27/02/2008

MEU QUERIDO FASCISTA

Nunca me passou pela cabeça escrever-te e – muito menos – utilizar, a ti me dirigindo, um termo aparentemente carinhoso. Aliás, a expressão, tal como está, se no teu tempo eu a proferisse, com os ossos malharia numa das tuas cadeias, pois em subentendidos e sarcasmos eras tu especialista. Na verdade, de fascista apenas querias ter os métodos, que não a fama. Bem depressa compreendeste que erguer a mão, como Hitler ou Mussolini, era coisa em desuso – e estupidamente desnecessária – melhor te servindo acenar levemente às massas e vestir a pele de cordeiro democrático.

Deixaste a mão erguida ao alto para os meninos da Mocidade Portuguesa e para certos totós que, aos domingos, se fardavam de legionários, inchando o peito para fazer rir a vizinhança. Mas até esse Carnaval foi definhando e, quando caíste da cadeira, já a paródia das fardas e desfiles, de mão erguida ao sol, era coisa em via de extinção. Ficavam a polícia política – a bronca e brutal PIDE, disfarçada de defensora do Estado – e a Censura, para que não constasse aos peixinhos do teu aquário que também havia rios e mar.

Mas, meu querido fascista, agora que estás morto e enterrado, posso tratar-te como quiser, sendo que os riscos que corro não são de ti que virão. Aliás, o tempo despe a história, ilumina-a e, apesar de nunca ter ido à bola contigo, por me teres obrigado a viver tempos sombrios e pesados, querendo sujeitar-me à tua visão do mundo, reconheço hoje que havia barreiras que respeitavas e que alguns cuidados punhas na condução das nossas vidas. Frontalmente contrário à tua ideologia e aos teu métodos, e fazendo o que me foi possível (que bem pouco foi, quase nada, a bem dizer…) para que, um dia, acontecesse aquilo que, de facto, aconteceu num certo dia 25 de Abril, digo hoje, não por mérito teu, mas por demérito dos que, hoje em dia, ocupam o teu cadeirão, que nunca pensei que fosse possível afirmar que já não te considero o maior malfeitor da história da governação em Portugal, pelo menos das governações que conheci ao longo da minha vida. E que reconheço que eras um homem de convicções, agindo de acordo com o que pensavas ser melhor para o povo e o país. Convicções nefastas, mas sinceras e verdadeiras.

Ora acontece, meu querido fascista, que há dias tive uma forte discussão com um «socretino» militante (eu explico: agora o presidente do conselho é um tipo chamado Sócrates, do qual têm vindo a lume trapalhadas atrás de trapalhadas, coisas feias, que metem cursos tirados por tortuosas vias, exames enviados por fax, diplomas passados ao domingo, projectos assinados por favor, enfim, um rosário de habilidades, mentirolas e de situações obscuras, tudo aliado a uma governação de cabotagem – e de cabotinagem – cujo único farol é o ego do marmanjo, de tal modo que chamam «socretino» a quem apoia este artista…), dizia, então que discuti com um «socretino» puro e duro, daqueles que acham que o direito ao trabalho (eu gosto mais de dizer: o direito ao pão) e o direito à saúde não são direitos efectivos dos cidadãos, a não ser em termos genéricos e teóricos. Lá na dele, direitos sociais são chão que deu uvas, governem-se os ricos e desenrasquem-se os pobres, que são a escória da sociedade.

Não me lembro, meu querido fascista, de alguma vez teres dito uma barbaridade destas. Lembro-me, até, que num dos teus mais famosos discursos, proclamaste, na tua vozinha de falsete, que enquanto houvesse um português sem pão, a revolução (do Estado Novo) continuaria.

Mas posso dar-te muitas outras notícias que te farão rebolar de gozo (ou – sei lá? – de raiva) na tumba onde tentarás descansar.

Por exemplo: há dias, o Instituto Nacional de Estatísticas descobriu, finalmente, que os portugueses, já estão a cortar na compra de bens alimentares. Como acontecia no teu tempo, lembras-te? É certo que tu não deixavas aumentar o pão (o velho papo-seco custou, anos a fio, 4 tostões), e o bacalhau, que era a comida dos pobres, remediava o que parecia sem remédio. Tal como não deixavas mexer nas tarifas dos transportes, cujos preços, na Carris, variavam entre os 50 centavos e moedinha de 1 escudo, havendo ainda o bilhete operário, mais barato, mas só para as primeiras horas da manhã. Os preços dos bens e serviços essenciais, fosse na alimentação, fosse nos transportes, mantinham-se inalteráveis anos e anos. Apesar de míngua, o Zé Povinho sabia que o dia seguinte, se não fosse melhor, seria, pelo menos igual. Pior, era difícil

