22/06/2008

REFLEXÕES XXXVII

A FORMIGA E O ELEFANTE

Nós pensamos que não há tema que valha a pena comentar nesta ocasião sem aborrecer os pacientes leitores, depois da Mesa-Redonda de 12 de Junho, que divulgou a nova edição de um livro publicado na Bolívia há 15 anos, com um prefácio meu. Nesse programa, foi lida uma introdução elaborada posteriormente pelo presidente Evo Morales e uma mensagem da prestigiosa escritora argentina Stella Calloni, que serão incluídas na próxima edição. Escolhi cuidadosamente os dados que utilizei nesse prefácio.

Desde os primeiros anos da Revolução Cubana, desenvolveu-se um forte espírito internacionalista, que teve as suas raízes no numeroso contingente de cubanos que participou na luta antifascista do povo espanhol e tornou suas as melhores tradições do movimento operário mundial.

Não costumamos divulgar a nossa cooperação com outros povos, embora também não haja forma de impedir que a imprensa fale às vezes dela. É motivada por sentimentos profundos que não se relacionam com a publicidade.

Alguns perguntarão como é possível que um país pequeno, com poucos recursos, possa realizar uma tarefa dessa magnitude em sectores tão decisivos como a educação e a saúde, sem os quais não se pode conceber a sociedade actual?

O ser humano criou os bens e serviços indispensáveis desde que começou a viver em sociedade e esta se desenvolveu, desde as formas mais elementares até às mais avançadas, ao longo de muitos milhares de anos.

A exploração do homem pelo homem foi companheira inseparável desse desenvolvimento, como todos sabemos ou devemos saber.

As diferenças no modo de perceber essa realidade dependeram sempre do lugar que cada um ocupasse na sociedade. Via-se como uma coisa natural e a imensa maioria não tomou consciência disso.

Em pleno auge do capitalismo na Inglaterra, que estava na vanguarda, junto aos Estados Unidos e a outros países da Europa, no mundo dominado já pelo colonialismo e pelo expansionismo, um grande pensador e estudioso da história e da economia, Karl Marx, partindo das ideias dos mais prestigiosos filósofos e economistas alemães e ingleses da época — entre eles Hegel, Adam Smith e David Ricardo, com os quais discordou ― elaborou, escreveu e publicou as suas ideias sobre as relações de produção e intercâmbio no capitalismo no ano de 1859, sob o título “Contribuição para a Crítica da Economia Política”. Em 1867, continuou divulgando o seu pensamento com o primeiro volume da sua obra-prima, que o tornou famoso: “O Capital”. A maior parte do seu extenso livro, a partir de apontamentos e observações suas, foi editada por Engels, que concordava com as suas ideias e, como um profeta, divulgou a sua obra depois da morte de Marx, em 1883.

O publicado pelo próprio Marx constitui a análise mais séria escrita sobre a sociedade de classes e a exploração do homem pelo homem. Nasceu assim o marxismo, que foi o fundamento dos partidos e movimentos revolucionários que proclamavam o socialismo como objectivo, entre os quais sobressaem quase todos os partidos social-democratas que, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, traíram a palavra-de-ordem expressa por Marx e Engels no Manifesto Comunista, publicado pela primeira vez em 1848: "Proletários de todos os países, uni-vos!".

Uma das verdades que o brilhante pensador expressava textualmente, de maneira simples, era: "Na produção social da sua vida, os homens estabelecem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma fase determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. Não é a consciência do homem o que determina o seu ser, mas, ao contrário, o ser social é o que determina a sua consciência. Ao chegar a uma fase determinada de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade, entra em contradição com as relações de produção existentes… De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações tornam-se empecilhos seus, e abre-se assim uma época de revolução social… Nenhuma formação social desaparece antes de se desenvolverem as forças produtivas que cabem dentro dela e jamais aparecem novas e mais elevadas relações de produção, antes de as condições materiais da sua existência terem amadurecido dentro da própria sociedade antiga."

Eu não poderia explicar com outras palavras esses conceitos claros e precisos emitidos por Marx de modo tal, que, com uma elementar explicação dos seus professores, até um jovem cubano pode compreender a sua essência.

Quanto ao desenvolvimento concreto da luta de classes, Marx escreveu A luta de classes na França de 1848 a 1850 e, 18º Brumário de Luis Bonaparte, duas excelentes análises históricas que deleitam qualquer leitor. Era um verdadeiro génio.

