos recomendam às autoridades portuguesas que sejam "revistas" as medidas de "identificação, apreensão e confiscação dos proveitos da corrupção". A solução apresentada é a criação "de uma entidade especializada, responsável pela gestão de bens apreendidos". O relatório aponta como causas para as falhas na confiscação a "falta de harmonia e ambiguidade" das diversas fontes legais.

Até parece que o governo não está interessado em combater a corrupção. Mas isso é só o que parece e como se diz que o que parece é, retire-se daí as necessárias conclusões, já que:

O CADERNINHO DO MANUEL MARIA
Vem denunciar que existe corrupção, que ela funciona até para evitar que os filósofos sejam eleitos Presidentes de Câmara, sendo ele uma das vítimas desses “lobis” ligados ao imobiliário que compraram uns quantos jornalistas para o tramarem.
Não li e de certeza que não vou ler aquilo que o filósofo escreveu sobre a hipotética e maquiavélica campanha, mas, a ser verdade as acusações que faz, porque não começa ele já a denunciar o que se passa dentro do seu próprio partido e principalmente, porque não levanta o assunto na Assembleia da República, como é o seu dever como deputado ?

Mas nem todos são assim e ainda existe gente honesta que:

RECUSA 100 MIL EUROS
Cinco dias depois de ter sido distinguido com o Prémio Camões, o escritor Luandino Vieira recusou o galardão e os respectivos 100 mil euros, alegando “razões pessoais e íntimas”.
Essas razões, pessoais e íntimas, devem merecer-nos o maior respeito e compreensão, mas acima de tudo devem servir-nos como exemplo de alguém que preza a sua consciência e os seus valores, não se deixando levar por tentações materiais que certamente destruiriam toda uma filosofia de vida.
Luandino Vieira deu-nos mais esta lição. Saibamos merece-la e aproveitá-la nas nossas acções do dia a dia.

24/05/2006

O país mais belo do mundo!

- Com uma redacção do menino Carlinhos

Nos últimos dias, voltámos a ter notícias do nosso atraso. Desta vez, não ficaram quaisquer dúvidas: Portugal é o país mais atrasado da Europa, garantiu o Eurostat. Nem Chipre, nem a Grécia, nem qualquer um dos outros países lá dos confins desta Europa, agora com 25 membros, está atrás de nós. Finalmente, ocupamos, destacados, isolados, orgulhosamente sós – e cada vez mais sós – o lugar que compete a um povo sereno, manso, inerte. Um povo que só não pode ser classificado como carneiro, porque, conforme aprendemos na escola, os simpáticos animais são vertebrados e nós, de coluna vertebral, nem pó. Aproximamo-nos mais dos vermes.

Logo a seguir a estas fúnebres notícias, veio o carrasco de serviço, mais conhecido por José Sócrates, dizer que a economia está a mostrar alguns sinais positivos, que o país está muito melhor. Também o governador do Banco de Portugal, embora envergonhadamente e de forma muito vaga e difusa, falou de alguns indicadores animadores, e que… patati, patatá.

É verdade que Sócrates está a perder gás. Anda mais irritadiço, um pouco mais curvado, mais inseguro – e com a ponta do nariz cada vez maior. Começa a ter cara e expressões de homem acossado, de tipo que já percebeu que entrou num beco e ainda não sabe como vai sair dali. Desconfio que lá dentro, no PS, as coisas também estão a ficar com um piquinho a azedo, isto é, começaram a azedar devido ao estilo quero, posso e mando do secretário-geral, que também é, para azar nosso, primeiro-ministro cá da estrumeira.

Desculpem-me esta linguagem forte, mas as palavras vêm-me à boca tal como as penso, e de nada serve tentar dourar a pílula. Mas a coincidir com estas lúgubres notícias, teve lugar no Estádio Nacional, no Jamor, uma iniciativa patriótica, que deve ter feito a Europa inteira pôr as mãos na barriga de tanto rir. É que o país mais miserável da UE, aquele pindérico parceiro da comunidade, onde 1% da população enriquece à custa dos outros 99%, tem como grande objectivo nacional (mais um enorme e patriótico desígnio) vencer um campeonato de futebol.

Agrave-se o desemprego, corte-se nas pensões, fechem-se escolas, maternidades e extensões de saúde, fechem-se fábricas e abram-se casinos, eliminem-se direitos sociais, tratem-se os velhos e as crianças como se de trastes se tratasse, mas mobilizem-se pessoas e recursos para arrotarmos patriotismo pacóvio a propósito de uns joguecos de futebol. Isso é que são prioridades! Isso é que é um belo retrato da nossa inteligência colectiva!

E se a iniciativa, pelo número de participantes, entrou no Guiness, também nele entrou pela sua imensa estupidez e confrangedor ridículo. Portugal mostra-se ao mundo como o pelintra incapaz de sustentar a família, mas que faz do campeonato de sueca lá do bairro a grande batalha da sua vida.

Mas deixem-me ler a redacção que, a este propósito, escreveu o Carlinhos, um puto que, na sua santa ingenuidade, fala por todos nós.

Redacção

Eu tenho muito orgulho em ser português. Eu amo a minha pátria, Portugal. Portugal é o país mais belo do mundo, com muito sol e muitas praias, por isso os turistas vêm cá para apreciar o mar e o sol, especialmente no Algarve onde, apesar do mar e o sol serem ali mais caros, também são muito melhores, são mais quentinhos. Dantes, também tínhamos muitos pinheiros e eucaliptos, mas essa parte está pior, porque os fogos têm destruído tudo, e ainda não aproveitaram para construir, nesses sítios, grandes casas com piscinas, campos de golfe ou hotéis de luxo.

Mas Portugal também tem cidades muito grandes e bonitas, com estádios de futebol novos e às cores. Alguns estão sempre vazios, mas não faz mal, porque as cadeiras são às pintinhas, para a gente julgar que eles estão cheios. A capital de Portugal chama-se Lisboa, e é uma cidade muita nice, é mesmo a mais bonita e moderna do mundo. Tem a Expo e tudo. Agora, tem até um casino à maneira, para as pessoas poderem ir ali apostar e ficarem cheias de grana, o que é bom, pois como também há bué de pobrezinhos em Portugal, assim eles podem ganhar montes de massa se lá forem jogar e tiverem sorte.

Os meus pais também gostam muito de Portugal e dos nossos governantes, especialmente a minha mãe, que já me disse para agradecer ao governo por estar agora sempre em casa, porque a fábrica onde ela trabalhava fechou há mais de dois meses. Agora, a minha mãe joga no Euromilhões e vê as telenovelas todas, porque assim aprende, de borla, a falar português e, principalmente, aprende a ser rica, bonita e elegante.

O meu pai, esse, acha que Portugal está imparável, que vai na brasa, porque ainda ontem, ao ouvir as notícias, dizia para a minha mãe: «Beatriz, não sei onde isto vai parar!». O meu pai também é um grande patriota. Agora, para Portugal não gastar muito dinheiro a comprar petróleo ao estrangeiro, resolveu vender o carro e andar sempre a pé. Nem de autocarro vai para o emprego. Diz ele que não é pelo preço dos transportes, mas porque andar a pé faz bem ao coração e aos ossos do esqueleto, e assim também poupa dinheiro ao governo com os medicamentos, que estão pela hora da morte, o que quer dizer que estão caros comó caraças. O meu pai vê sempre mais longe do que nós, até parece que é bruxo. Há dias, disse que não fazia mal as fábricas fecharem, pois o nosso clima e a nossa situação geográfica são bons para outra indústria muito lucrativa: a indústria do sexo, que vai ser, com os casinos, a nossa safa.

