02/04/2008

ELE SABE O QUE FAZ

Aqui há tempos, quando um ouvinte louvava a governação socretina e, em especial, atribuía a Sócrates virtudes que mais ninguém vê, perguntei-lhe se já alguma vez tinha desembarcado no planeta Terra. De facto, aquele ouvinte, a quem as maldades da governação não deverão afectar, pois, conforme deixa entender, tem um nível de vida que lhe permite passar ao lado das privações e angústias que afectam milhões de portugueses, mais parecia, pelo que afirmava, um extraterrestre acabadinho de aterrar, só tendo ouvido, até então, a propaganda governamental.

Claro que todos sabemos que não é disso que se trata, mas de alguém cujas posições de classe demonstram que as políticas desenvolvidas em Portugal se baseiam na exploração de vastas camadas da população, para que os senhores das castas superiores (quero eu dizer: das classes exploradoras e dos seus delfins, lacaios e, até, os seus bobos) possam manter níveis de vida de nababos. Ele sente-se bem com o desconforto dos outros – e, naturalmente, melhor se sentirá quanto mais esse desconforto aumentar.

O tempo, porém, tem-se encarregado de demonstrar que Sócrates não passa de um pantomineiro de alto calibre, mas que, como acontece a todos os pantomineiros, já começou a esgotar a sua capacidade de enganar os papalvos.

Recentemente, baixou o IVA em 1%. Fê-lo com a encenação adequada, com trombetas e flâmulas, como se o facto significasse a bondade da governação e os seus cuidados relativamente aos mais desfavorecidos.

Em primeiro lugar, não nos devemos esquecer que Sócrates e o PS já estão em campanha eleitoral. E que mais coisas roubadas esperam o momento de nos serem devolvidas.

Em segundo lugar, ao devolver aos portugueses um por cento do IVA, esqueceu-se de dizer que ainda lá tem outro um por cento dos dois que nos roubou logo no início da sua governação.

Em terceiro lugar, o que vai acontecer é que o dia-a-dia dos portugueses não vai beneficiar dessa descida, pois, ao contrário do que acontece quando o IVA sobe, os preços não vão diminuir, salvo os artigos muito caros (como os automóveis, por exemplo), que não é coisa que os portugueses comam ao pequeno almoço.

Em quarto lugar, convém recordar que, duas semanas antes – meus amigos, apenas duas semanas antes! – Sócrates afirmava, sem papas na língua, que baixar os impostos seria uma «irresponsabilidade e uma leviandade». Como não estará a chamar a si próprio leviano e irresponsável, a única conclusão a que eu posso chegar é que o senhor «engenheiro» é, de facto, um mentiroso militante. Compulsivo.

Mas o número de circo não fica por aqui. Macaqueando Santana Lopes – que tanto critica – Sócrates anunciou, como quem decreta, o fim da crise orçamental. Na verdade, a crise orçamental nunca existiu. Ela não passou de um pretexto para assaltar os bolsos e os direitos a milhões de portugueses e, ao mesmo tempo, encher os baús e as arcas dos grandes grupos económicos, que nunca antes se espreguiçaram com tanta satisfação.

O que existe – isso sim – é um agravamento da crise profunda do sistema capitalista, de que os Estados Unidos da América são o expoente máximo, sistema esse incapaz de conciliar a necessidade de pilhagem que o sustém, com soluções sociais e económicas que, a produzirem-se, negariam o próprio capitalismo.

Ainda há quem diga, generosamente, que Sócrates não percebe nada disto, que vive isolado num mundo virtual e utópico, conversando com o seu próprio umbigo. Nada mais errado. Sócrates vive a prazo – e sabe-o bem. O que ele tenta, como tentam todos os truões, é manter-se no posto o mais tempo possível.

Ele sabe que no país real – de que evita falar – existem centenas de milhares de pensionistas e reformados em vegetação absoluta. Que o desemprego é um desastre. Que milhares de jovens já perderam por completo a ideia de poderem constituir família e fundar um lar, porque não têm estabilidade de emprego nem futuro profissional. Que centenas de milhares de famílias estão endividadas até à ponta dos cabelos. Que, todos os dias, as penhoras se abatem sobre as casas que as famílias são obrigadas a abandonar, por não suportarem os juros, que sobem quase diariamente, ou porque perderam os seus empregos. Que o investimento nacional e estrangeiro está em queda, pois ninguém acredita nesta espécie de país e nesta espécie de políticas (onde só a corrupção e o enriquecimento fácil têm sucesso, como acontece nas sociedades dominadas pelas máfias ou por ditadores amigos, sejam eles da América do Sul, África, Médio Oriente ou Ásia).

Ele sabe o caos que assola a Justiça, a Saúde e a Educação, onde diariamente casos mais ou menos escandalosos enchem páginas de jornais. Ele sabe que o país está inseguro como nunca, sucedendo-se os crimes violentos e as formas organizadas de criminalidade, sejam as de colarinho branco, sejam as ponta-e-mola ou as de caçadeira de canos serrados.

Ele sabe – porque fomenta e inspira – que os ataques às liberdades individuais têm expressão semelhante às dos tempos do fascismo, quer se traduzam por legislação adequada, quer se traduzam pela actuação de pequenos esbirros e poderes, que invadem escolas e sindicatos, despedem selectivamente, admitem ainda mais selectivamente, perseguem, denunciam, bufam e, como paga, trepam meteoricamente no aparelho do Estado.

Ele sabe que o selo do Governo e do Partido Socialista é a cunha, o amiguismo, o compadrio, o toma-lá-dá-cá sem decoro e sem fronteiras, evidenciado num descarado assalto a tudo o que é administração de empresas públicas e privadas, num festim desvairado que, por o ser, denuncia que existe a noção de que o tempo começa a ser escasso.

Atacam-se os piercings, os casais recém-casados, as pequenas indústrias familiares e tradicionais, mas, no outro pólo, as grandes obras públicas têm a marca do faraonicamente supérfluo, percebendo-se que se fazem menos pelo interesse nacional e, muito mais, pelos lucros, dividendos, luvas e comissões que delas escorrerão, untando as mais diversas manápulas.

Sócrates, porque sabe tudo isto, não vive nas nuvens. Ele sabe o que faz e o país em que vive e onde – por culpa sua – a vida se tornou um inferno. Ele não precisa, por isso, de descer à terra.

O que ele e as suas políticas precisam, em nome da decência, da liberdade, da justiça social e, em suma, em nome do futuro de Portugal e dos portugueses, é de serem rápida e definitivamente… enterrados.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/04/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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