12/02/2009

A POCILGA

Há dias, comparei Portugal a uma espelunca. Hoje, acho pouco. Talvez pocilga seja o termo adequado. Não para desconsiderar os porcos, simpáticos e úteis animais, mas por analogia ao que me lembro do que eram as tradicionais pocilgas de há anos atrás, onde se retinham os bácoros num lodaçal de lama e excrementos.

Chamemos, então, pocilga a este saguão cada vez mais feio, sujo, triste e inseguro. Claro que volto a tocar no caso FreePort, quanto mais não seja para lutar contra a muralha de silêncio que os déspotas de serviço à democracia – ou por isso tida, esta coisa sob a qual vivemos – querem impor. Hoje em dia, só um jornal diário e uma estação de televisão vão alimentando a chama e, segundo se sabe, sujeitos a pressões cada vez mais censórias. E, como se verá, autenticamente pidescas.

Por outro lado, a justiça, ou o que dela vai tendo o nome, parece agora mais preocupada em descobrir como foi que os portugueses ficaram a saber aquilo que Sócrates não queria que soubessem, do que em deslindar o que realmente se passou. Segundo se soube, os serviços secretos, que dependem directamente de Sócrates, já andam a meter o nariz no assunto, e o juiz Carlos Alexandre, titular do inquérito ao licenciamento do Freeport, garante que está a ser vigiado e escutado. Segundo fontes próximas deste magistrado, que tem entre mãos vários processos complexos envolvendo políticos, o juiz vive com a sensação de que está a ser seguido, situação que tem revelado aos seus colegas e amigos mais próximos. Nada mau, quando se diz que nada se tem a temer…

Mas vamos a factos. Como sabemos, as autoridades inglesas enviaram às autoridades judiciárias portuguesas uma Carta Rogatória, onde prestam e pedem informações relacionadas com o famigerado caso do licenciamento fantasma. Devido à sua extensão, deixem-me destacar, apenas, alguns dos seus pontos mais sugestivos:

«Pessoas sob investigação:

A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres estão a realizar uma investigação por suspeita de crimes. A investigação relaciona-se com uma que está a ser levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas por alegações de suborno e corrupção associadas com o desenvolvimento do local da Freeport, em Alcochete.

Os cidadãos do Reino Unido, que se sabe estarem ligados ao caso e que estão, por conseguinte, a ser presentemente investigados, vêm indicados a seguir:

1. Sean Collidge
2. Gary Russell
3. Jonathan Rawnsley
4. Rick Dattani
5. Charles Smith
6. William (Billy) McKinney Jnr

Existem motivos razoáveis para crer que as pessoas acima referidas tenham cometido crimes de Suborno e de Corrupção em contravenção das leis de Inglaterra e do País de Gales.

Além disso, os cidadãos abaixo indicados, que não são do Reino Unido, são considerados como estando sob investigação no sentido de terem solicitado, recebido ou facilitado pagamentos que sejam relevantes aos crimes indicados no Anexo”1”.

7. José Sócrates
8. José Marques
9. João Cabral
10. Manuel Pedro.»

Mais à frente:

«Em 1989, uma empresa do Reino Unido, denominada R J McKinney obteve a pré-aprovação do projecto; o respectivo funcionário é William (Billy) McKinney Jnr. Uma empresa sedeada em Portugal, a Smith & Pedro, foi utilizada como a agente local para facilitar a concessão da aprovação. Os mandantes da Smith & Pedro eram os senhores Charles Smith e Manuel Pedro, mais o seu empregado João Cabral. As circunstâncias que levaram à concessão da aprovação fazem parte integrante das investigações.

Esta aprovação foi em última análise concedida por José Marques, o então Vice-Presidente do Instituto da Conservação [da Natureza]. A Polícia Judiciária portuguesa declarou à Serious Fraud Office e à Polícia da Cidade de Londres que o facto de a aprovação ter sido alguma vez concedida, dada a existência da zona de protecção ambiental, levanta uma forte suspeita de corrupção no procedimento de aprovação.»

E continuando:

«O primeiro e o segundo requerimento para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental foram reprovados pelo Ministério do Ambiente de Portugal no decurso do ano 2000. Charles Smith alega, durante uma inquirição pela Polícia da Cidade de Londres, que a Smith & Pedro foi abordada entre estas duas apresentações de requerimento relativamente ao pagamento de um suborno considerável para assegurar a aprovação.

No dia 17 de Janeiro de 2002, os representantes da Smith & Pedro e da Freeport reuniram com entidades portuguesas, incluindo o então Ministro do Ambiente, José Sócrates, para discutir uma terceira apresentação para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental. Os participantes nesta reunião foram Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith, Manuel Pedro, José Sócrates e outros funcionários municipais e públicos portugueses.

