04/06/2008

A MANJEDOURA PRIVADA

Portugal transformou-se, todo ele, numa enorme manjedoura privada, onde têm lugar cativo dois grupos de cidadãos: os senhores do dinheiro e os senhores da classe política. São eles – uns e outros, em conjunto – os donos de várias coisas, a saber:

1 – As riquezas naturais;

2 – Os meios de produção;

3 – Os recursos financeiros;

4 – Os cordéis da economia (a que chamam mercado);

5 – A capacidade de fazer as leis;

6 – O poder de as aplicar;

7 – A capacidade de, através de tudo isto, determinar o quinhão da riqueza nacional que cabe a cada cidadão;

8 – O supremo poder de condicionar a vida de cada um desses cidadãos, sujeitando-os e oprimindo-os em termos económicos, sociais, políticos e culturais. No fundo, tendo sobre eles o poder da vida e da morte;

9 – Condicionar, através da manipulação ideológica, baseada na detenção dos meios de comunicação social, os actos eleitorais, forma de garantirem e legitimarem a manutenção do seu poder.

10 – Considerar ilegítima – e, em último caso, ilegal – qualquer tentativa que vise alterar a ordem assim estabelecida, tida como a única aceitável no contexto da sociedade humana.


São estes os princípios gerais – reais, mas não confessados – que caracterizam e sustentam as chamadas democracias ocidentais. No fundo, pode dizer-se que, à luz desta realidade, Democracia é o regime político que consagra, através do voto, uma ordem económica caracterizada pela detenção da riqueza nas mãos de uns quantos, fomentando a sua acumulação e crescimento – sendo esse o seu princípio sacrossanto – impondo aos restantes cidadãos a aceitação do que sobrar. Caso sobre.

E se o voto, em dado momento, disser que a ordem económica deve ser outra, que não essa, logo o voto, ali mesmo, deixa de ser democrático, sagrado e válido. Grite-se que houve fraude, e mande-se a tropa restabelecer a democracia, ou seja, manter intactas as arcas e contas bancárias dos donos de tudo o que há. E dos seus homens de mão, os políticos.

Ora, se estamos perante um autêntico drama burlesco representado à escala mundial, em Portugal a situação assemelha-se a uma reles ópera buffa. Temos dado aqui exemplos vários – e repetidos – das mais descaradas imoralidades que a classe política e o poder económico, mancomunados, por aí vão semeando. Um deles, diz respeito aos ordenados e reformas que uns e outros decidem para si próprios, enquanto impõem aos milhões de seres humanos que, literalmente, os sustentam, ordenados e remunerações aviltantes. A nobreza feudal, dos velhos tempos da Idade Média, não faria melhor, nem mais à-vontade. Talvez na França de Luís XVI, nas vésperas da Revolução Francesa, encontremos uma pouca-vergonha semelhante.

Está, então, Portugal transformado numa enorme manjedoura onde abancam, com lugar vitalício, os magnatas e os seus esbirros de S. Bento, Belém e nos variados municípios onde o poder, em escala reduzida, também se exerce.

É certo que se dividem, os políticos, em pequenas guerras de clã ou matilha, mostrando os dentes e rosnando uns aos outros, na luta pelo quinhão que pretendem abocanhar. E até dentro da mesma matilha, como se viu agora num dos maiores partidos nacionais, a luta surda por um lugar à mesa do Orçamento existe e ganha foros de acontecimento nacional.

Notoriamente, são todos iguais na ânsia de se lambuzarem depressa e bem, não vá ouvir-se, um dia destes, uma nova e inesperada Marselhesa convocar a ralé para o assalto à Bastilha.

Vivem, assim, os políticos de nós, apesar de se dizer que vivem para nós. Fingem confrontar-se em nosso nome e pelos nossos interesses, quando é, na verdade, em seu nome – e pelos seus interesses – que se esganiçam e esperneiam. E, principalmente, nenhum deles – salvo honrosas e cada vez mais raras excepções – querem que a Marselhesa ecoe e a Bastilha caia aos pés dos deserdados.

De facto, até muitos daqueles de quem se esperaria que estivessem do lado de cá da barricada, prontos para uma luta em nome da qual vieram á política, já se enroscaram no seu cadeirão do mando, mandaram às malvas os princípios, os ideais e a sua dita visão humanista da história, sorvendo gananciosamente as alcavalas do cargo. Clamam (melhor dizendo: clamaram, dantes) contra os boys e as girls dos outros, mas rodeiam-se dos seus próprios boys e girls. Sem a mínima temperança, sem o mínimo decoro.

Amanham as suas reformas, gordas e antecipadas, e praticam as políticas e usam os métodos que condenam nos adversários. Autarca que cesse funções aqui, arranja um cargo acolá. Câmara que mude de mãos, provoca um êxodo de delfins dos derrotados, que são acolhidos noutras autarquias, se geridas por rapaziada da cor. Entretanto, os vencedores abrem as portas aos seus correligionários corridos de outro sítio, num baile que tem tanto de ignóbil como de desavergonhado. E, claro está, tudo isto é democrático.

Então, sendo todos diferentes – mas todos iguais – que resta ao povoléu?

Talvez saber se Manuela Ferreira Leite vai bater o pé a Sócrates, mesmo que seja para fazer o que Sócrates faz. Tal e qual. E se Santana Lopes continua a andar por aí. Coisas importantes, sem dúvida.

Mas o que importa realmente ao populacho, meus amigos, é saber a cor das cuecas do Cristiano Ronaldo, se Portugal ganha o Europeu, e se o Ricardo vai dar algum «frango».

Entretanto, na manjedoura, de que só comemos o que cai no chão – as míseras sobras – o festim continua.

Democraticamente.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/06/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bravo, João Carlos. Excelente artigo/crónica.

A verdade é mesmo esta e o amigo fez a caracterização correcta do que é a “democracia” ocidental de pacotilha, onde uma minoria controla e manipula tudo e todos, decidindo sobre as nossas vidas de acordo com os seus interesses pessoas e partidários, enquanto, tal como escreveu no jornal “A Bola” Carlos P. Santos:

“A grande questão nacional é mesmo saber se o papel higiénico usado pela selecção rasga pelo picotado”.

4/6/08 9:24 da manhã  

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