11/06/2008

SINTO VERGONHA DE MIM

«Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude.
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.»

Quem pudesse, por distracção, imaginar que o texto que acabei de ler fosse de minha autoria – e escrito nos tristes dias que correm – apresso-me a corrigi-lo. Ele foi escrito, no Século XIX por um brasileiro famoso, Ruy Barbosa, de quem direi, muito resumidamente que nasceu em S. Salvador da Baía, em 5 de Novembro de 1849, vindo a falecer em Petrópolis, em Março de 1923. Foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e célebre (talvez o mais célebre) orador brasileiro.

Já agora, deixem-me que vos diga que só acrescentaria aos versos deste texto (e cito)

«e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade»,

o seguinte:

«Nem a pendurarei à janela, como vulgar peça de roupa a enxugar, ou espetarei num pau grosseiro, em louvor de uma simples selecção de pontapé na bola, em nome de patriotismo bacoco, enquanto a Pátria vê milhões de filhas e filhos seus, angustiados, lutarem por uma côdea para boca, morrerem, à míngua de assistência médica, à porta de urgências encerradas ou parirem em garagens e ambulâncias, porque o governo fechou maternidades públicas em proveito de interesses privados».

Então, o texto de Ruy Barbosa, escrito há cerca de um século, no Brasil, assentaria que nem uma luva neste triste, feio e perigoso Portugal de hoje.

De facto, esquecendo o preço do arroz, dos juros bancários, dos combustíveis e de outros géneros de primeiríssima necessidade, os portugueses vivem a euforia do Euro 2008. Revêem-se numa selecção que não representa o povo nem o país, porque, na verdade, não corresponde ao Portugal pequenino e miserável onde temos a desdita de viver.

Primeiro, porque entre o mundo do futebol e o nosso dia-a-dia não há comparação possível. Segundo, porque os clubes de futebol já há muito que saíram das mãos do povo que os amava e sustentava, para serem propriedade de bancos e empresas multinacionais, alimentando negócios de muitos milhões. Finalmente, porque – salvo honrosas e raríssimas excepções – os jogadores já não sentem as camisolas que vestem, não passando os clubes de trampolins para novas contratações, possíveis ou apenas sonhadas. Mesmo a nível das selecções, as competições internacionais não passam de palcos onde cada jogador, mais do que honrar as cores do seu país, pretende mostrar os dotes que lhe façam subir a cotação, tal como as prostitutas mostram as pernas nas bermas das estradas.

No entanto, aqui e além esboçam-se lutas e protestos, num crescendo que pode significar um princípio de mudança. São os professores, são os pescadores, são os trabalhadores da administração central e local, acompanhados por muitos trabalhadores do sector privado. São os camionistas. Aqui e ali acendem-se focos de revolta, de indignação. Cada vez são menos os que se dizem socialistas e garantem ter votado em Sócrates.

Mais e melhor do que isso: aumenta o número dos que percebem que Sócrates não passa, afinal, de um pequeno e ridículo peão do sistema global de exploração dos povos, limitando-se a cumprir em Portugal (desajeitadamente, diga-se) o que a ordem económica mundial, estabelecida pelo poder económico, determina e manda aplicar.

Se outros exemplos não tivéssemos, repare-se só no que se passa em Portugal com o preço dos combustíveis. Atente-se, para além das mentiras que nos contam, nas verdades que nos escondem.

No ano 2000, já tínhamos os combustíveis mais caros da Europa, sem considerarmos os impostos. Considerando a evolução do custo dos combustíveis, antes de impostos e para o consumidor final, temos o seguinte panorama, desde 2000 até à presente data:

• O custo da gasolina subiu 61% em Portugal, enquanto que na Europa subiu apenas 31%;

• O custo do gasóleo subiu 100% em Portugal, enquanto que na Europa subiu apenas 51%.

Todas as gasolineiras em Portugal se abastecem nas refinarias da Galp, não utilizando combustíveis importados nos postos das respectivas redes de distribuição. Ora, sendo a importação de produtos petrolíferos livre, as diversas companhias podiam não se abastecer na Galp, se os preços de importação fossem mais competitivos. Se não o fazem, é porque a Galp lhes vende o produto a um preço inferior ao que obteriam se recorressem, por exemplo, ao mercado europeu.

Conclui-se, assim, que a Galp tem preços finais de produção inferiores aos internacionais. Apesar disto, a Galp vende, ao cidadão comum, os mesmos produtos a preços muito superiores aos preços europeus. Percebe-se, agora, o porquê dos seus lucros fabulosos, nomeadamente os relativos ao último trimestre deste ano. A Galp não se limita a vender um produto a um preço justo. Ela, através dessa venda, assalta literalmente o povo português.

Assim se explica que, aumentando, supostamente, o custo da matéria-prima – o crude – a Galp possa gerar lucros fabulosos. Acontece que sendo o petróleo cotado em dólares, e estando o dólar bastante desvalorizado face ao euro, porque a Galp paga em euros, logo o aumento do preço do petróleo, para a Galp, é muito inferior ao propalado.

No entanto, desde que o accionista Estado lhe permita aumentar os preços no consumidor final, sempre que muito bem entenda, está como peixe na água. E porque o consumidor não pode prescindir, de imediato, dos produtos que a Galp comercializa, a Galp abusa, portanto, da nossa dependência. Ora, o Estado detém na Galp uma “Golden Share”, o que lhe dá o direito de decidir em questões estratégicas. Porque não utiliza tal faculdade para intervir neste caso, moderando a ganância da Galp?

Resposta: Porque Sócrates não quer. E não quer, porque não governa para os portugueses, mas para os grandes interesses económicos. Ponto final.

E é precisamente por isso que eu continuo sem abastecer na Galp.

Bandeiras à janela? Só se forem negras!


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É SÓ ALEGRIA!

Enquanto os produtores de leite já não têm mais capacidade de armazenamento;

Enquanto os produtos frescos se estragam por falta de escoamento;

Enquanto começam a faltar bens essenciais ao abastecimento público;

Enquanto continuam os aumentos constante dos combustíveis;

Enquanto o custo de vida não pára de subir;

Enquanto o desemprego continua a aumentar;

Enquanto o sistema público de saúde não funciona;

PORTUGAL PAROU PARA VER A SELECÇÃO E DEPOIS VEIO PARA A RUA MANIFESTAR A SUA ALEGRIA.

Amanhã há marchas em Lisboa e depois os casamentos de Santo António.

No sábado temos mais futebol e mais alegria.

O governo…

Qual governo ? Alguém deu por ele ?

Como dizia alguém: “ESTE POVO É MESMO ESTÚPIDO”

11/6/08 8:39 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tu e o que escreveu a crónica de hoje é que é um grande estupido,pois esse senhorito que têm a mania de ser escritor não se lembra do passado que fez.
Tenha realmente vergonha desse tempo.
Isso era o que ele queria é que todos pusessem bandeiras pretas nas janelas, ele que as ponha

12/6/08 12:31 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Como tu queres é conversa, daqui não levas nada. Vai-te curar.

12/6/08 1:10 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Então não respondes tens vergonha não e.
Tu é que tens-te que curar.
Não vês que já não te passam cartão nenhum.
Vá responde não sejas cobarde

13/6/08 12:39 da manhã  

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