11/10/2006

INCONVENIÊNCIAS

Gostei do discurso de Cavaco Silva no dia em que se assinalava mais um aniversário da implantação da República em Portugal.

A República é, por definição, um sistema político onde a soberania é do povo, exercida através do voto e da participação cívica activa, cabendo aos que aceitam servir Portugal e os portugueses fazê-lo com honrada competência, isenção, dignidade e transparência, estando-lhes vedado aproveitarem-se dos cargos em proveito próprio. Isto é a teoria, porque a prática – todos o sabemos – é muito diferente.

Cavaco sabe – porque nesta altura da sua vida já não pode ser ingénuo ou ignorante – que a corrupção é, apesar de tudo, o óleo que lubrifica os chamados sistemas democráticos, o isco e o petisco que agiliza os concursos públicos, a fonte de bem-estar onde os agentes políticos e económicos bebem e tornam, assim, suportáveis as agruras da governação ou da gestão empresarial, seja a que nível for. No funcionalismo, dos mais altos cargos até aos mais baixos patamares da administração, sempre que a ocasião se dá, escorrem gotas desse óleo milagroso, que a todos deixa satisfeitos, mesmo aqueles que, por o terem usado de menos, não viram, por agora, os seus objectivos alcançados. Aprenderam a lição e, na próxima, já sabem que devem subir a dose.

Cavaco sabe – porque, se o não soubesse, disso não falaria como falou – que onde há negócio, há corrupção. E que, quanto maior o negócio, mais esse óleo unta e besunta mãos e carteiras, cofres partidários e grandes contas no estrangeiro, de preferência em seguros “off-shores”.

Claro que se trata de um lubrificante caro, caríssimo, que alguém vai ter de pagar – porque não há nada grátis nos tempos que correm – e quem vai pagar a factura, afinal – e no final – é quem comprar o bem ou serviço que tanto óleo fez correr por baixo da mesa. Se foi uma obra pública, ou uma aquisição de bens ou serviços para a administração central ou local, é o contribuinte, com os seus impostos, que o paga, ou, na maior parte dos casos, não tendo aquilo que já pagou, como melhores serviços públicos – e mais baratos – porque a obra ou o fornecimento comeram do orçamento mais do que deviam.

Se a corrupção se dá ao nível do privado, lá vem o preço do bendito artigo ou serviço devidamente inflacionado, o que vai dar no mesmo.

Consta que Cavaco se inspirou no facto de no célebre pacto para a Justiça, celebrado entre os manos PS e PSD, o combate à corrupção ter ficado de fora, assim como quem diz que ninguém é tolo que chegue para ir buscar lenha para se queimar. Está na cara do mais estúpido que nem o PS, nem o PSD, por todas as razões e mais uma, estão em condições de atacar a sério a corrupção, a menos que estejamos aqui a falar da pequena corrupção, a nível dos pequenos servidores do Estado, sejam eles fiscais disto e daquilo, agentes da ordem, chefes de serviço ou pessoas destes patamares de baixo.

E não estão, antes de mais, porque a grande corrupção mora sempre aos mais altos níveis da administração, está inerente às grandes obras e aos grandes negócios, inclui grandes empresas e os mais altos andares do aparelho do Estado. Se perguntarmos, agora, quem tem habitado, nos últimos 30 anos, esses altos níveis, quem teve – e tem – a assinatura mágica, a varinha de condão que decide assim ou assado, ou o poder, até, de legislar ou resolver administrativamente, chegamos sempre a duas siglas inevitáveis, fatais: PS e PSD.

E se assim não fosse, se a coisa não envolvesse sempre, mas sempre, as grandes figuras e instituições da nossa vida económica, política e social, acham que valeria a pena um presidente da República preocupar-se com isso? Cavaco, claro está, não falou á toa.