Mas em minha casa somos todos muita fixes, bons patriotas e cidadãos (não sei se se diz cidadãos, ou cidadões ou cidadães, porque ainda não demos isso nas aulas de Português – ou se demos, eu esqueci-me, deu-me uma branca). Até a minha avó Francisca, que está à espera, há mais de três anos, de ser operada aos rins, já garantiu que vai morrer sem ser operada. Disse-me a velha: «Olha, meu filho, qualquer dia vou-me desta para melhor, e eles que fiquem lá com o dinheiro da pensãozita e da operação. Que lhes faça bom proveito!». Até começou a chorar de alegria. Depois, disse uns palavrões, que metia a mãe não sei de quem e tudo, mas acho que essas partes já são coisas da idade.

Mas onde eu senti um grande orgulho em ser português – e vi bem como, cá na minha palhota, a pátria está acima de tudo – foi no sábado passado, no Estádio Nacional. Eu conto a cena: quando se pediu às mulheres portugueses para fazerem a mais bela bandeira do mundo, no Estádio do Jamor, a minha mãe disse logo que queria ir, desse lá por onde desse. Assim, se tivesse sorte, até podia aparecer na televisão e ser vista ao lado de gente fina. O meu pai disse, aos gritos de entusiasmo, que aquilo até parecia coisa dos tempos do velho de Santa Comba, organizada para a malta não pensar nas coisas sérias da vida (eu não topo quem é esse velho, mas, para o meu pai se excitar tanto, deve ser um tipo muita bacano).

E como o meu pai gosta de fazer todas as vontades à minha mãe, principalmente porque ela tem uma doença dos nervos desde que está em casa, disse que sim, que íamos todos, mas que o pior era o transporte. Foi então que a minha mãe disse que isso estava resolvido, porque o senhor Laurentino Dias, que é secretário de Estado não-sei-das-quantas, e manda no Instituto Português da Juventude, arranjava boleia. E lá fomos todos, menos a avó Francisca, que já está velha demais para estas cenas. E o meu pai sempre a dizer baixinho que isto era coisa do tal velho de Santa Comba.

Mas aquilo no Jamor foi muita joli, quer-se dizer: foi bonito. Ali é que estava o país todo, bem unido à volta da pátria e dos seus mais altos valores, sem distinção de raças, credos e classes sociais. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, patrões e trabalhadores, ganzados e betinhos. Quando os nossos jogadores chegaram à tribuna, então, até me arrepiei comó caraças. Nessa altura, a minha mãe, apesar de desempregada, era igualzinha às outras senhoras que estavam ali à volta, especialmente as mulheres dos jogadores, que eram as mais emocionadas. Então, ela abraçou-se ao meu pai (que apesar de estar agora a contrato de seis meses numa firma de segurança, valia, naquele instante, o mesmo que o Gilberto Madail e o senhor do banco que organizou a iniciativa), e disse, de lágrimas dos olhos: «Ó Zé, tás a ver aqueles lá em cima? Porque é que tu nunca tiveste jeito para a bola? Não estávamos hoje neste aperto, e até a tua mãe já tinha sido operada aos rinzes. Sabes quanto é que ganha o Figo, o Pauleta ou o Scolari, sabes?!». «Aos rins», corrigiu o meu pai, que se pôs a olhar para mim antes de dizer: «E tu, para desgraça nossa, também és um cepo do caraças. E já que não sabes dar uns toques, olha, vê lá se vais para a política. A par do futebol, é o que está a dar. Se fores deputado ou presidente de câmara, ao fim de meia dúzia de anos, já tens o teu garantido para o resta da vida».

Depois, no fim, ainda foi mais emocionante, com todos a cantarmos o hino nacional, até aqueles que não sabiam nem a letra nem a música, especialmente uma esganiçada que estava ao meu lado. Toda a gente cantou, e aí eu percebi melhor o que é ser um português a sério. É deixarmos de lado aquilo que nos divide, as coisas sem importância da vida, as pequenas tretas, os pequenos problemas como o dinheiro e o trabalho, chatices como as doenças e os medicamentos, a escola e os livros, a gasolina e o carro, os assaltos, a reforma da avó, as prestações da casa ou o frigorífico vazio, porque essas tretas o governo há-de resolver um dia destes. O que é muita giro e bué de importante é juntarmos as nossas forças para Portugal ser campeão do mundo. É isso, meus, é isso!

Ah ganda Carlinhos! Mai nada!


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/05/2006. (Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

21/05/2006

ESTA SEMANA

A FORTUNA DE FIDEL
Mais uma vez volto a este assunto porque ele teve algum desenvolvimento e mesmo sem saber a resposta que o Comandante iria dar, exprimi a minha total confiança nele, pois tal como disse, conheço bem todo o sistema e o Comandante é uma referência não só para Cuba, como também para todos aqueles que acreditam num mundo melhor, mais justo e mais solidário.

O desafio está lançado: já que os vários governos americanos que tudo têm feito para o destituir (até promovendo atentados), podem agora apresentar uma única prova de que existe uma conta bancária no exterior com 500 milhões ou de apenas um dólar, que o Comandante renunciará a todos os cargos.

Sobre esta campanha e as mentiras da revista, vieram muitas personalidades cubanas dar a sua opinião, destacando apenas as três que se seguem e que me pareceram mais esclarecedoras.

Disse o Presidente do Banco Central de Cuba: “Forbes calculou a fortuna do Presidente Cubano, a partir de uma percentagem do PIB que estaria composta pelas receitas provenientes do lucro do Palácio das Convenções, das exportações de vacinas e de outros produtos farmacêuticos. De acordo com esse método de cálculo, a fortuna de George W.Bush poderia ser estimada em 1,2 milhões de dólares; ou em 50 milhões de dólares anuais provenientes da lavagem de dinheiro e do crime organizado nos Estados Unidos; ou em 28,04 bilhões equivalentes aos 10% do custo da guerra do Iraque”.

Agustín Lage, diretor do Cento de Imunologia molecular disse que: “a infâmia da revista Forbes constitui um insulto ao povo cubano. Fidel não precisa de defesa porque a sua obra e a sua ética falam por si próprias. Não sabem o que estão escrevendo. Os recursos que Cuba obtém através da exportação de remédios servem para desenvolver o setor farmacêutico, para o financiamento da distribuição e da pesquisa e para a cobertura de remédios para a população. Esta campanha mediática tem objetivos políticos, mas o facto de utilizarem a mentira é um sintoma de fraqueza dos adversários da Revolução que mostra que perdem a batalha das idéias.

Concepcion Campa, chefe da equipe que criou a vacina contra a meningite B e diretora do Instituto Finlay, de produção de vacinas, disse: “devem falar sobre o que Fidel fez em benefício da humanidade. Todos aqui somos milionários porque ele ensinou-nos que o valor das pessoas depende daquilo que são e daquilo que fazem”. Por outro lado lembrou momentos e experiências compartilhadas juntos que fazem com que ela rejeite totalmente as afirmações da revista estadunidense.
A cientista contou como em 2002, por iniciativa dele, o governo cubano doou mais de um milhão de doses de vacinas contra a meningite ao Uruguai para controlar uma epidemia, enquanto o Uruguai apoiava uma declaração contra Cuba na Comissão de Direitos Humanos da ONU e o embaixador cubano teve que abandonar Montevidéu. Porém, foi despedido pela população com cartazes que diziam: “Obrigado Fidel”.

E pergunto eu: quem é Forbes ?
Steve Forbes, proprietário da publicação, está ligado à extrema direita e aos movimentos cubanos sediados nos Estados Unidos que têm promovido actos de terrorismo contra Cuba.
Herdeiro de mais de um bilhão de dólares, dedicou 100 milhões a duas campanhas eleitorais tentando concretizar as suas aspirações à presidência dos Estados Unidos.
Em 1997 assinou o projeto “Para um “Novo Século Americano” cujos objetivos são a retoma da liderança internacional dos Estados Unidos, a continuidade da política de Ronald Reagan e a “guerra preventiva”.
Em 17 de abril de 2006 declarou: “Quando tivermos uma guerra contra o Irão, que vamos ter, os preços do petróleo descerão”.
A revista Forbes, publicação tão interessada na fortuna do presidente cubano, não publica os nomes dos ex-mandatários latino-americanos acusados de fraude e de corrupção, nem fala dos negócios da empresa petrolífera Bush, no Texas, que aumentaram as rendas do atual presidente dos Estados Unidos de maneira pouco clara.

