16/10/2006

UMA HISTÓRIA EDIFICANTE

Vozes e conselhos amigos têm-me dito para, nestas crónicas, não bater tanto na mesma tecla, que é como quem diz, para não bater mais no ceguinho. Ou seja: para não estar sempre a fazer do Governo o bombo da festa. Algumas dessas vozes acrescentam que eu deveria falar também das coisas positivas, sem esquecer referências a episódios alegres e bem dispostos. «Farta de tristezas e más notícias está a malta», dizem-me alguns desses amigos

Aliás, eu próprio reconheço que o tema central destas provocações tem sido quase sempre o mesmo, já que, todas as semanas, as políticas governamentais a tanto me obrigam. Sendo eu – como são quase todos os cidadãos deste país – uma vítima diária da governação socialista, que hei-de eu fazer se não remar contra esta maré viva que nos fustiga há anos e não dá mostras de abrandar?

Fingir que este governo não existe? Ignorar que, a pretexto da redução do défice, este país se parece cada vez mais com uma nação da pobre África «subsariana», apesar de se situar a norte daquele continente, e pensando que integrar a UE lhe dá um estatuto de país desenvolvido e moderno? Não reagir ao fecho das escolas, das maternidades, dos serviços de urgência, aos cortes na comparticipação dos medicamentos, à perda do poder de compra que sofre a maioria dos trabalhadores e reformados deste país? Fingir que não sei – ou que não percebo – que o governo nos mente e ilude, enquanto hipoteca o futuro de um país cada vez mais sujeito à voracidade do capital financeiro e dos detentores dos grandes meios de produção?

Bem, já que eu também me sinto descontente com o formato destas crónicas – mas não com os seus conteúdos e objectivos – vamos lá a ver se encontro maneira de dar a volta ao texto e transformar este espaço de provocações em algo mais ágil e menos repetitivo. Sem deixar de provocar.

Por exemplo: contar uma história. Era uma vez uma espécie de governante que julgava que era ministro da Economia, pensando que era, para além disso, inteligente e engraçado. Só não sabia algumas coisas: não era ministro da Economia, não era especialmente inteligente e, também, não tinha graça nenhuma.

E não era ministro da Economia, porque o governo só tinha um primeiro-ministro e metade de um ministro: o primeiro-ministro caracterizava-se por ser muito vaidoso, arrogante e ligeiramente desfocado – e, talvez por isso, a dada altura, confundiu «maioria absoluta» com «poder absoluto». Tanto bastou para se julgar um Luís XIV do Portugal contemporâneo, convencendo-se, ainda, que, se não era um deus, para lá caminhava. O meio-ministro, esse, ocupava-se da pasta das Finanças, e transmitia, em voz grossa, as ordens que o primeiro-ministro lhe dava em tom de falsete, entre maneios e expressões faciais habilmente estudadas e que, apesar de um tanto ou quanto ridículas, ele julgava que eram muito firmes e viris. Ou seja: também seria meio tolinho…

E por aqui se ficavam os ministros, já que todos os outros não passavam de espécies de secretários de estado, salvo o que mandava na Saúde, que, por estar incumbido de reduzir a população e encher os cemitérios, era uma coisa inominável, uma espécie de cangalheiro e agente liquidatário do Serviço de Saúde público, devidamente industriado – e mandatado – pelo sector privado interessado nos negócios da saúde – ou da doença – e da morte.

Depois desta explicação, vamos lá à história do tal totó que pensava ser ministro. Disse ele, numa sexta-feira, dia 13, que a «crise económica tinha acabado totalmente». Quando ouviu isto, o primeiro-ministro que julgava ser rei, ficou verde de raiva, deu vários gritinhos acompanhados de pulinhos frenéticos, e chamou logo o ministro das Finanças para saber se tinha encomendado o recado ao parolo que se julgava ministro da Economia.

«Eu, Majestade?!», indignou-se o Fala Grosso. «Posso não ter a vossa superior inteligência, mas nunca cairia numa asneira dessas. Nem que as contas públicas, em vez de défice, apresentassem o maior «superavit» do mundo! Então, como é que poderíamos, depois, continuar a esfolar os súbditos de Vossa Majestade?». Estava vermelho, debaixo do seu cabelo branco.

