24/05/2006

O país mais belo do mundo!

- Com uma redacção do menino Carlinhos

Nos últimos dias, voltámos a ter notícias do nosso atraso. Desta vez, não ficaram quaisquer dúvidas: Portugal é o país mais atrasado da Europa, garantiu o Eurostat. Nem Chipre, nem a Grécia, nem qualquer um dos outros países lá dos confins desta Europa, agora com 25 membros, está atrás de nós. Finalmente, ocupamos, destacados, isolados, orgulhosamente sós – e cada vez mais sós – o lugar que compete a um povo sereno, manso, inerte. Um povo que só não pode ser classificado como carneiro, porque, conforme aprendemos na escola, os simpáticos animais são vertebrados e nós, de coluna vertebral, nem pó. Aproximamo-nos mais dos vermes.

Logo a seguir a estas fúnebres notícias, veio o carrasco de serviço, mais conhecido por José Sócrates, dizer que a economia está a mostrar alguns sinais positivos, que o país está muito melhor. Também o governador do Banco de Portugal, embora envergonhadamente e de forma muito vaga e difusa, falou de alguns indicadores animadores, e que… patati, patatá.

É verdade que Sócrates está a perder gás. Anda mais irritadiço, um pouco mais curvado, mais inseguro – e com a ponta do nariz cada vez maior. Começa a ter cara e expressões de homem acossado, de tipo que já percebeu que entrou num beco e ainda não sabe como vai sair dali. Desconfio que lá dentro, no PS, as coisas também estão a ficar com um piquinho a azedo, isto é, começaram a azedar devido ao estilo quero, posso e mando do secretário-geral, que também é, para azar nosso, primeiro-ministro cá da estrumeira.

Desculpem-me esta linguagem forte, mas as palavras vêm-me à boca tal como as penso, e de nada serve tentar dourar a pílula. Mas a coincidir com estas lúgubres notícias, teve lugar no Estádio Nacional, no Jamor, uma iniciativa patriótica, que deve ter feito a Europa inteira pôr as mãos na barriga de tanto rir. É que o país mais miserável da UE, aquele pindérico parceiro da comunidade, onde 1% da população enriquece à custa dos outros 99%, tem como grande objectivo nacional (mais um enorme e patriótico desígnio) vencer um campeonato de futebol.

Agrave-se o desemprego, corte-se nas pensões, fechem-se escolas, maternidades e extensões de saúde, fechem-se fábricas e abram-se casinos, eliminem-se direitos sociais, tratem-se os velhos e as crianças como se de trastes se tratasse, mas mobilizem-se pessoas e recursos para arrotarmos patriotismo pacóvio a propósito de uns joguecos de futebol. Isso é que são prioridades! Isso é que é um belo retrato da nossa inteligência colectiva!

E se a iniciativa, pelo número de participantes, entrou no Guiness, também nele entrou pela sua imensa estupidez e confrangedor ridículo. Portugal mostra-se ao mundo como o pelintra incapaz de sustentar a família, mas que faz do campeonato de sueca lá do bairro a grande batalha da sua vida.

Mas deixem-me ler a redacção que, a este propósito, escreveu o Carlinhos, um puto que, na sua santa ingenuidade, fala por todos nós.

Redacção

Eu tenho muito orgulho em ser português. Eu amo a minha pátria, Portugal. Portugal é o país mais belo do mundo, com muito sol e muitas praias, por isso os turistas vêm cá para apreciar o mar e o sol, especialmente no Algarve onde, apesar do mar e o sol serem ali mais caros, também são muito melhores, são mais quentinhos. Dantes, também tínhamos muitos pinheiros e eucaliptos, mas essa parte está pior, porque os fogos têm destruído tudo, e ainda não aproveitaram para construir, nesses sítios, grandes casas com piscinas, campos de golfe ou hotéis de luxo.