Abrias escolas, abrias posto de saúde, então chamados postos da Caixa. Estes, que se dizem republicanos, democratas e socialistas, fecham escolas, tribunais, maternidades, urgências, e reduzem os centros de saúde à sua expressão mais simples. Tu, apesar de fascista, ainda tinhas algum respeito pelo povo. Os banqueiros e os grandes capitalistas, é certo, estavam como peixe na água, os extractos sociais estavam bem demarcados, mas, querido fascista, hoje o escândalo é mil vezes maior. A classe política e a alta classe empresarial tomaram o freio nos dentes e servem-se do país como se este fosse um bolo dividido em fatias, lambuzando-se com elas num sôfrego e desavergonhado festim. Nunca os bancos lucraram tanto, e nunca os políticos puderam legislar em sem proveito de forma tão vampiresca e alarve. Determinam os seus ordenados e reformas (sempre farfalhudas e várias) e casos há em que basta trabalhar 18 meses, para que se ganhem milhares de contos para o resto da vida. Entretanto, ao bom povo português, reduzem-se as pensões e aumenta-se a idade de reforma. Farias coisas destas? Consentirias nisto? Duvido

Ao mesmo tempo – e por consequência – a fominha é mais que muita. Uma em cada cinco crianças portuguesas passa fome, e é a própria União Europeia que afirma ser Portugal o país onde o risco de pobreza e as desigualdades na distribuição dos rendimentos são dos mais elevados da comunidade.

Tal como nos teus velhos tempos, estar-se empregado e receber ordenado não significa não se ser pobre, pois são aos milhares, segundo os próprios dados oficiais, aqueles que não ganham para alimentarem decentemente as suas famílias. O desemprego galopa, as empresas encerram umas atrás das outras, os salários em atraso são coisa comum e a corrupção, meu querido fascista, generalizou-se a tal ponto que, um dia destes, passa a ter, como o aborto e o consumo de droga, cobertura legal.

O país envelhece, porque os casais recusam-se a dar filhos a este sítio tristonho e miserável, onde o dia seguinte é sempre pior que o dia anterior. Para que tu vejas como as coisas estão, uma instituição de senhores bem colocados e bem pensantes, chamada SEDES, dirigiu ao país um documento onde diz que se sente em Portugal «um mal-estar difuso», que «alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional». Este mal-estar e a «degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento». E se essa espiral descendente continuar, «emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever».

Olhamos para um lado, e os democratas de serviço – os tais «socretinos» – eventualmente inspirados nas tuas técnicas e métodos, meu querido fascista, fazem listas de professores que se atrevem a dar entrevistas na televisão, falando contra as políticas governamentais. Olhamos para outro lado, e logo nos deparamos com despedimentos selectivos, enquanto o aparelho de Estado se enche de rapazes e raparigas afectos ao regime. São os cunhados e os primos do teu tempo, agora chamados boys e girls, mas multiplicados por milhares. Um festim? Um bacanal!

Voltando ao documento da SEDES, diz ele – vê lá tu! – que se regista o acentuar da «degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários» de todo o espectro. E, aqui, os relatores do documento não têm dúvidas sobre a crise que surgirá caso não seja evitado o eventual fracasso da democracia representativa: «criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas».

A associação considera ainda preocupante «assistir à tentacular expansão da influência partidária» – quer «na ocupação do Estado», quer «na articulação com interesses da economia privada». Outro factor que contribuiu para a «degradação da qualidade da vida política» é o resultado «da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz», que por vezes deixa a sensação de que «também funciona subordinada a agendas políticas», o que «alimenta um estado de suspeição generalizada» sobre a classe política. «É o pior dos mundos», acrescentam.

Para a Sedes, o Estado «demite-se do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos casos um perigoso rasto de desconfiança». E aqui surge a palavra «corrupção». «É precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança».

E assim vai o País, meu querido fascista. Aparentemente livre da PIDE e da Censura, mas tanto ou mais aperreado do que no teu tempo. E ainda mais injusto. E ainda mais sem esperança. E ainda mais violento e inseguro.

Por isso, se for ofensivo comparar este tal Sócrates à tua pessoa, deixa que te diga que serás tu quem terá toda a razão se te sentires ofendido.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/02/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

VOLTA SALAZAR, ESTÁS PERDOADO.

27/2/08 10:13 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

mas quem este "Stalinista" que escreve e sonha com Salazar?

28/2/08 11:32 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Realmente este Stalinista já está passado que já não sabe que quer como de costume.
Enfim é o que nós conhecemos que até já pede o Salazar

1/3/08 1:58 da manhã  

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