Como se pode ver, a revista não publica tudo e nem tudo quanto publica é verdade, embora as suas campanhas encontrem eco por esse mundo fora, incluíndo Portugal, onde alguns fazedores de opinião se apressam sempre a reproduzir aquilo que lhes põem à frente, sem qualquer tipo de análise objectiva ou de serirdade.


SUBSÍDIO DE FÉRIAS
O Secretário de Estado do Orçamento do Governo Socialista que temos, Emanuel dos Santos, admitiu esta sexta-feira num colóquio onde participou na Universidade de Coimbra, a possibilidade de os pensionistas deixarem de receber o subsídio de férias, para facilitar o equilíbrio do Orçamento de Estado, afirmando que, “não será fácil retirar direitos adquiridos, mas a decisão poderá ser inevitável, pois é preciso equilibrar o sistema de Segurança Social e corrigir políticas erradas do passado”.

Mais tarde veio dizer que não disse, mas continuou a dizer o mesmo, metendo os pés pelas mãos e querendo atirar-nos areia para os olhos, como se isso não fosse já uma das medidas “simplex” a que este e outros governos socialistas já nos habituaram com medidas anti-sociais.

É bom lembrar que a concessão do subsídio de férias aos pensionistas remonta a 1990 e quem então governava era o actual Presidente da República que liderava um Governo considerado de direita e sustentado por uma maioria absoluta no Parlamento.
Passados 16 anos, essa justa medida é considerada por esta corja que nos (des)governa uma política errada, porque estes socialistas de pacotilha são incompetentes para encontrar outras soluções de sustentação da Segurança Social e o equilíbrio do Orçamento de Estado, sem ser a retirar benefícios àqueles que já pouco ou nada têm.

A cada ano que passa os portugueses têm de trabalhar mais para pagar impostos, sendo em 2006 necessários 137 dias de trabalho para pagar os compromissos fiscais, ou seja, mais três dias que no ano passado. Por este andar e se esta gente continuar lá por muito tempo, qualquer dia nem sequer podemos dormir para lhes poder pagar os luxos a que estão habituados.


CIRURGIAS
O número de doentes que aguarda uma operação não pára de aumentar, ultrapassando já os 235 mil. Os hospitais não conseguem travar a enchente e a falta de instalações e de pessoal qualificado tem vindo a agravar a situação.

Compreende-se que esta situação possa contribuir para a sustentação da Segurança Social e o equilíbrio do Orçamento de Estado, já que quem morre por falta de assistência deixa de receber a reformazinha, mas ao menos mandem os outros (os que ainda estão no trabalho activo) para Espanha, onde existem bons Hospitais prontos a recebê-los e a operá-los. Tal como já anteriormente sugeri, se podem mandar as grávidas para Badajoz, porque não mandar doentes para Vigo, Salamanca ou Huelva ? Mais a mais, depois do fecho das Maternidades, o ministro quer também fechar dezenas de Serviços de Atendimento Permanente (SAP) de norte a sul do País.

Para que servirá uma Constituição da República se não passa de letra morta e não é cumprida ?


BANDA GÁSTRICA
Mas nem tudo é mau neste (des)governo socialista, pois anunciaram que iriam pagar integralmente as cirurgias para colocação de bandas gástricas realizadas em clínicas privadas que chegam a custar 8.500 euros. Como apertar o cinto já não chega, há que colocar a banda para assim reduzir as necessidades alimentares de cada um.

Já agora poderiam também pagar uma cirurgia estética (idêntica à que fizeram à tia Lili) às pessoas que por carências alimentares, devido às reformas de miséria que auferem, ficaram com peles a mais que não lhes fazem falta nenhuma, dando um mau aspecto aos turistas que nos visitam, não vão estes pensar que estão em África, num daqueles Países em que existe fome, mas que vai acabar (a fome não o País) devido à intervenção do Alto Comissário da ONU para os Refugiados.


VACA DESAPARECIDA
A notícia caiu que nem uma bomba: desapareceu uma das 101 vacas da “cowparade” e logo a que estava no Campo Pequeno. Especulou-se e até houve quem pensasse que a vaca, sabendo da inauguração da nova praça, tinha fugido dali para não ser confundida com outras vacas ou ter de conviver com bois que eventualmente poderiam ir à festa, o que seria uma afronta para ela.

Felizmente lá apareceu ali para os lados de Monsanto, onde, parece, a vaca considerou poder ter melhor companhia e sair desta confusão toda mais dignificada.

17/05/2006

O direito e o avesso

O telefonema de uma ouvinte de Lisboa, há oito dias, deu o mote para a crónica desta semana. Se eu ouvi bem – e entendi melhor – o que ela quis dizer, parece que o nosso país podia ser pintado assim:

1 – É um país injusto, mas não faz mal, porque injustiça há em todo o lado;

2 – Em Portugal, só há dois tipos de pessoas: os que não querem trabalhar – os vadios, os mandriões, os parasitas – todos por culpa dos pais, que não souberam, nem sabem, ensiná-los; e há a gente trabalhadora, que faz qualquer coisa para ganhar a vidinha e dar um futuro aos filhos.

A partir daqui, temos que os primeiros são uns refilões, uns infelizes e revoltados, e que os segundos são uns pacíficos e felizes cidadãos, daí que aceitem tudo de cara alegre. Alguns ouvintes ainda se exaltaram com esta visão a preto e branco (e, sobretudo, falsificada) da sociedade – e eu também terei elevado um bocadinho o tom da voz – mas acabei por agradecer aos deuses este telefonema, pois, segundo disse então, ele ajudava-nos a perceber melhor porque somos um país miserável e, segundo dizem os entendidos, assim continuaremos por muitas décadas.

Para quem pense como a ouvinte em causa, não há gente que se esgana a trabalhar e mal consegue para a bucha (apesar de as próprias estatísticas indicarem que muitos dos portugueses que são considerados pobres, até trabalham e recebem um ordenado, só que, de tão miserável ou incerto, os mete no saco dos pobres, o que, aliás, também lhe terá acontecido); não há gente que, apesar de trabalhar, não recebe, porque os patrões não pagam; não há gente que, tendo trabalhado no duro e descontado toda a vida, recebe, apesar disso, uma pensãozita miserável; não há famílias inteiras lançadas, do dia para a noite, no desemprego; não há jovens que se formaram e, depois, não conseguem nem um simples emprego de caixa no hipermercado ou de vigilante numa empresa de segurança – e, se conseguem, é, mesmo assim, com contrato precário (são aqueles que não têm cunhas nem paizinhos engraxadores); não há pequenos e médios empresários que, trabalhando quase 24 horas por dia, 30 (ou 31) dias por mês e 12 meses no ano, vão à falência porque a crise é enorme e os grandes grupos económicos comem tudo e não deixam nada; nem há crianças e idosos perdidos nos meandros da fome e do desamparo.

Para essa nossa ouvinte, nada disto existe. E também não existem os senhores que nada fazem, mas andam de Ferrari; os senhores doutores que souberam escolher bem o partido e que, agora, aprovam, na Assembleia da República, as leis que lhes garantem uma vidinha dourada até ao fim dos seus dias, com várias e substanciais reformas, seja na política, seja nas empresas que souberam alimentar enquanto governantes ou deputados, e para onde vão acabar de encher o baú: Galp, PT, CGD, TAP, CP, REFER e tantas outras que não cabem nesta espaço, porque a lista é longa. Ou tudo junto, com a reforma a somar aos proventos do trabalho político. Não há os empregados de luxo da democracia, que o povo elege para que o sirvam e ao país, e, no fim, são eles que saem servidos como nunca seriam se no trabalhinho tivessem ficado. É o tal 25 de Abril ao contrário.