Mas Portugal também tem cidades muito grandes e bonitas, com estádios de futebol novos e às cores. Alguns estão sempre vazios, mas não faz mal, porque as cadeiras são às pintinhas, para a gente julgar que eles estão cheios. A capital de Portugal chama-se Lisboa, e é uma cidade muita nice, é mesmo a mais bonita e moderna do mundo. Tem a Expo e tudo. Agora, tem até um casino à maneira, para as pessoas poderem ir ali apostar e ficarem cheias de grana, o que é bom, pois como também há bué de pobrezinhos em Portugal, assim eles podem ganhar montes de massa se lá forem jogar e tiverem sorte.

Os meus pais também gostam muito de Portugal e dos nossos governantes, especialmente a minha mãe, que já me disse para agradecer ao governo por estar agora sempre em casa, porque a fábrica onde ela trabalhava fechou há mais de dois meses. Agora, a minha mãe joga no Euromilhões e vê as telenovelas todas, porque assim aprende, de borla, a falar português e, principalmente, aprende a ser rica, bonita e elegante.

O meu pai, esse, acha que Portugal está imparável, que vai na brasa, porque ainda ontem, ao ouvir as notícias, dizia para a minha mãe: «Beatriz, não sei onde isto vai parar!». O meu pai também é um grande patriota. Agora, para Portugal não gastar muito dinheiro a comprar petróleo ao estrangeiro, resolveu vender o carro e andar sempre a pé. Nem de autocarro vai para o emprego. Diz ele que não é pelo preço dos transportes, mas porque andar a pé faz bem ao coração e aos ossos do esqueleto, e assim também poupa dinheiro ao governo com os medicamentos, que estão pela hora da morte, o que quer dizer que estão caros comó caraças. O meu pai vê sempre mais longe do que nós, até parece que é bruxo. Há dias, disse que não fazia mal as fábricas fecharem, pois o nosso clima e a nossa situação geográfica são bons para outra indústria muito lucrativa: a indústria do sexo, que vai ser, com os casinos, a nossa safa.

Mas em minha casa somos todos muita fixes, bons patriotas e cidadãos (não sei se se diz cidadãos, ou cidadões ou cidadães, porque ainda não demos isso nas aulas de Português – ou se demos, eu esqueci-me, deu-me uma branca). Até a minha avó Francisca, que está à espera, há mais de três anos, de ser operada aos rins, já garantiu que vai morrer sem ser operada. Disse-me a velha: «Olha, meu filho, qualquer dia vou-me desta para melhor, e eles que fiquem lá com o dinheiro da pensãozita e da operação. Que lhes faça bom proveito!». Até começou a chorar de alegria. Depois, disse uns palavrões, que metia a mãe não sei de quem e tudo, mas acho que essas partes já são coisas da idade.

Mas onde eu senti um grande orgulho em ser português – e vi bem como, cá na minha palhota, a pátria está acima de tudo – foi no sábado passado, no Estádio Nacional. Eu conto a cena: quando se pediu às mulheres portugueses para fazerem a mais bela bandeira do mundo, no Estádio do Jamor, a minha mãe disse logo que queria ir, desse lá por onde desse. Assim, se tivesse sorte, até podia aparecer na televisão e ser vista ao lado de gente fina. O meu pai disse, aos gritos de entusiasmo, que aquilo até parecia coisa dos tempos do velho de Santa Comba, organizada para a malta não pensar nas coisas sérias da vida (eu não topo quem é esse velho, mas, para o meu pai se excitar tanto, deve ser um tipo muita bacano).

E como o meu pai gosta de fazer todas as vontades à minha mãe, principalmente porque ela tem uma doença dos nervos desde que está em casa, disse que sim, que íamos todos, mas que o pior era o transporte. Foi então que a minha mãe disse que isso estava resolvido, porque o senhor Laurentino Dias, que é secretário de Estado não-sei-das-quantas, e manda no Instituto Português da Juventude, arranjava boleia. E lá fomos todos, menos a avó Francisca, que já está velha demais para estas cenas. E o meu pai sempre a dizer baixinho que isto era coisa do tal velho de Santa Comba.