Lenin, continuador profundo do pensamento dialético e das investigações de Marx, escreveu duas obras fundamentais: O Estado e a revolução e O imperialismo, fase superior do capitalismo. As ideias de Marx, postas em prática por ele com a Revolução de Outubro, foram igualmente desenvolvidas por Mao Tsé-tung e outros líderes revolucionários do Terceiro Mundo. Sem elas, a Revolução Cubana também não teria estourado no quintal dos Estados Unidos.

Se o pensamento marxista se tivesse cingido simplesmente à ideia de que "nenhuma formação social desaparece antes de se desenvolverem todas as forças produtivas que cabem dentro dela", o teórico do capitalismo Francis Fukuyama teria tido razão ao proclamar que o colapso da URSS era o fim da história e das ideologias e devia cessar toda a resistência ao sistema capitalista de produção.

Na época em que o criador do socialismo científico expôs as suas ideias, as forças produtivas não estavam completamente desenvolvidas; a tecnologia ainda não tinha contribuído com as mortíferas armas de destruição em massa capazes de provocarem o extermínio da espécie; não existia o domínio aeroespacial, a delapidação sem limites de hidrocarbonetos e combustíveis fósseis não renováveis; a mudança climática não se conhecia numa natureza que parecia infinita para o ser humano, nem tinha surgido a crise mundial de alimentos para distribuir entre inúmeros motores de combustão e uma população seis vezes superior a um bilhão que habitava o planeta no ano em que Karl Marx nasceu.

A experiência de Cuba socialista acontece quando a dominação imperial se estendeu por toda a Terra.

Ao falar da consciência, não me refiro a uma vontade capaz de mudar a realidade, mas, ao contrário, ao conhecimento da realidade objectiva que determina a conduta a seguir.

Dezenas de milhões de pessoas morreram, em meados do século XX na guerra provocada pelo fascismo, que nasceu da entranha antimarxista do capitalismo desenvolvido, previsto por Lenin.

Em Cuba, como em outros países do Terceiro Mundo, a luta pela libertação nacional sob a direcção das camadas médias e da pequena burguesia, e a que já vinham travando os sectores mais avançados da classe operária e dos camponeses pelo socialismo, juntaram-se e potenciaram-se mutuamente. Surgiram também as contradições ideológicas e de classe. Os factores objectivos e subjectivos mudaram consideravelmente em cada processo.

Da última contenda mundial surgiram as Nações Unidas e outros organismos internacionais, nos quais muitos viram uma nova consciência no planeta. Era um engano.

O fascismo, cujo instrumento o próprio Hitler chamou de Partido Nacional-Socialista, renasceu mais poderoso e ameaçador do que nunca.

O império envia e mantém porta-aviões em todos os mares do mundo para intervir militarmente. Que decide para concorrer com Cuba na área de nosso hemisfério? Enviar um enorme navio convertido em hospital flutuante, que trabalha dez dias em cada país. Algumas pessoas podem ser ajudadas, porém está muito longe de resolver os problemas de um país; também não compensa o roubo de cérebros nem pode formar os especialistas de que precisa para prestar verdadeiros serviços médicos em qualquer dia da semana e do ano. Todos os porta-aviões juntos, que agora são instrumentos de intervenção militar nos diversos oceanos da Terra, convertidos em hospitais, não poderiam prestar esses serviços aos milhões de pessoas atendidos pelos médicos cubanos em lugares afastados do mundo, onde mulheres parem, bebés nascem e doentes precisam de atendimento urgente.

O nosso país tem demonstrado que pode resistir a todas as pressões e ajudar outros povos.

Meditava sobre a magnitude da nossa cooperação, não só na Bolívia, mas também no Haiti, no Caribe, em vários países da América Central e na América do Sul, na África, e até na longínqua Oceânia, a 20 mil quilómetros de distância. Lembrava, aliás, as missões da Brigada Henry Reeve, em casos de graves emergências, indo nos nossos próprios aviões, transportando pessoal e outros recursos.

O número de um milhão de operados da vista gratuitamente na América Latina e no Caribe de que temos falado, não está longe de ser alcançado. Por acaso os Estados Unidos podem concorrer com Cuba?

Utilizaremos os computadores não para fabricar armas de destruição em massa e exterminar vidas, mas para transmitir conhecimentos a outros povos. Do ponto de vista económico, o desenvolvimento das inteligências e das consciências dos nossos compatriotas, graças à Revolução, não só nos permite cooperar com os povos de que mais necessitam, sem custo algum, mas também exportar serviços especializados, inclusive os da saúde, para países com mais recursos que a nossa pátria. Nessa área, os Estados Unidos jamais poderão concorrer com Cuba.

O nosso pequeno país resistirá.

Em poucas palavras: A formiga pode mais que o elefante!


Fidel Castro Ruz
18 de Junho de 2008

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