É claro que, segundo a própria confessou, o seu filho nunca será despedido, nem a sua empresa há-de fechar, porque… Bem, não sei… mas perante tão augusta certeza, dada num país onde se despedem trabalhadores à pazada, cada um pode pensar o que quiser. De facto, em Portugal, hoje em dia, só pode garantir uma coisa destas quem estiver bem encostado ao poder político, ou seja um bom lambe-botas do poder económico. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Como a senhora é beneficiária dos SAMS, vêm-me à ideia nomes como o Banco de Portugal, a CGD, a UGT ou o próprio Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, tudo instituições ligadas umbilicalmente ao poder político e económico, ou uma daquelas que referi há pouco. Mas cada um sabe de si, embora, como se ouviu, haja muito boa gente que só quer é mesmo saber de si e os outros que lixem. Parabéns por ser tão feliz, cara ouvinte e, pela minha parte, só desejo que nunca lhe bata à porta aquilo que bate, todos os dias, à porta de milhões de portugueses sérios e trabalhadores. Nessa altura, se mudar de opinião, talvez já seja tarde demais. Aliás, partir do princípio de que todos os que estão mal na vida, o estão por culpa própria, é uma bela maneira de aliviar a consciência e, por outro lado, fazer o frete a quem, pela certa, lhe sabe pagar o favor. Aos donos da roça onde, pelos vistos, se dá lindamente.

Isto foi, com toda a sinceridade, o que eu extraí do telefonema da ouvinte de Lisboa. Discordo do que disse, como facilmente se percebe, faço-o, até, numa linguagem ríspida e tirando as conclusões que me parecem lógicas, mas estou pronto a aceitar a réplica que entender fazer, na linguagem que também quiser usar. Nada melhor do que uma pessoa abrir a alma e a boca para deixar sair o que tem lá dentro. Se todos fizessem assim, o mundo seria muito mais são e transparente. Deixemo-nos do politicamente correcto, essa cínica ferramenta que serve para desfocar a realidade e esconder os podres da nossa vida, e chamemos os bois pelo seu nome. Que a nossa ouvinte não se acanhe com as minhas provocações. E pague-me na mesma moeda.

Mas quem já arranjou uma nova ocupação – felizmente, diga-se, porque era uma pena aquele vulto insigne da nossa querida pátria estar desocupado – foi o doutor Sampaio, que, para sua grande surpresa e satisfação («senti-me muito honrado por o senhor Secretário-Geral da ONU se ter lembrado de mim», disse ele, muito sério…) foi designado não sei o quê no âmbito do combate à tuberculose no planeta inteiro. Pus-me a pensar que Sua Excelência foi, durante dez anos, presidente da República em Portugal e, nesse período, a tuberculose, a par da SIDA, colocaram-nos à cabeça dos países onde essas doenças mais se revelaram. Se a experiência, neste caso, valer de alguma coisa, lá vai o bacilo de Koch infectar o resto do mundo. O currículo, de facto, não podia ser melhor: formação na área e provas dadas no combate à tuberculose cá no beco. Mas a nossa ouvinte deve ter sorrido de satisfação, ou não fosse ela uma fã destas pessoas que, à custa de muito trabalho e sacrifício, lá conseguem em empregozito (ia a dizer job, tacho, mas contive-me a tempo) numa idade em que não é fácil arranjar tal coisa. Aliás, com aquela idade, já o madraço do povo quer ir para a reforma. Estão a ver o que é um português a sério? Estão? Nunca lhe falta trabalho!

Mas… vá lá! A nossa ouvinte teve coragem. Telefonou. Não deu a cara, mas deu o nome, deu a voz, honra lhe seja feita. Gostei disso. De alguns sei eu que andam há tempos para ver se me puxam as orelhas pelas minhas opiniões, por eu ter a oportunidade de, sendo um homem livre, poder – graças à Rádio Baía, é justo que se diga – falar das coisas que me preocupam e, porque sou um entre milhões, preocupam de igual modo milhões de portugueses.

(Um parênteses para dizer que só espero que os democratas de aviário que por aí cacarejam, não se lembrem, um dia destes, de se vingar nesta rádio, por aqui ainda se usar uma das últimas coisas que nos restam de Abril: a liberdade de expressão. Fim de parênteses).

Querem, então, puxar-me as orelhas pelas minhas opiniões, ou denúncias, talvez consideradas delitos de opinião, que não, certamente, pelas mentiras, pois mentir é coisa que não me pesa na consciência. Mas se alguma imprecisão, sem querer fazê-lo, alguma vez aqui proferi, basta que mo digam cara a cara, que terei todo o gosto em reparar o meu erro. Aliás, penso que não se passa uma semana sem que um ou outro ouvinte afirme que as minhas «provocações» dizem aquilo que é preciso dizer, que só é pena que esta rádio não vá até mais longe, que aqui tocamos nos podres que infectam a nossa vida colectiva, que, em suma, defendemos uma sociedade justa e solidária e, em contrapartida, atacamos e denunciamos as políticas e as práticas que violentam as pessoas e sujam a democracia.

Os ouvintes já perceberam que não venho aqui defender interesses pessoais ou de grupos, mas valores e princípios em que acredito e que são os meus desde antes do 25 de Abril. Por isso, um job é sempre um job, seja qual for a cor do boy. Por isso, um corrupto oportunista é sempre um corrupto oportunista, seja qual for o cartão partidário que trouxer no bolso. Por isso, a política do utilizador / pagador é sempre uma má política – uma política de direita – seja qual for o hipócrita que a levar à prática. Por isso, para mim, as políticas e os actos valem por si próprios, e não alinho nessa – que aqui tenho bastas vezes denunciado – de que as políticas que atentam contra o povo passam a ser boas quando somos nós a executá-las.

Nunca aqui disse – e nunca direi – a que partido pertenço. Mas garanto-vos que tudo – ou quase tudo – o que acabei de dizer me foi ensinado por esse partido.

E depois, há algo muito – mas muito – importante: os partidos existem – ou deviam existir – para servir o povo e o país, e não para funcionarem como centros de emprego ou balcões de conversa fiada.

E, se não for assim, anda tudo do avesso. Não é?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/05/2006. (Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

14/05/2006

ESTA SEMANA

TURISMO
O senhor Luís Patrão, que até há dias foi chefe de gabinete do primeiro-ministro que temos, acaba de ser nomeado para presidir ao Instituto Português de Turismo, organismo que ainda não se sabe bem que funções vai ter após a extinção e reorganização de alguns serviços ligados ao turismo.
Depois de já ter sido deputado e também chefe de gabinete de Guterres, Luís Patrão chegou a Secretário de Estado da Administração Interna, tendo saído deste cargo depois da polémica gerada em torno da criação da Fundação para a Prevenção e Segurança, em que também esteve envolvido o ex-Ministro Armando Vara, agora administrador da CGD e com uma perninha na GALP.
E ainda há quem pense que o
“cartãozinho” não faz a diferença, pois não se conhecendo formação académica ou qualidades excepcionais de algumas figuras da nossa praça, eles tanto servem para chefiar polícias, gerir bancos, controlar combustíveis ou promover o turismo.

Como uma das atribuições do IPT é a promoção de Portugal no exterior, quero transcrever, com a devida vénia, alguns excertos do que foi escrito no Jornal Digital “Opção Turismo” por Emídio Baptista (Director Hoteleiro).