«Então, esse indigente desgraçado já pensa que pode abrir a boca e definir as políticas do meu governo?», guinchou, lívido, o reizinho. «É o que dá a certos saloios terem umas câmaras e uns microfones à frente! E logo hoje, que acabámos de aprovar o OGE para o ano que vem, com o qual a plebe vai esticar o cinto até ao osso. Esse gajo que retire já o que disse!», decidiu, num último guincho e assanhando as sobrancelhas, para fazer cara de mau.

E foi assim que o suposto ministro da economia, em menos de 24 horas, veio dizer que, afinal, «Não se decreta o fim de uma crise. Isso é um bocadinho infantil, de quem não percebe nada de economia. O que eu quero dizer é que não é bom falar de crise».

E como o povo daquele país era todo – ou quase todo – muito burro, toda a gente – ou quase toda – percebeu que… não tinha percebido nada, mas também não fazia mal, porque as coisas são mesmo assim, e eles são doutores, estão lá para governar, e lá sabem o que fazem e o que dizem, mesmo quando desdizem, não é verdade?

Agora, que acabou esta história, é que eu vejo que ela não tem graça nenhuma, mas paciência, a nossa história, nos últimos 30 anos, também não faz rir ninguém – a não ser o que já se riam antes de 1974 e mais uma corte de seus filhotes e netinhos, também chamados os novos-ricos.

E já que estamos a falar em história, dou-vos um retrato da França e da época de Luís XIV, o tal reizinho do poder absoluto, que se confundia com o Estado. Descubra as diferenças – ou as parecenças – com o Portugal de hoje.

“Os principais estados europeus passam a preocupar-se com o equilíbrio das contas públicas e da balança comercial, aumentando as exportações e diminuindo as importações. Esta política económica, o mercantilismo, consiste na maior acumulação possível de ouro e prata. Ao mercantilismo correspondeu, politicamente, o absolutismo. Este sistema baseia-se na teoria do direito divino dos reis, e foi levado ao extremo por Luís XIV: o rei detém uma autoridade total e absoluta sobre os súbditos, concentrando em si os poderes do Estado. Há uma sociedade de ordens, estratificada e hierarquizada, em que o estatuto de cada ordem provém da sua condição de nascimento e das funções que exerce. O Clero e a Nobreza eram as ordens privilegiadas (estavam isentos de impostos, recebiam rendas, tinham tribunal próprio). O povo estava sujeito a pesados impostos e outras obrigações para com as classes privilegiadas”.

Adaptação deste texto para os dias que correm:

”Os governos europeus passam a preocupar-se com o equilíbrio das contas públicas, pois é a pretexto desse equilíbrio que podem justificar as políticas restritivas impostas às classes trabalhadoras e aos pequenos e médios empresários. Esta política económica consiste na maior acumulação possível de capitais nas mãos do poder económico. A esta acumulação corresponde, politicamente, a ditadura de fachada democrática. Este sistema baseia-se na teoria do direito divino do rei dinheiro – ou o primado da economia sobre o ser humano – e é levado ao extremo por José Sócrates, que detém uma autoridade total e absoluta sobre o povo, concentrando em si os poderes do Estado. Há uma sociedade de ordens, estratificada e hierarquizada, em que o estatuto de cada ordem provém da sua condição de nascimento, dos padrinhos que tem, do partido a que pertence e das funções que exerce. Os Capitalistas e a Classe Política são as ordens privilegiadas (estão, na prática, isentos de impostos, recebem várias mordomias e rendas, têm tribunais próprios, também conhecidos por Tribunal Passivo e Tribunal das Prescrições). O povo está sujeito a pesados impostos e outras obrigações para com as classes privilegiadas”.

Como se vê, entre o absolutismo de Luís XIV e a democracia absoluta de José Sócrates, as diferenças são muito poucos. E quase todas semânticas.

Gostaram desta crónica? Gostaram?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/10/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

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