28/03/2007

SEJA MODERNA E PATRIOTA – DÊ À LUZ NUMA AMBULÂNCIA!

Desde que o governo do senhor José Sócrates acelerou a sua política de Saúde, aumentaram os partos nas ambulâncias. É normal – e é moderno.

Normal, porque uma parturiente que tenha a sorte de residir num local onde a maternidade fechou, entre o tempo de espera pela ambulância e o tempo que a mesma demora a chegar à maternidade mais próxima, pode não ter outro remédio se não abrir as pernas e deixar que os bombeiros se desenrasquem.

Moderno, porque já todos percebemos que as maternidades são locais onde o ser humano perde grande parte das suas capacidades de sobrevivência. Na verdade, o acto de parir é a coisa mais normal do mundo. Qualquer mamífero que se preze, pare sem ajuda ou assistência. Nas savanas e nas estepes, em cima de ervas ou na terra árida, nas grutas e nos gelos, ou no meio dos oceanos, como os golfinhos e as baleias. Maternidades? Médicos? Enfermeiras? Parto assistido? Não, meus amigos. Na natureza, o acto de nascer é já um acto de selecção natural. Se a fêmea e a cria não tiverem as melhores condições de sobrevivência, para quê, então, vir ao mundo mais um trambolho, um ser débil que só vai custar coiro e cabelo ao Estado e, principalmente, debilitar a espécie? É por estas e por outras que o défice está como está!

Sejamos, então, compreensivos e tolerantes com as políticas de Saúde que o senhor José Sócrates e o seu ministro da Saúde, o estimável Dr. Correia de Campos, estão a implementar. Visam, tão-somente, transmitir um novo vigor à raça, torná-la mais forte e resistente. E o défice, claro, agradece.

É na mesma perspectiva que devemos encarar o fecho de 56 Serviços de Atendimento Permanente nos Centros de Saúde. O Ministério justifica esta longa lista de encerramentos (só as listas de espera é que conseguem ser mais longas) com o argumento de que os SAP não são verdadeiras urgências. Mas como o Governo quer afastar das urgências os casos que não sejam extremamente graves, não se percebe lá muito bem o que deve fazer uma pessoa que tenha uma forte indisposição a meio da noite. Espera que passe? Morre (a bem da Nação) se for caso disso? Bem, se a lógica for a mesma que está a levar ao fecho das maternidades – e penso que é – parece-me claro que também estamos perante uma nova vertente do processo de selecção natural, onde só sobrevivem os mais aptos. Com a vantagem adicional, nada desprezível, de continuarmos a reduzir o défice.

Sejamos patriotas! Reconheçamos que essa coisa de a Saúde ser um direito garantido a todos os portugueses pela Constituição da República (e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem) é algo que não faz sentido. Nem isso, nem emprego estável, nem salários suficientes – e em dia. São coisas que já não se usam. Moderno, é parir na ambulância, é não ter emprego nem ordenado certo, é não saber a que porta bater se, a meio da noite, uma criança ou um idoso estiverem com problemas graves de saúde.

Por isso, Portugal é um exemplo para o mundo, já que foi um dos países onde a despesa com a saúde aumentou menos por habitante, mas onde os ganhos em saúde foram maiores. (O Governo, modestamente, coitado, diz que não é assim). Mas, a confirmar o que digo, está o facto que, de acordo com a OCDE, entre 1995 e 2004, o aumento médio das despesas de saúde foi em Portugal de 3,2% ao ano, enquanto em Espanha atingiu 4,2% ao ano; nos EUA 4,8% ao ano; na Finlândia 4,4%; na França também 4,4% ao ano; na Grécia 4,9% ao ano; na Irlanda 7,4% ao ano; na Itália 3,3%, na Inglaterra 5,4% ao ano, e na Suécia 3,9% ao ano.

E se foi assim entre 1995 e 2004, as coisas, com o senhor José Sócrates, ainda conseguiram piorar, pois, entre 2004 e 2007, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde aumentaram apenas 2,2%, enquanto o PIB, a preços correntes, cresceu 10,7%, o que determinou que a percentagem que essas despesas representam em relação ao PIB tenha diminuído de uma forma continua de 5,2% para apenas 4,8%. Durante esse período, como os preços aumentaram 8%, dá que o valor da transferência de 2007 é inferior, em termos reais, em cerca de 5,5%, em relação à transferência de 2004.

Portanto – e sem querer chamar mentirosos ao senhor José Sócrates e ao seu ministro da Saúde – não é verdadeiro o principal argumento utilizado pelo Governo na sua campanha contra a saúde dos portugueses, ou seja, que os custos com o Serviço Nacional de Saúde têm crescido de uma forma insustentável, e que é preciso reduzi-los.

Resumindo e concluindo: Portugal foi um dos países onde a despesa com a Saúde aumentou menos por habitante, mas onde os ganhos em Saúde mais subiram. Portugal é igualmente um dos países da OCDE onde a comparticipação do Estado na despesa total da Saúde é mais baixa, pois, em percentagem, a comparticipação do Estado na despesa total de saúde de cada português (71,9%) é inferior à média dos países da OCDE (80,4%). Na verdade, os gastos do Estado com a "Função Saúde", medidos em percentagem do PIB registaram, a partir de 2005, também uma diminuição. Entre 2004 e 2007, o PIB, a preços de mercado, aumentou em 10,7%, enquanto com os gastos suportados pelo Estado com a "Função Saúde" cresceram apenas 5,4%, ou seja, praticamente metade do aumento do PIB. Porque no mesmo período os preços subiram os tais 8%, resulta daqui que o valor atribuído pelo Estado à "Função Saúde" seja em 2007, em termos reais, inferior à de 2004. Dizendo melhor: entre 2004 e 2007, as Despesas Totais do Estado aumentaram 9,6%, enquanto as despesas do Estado com a Educação e Saúde dos portugueses cresceram apenas 2,2%, ou seja, quatro vezes menos. E se, entre 2004 e 2007, os preços aumentaram 8%, isto significa que, em termos reais, o valor atribuído pelo Estado à Educação e Saúde é inferior ao valor de 2004 (menos 5,4%).

Mas que importa isso? A Educação e a Saúde já não são a chave do desenvolvimento do País. Primeiro, porque os portugueses trabalham de qualquer maneira, mesmo sem salário e sem saúde. Segundo, porque os cursos não servem de nada, já que é entre os portugueses com cursos superiores que o desemprego mais alastra. Terceiro, porque arranjar um canudo, hoje em dia, depende mais das habilidades e dos conhecimentos certos do que do estudo, do saber. Principalmente se o artista andou na Universidade Independente…

Mas é por estas e por outras que o défice desce, mas o nível de vida dos portugueses desce… e a economia está, literalmente, paraplégica.

Da cintura para baixo. E da cintura para cima.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/03/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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