Foram discutidas nesta reunião as dificuldades relacionadas com a Avaliação de Impacto Ambiental apresentada. Foi alegado que neste mesmo dia, o Ministro do Ambiente, José Sócrates, reuniu posteriormente com Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith e Manuel Pedro. Nesta reunião distinta, José Sócrates efectuou alegadamente um pedido que seria equivalente a um suborno para assegurar que a Avaliação de Impacto Ambiental apresentada fosse favorável. Alega-se que foi chegado a um acordo no sentido de que a Freeport efectuaria, por intermédio da Smith & Pedro, pagamentos a terceiros, relacionados com José Sócrates.

Estas alegações resultam colectivamente da Carta Rogatória da Procuradoria Geral da República do Montijo, de 12 de Agosto de 2005, apoiada por uma lista de e-mails extraídos de computadores apreendidos aos escritórios da Smith & Pedro pela Polícia Judiciária portuguesa. Esta lista foi posteriormente fornecida pela Polícia Judiciária à Polícia da Cidade de Londres.»

E depois:

«Nas semanas que se seguiram ao dia 17 de Janeiro de 2002, o Ministério do Ambiente aprovou uma lei a alterar os limites da reserva natural que impactava sobre o local da Freeport, e o Ministro do Ambiente apresentou um relatório favorável em relação à Avaliação de Impacto Ambiental.

A Terceira Avaliação de Impacto Ambiental foi aprovada em 17 de Março de 2002, dia das Eleições Nacionais que resultaram em que esse mesmo Ministro perdesse o seu lugar.

Posteriormente, a Freeport efectuou 3 ou 4 pagamentos em parcelas de GBP 50.000 à Smith & Pedro. Charles Smith, no vídeo de 3 de Março de 2006, alega que se trata de pagamentos de subornos, com o intuito de satisfazer o acordo de 17 de Janeiro de 2002, a partir dos quais efectuou uma série de pagamentos em numerário a um primo de José Sócrates.

A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas pela Polícia Judiciária numa reunião realizada no dia 9 de Julho de 2008 de que tinham sido obtidas provas de uma série de saques em numerário que se julga estarem relacionados com esta alegação.

Além disso, foram efectuadas alegações menos específicas de que foram pagos montantes mais importantes (até GBP 5 milhões) a uma empresa de advogados em Portugal ligada a José Sócrates, como pagamentos de subornos a partir de fontes do Reino Unido. A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas destas alegações na nossa reunião de 9 de Julho de 2008.

A Polícia da Cidade de Londres e a Serious Fraud Office já prestaram informação e material às Autoridades Portuguesas por meio de Assistência Judiciária Mútua no seguimento de uma Carta Rogatória, datada de 12 de Agosto de 2005, da Procuradoria Geral da República do Montijo.»

Por outras palavras: o que andou a fazer a justiça portuguesa desde 2005? Quem congelou a investigação? Se as autoridades inglesas não se mexessem, que aconteceria ao caso Freeport?

Para terminar, faço minhas as palavras do jornalista António Ribeiro Ferreira, que escreveu, em 9 deste mês, o seguinte:

«O procurador--geral da República exige respostas rápidas aos seus subordinados e afastou de um programa de rádio a responsável de um organismo que dá pelo pomposo nome de Departamento Central de Investigação e Acção Penal. É um verdadeiro regabofe, uma choldra, como escrevia Eça de Queirós. Entretanto, a investigação jornalística continua, para desespero da central de contra-informação cor-de-rosa, que já não sabe o que inventar mais para afastar as atenções, vitimizar o senhor presidente do Conselho e lançar nuvens de fumo sobre o processo com as célebres cabalas e campanhas negras.

E, no entanto, havia uma forma tão fácil de se esclarecer tanta coisa no caso Freeport, nomeadamente afastar as suspeitas legítimas sobre a honestidade do senhor Presidente do Conselho. Bastava que o secretário-geral do PS, e ministro do Ambiente na altura do licenciamento do Freeport, tivesse o bom senso de permitir que as autoridades analisassem as suas contas bancárias ao longo dos últimos anos. O que não seria uma tarefa difícil, uma vez que nas declarações de rendimentos apresentadas no Tribunal Constitucional não constam contas a prazo e aplicações financeiras significativas.

Em vez de cabalas e campanhas negras, todos ganhavam se o senhor presidente do Conselho pusesse as contas à luz do dia. Ganhava a sua honra, ganhava a Justiça e ganhava a política, todas irremediavelmente a caminho da mais suja das sarjetas».

João Carlos Pereira

Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/02/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ele até pode mostrar as contas à vontade. O mais certo é o dinheirinho já estar a bom recato num paraíso fiscal e em nome dos familiares.

14/2/09 10:41 da tarde  

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