Mas aquilo no Jamor foi muita joli, quer-se dizer: foi bonito. Ali é que estava o país todo, bem unido à volta da pátria e dos seus mais altos valores, sem distinção de raças, credos e classes sociais. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, patrões e trabalhadores, ganzados e betinhos. Quando os nossos jogadores chegaram à tribuna, então, até me arrepiei comó caraças. Nessa altura, a minha mãe, apesar de desempregada, era igualzinha às outras senhoras que estavam ali à volta, especialmente as mulheres dos jogadores, que eram as mais emocionadas. Então, ela abraçou-se ao meu pai (que apesar de estar agora a contrato de seis meses numa firma de segurança, valia, naquele instante, o mesmo que o Gilberto Madail e o senhor do banco que organizou a iniciativa), e disse, de lágrimas dos olhos: «Ó Zé, tás a ver aqueles lá em cima? Porque é que tu nunca tiveste jeito para a bola? Não estávamos hoje neste aperto, e até a tua mãe já tinha sido operada aos rinzes. Sabes quanto é que ganha o Figo, o Pauleta ou o Scolari, sabes?!». «Aos rins», corrigiu o meu pai, que se pôs a olhar para mim antes de dizer: «E tu, para desgraça nossa, também és um cepo do caraças. E já que não sabes dar uns toques, olha, vê lá se vais para a política. A par do futebol, é o que está a dar. Se fores deputado ou presidente de câmara, ao fim de meia dúzia de anos, já tens o teu garantido para o resta da vida».

Depois, no fim, ainda foi mais emocionante, com todos a cantarmos o hino nacional, até aqueles que não sabiam nem a letra nem a música, especialmente uma esganiçada que estava ao meu lado. Toda a gente cantou, e aí eu percebi melhor o que é ser um português a sério. É deixarmos de lado aquilo que nos divide, as coisas sem importância da vida, as pequenas tretas, os pequenos problemas como o dinheiro e o trabalho, chatices como as doenças e os medicamentos, a escola e os livros, a gasolina e o carro, os assaltos, a reforma da avó, as prestações da casa ou o frigorífico vazio, porque essas tretas o governo há-de resolver um dia destes. O que é muita giro e bué de importante é juntarmos as nossas forças para Portugal ser campeão do mundo. É isso, meus, é isso!

Ah ganda Carlinhos! Mai nada!


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/05/2006. (Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá Carlinhos

Lembras-te de mim ? Eu sou a Aninhas que morava no 2º esquerdo e que tu andavas sempre a dizer que querias casar comigo quando entrámos para a escola primária. Já nessa altura tu eras um ganda malandro e mentiroso e até andavas sempre a prometer-me tudo e mais alguma coisa. Por isso, como o teu velho diz que não tens jeito para a bola, deves, de certeza, dar um bom político; daqueles que a gente curte na televisão a dizer que as coisas vão melhorar, que já há retoma económica, que o desemprego vai diminuir, que se preocupam muito com a educação e a saúde da gente, etc.
Até parece que já te estou a ver dentro dum bruto BM. Só espero é que não te calhe um que venha com deficiências e depois tenhas que o devolver…

Quem também me parece já ter o futuro assegurado é o Pedrito. O pai dele inscreveu-se num partido da política e até já lhe arranjaram um emprego bué de fixe numa empresa pública. O meu pai diz que é mais um “bói” mas isso eu não sei o que quer dizer; da maneira como ele falou, calculo que deve ser uma cena muita curtida, onde não é preciso trabalhar nem ser competente, mas apenas abanar a cabeça quando os chefes lá do tal partido mandam.