E ou eu me engano muito, ou a longa conversa que Sócrates manteve com Cavaco, depois da cerimónia, teve muito a ver com isto. É que Cavaco não se dignaria falar da pequena corrupção, ou a corrupção ocasional, mas só da grande corrupção, a institucional, aquela que, sem ela, a máquina emperra e não dá nem mais uma volta. E Sócrates, que de tolo não tem nada, deve ter lembrado a Cavaco, que também já foi primeiro-ministro, como são as coisas na realidade.

Para Sócrates, este foi, sem a menor dúvida, um discurso inconveniente.

Fez mal ao dar o flanco, porque as câmaras de televisão e os jornalistas, por muito vendados e amordaçados que estejam, têm sempre um lado que lhes puxa para a bisbilhotice. Ainda bem.

Para continuarmos no tema, vem à baila o que se passa com algumas obras públicas nacionais, bem como as derrapagens e os atrasos que se verificam na sua execução.

O túnel do Rossio, leva mais de um ano de atraso, e espera-se ainda que a Refer encontre um novo empreiteiro.

O túnel do Marquês, já vai com três anos de atraso, bem medidos, e nem tudo é culpa das providências cautelares.

O túnel do Terreiro do Paço, sem providências cautelares, será inaugurado só em 2007, mas chegou a anunciar-se a sua inauguração por alturas da Expo’98, depois pelo Euro’2004. Agora a derrapagem dos seus custo leva a obra para cima dos 300 milhões de euros, mas o ministro Mário Lino diz que são só 10% a mais do que o orçamentado, o que o deixa muito feliz, pois a Linha Amarela do Metro teve uma derrapagem de… 60%! Bendito país, que tais ministros tem!

O Metro Sul do Tejo, era para estar pronto em finais de 2005, mas a coisa aponta lá para meados de 2007.

A CRIL, no troço Pontinha/Buraca, era para estar pronta em 1996, mas só se prevê que o esteja em 2009. Treze aninhos, bem contados!

Dir-me-ão os optimistas que isto é só incompetência. Eu acho que deve andar aí muita incompetência, disso não haja a menor dúvida. Mas… não andará mais nada?

Vou terminar com a transcrição de um texto da autoria de um amigo meu, chamado, Celino Cunha Vieira, no seu blogue, http://cronicasdoguia.blogspot.com, amigo esse que, como sabe muita gente que o conhece, não está minimamente relacionado com nenhum partido político. Escreveu ele esta «inconveniência»:

«Há dias, ofereceram-me o livro “ÁLVARO CUNHAL E AS MULHERES QUE TOMARAM PARTIDO”, da autoria de João Céu e Silva, publicado pelas Edições ASA, e que foi lançado recentemente na última Festa do Avante. Esta obra é inteiramente dedicada às mulheres comunistas que, na clandestinidade, no exílio ou na prisão, entre os anos 40 e 70, desenvolveram um importante trabalho dentro da organização do Partido em que militavam e militam, tornando-se credoras de admiração, respeito e consideração de todos aqueles que se consideram e são verdadeiros democratas.

Meninas que não tiveram infância e se fizeram mulheres, amigas ou companheiras, sabendo resistir ante todas as adversidades. Meninas que foram mães ausentes e que, pelas circunstâncias, não puderam dar aos seus filhos o amor que tinham. Meninas que, perante os mais variados perigos, eram as primeiras a dar o exemplo de coragem.

Num tempo em que as ideologias políticas andam tão arredadas do mundo em que vivemos, ler este livro deverá fazer despertar algumas consciências, verificando-se que as preocupações e as injustiças anteriores a 1974 continuam na ordem do dia e a necessitarem de um combate constante de todos aqueles que pensam por si próprios e que defendem os valores de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Seria bom que todos os comunistas o pudessem ler. Uns, para que se sintam orgulhosos do seu Partido e de todos aqueles que se sacrificaram para o legar aos mais novos. Outros, para que, deslumbrados pelo poder, sintam vergonha na cara pelos actos que praticam e que nada têm a ver com os exemplos destas MULHERES».

Isto escreveu um cidadão partidariamente descomprometido. Parecendo que não, tem tudo a ver com as minhas provocações de hoje.

Olá, se tem!


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

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