Diz ele:
“Fui á FITUR, em Madrid, e como de costume revi a malta da “velha guarda” e verifiquei também a aproximação dos “novos” nas lides comerciais, na segunda maior Feira de Turismo da Europa.
O espaço físico no stand de Portugal já viveu melhores dias. O amor à arte de vender e de promover o nosso produto, o destino, o alojamento, e consolidar os nossos acordos comerciais, deve ser a flor inspiradora da nossa presença nestas Feiras Internacionais. Isso não acontece e em vez de mostrarmos o nosso tipicismo, as nossas marcas e a nossa cultura, perdemo-nos no estilismo de “posters movíveis” e de espaços sem animação, de gente que não está treinada para “animadores comerciais” chamando a si a atenção dos passantes para o que estamos a oferecer. E temos muito. O problema é que não se vê. Demonstramos estar todos “velhos demais”. Não sentimos o desafio.
Podíamos convidar dois artesãos, mostrar os nossos vinhos e queijos, oferecer degustações pontuais. Deveríamos fazer as promotoras distribuir “caravelas” de cartão ou o que fosse de simbologia nacional. Entretanto, outros vi, como a Suiça e os queijos, os Holandeses e as tamancas, os Checos e os cristais, cheios de dinâmica, a “mostrar” os seus produtos, a incentivar as memórias dos que compram ou vendem turismo. Somos “agora” um País de executivos, de fatinho e gravata, com as promotoras, esperando sentadas!
- Eles que nos venham visitar, pois temos o sol e o mar, e um país do caraças.
- Para quê mandar “as miúdas” do comercial andarem a fazer de tolinhas a distribuir folhetos, quando temos os balcões institucionais, cheios de brochuras, também “institucionais”, ali sentadas muito institucionais ?
Sinceramente, gostava de não vos desgostar, mas custa muito deslocarmo-nos fora de portas, apanhar frio, gastar os sapatos e o “latim”, sem
“Klics” de motivação.
Meus amigos: criticar pode ser fútil e até deprimente, pouco produtivo, mas na FITUR, eu vi mais uma vez que não temos pedalada de marketing para estas andanças comerciais. Somos amorfos e sem reacção ás tendências. Não temos dinâmica! Reparei no Stand de Berlim, que na promoção do Mundial da Alemanha, existia um “joguinho” de chutar a bola num buraco para ganhar. Ganhar promovendo e entregando aos participantes bilhetes para os jogos do Mundial. Nós já passámos por isso no Europeu e, na FITUR 2004, nem lapiseiras tínhamos para oferecer. A nossa pequenez não tem que ver com o nosso orçamento, mas sim com a nossa mentalidade e ausência de técnica de vendas.
Dou uma medalha aquela colega hoteleira, de origem alemã, a trabalhar em Beja, que levou uns vinhos lá do seu hotel rural. Promoveu o encontro e o conhecimento do seu destino num instante. Nós gostámos muito e bebemos o copo. Muitos nem pensaram que era assim que tinha que se fazer. Criteriosamente para o exterior, para os visitantes, para os que procuram o nosso produto turístico.
Acredito que temos hoje um esforço governamental com iniciativas que se perdem e se auto-bloqueiam pela forma “menor” de mostrar o que é nosso. O Turismo está em movimento, continuadamente, com gestação de novas ideias, em que os agentes turísticos que vendem os nossos produtos, têm estímulos baseados no que lhes podemos oferecer, para promoverem um destino junto dos seus clientes. Portugal continua a apresentar-se nestas feiras com um grande défice de dinamismo. Temos de explorar o espaço destes “stands”, de forma técnico-animadora, com emblemas na lapela do casaco e o sorriso desenhado nos lábios. Para vender mais e melhor”.

Porque conheço bem esta realidade, estou completamente de acordo com o Emídio Baptista; a nossa promoção turística no exterior é francamente má e extremamente dispendiosa, podendo-se, com imaginação e vontade, fazer-se muito melhor e com custos mais reduzidos.
Esperemos que o novo Presidente do IPT tenha a capacidade para ouvir quem anda há muitos anos no turismo e acabe de vez com as intelectualidades que não servem para nada.


CASTIDADE
O Reitor do Santuário de Fátima, monsenhor Luciano Guerra, deixou claro que “a castidade é uma urgência e o facto de se estar a exagerar na liberdade entre os sexos faz com que se fuja às tarefas árduas”.
Segundo ele, “o nosso primeiro problema talvez não seja a falta de dinheiro, a baixa produtividade, o fracasso escolar ou a corrupção”, a raiz dos problemas está “na ambição e por ainda é quando o sexo se torna numa droga”.
Li, reli e nem queria acreditar. Como é que um representante da Igreja Católica, responsável por um Santuário conhecido em todo o mundo, pode ter e dizer coisas destas?
E pensarmos que há quase 2.000 anos houve gente que deu a própria vida para implantar uma religião que tem vindo a degradar-se por culpa daqueles que têm a obrigação de a defender.


ROCK IN RIO
Os artistas que vêm actuar no “Rock in Rio” exigem de tudo à produção do Festival. Desde cerveja australiana a raiz de gengibre inteira com pele, passando por toalhas de rosto pretas a cozinhas completas para poderem fazer as suas próprias refeições. Há até quem queira limões inteiros, provavelmente, nem se pode pensar noutra a razão, para preparar “caipirinhas”.


EMPRESAS NA HORA
Graças à excelente ideia deste Governo socialista que temos, já se podem criar empresas na hora, o que é muito bom, pois assim o senhor primeiro-ministro, baseado nas estatísticas, já pode vir dizer que a nossa economia está a crescer a bom ritmo, certamente porque os milhares de desempregados que existem, foram logo a correr para passarem a empresários.
A quem interessa constituir empresas na hora ?
Aos grandes grupos empresariais que assim podem facilmente fazer engenharia financeira para fugirem aos impostos, ou, como diz a Polícia Judiciária, para outras actividades criminosas, como por exemplo, escoar “legalmente” produtos provenientes de roubos ?
O senhor Sócrates e os seus ajudantes devem saber a resposta.

10/05/2006

A bandeira negra

Instituições nacionais e estrangeiras, com destaque para a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco de Portugal, pintaram, recentemente, um retrato muito negativo da economia nacional. Se fossem outros a fazê-lo – se fosse, por exemplo, a oposição de esquerda – a coisa era levada à conta da luta partidária, e logo o senhor ministro das Finanças e o aflautado primeiro-ministro diriam que tais afirmações não passavam de atoardas sem fundamento, mais uma peça da guerrilha político/partidária mantida por forças ultrapassadas pela história.

Assim, como a coisa veio de gente amiga – e mesmo de gente da família – o governo comeu e calou, engoliu em seco, e só muito mais tarde, atiçado pelos jornalistas, é que o tal ministro das Finanças, cujo nome ainda nem me dei ao trabalho de fixar (para mim, os governantes têm todos o mesmo nome, e é dos que fica mal dizê-lo aqui) lá declarou que não estava nada preocupado com os relatórios do BP, da OCDE e do FMI.

Tal como afirmei há oito dias, não me custa a crer que ele não esteja nada preocupado com estas ninharias. Se eu tivesse a vida dele, se ganhasse o que ele ganha, se tivesse a futurozinho garantido quando saísse do Governo e – quando me apetecesse – conseguisse riquíssimas reformas, sem problemas de idade ou de descontos, enfim, se eu também pertencesse à curtíssima casta de privilegiados deste pobre país, se fosse daqueles que sabem mover-se nas salas, corredores e reposteiros da política e da alta finança, eu queria lá saber se as coisas eram assim, ou assado. Era mesmo para esse lado que eu dormiria melhor.

Mas acontece que não sou. Eu pertenço àquela imensa maioria que sofre, todos os dias, os efeitos da acção do senhor ministro e do governo onde tem rédea larga. Eu pertenço àquela categoria dos portugueses a quem o PS, através dos seus ministros e deputados, todos os dias vem tirar um pouco mais do que é nosso. Eu faço parte daqueles milhões de portugueses que, todos os meses, ao comprarem o indispensável para a sua sobrevivência – da comida à electricidade, dos medicamentos às consultas, da prestação do empréstimo para a habitação à água, dos transportes às despesas com a educação – concluem que compram cada vez menos, mas pagam cada vez mais.

No entanto, há cerca de uma semana, os jornais disseram que os rendimentos declarados pelo primeiro-ministro Sócrates, em 2005 (ano em que assumiu funções governamentais), haviam subido cerca de 50% em relação ao ano anterior. Talvez por isso, sua excelência, em declarações recentes, dizia que Portugal está melhor. Para ele, sem dúvida… E, como sabemos, também para os bancos e grupos empresariais.

