10/12/2008

CONTAMINAÇÕES

Como se recordam, o tema central das nossas Provocações da semana passada centrou-se no facto de serem gratuitas as operações de mudança de sexo, enquanto milhões de utentes do Sistema Nacional de Saúde pagam – e bem – por consultas, hospitalizações, medicamentos, intervenções cirúrgicas, e por aí fora. Para além, é claro, de terem dificuldades cada vez maiores no acesso a cuidados de saúde, face ao fecho selvagem de inúmeros serviços.

Uma ouvinte das nossas crónicas, a reforçar e nossa indignação, enviou-me o seguinte e-mail: «Acabei de ouvir a sua última crónica e não podia deixar de lhe dizer que concordo plenamente. Há um mês atrás, fui a uma consulta no Outão, onde paguei 70 euros, para não estar meses à espera, visto o meu médico de família não se entender com o meu braço. Agora, daqui a uns dias vou lá novamente, e lá terei de pagar o mesmo, e caso se confirme a necessidade de operação, o que hei-de fazer? Pagarei o que for, ou esperarei na longa lista? Como vê, é mais um caso a considerar. É a saúde que temos».

Pois é, cara ouvinte. É mais fácil mudar de sexo, para além de ser de borla. No fundo, tudo resulta do facto de a nossa vida colectiva estar contaminada por um poder político desbragado, cuja única preocupação é não só não beliscar o poder económico como, ao mesmo tempo, colocar todos os portugueses a contribuir para a sua nutrição e engorda. O social que se lixe!

Em 1802, Thomas Jefferson, que foi presidente dos EUA, disse: «Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo Americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que os seus pais conquistaram».

Sábias palavras – e actuais – a que a presente crise vem dar plena razão. Mas sosseguem, que não vou falar outra vez da crise financeira (ou seja: do roubo legal e organizado), mas apenas lembrar que nos primeiros seis meses do ano, os bancos a operar em Portugal lucraram 1,075 mil milhões de euros, de acordo com o boletim da Associação Portuguesa de Bancos. Isto é: de Janeiro a Junho, as instituições bancárias ganharam 5,9 milhões de euros por dia.

Curiosamente, a Euribor a seis meses, a taxa de mercado interbancária à qual está indexada a maioria dos créditos à habitação, desceu mais uma vez, agora para os 3,563%, estando no nível mais baixo desde Outubro de 2006. Face aos valores de final de Setembro, representa uma quebra na ordem dos 1,5 pontos percentuais, uma poupança considerável para as famílias. Mas a descida do preço do dinheiro dos bancos para as famílias e empresas ainda não reflecte esta descida, nem as medidas do Banco Central Europeu, que baixou a taxa para 2,5%. Para as empresas e as famílias tudo continua como se o dinheiro não estivesse mais barato. Por outras palavras: continuamos a financiar os banqueiros. Através dos juros e através do apoio que, com o nosso dinheiro, o governo mete nos cofres dos bancos.

Depois da saúde contaminada por medidas restritivas de um direito constitucional, é a economia contaminada pelo vírus do capitalismo puro e duro, ao qual Sócrates e o PS prestam indisfarçável vassalagem.

Se duvidam, lembrem-se que em Maio, Junho e Julho tivemos aumentos duríssimos nos bens e serviços de primeira necessidade (pão, cereais, fruta, legumes, leite, entre outros) porque o petróleo estava caríssimo. Agora, com a descida no preço dos combustíveis (que não foi a que devia – e aí está outro roubo – mas sempre foi alguma) alguém deu pela descida dos preços?

Certamente por isto – entre outras coisas, claro – Portugal surge, a par com os EUA (que péssima companhia!) na lista dos países com maiores desigualdades na distribuição dos rendimentos dos cidadãos, recentemente divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Pior, só a Turquia e o México. Uma vergonha! Mas isso parece não incomodar a espécie de «engenheiro» que nos governa, provavelmente o maior charlatão que alguma vez teve assento no cadeirão da presidência do concelho.

Estamos, ou não estamos, num país contaminado pelo insensibilidade social e pela exploração da força de trabalho, colocada ao serviço dos grandes interesses económicos? É preciso mais alguma prova?

É claro que os portugueses estão descontentes com esta «democracia». Um estudo divulgado pelo Inquérito Social Europeu refere que somos os cidadãos europeus que manifestam menor satisfação com a vida e felicidade. Estamos insatisfeitos com a nossa vida e somos um país em que as pessoas menos confiam nas outras. Pudera!

Só é pena que a esta insatisfação não correspondam acções cívicas e políticas que ponham os senhores do mando na ordem. Mas, como dizia Erasmo de Roterdão, o povo é «uma enorme e possante besta», que não sabe utilizar a força que tem. Como isto se aplica no caso dos portugueses! Provavelmente, estamos contaminados por uma cobardia congénita, que nos mantém sob a canga dos donos do capital financeiro e dos seus governos. Por isso, à canga acrescentamos a inevitável tanga, coisa que acontece, com frequência, aos castrados…

A ilustrar tudo isto, uma notícia que circula por aí. Diz-nos que os irmãos Sá Couto (os tais que são donos da empresa que monta o famoso Magalhães), terão um litígio com o fisco na ordem dos milhões. Lembram-se de Sócrates e outros ministro andarem pelo país – e pelo mundo – como caixeiros-viajantes, a apregoar o Magalhães? Foi lindo. Foi comovente.

Depois da imprensa falar sobre as dívidas fiscais, os manos Sá Couto esclareceram que não tinham nenhum contrato com a JP Sá Couto. Claro que não.

Mas o que importa aqui é perguntar quem serão, afinal, os beneficiários do grande contrato de venda de milhares de computadores Magalhães sem concurso público? (Computador que, afinal, não é português, mas sim Yanquee (Intel), fabricado na China e disfarçado em Vila do Conde). São, de facto, os irmãos Sá Couto. Que apenas – e por mera coincidência – são os principais quadros da secção do PS da Póvoa de Varzim. E seus grandes benfeitores.

Isto está – ou não está – tudo contaminado?

A propósito de contaminações. Parece que andam por aí 24 toneladas de carne de porco contaminada. Acontece. Mas não há problema, garantiu o inefável e delico-doce ministro da Agricultura. Afinal, as 30 toneladas representam, apenas, 0,006% do consumo nacional, por isso, o risco é mínimo. Vejamos se entendi. O risco é mínimo porque a carne não está muito contaminada, ou porque apenas poucos portugueses podem ser contaminados com dioxinas tóxicas? O senhor ministro quis dizer mesmo que o risco é mínimo porque, segundo as suas palavras, a quantidade de carne é «insignificante»? 24 toneladas que andarão por aí, contaminadas com produtos potencialmente cancerígenos, representam um risco insignificante? Para si, ou para quem as ingerir?

Senhor ministro. Explique-me lá isso, mas como se eu fosse muito estúpido…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/12/2008.
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