16/04/2008

ERA UMA VEZ A CAROCHINHA…

As finanças perdoaram ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas uma dívida de 10 milhões de euros de IVA, respeitante a reembolsos indevidos verificados entre 2003 e 2007, pois consideraram que o Sindicato, embora agindo contra a lei, estaria de boa-fé, ou seja, pensaria que estava a agir correctamente.

Não interessa que haja um princípio do Direito que diga que não serve ao infractor alegar que desconhece uma lei para se eximir ao seu cumprimento, ou ficar impune pela transgressão cometida. Ou melhor: isso só vale em termos gerais, mas nunca para o maior sindicato da UGT, cujos dirigentes são, há anos, os melhores aliados dos banqueiros e dos sucessivos governos, levando os bancários a perder, ano após ano – e há várias décadas – poder de compra. Aliás, são estes mesmos dirigentes sindicais, todos eles ligados ao PS (maioritariamente) e ao PSD, que destruíram uma classe forte e organizada, e que hoje se encontra perdida e abandonada nos seus locais de trabalho, cada vez mais insegura e mal paga. De facto, os bancários, como classe e força organizada, há muito que deixaram de existir. Já passaram à história.

Mas passemos deste particular para o geral – e para o que é a grande notícia do momento: a dramática perda do poder de compra dos portugueses.

Dizia, há dias, o economista Eugénio Rosa:

«O aumento da taxa de inflação em Portugal tem sido superior ao divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística e pelos órgãos de informação. E isto porque a estrutura das despesas das famílias portuguesas que o INE tem utilizado no Índice de Preços no Consumidor, que era a de 2000, estava desactualizada, pois já não correspondia à realidade.

O INE realizou, em 2005-2006, um inquérito às despesas das famílias portuguesas. No entanto, ou por razões politicas (os resultados não interessavam ao governo) ou por quaisquer outras razões que nunca explicou, só muito recentemente – 2.ª quinzena do mês de Março de 2008 – é que divulgou os resultados obtidos. E, como era previsível, os resultados mostraram que a estrutura das despesas das famílias que o INE vinha utilizando para cálculo do Índice de Preços do Consumidor já não correspondia à realidade. As classes de despesas cujos preços têm aumentado mais em Portugal – ex.: despesas de habitação – tinham uma importância (peso) na estrutura das despesas das famílias que era bastante inferior ao verdadeiro. Este facto determinava que o valor mensal do Índice de Preços no Consumidor divulgado pelo INE, que serve para medir a inflação, fosse inferior ao aumento real dos preços em Portugal.

Assim, segundo o Índice de Preços no Consumidor que o INE utilizava, o aumento de preços, entre Fevereiro de 2007 e Fevereiro de 2008 (a chamada variação homóloga da taxa de inflação) foi de 2,86%, enquanto o aumento de preços calculado com base na estruturas das despesas das famílias dos anos 2005-2006 já é de 3,03%».

E acrescenta o economista:

«Os trabalhadores têm sido “enganados” sistematicamente com as previsões falsas do governo, pois é com base nelas que o governo tem aumentado as remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, o que tem contribuído para uma redução muito significativa do seu poder de compra. Mas, para além disso, todas as classes da população que vivem nomeadamente de salários e de pensões têm sido também “enganadas” com os valores de aumento da inflação divulgados pelo próprio INE, pois estes valores também não têm traduzido com verdade o aumento real dos preços em Portugal».

Depois do Eugénio Rosa ter escrito isto, as notícias rebentaram esta segunda-feira – e com estrondo. A inflação está a atacar forte e feio os portugueses. A torto e a direito. Sem dó nem piedade. E no pior sítio possível: no pãozinho para a boca.

Dir-me-ão que isto não é novidade. Dir-me-ão, até, que quase todas as semanas aqui falamos disto. É verdade. Então, onde está a novidade. A novidade, meus amigos, está no facto de ser a própria comunicação social e o próprio INE a não poderem disfarçar a situação. Lêem-se e ouvem-se coisas destas:

«A inflação está a atacar os portugueses onde mais dói. O Instituto Nacional de Estatística revelou, ontem, que a inflação homóloga subiu para 3,1%, em Março, com os aumentos mais expressivos a ocorrerem nos produtos alimentares, nos transportes e na habitação, exactamente os gastos que mais pesam nos orçamentos familiares.