Mas está pior para todos os portugueses que vivem dos seus rendimentos de trabalho, das suas reformas e pensões, para os mais de 500 mil desempregados – número que o governo se esforça por esconder e amaciar através de habilidades informáticas – está pior, em suma, para mais de 9 milhões de portugueses. E pior vai ficar, porque o governo já disse – e já mostrou – que foi este o caminho que escolheu, e que dele não quer sair.

Com os relatórios do BP, do FMI e da OCDE ficou dito – e provado – que os sacrifícios impostos aos portugueses pelo governo, não só não resolveram nada, como até pioraram as coisas. Aliás, também só os distraídos ou os atrasados mentais terão acreditado que este governo – ou outro do género – pratica estas políticas como um meio para resolver problemas. Elas são um fim em si mesmo e, se recordarmos o que nos disseram há dois, três, quatro, cinco, dez, vinte ou trinta anos, vemos que não foi outra a conversa – e só foram outros os resultados, porque nada ficou melhor ou igual. Tudo piorou. É mentira? Volto a perguntar: é mentira?

Sócrates obriga os trabalhadores a perder poder de compra, com os aumentos salariais a serem sempre inferiores à inflação. Contudo, e segundo o insuspeito Jornal de Negócios, os administradores decidem os seus aumentos, que são, em média de 9%, sendo os seus rendimentos, também em média, de 416 mil euros, ou seja, de 83 mil contos anuais. Quantos às empresas cotadas em bolsa, os seus lucros, em 2005, subiram 85%. O país está melhor, garante Sócrates. Então não está!? Só falta é ele explicar de que país está a falar: do país dos trabalhadores, dos pensionistas, dos desempregados, dos excluídos? Ou do país dos senhores banqueiros, grandes empresários e seus homens de mão, os políticos e fazedores de opinião?

Como eu tenho aqui sublinhado várias vezes, o país está nas mãos de apenas 1% da população, que não passam disso, todos juntos, os políticos que governam ou governaram, mais os deputados, mais os presidentes da República (o actual e os idos), mais os senhores capitalistas, mais os senhores comentadores, analistas, jornalistas bem colocados e melhor pagos, economistas, gestores e respectivas cortes. E são estes que decidem e justificam o apertar do cinto da maior parte dos outros 99%, a quem chamam, ainda por cima, madraços e privilegiados.

Também como eu já disse noutras ocasiões, chegámos ao extremo de ouvir esta canalha chamar privilegiado a quem tem trabalho e remuneração certos, a quem tem médico de família e ainda consegue pão para a boca sem grandes sobressaltos. Qualquer dia, são privilegiados todos aqueles que não viverem como se vive no miserável bairro da Jamaica, aqui no Seixal, no Bairro da Ponte, em Camarate, na Cova da Moura, na Amadora, ou em qualquer outra pérola deste colar da nossa vergonha.

São precisamente esses senhores – que têm nas mãos as nossas vidas e, ao mesmo tempo, que podem fixar o valor dos seus ordenados e os respectivos aumentos, que podem determinar quantas reformas vão ter (e quais os seus valores) – que depois vêm exclamar, embrulhados em belos fatos e atados com gravatas que valem mais do que a pensão mínima nacional, que o país não suporta os privilégios dos pés descalços, da arraia-miúda.

Mas o bom povo português (essa nova versão da «enorme e possante besta» de que falava Erasmo de Roterdão, como aqui recordei há meses), suporta e sustenta passivamente tudo o que lhe caia em cima. Por isso, já ninguém se espanta com a última notícia que por aí circula. Santana Lopes já tem um “job”. De facto, segundo a revista “Focus”, vai ser consultor na EDP. Aparentemente, trata-se de consultoria na área do direito na Energias de Portugal, para a qual Santana foi convidado por António Mexia, presidente da administração da EDP. O ordenado deverá situar-se entre os 3 mil e os 5 mil euros por mês (entre os 660 e os 1000 contitos).

Acontece que António Mexia foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações no Governo de Santana Lopes, o que não tem nada a ver com esta admissão, como facilmente até o português mais estúpido compreenderá, mesmo que ninguém se lembre de Pedro Santana Lopes a fazer qualquer coisa que não fosse o que faz a um político profissional: política. Político profissional, que beneficia ainda de um regime especial de reforma, que permite que alguém que tenha exercido funções no poder local possa aposentar-se com 30 anos de descontos, mesmo não tendo idade para a reforma, como é o caso desta feliz criatura, pois, aos 50 anos de idade, recebe desde Outubro de 2005, uma pensão de 3.178,47 euros, por ter sido presidente das câmaras da Figueira da Foz e de Lisboa.

Nada demais, pois conheço outros devotados autarcas que também já se reformaram e agora comem dos dois tachos (da reforma e da autarquia), o que é muito justo, visto terem sacrificado os últimos 16 anitos da sua vida a destruir os respectivos concelhos, coisa que dá um trabalhão enorme. Aliás, porque é que Santana Lopes não há-de ter um “job”, se até é um gajo com piada, se um qualquer ex-presidente de Junta, mais ou menos débil mental, só porque sabe lamber as botas certas e dar à cauda em redor do dono, pode mandar o trabalho às malvas e assolapar-se em sumarentos tachos?

Mas haja futebol, mundial, selecção e bandeiras – e, especialmente, a mais bela bandeira, como eles dizem. Haja isso, que o Zé Pagode – e pagante – esquece o resto. Vejam lá, que até o meu clube me contemplou com um e-mail a convidar-me para ir ao Jamor assistir à composição, por mulheres, da mais bela bandeira humana.

Olha lá a que porta eles vieram bater!

Mas dizia o e-mail:

«Dia 20 Maio, no Estádio Nacional, vamos construir a mais Bela Bandeira Humana no apoio à nossa selecção.

O Sport Lisboa e Benfica associa-se ao maior evento de apoio à Selecção jamais realizado em Portugal, pelo que convida os seus sócios, em especial as sócias e simpatizantes do Benfica, a estarem presentes no Estádio do Jamor, no dia 20 de Maio, na grande festa do futebol para apoiar a nossa selecção na caminhada para o Mundial».

E respondi eu:

«Lamento, mas estas patriotices bacocas nada me dizem. Sou benfiquista, e por aí se ficam os meus «furores» e as minhas paixões em termos desportivos.

Quando se trata de Portugal, só consigo pensar em meio milhão de desempregados, em meia dúzia de senhoritos a banquetearem-se com o dinheiro de 9 milhões; penso no país mais atrasado da Europa, no mais corrupto, penso nas urgências hospitalares, penso nas escolas podres, penso nos bairros degradados, penso no que pagamos a quatro presidentes da República, a deputados, a governantes, ao Mira Amaral e aos outros miras todos.

Penso nas crianças que não bebem leite nem comem carne, penso nos velhos presos numa solidão sem retorno, penso nos homens e mulheres que vêem a firma fechar e ficam a arder com vários meses de salário, penso, enfim, nas coisas séria e trágicas que marcam o nosso país. Penso, em suma, num beco mal frequentado, aproveitando-me da “tirada” de Carlos Queirós.

Depois disto, ainda querem que eu alinhe nessa treta da bandeira mais linda? Porque não antes – para sermos coerentes e sérios – a bandeira negra? Da fome?

Haja juízo e vergonha.

João Carlos Lopes Pereira - Sócio 1668 do SLB»

É isso: a bandeira negra da fome, da injustiça, da miséria.

E por aqui me fico.


Crónica de: João Carlos Pereira

Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/05/2006. (Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

07/05/2006

ESTA SEMANA

FORTUNA DE FIDEL CASTRO
A revista norte americana Forbes (que não é nada tendenciosa nem está ao serviço dos maiores interesses capitalistas) publicou no princípio deste ano uma lista dos políticos e chefes de estado mais ricos do mundo.
Nessa lista colocam o Comandante Fidel Castro (a quem chamam de ditador) em 6º lugar, com uma fortuna avaliada em 550 milhões de dólares.

