17/12/2008

EU TAMBÉM QUERO FUGIR DAQUI

Às vezes, apetece-me gritar como o outro, o náufrago dos Malucos do Riso, quando o confrontavam com a realidade que os portugueses vivem: «Eu não quero voltar para a ilha: eu vou voltar para a ilha!». E atirava-se para a água, incapaz de regressar a um país injusto, governado por gente sem escrúpulos, onde tudo era rasca e sórdido. Ele preferia a ilha deserta e as suas carências, a viver sob a pata dos senhores empresários e dos seus governos. Ou seja: sob a pata de uma «elite» corrupta, vampirina e insaciável.

Ontem, uma colega minha disse-me que em Janeiro vai trabalhar para a Áustria, e que nunca se arrependeu tanto de uma coisa como a de ter voltado para Portugal, há cerca de um ano, depois de ter trabalhado 7 anos na Alemanha. Ela vai fugir desta lixeira nauseabunda, para não se sujeitar a um trabalho violento, mal remunerado e precário, que é o que hoje se oferece aos portugueses. Disse-lhe que também deixaria este sítio fétido e sem esperança, se a idade e as responsabilidades familiares mo permitissem. Na verdade, nem no tempo do fascismo me senti tão violentado, explorado e agredido como nestes tempos de Sócrates e da sua seita, alcunhada de socialista.

Olhemos à nossa volta e o que vemos? O pior, mais negro e mais amargo Natal de sempre. As promoções atropelam-se, na ânsia de cativar os consumidores, mas estes há muito que decidiram não gastar o que não têm. «Só para as crianças», afirmam, quando lhe falam de prendas. Insensíveis, as grandes superfícies decidiram aumentar escandalosamente os chamados produtos brancos, cujos preços subiram 14%, contra os 4% (que já é muito) dos produtos de marca. Encurralados, os portugueses não sabem para onde se hão-de voltar.

Se é assim no consumo, na Saúde não é melhor, pelo contrário. Melhor exemplo do que este, não há: os doentes oncológicos procuram o sector privado em busca de um tratamento mais rápido e mais confortável. No entanto, os 'plafonds' dos seguros a que recorrem são tão reduzidos, que os obrigam a continuar o tratamento no público, que tem dificuldades em encaixá-los atempadamente.

Lê-se na imprensa que «os doentes com cancro dos hospitais privados estão a ser empurrados para o serviço público. Vários oncologistas calculam que entre 20% e 50% destes doentes façam o transbordo, porque a cobertura dos seguros é completamente desadequada às despesas da doença. Um problema confirmado pelos hospitais privados e pelas seguradoras. Só no Hospital de Santa Maria, um em cada cinco doentes oncológicos vem do privado».

Por isso, «médicos dos dois sectores reconhecem o problema e afirmam que a situação tem de mudar. Jorge Espírito Santo, presidente do colégio da especialidade de oncologia da Ordem dos Médicos, disse que "mais de 50% dos doentes fazem o transbordo. São poucos os que conseguem pagar o resto dos tratamentos". Uma passagem que vai "contra as boas práticas".

António Sousa, director do serviço no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, diz que "há uma certa confusão desde que os privados entraram na área. As pessoas fazem uma abordagem terapêutica lá e depois vêm completá-la aqui. Mas quem começa a tratar um doente devia segui-lo até ao fim". Nesta unidade "chegam seis a sete doentes nestas circunstâncias todos os meses", diz ele».

Mas enquanto não há dinheiro para a Saúde (salvo para as operações de mudança de sexo, pois então…), verificando-se, por exemplo, que os hospitais devem 727 milhões de euros a fornecedores, há para aconchegar os cofres dos bancos e insistir em obras faraónicas, que Sócrates não quer deixar de realizar por nada deste mundo, desprezando a paupérrima situação económica e social da grande maioria dos portugueses. Só de pensar nas derrapagens, trabalhos a mais, luvas, comissões, pagamentos por debaixo da mesa e outras habilidades normais em Portugal, fico de cabelos em pé.

Soubemos agora que a electricidade vai subir 4,3% para as famílias e bastante mais para a indústria, o que significa que os industriais vão pôr os consumidores a pagar esse aumento, encarecendo os seus produtos. Isto é: são sempre os mesmos a pagar a factura. E Sócrates, muito contentinho, por aí vai continuando a debitar patacoadas, distribuindo contas de vidro aos indígenas, enquanto lhes retira couro e cabelo.

O pão também vai aumentar, de nada servindo a baixa dos preços dos combustíveis que se tem verificado, embora os anteriores aumentos do petróleo tenham servido de argumento para encarecer o pãozinho.

Entretanto, estoirou mais um escândalo financeiro, a mostrar a que gente está entregue a economia mundial e, consequentemente, o nosso futuro. E a provar, também, que Víctores Constâncios existem em toda a parte.

Durante 20 anos, um tal Bernard Madoff sustentou um esquema em pirâmide, igualzinho ao que a D. Branca tinha em Portugal, aqui há uns anos atrás. Igualzinho, claro, é uma forma de dizer, pois a D. Branca enrolava meia dúzia de papalvos, na sua maioria gente simples, e o Madoff meteu no seu esquema grandes instituições financeiras internacionais. A fraude atingiu muitos milhares de milhões de euros e – vejam lá – nenhuma entidade fiscalizadora, nenhum banqueiro, nenhum especialista, nenhum governo, nenhum espertalhão, nenhum Vítor Constâncio topou o que se passava. Vinte anos? E andava tudo cego? Ou andava tudo a comer do mesmo tacho?

Adivinhem agora quem vai pagar a factura. Todos nós, obviamente.

Mas é a esta gente que estamos entregues. Melhor: é a este sistema político e económico que estamos entregues. O capitalismo é isto mesmo. Meia dúzia de senhores abocanhando tudo o que podem, devorando-se, às vezes, uns aos outros, mas pondo milhões de seres humanos a sustentá-los e a pagar a conta do seu apetite devorador.

Então, quando seremos nós, que tudo pagamos e tudo produzimos, a tomar conta da nossa vida e a construir o nosso destino, acabando de vez com esta gente que, bem vistas as coisas, nem de gente merece o nome?

Não sei quando será. Mas para ajudar a que isso aconteça um dia, é que já não quero ir-me embora e, enquanto puder, aqui – ou noutro lado – lutarei pela nossa liberdade.

E, se disso tiver oportunidade, atirar, como o outro, os meus sapatos à cara dos Bushes e dos Sócrates deste mundo.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/12/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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