Um inquérito do INE às despesas das famílias, divulgado no final de Março, mostrou que 80% do rendimento vai para bens e serviços e que, do total dos gastos, 55% dizem respeito a habitação, alimentação e transportes. Ora, estas três categorias "foram as que apresentaram as contribuições positivas mais significativas para a formação da taxa de variação homóloga". Os preços de Habitação, Água, Electricidade, Gás e Outros Combustíveis subiram 4%, face a Março do ano passado. Os Produtos Alimentares e Bebidas Não Alcoólicas aumentaram 3,6% e os Transportes sofrem um acréscimo de 2,3%. Embora haja categorias com maiores subidas, como a de Tabaco e Bebidas alcoólicas (+12,1%), o INE faz uma ponderação dos gastos que mais pesam na carteira.

Analisando com mais detalhe as subcategorias de produtos e serviços monitorizadas pelo organismo, verifica-se que, só na alimentação, a que mais peso tem na inflação geral, Pão e Cereais aumentaram 9% e que Leite, Queijo e Ovos sofrem um acréscimo de 13,5% face aos preços verificados há 12 meses.

Deste modo, os resultados agora divulgados mostram que a previsão de inflação do Governo para este ano, de 2,1%, está mais longe de ser alcançada. Isto porque a inflação média dos últimos 12 meses subiu de 2,5%, em Fevereiro, para 2,6%, em Março. Uma vez que os aumentos salariais foram definidos em função da estimativa de inflação, quanto mais os preços se afastarem do valor de referência, mais poder de compra perdem as famílias».

Face a isto, o que diz Sócrates? Nada. E o que diz o ministro Teixeira dos Santos? Quase nada, a não ser que não há razões para corrigir a coisa e dar a mão á palmatória, já que – diz ele – as metas definidas pelo governo quanto ao crescimento da economia e à taxa de inflação ainda podem ser alcançadas. Quando se verificar que não foram, aí já será tarde para remediar o mal, não é verdade, senhor ministro?

Com que então, as metas definidas pelo governo ainda podem vir a ser alcançadas. Pois podem. E a Branca de Neve também pode casar com o Príncipe Encantado e convidar a Gata Borralheira para a boda, enquanto a Carochinha e o João Ratão aproveitam a maré e vão de lua-de-mel para as Ilhas Maldivas.

Falando a sério, aqui temos, então, um exemplo vivo do que se discutiu, há oito dias, neste mesmo local. Uma «minoria esclarecida», comandada, hoje em dia, pelo «engenheiro» Sócrates, está a condenar à fome e a toda a ordem de carências uma maioria acéfala (o povo, claro) a quem só resta sujeitar-se aos ditames desses iluminados. E porque este conceito de sociedade, aqui defendido por um ouvinte da casta dos «esclarecidos», mais corresponde a uma visão feudal da sociedade, resta decidirmos quando acertaremos o passo com os tempos modernos, onde o feudalismo só tem lugar nos compêndios de história. Ou seja: quando restauraremos – ou instauraremos? – a Democracia em Portugal.

É que, na verdade, esta visão retrógrada e cavernícola de sociedade, própria de um indivíduo de direita, reaccionário e anti-social, tem correspondência prática nas políticas do PS e do capo Sócrates. Reflecte-as. Sem querer, ele acabou por definir Sócrates como um déspota, o actual cabeça de turco de uma nova aristocracia autoritária e predadora, e que considera o populacho um conjunto de seres inferiores, como tal agindo e governando. Sem querer, também, esse ouvinte acaba por ser de uma utilidade extrema, pois confirma, sem rebuço e sem hesitações, tudo aquilo que temos aqui defendido: ISTO NÃO É UMA DEMOCRACIA!

Então, a grande notícia é que a fome continua – e agrava-se. Cortando já na paparoca, forçados a recorrer ao crédito e, assim, hipotecando presente e futuro, perdendo frequentemente o emprego, perdidos cada vez mais nas malhas do trabalho precário, antecâmara de ciclos crónicos de desemprego e desespero, os portugueses já não sabem para que lado se hão-de virar, acossados que estão por todos os lados.

E Sócrates cala-se, ou fala de energias alternativas. Teixeira dos Santos diz, sem se desmanchar, que tudo será como planeado e prometido. Um sindicato amigo mete ao bolso 10 milhões de euros de IVA, mas é desculpado. Pequenas e médias empresas fecham, aos milhares. Nas suas casas, milhões de portugueses mal acendem a luz de noite, racionam a água, cortam na alimentação, enfim, vivem no fio da navalha. O rol dos pobres aumenta, mas os socialistas, no poder, dizem que Portugal vai no bom caminho.

Ah! Também vem aí o TGV. E a nova ponte. E o novo aeroporto.

Pois. A Carochinha também vai ser muito feliz, mais o seu João Ratão…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/04/2008.
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