De acordo com esta publicação, “se, por um lado, Cuba não pára de empobrecer desde 1959, quando a revolução comandada por Fidel e pelo médico argentino Ernesto Che Guevara derrubaram o governo de Fulgêncio Batista, por outro lado, a fortuna pessoal do ditador não pára de crescer”.

Segundo a "Forbes", Fidel teria acumulado a fortuna a partir de "uma rede de negócios pertencentes ao Estado". Entre esses negócios, a revista cita o Palácio de Convenções, o Grupo Cimex; e o Medicuba que vende vacinas e outros produtos farmacêuticos produzidos no país.

A revista afirma ainda que Fidel viaja exclusivamente em carros Mercedes-Benz. Além disso, teria recebido 50 milhões de dólares em 1993 por ter vendido a fábrica estatal de rum “Havana Club” para a gigante francesa Pernod- Ricard.

Não é de admirar este tipo de artigos que têm como objectivo intoxicar a opinião pública mundial contra Cuba e o seu líder, mas, tendo o mesmo sido publicado no princípio do ano, só agora a grande “notícia” foi divulgada em Portugal. Até parece que alguém anda por aí a fazer uns favorzinhos à propaganda anti-Cuba, havendo jornais “mais Papistas que o Papa”, como o “24 horas”, que até aumentam um pouquinho a fasquia e colocam a “conta bancária” em 900 milhões de dólares.

O que estes fazedores de opinião não dizem é qual a base de sustentação para tanta asneira junta, sem possuírem qualquer prova para o que afirmam.

Ou terá sido por Cuba ter crescido no último ano 12,5% do seu PIB, enquanto Portugal nem aos 0,5 % chegou ?

Até a marca da viatura em que normalmente o Comandante é transportado na qualidade de chefe de estado põem em causa, quando, por exemplo em Portugal, qualquer Presidente de Câmara utiliza a mesma marca.

Mas onde está essa tal fortuna ? Na Suiça ? Nalgum paraíso fiscal ? Digam e provem onde está porque o povo Cubano tem direito a saber, mas principalmente o visado, pois isso contribuiria certamente para ele poder melhorar muitos dos benefícios sociais que a Revolução permitiu implementar.

Quando se diz que Cuba tem vindo a empobrecer desde 1959 deve apenas querer referir-se a meia dúzia daqueles que exploravam o País, porque os outros 10 milhões não tinham nada, mesmo NADA.

É praticamente o mesmo que está a suceder em Portugal. Existem uns quantos senhores empresários, alguns políticos e muitos gestores públicos que são os verdadeiros donos da riqueza. Os outros 10 milhões têm cada vez menos e por este andar chegarão ao NADA.

Segundo dados recentes, cerca de 2 milhões dos pensionistas portugueses, o que representa 85% do total, recebem menos que o salário mínimo nacional. É por estas e por outras que já se começa a ouvir que seria necessário outro 25 de Abril, porque o anterior não cumpriu as esperanças e os principais objectivos.

Infelizmente não temos uma “Sierra Maestra” nem um Homem com a verticalidade, coerência e honestidade do Comandante Fidel Castro.

Só quem não conhece o sistema económico cubano e as empresas citadas no artigo, pode acreditar em tanta falsidade.

O que esta gente gostaria era que Cuba continuasse fechada ao exterior e que não pudesse comercializar os seus produtos ou ajudar gratuitamente outros povos que são deixados ao abandono pelos pretensos donos do mundo.

É verdade que são vendidos alguns produtos farmacêuticos e algumas vacinas descobertas e desenvolvidas pelos excelentes cientistas cubanos, que podem trabalhar graças ao plano de investigação que há muito existe em Cuba. Mas como esses produtos não são comercializados pelas multinacionais farmacêuticas, a OMS tem vindo sistematicamente a impedir que sejam vendidos livremente em todo o mundo, embora se reconheça que são de qualidade.

Ao contrário do que é afirmado, o rum Havana Club não é propriedade de Pernod-Ricardi, embora esta seja uma das empresas que tem contrato para a sua promoção e comercialização no exterior, tendo a exclusividade para alguns países.

Mas há uma coisa que é verdade:
o Comandante Fidel Castro tem uma enorme fortuna, talvez a maior do mundo, dividida por mais de 10 milhões de compatriotas que usufruem gratuitamente de cuidados de saúde, protecção social, alimentação, educação, transportes, habitação, etc.

Essa é a sua grande riqueza.



O PREJUÍZO DE MÁRIO SOARES
Apesar de ter perdido as eleições, Mário Soares foi aquele que, dos três principais candidatos, mais dinheiro gastou para concorrer à Presidência da República, cifrando-se a factura total em 3,5 milhões de euros, ou seja, cerca de 700.000 contos que todos nós pagámos para o velho senhor andar a pavonear as suas vaidades.

Como o dinheiro teve e vir de algum lado e sendo o Estado o maior contribuinte para estas fantochadas, o Governo socialista que temos vai inventando tudo o que é possível para nos sacar mais e mais dinheiro. Como o preço do crude tem vindo a aumentar nos mercados de origem, há que actualizar o imposto sobre os combustíveis para assim tirar um maior rendimento.

Alguém já se lembra do valor previsto para a inflação ? Os combustíveis já subiram este ano 14% e não deve ficar por aqui; o Governo socialista que temos e as transportadoras estão a planear uma nova fórmula para a actualização de tarifas de transportes de passageiros, a ser realizada a cada quatro meses; consequentemente, quanto maior for o valor que pagamos, maiores serão as receitas de IVA.

Será isto o socialismo moderno ? É preferível o antigo.



BRASILEIROS EM VILA DE REI
Não está em causa o projecto de repovoamento posto em execução pela Presidente da Câmara de Vila de Rei, Irene Barata, mas sim os protagonistas. Seria necessário trazer as pessoas do Brasil ? Não existem já no nosso País pessoas (portugueses ou de outras nacionalidades) que se lhes fossem oferecidas as mesmas condições iriam certamente repovoar Vila de Rei ?

Não sei porquê, até porque não conheço bem os pormenores, mas esta iniciativa tem qualquer coisa de estranha e pouco clara, pois como dizem alguns habitantes locais, “há tanta gente que abalou daqui por não ter trabalho, onde é que agora vão arranjar emprego para estas pessoas?".

A Presidente de Câmara, Irene Barata (para quem não saiba ou não se lembre viveu no Seixal e trabalhou no Centro de Formação Profissional da Cruz de Pau), desde que foi eleita tem vindo a fazer um bom trabalho numa terra que estava ao abandono, sem acessos e praticamente isolada no meio da floresta de pinheiros e eucaliptos, principal fonte económica da zona.

Vamos esperar para ver no que dá este projecto, esperando que o mesmo tenha sucesso e que os nossos irmãos brasileiros encontrem aqui a felicidade que lhes faltava nas suas terras.

03/05/2006

Pronto! A cada um o seu 25 de Abril…

A nossa conversa de há oito dias, onde eu disse (e expliquei porquê) que o 25 de Abril está morto e enterrado, provocou uma série de reacções. Quase todos os que me contactaram directamente – fosse por telefone, fosse por e-mail, fosse pessoalmente – fizeram-no para manifestar a sua concordância com os pontos de vista que aqui defendi. Apenas dois amigos, em quem reconheço honestidade, inteligência, frontalidade e verdadeiro espírito democrático, colocaram algumas reservas e críticas. Disse-me um que, afinal, o 25 de Abril estava vivo, porque me permitia dizer na rádio aquilo que penso, o que antes não podia fazer. Disse-me o outro, que o 25 de Abril é um processo dinâmico, que não começou em 25 de Abril de 1974, nem acabou ainda, porque o caminho dos povos na busca de soluções para os seus problemas sociais, económicos e culturais continua a fazer-se.