É engraçado e olha que quase nos encontrámos; enquanto tu foste no sábado com os teus velhos ao Jamor para colaborar naquele folclore da bandeira, eu fui no domingo com os meus à corrida que dizem que é contra a fome, porque se paga 10 euros e depois ficamos durante um ano com a consciência tranquila porque já contribuímos para não haver fome no mundo. Diz lá se isto não é nice ? Até parece aquela coisa que eu não sei como se chama, mas que se paga ao senhor padre para se poder comer carne à sexta-feira sem ser pecado.

Bom, isto já vai longo e eu tenho que ir com a minha mãe à Farmácia para ver se já chegou um remédio que se chama genérico e que tem estado esgotado.

Qualquer dia volto a escrever-te.
Beijinhos,
Aninhas

24/5/06 10:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olha, a Aninhas!

Então, pequena? Tu não és a mesma garina que escrevia umas becas num certo jornal, aqui há uns anos? Eh, pá! As voltas que o planeta dá!

Pois, não tenho puto de jeito prá redondinha, mas também não devo safar-me na política. Não tenho encosto, topas?

Quanto ao BM, tá fixe, deve ser piada a alguém que eu conheço, mas, se é, que se lixe, que ande de Mercedes, que também é preto...

Queres uma dica? Então, arrecada: se quiseres uma piscina boa e barata, há um arquitecto meu amigo que faz o desenho de borla. Depois, também conheço um empreiteiro que a constrói à borliú. Vês? Não é bom termos bons conhecimentos?

Olha: quando tiveres uma herdade com piscina, fala comigo, pode ser que eu resolva mesmo casar-me contigo. Tá, minha?

Beijocas.

Carlinhos

24/5/06 1:43 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oi Carlinhos.

Continuas na mesma e não tens vergonha nenhuma !
Depois admiras-te de te quererem puxar as orelhas e colocarem-te ao canto da sala com orelhas de burro...
P’ra mim já estás marcado e esquece o casamento porque eu não dou confiança a putos interesseiros que só pensam em herdades com piscina e não se preocupam com os outros putos que nem puliban têm.
Pelos vistos, desde que és chefe de turma subiu-te alguma coisa à tola e já esqueceste as tuas origens, dando mais importância aos betinhos que te dão muitas palmadinhas nas costas e nunca discordam das tuas imbecis opiniões ou dos teus discursos no recreio, para que não lhes retires os chocolates e os rebuçados.
Como sou tua amiga, ainda te mando beijinhos. Mas aviso-te já: se é para continuares assim parvo, não falo mais contigo.

Aninhas

24/5/06 5:29 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Agora escondem-se atraz de nomes de Carlinhos e Aninhas porque não tem coragem de assinar com o nome que teem. Sao muito corajosos e pensam que sabem tudo.

24/5/06 8:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Também acho. Sejam lá quem forem estes engraçadinhos, o melhor era que chamassem os bois pelos nomes. Estão ali umas pistas muito giras...

Não conseguem ser mais precisos? É que eu fiquei com água ma boca.

Zeca da Borga

24/5/06 8:41 da tarde  
Blogger x said...

Sendo este um espaço livre para todos aqueles que queiram comentar, debater ou criticar as crónicas que semanalmente publicamos, convidamos todos os democratas ou pseudo-democratas, anónimos ou não, a aparecerem e a dizerem aquilo que pensam, independentemente do seu credo religioso, raça, ou tendência política.
Se não souberem escrever, têm ainda a possibilidade de utilizar o espaço das "provocações" onde livremente podem participar todas as quartas-feiras entre as 9 e as 10 horas na Rádio Baía, na frequência 98.7 Mhz.

Celino Cunha Vieira

30/5/06 8:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Se não souberem escrever, podem ligar para a Rádio Baía?

O mais certo, pelo que já ouvi, é eles também não saberem falar!

Zeca da Borga

PS - Começo a gostar disto...

30/5/06 8:46 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

1997, 2007 © Guia do Seixal

Visões do Seixal Blog Directório Informações Quem Somos Índice