Nenhuma destas respeitáveis opiniões invalida o que eu disse – e aqui reafirmo. Ao primeiro respondi que, para mim, o 25 de Abril não se resume ao voto e à liberdade de expressão. Aliás, estou plenamente convencido que isso apenas nos será permitido enquanto servir para dar um ar democrático à actual ditadura do capital sobre o trabalho. No dia em que a palavra influenciar a mudança no sentido do voto, retirando ao poder económico as rédeas do nosso destino, veremos, então, a qualidade dos democratas que por aí temos. De resto, a propósito do voto, basta ver o que PS e PSD querem fazer à lei eleitoral, para impedir «surpresas» desagradáveis, assassinando o princípio da proporcionalidade. E quanto à liberdade de expressão, tenho-a eu e aqueles que dela não abrem mão – e que bem caro a pagamos – mas não a têm muitos portugueses que, por medos vários, se calam ou auto-censuram. Mas – e que ninguém se esqueça disso – o 25 de Abril que eu vivi (e desafio seja quem for a provar o contrário) não nos restituiu só a liberdade de expressão e a capacidade eleitoral. Quis fazer de Portugal um país justo, onde o poder político respeitasse todos os portugueses e garantisse a cada um aquilo que é devido a todos os seres humanos. Trabalho, remuneração capaz de proporcionar uma vida digna, com acesso a uma habitação decente, à saúde, à educação, à cultura e ao desenvolvimento físico e intelectual e, no ocaso da vida, a uma velhice sem o trauma da miséria e do abandono.

Quem viveu o 25 de Abril, sabe que, nessa altura, se acreditou que nunca mais veríamos um pai (ou mãe) de família à beira do desespero, porque perdeu o emprego, e agora não sabe como vai manter a casa, sustentar os filhos e honrar os seus compromissos. Nem crianças ou velhos com fome, frio, ou carecidos de medicamentos ou tecto. Pensámos que a miséria e a desigualdades tinham os dias contados.

Ao segundo amigo, apontei-lhe as últimas palavras da minha crónica, que aqui recordo. «Olha, Zé. Como te disse, “este” 25 de Abril já não é o nosso. Nossas, são a esperança, a luta, a coluna vertebral bem direita, a coragem de sermos homens livres e de dizermos o que pensamos. Nosso, é o 25 de Abril por haver. SEMPRE!». Isto diz tudo o que ele disse. Ou não?

Mas tive, é claro, os críticos silenciosos, os que rosnam para dentro ou em circuito fechado, os que não discutem nada, os que não pensam nada, os que não contribuem seja com o que for para ajudar a formar opinião, a enriquecer, com o seu ponto de vista, o círculo onde se inserem. São os que preferem o silêncio à palavra dita com a honestidade, a que é fruto das convicções próprias. São os que, contrariando até alguma coisa que aprenderam – ou deviam ter aprendido – não gostam da verdade, apesar de só ela ser revolucionária. São os que, não pensando nem analisando – e, por isso, nada dizendo ou emitindo – não passam de meros receptores improdutivos. São os “yes men” da esquerda, uma esquerda que até lhes agradecia outra atitude mais construtiva, frontal, lúcida e corajosa.

Mas com esses não vale a pena gastar mais latim. Por isso, leio-lhes os seguintes trechos, de autoria de dois democratas, e peço-lhes duas coisas: uma, que descubram quem são e onde escreveram isto; outra, que tirem daí – se forem capazes – as devidas conclusões. Oiçam o que disse um deles:

«As classes que se apoiavam na ditadura fascista e foram derrotadas pela revolução de Abril, ascenderam ao poder por via eleitoral. Procuram fazer recuar a história. Reduzem as fronteiras e espaços de exercício da democracia. Começaram por liquidar as bases para a democratização da economia e restabeleceram o domínio económico e político do capital monopolista. Passaram ao desmantelamento das conquistas sociais e dos direitos laborais. E entraram, nos últimos anos, na ofensiva para reduzir e desfigurar expressões da própria democracia política».

E disse o outro:

«Na verdade, não foi para isto que fizemos o 25 de Abril. (…) Regressou o domínio do grande capital e, com ele, a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, a intensificação da exploração, a submissão ao imperialismo, o ataque à própria democracia política. O grande capital é insaciável e, se tiver espaço, não recua perante nenhum crime na corrida ao máximo lucro. Que a taxa de desemprego seja a maior desde o 25 de Abril, que a pobreza aumente a olhos vistos, que a liquidação das funções sociais do Estado esteja a acelerar o processo de desertificação de vastas regiões do país, nada disso lhe tira o sono. O que importa é que os seus lucros cresçam, como de facto estão a crescer em escala sem precedentes».

E se isto quer dizer que o 25 de Abril – o 25 de Abril que o povo português saudou nas ruas, em 1974, com todas as promessas que eu acima referi – está vivo, então eu não sei a diferença entre a vida e a morte. E uma coisa é certa – e devo dizê-la: ninguém, entre os críticos, me acusou de ter mentido ou falsificado factos para chegar às conclusões a que cheguei. Pelo contrário, os muitos que me felicitaram por se reverem no que disse, foi comum afirmarem que era bom ouvir palavras que correspondiam aos seus próprios sentimentos. Guardei, especialmente, um telefonema de um casal de Lisboa, o Fernando e a Isabel Camarinhas, que me disseram da sua emoção – com algumas lágrimas à mistura – face ao retrato fiel que eu fizera da nossa tristíssima situação política, social e económica.

Mas houve também quem se sentisse atingido pelas minhas palavras, não por razões políticas, partidárias ou ideológicas, mas porque pus o dedo numa outra ferida, ela também impossível de existir se o 25 de Abril ainda estivesse por cá. Estou a referir-me aos oportunistas, aos corruptos, aos carreiristas políticos, aos muitos marmanjos que, oriundos das mais variadas origens sociais e partidárias, depressa descobriram que já não conseguiam viver doutra maneira que não fosse à custa da política.

Com eles, a política assume uma das suas faces mais ignóbeis. Habilidosos dentro dos seus partidos, de imediato perceberam como é fácil dominar a estrutura partidária. Tendo o poder, logo aprendem a comprar cumplicidades, distribuindo benesses, satisfazendo ambições, iludindo com promessas. Daí à promiscuidade com os interesses económicos, vai um passo, pois ninguém, a nenhum nível – seja nacional, seja local – quer estar de mal com o poder político, especialmente se este tem capacidade para lhe favorecer os negócios. Sei de empresários que, em campanha eleitoral, apoiam sem a menor hesitação todas as forças políticas concorrentes. Neste quadro, com o político eleito sendo o motor deste rodopio de interesses e favores, transformam-se os partidos em seus reféns, não vão as comadres zangarem-se e dizerem algumas verdades. Acham, caros ouvintes, que isto tem alguma coisa a ver com o 25 de Abril?

Mas tinha eu prometido que hoje falaria do estado da economia nacional, e agora vejo que o tempo se foi todo com o tema de há oito dias. Não faz mal. O que disse o FMI, o Banco de Portugal e a OCDE – e o que respondeu o ministro das finanças – são coisas que podem esperar. E não perdem por esperar. E se ele, como afirmou, não está nada preocupado com os relatórios negativos que esses organismos fizeram do desempenho da nossa economia, eu estou, porque ela está a levar-me o coiro e o cabelo.

De resto, percebo que ele não esteja «nada preocupado» com tais ninharias. Se eu tivesse a vida dele, se ganhasse o que ele ganha, se tivesse o futurozinho garantido quando saísse do Governo e – quando me apetecesse – riquíssimas reformas, sem problemas de idade ou de descontos, enfim, se eu também pertencesse à curtíssima casta de privilegiados deste pobre país, se fosse daqueles que sabem mover-se nas salas, corredores e reposteiros da política e da alta finança, eu queria lá saber se as coisas eram assim, ou assado. Era mesmo para esse lado que eu dormiria melhor.

Ou seja: o 25 de Abril do senhor ministro não é igual ao meu.

Nem ao seu, amigo ouvinte. Nem ao 25 de Abril de mais de 9 milhões de portugueses.

Também era o que faltava, não era?


(Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 03/05/2006)

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