04/02/2009

ANEDOTAS

Quando li a notícia, pensei que já estávamos no dia 1 de Abril, o Dia das Mentiras. Afinal, era verdade. O Governo quer os professores aposentados de novo nas escolas, para auxiliarem nas tarefas não lectivas, como o apoio ao estudo, aos alunos imigrantes, ou nas visitas de estudo. Mais. Entende o Governo de Sócrates que o deverão fazer em regime de voluntariado, ou seja, de forma gratuita. Numa altura em que milhares de docentes se reformam, até com penalizações, e outros tantos estão desempregados, os sindicatos dizem que a proposta é ofensiva e imoral. Na minha opinião, é muito mais do que isso. Eu chamar-lhe-ia uma proposta canalha. Ou uma proposta de loucos. Ou uma anedota.

Há dias, um excelentíssimo deputado da nação ligou para um serviço de atendimento ao cliente. O operador que o atendeu pediu-lhe os dados necessários à sua identificação: número do bilhete de identidade, data de nascimento, morada e nome da entidade empregadora. Quando chegou a vez de responder a esta questão, sua excelência disse, asperamente: «Eu não trabalho. Sou deputado». Louve-se a franqueza; registe-se a estupidez. O operador não disse, para não pôr em causa o seu emprego, mas devia ter dito. «O senhor não trabalha, mas devia de trabalhar, que foi para isso que o elegeram. E pagam-lhe bem – e reformam-no cedo». Mais uma anedota.

Podemos estar descansados. Sócrates, o tio, os primos, os alegados pagadores de luvas (Smith & Pedro), enfim, todos os suspeitos do escândalo FreePort garantem que não se passou nada. Se eles o dizem, deve ser verdade. Ou será mais uma anedota?

O governo governa bem. Em tempo de crise, então, não podia governar melhor. Para além das grandes questões nacionais, como o desemprego, os baixos salários e reformas, a saúde a estalar pelas costuras, a insegurança, com os assaltos e a criminalidade em geral a subirem em flecha, também nas pequenas coisas se nota a boa governação a que estamos sujeitos. Tomem nota destas despesas menores do nosso querido governo: reboque de uma viatura, 8.500 euros (1.700 contos); gastos em mobiliários diverso, 6,9 milhões de euros (quase um milhão e 400 mil contos); aquisição de papel higiénico para ficar em stock, 50 mil euros (10 mil contos). De todas estas despesas, só compreendo o açambarcamento de papel higiénico. Com o caso FreePort, José Sócrates deve andar a consumir este artigo em doses industriais. Será anedota? Talvez não.

Nos últimos dias, sete mil portugueses aumentaram a lista de desempregados. Também o número de trabalhadores com salários em atraso subiu na ordem dos três mil. Aqui, a anedota não é esta situação dramática. A anedota é o próprio país, que vai suportando este descalabro social como a coisa mais natural do mundo. Com paciência de corno.

A procuradora-geral adjunta, Cândida de Almeida, que investiga o caso FreePort, é a mesma que não encontrou vestígios de qualquer irregularidade na licenciatura fantasma do cidadão José Sócrates, conseguida na famigerada Universidade Independente. Uma anedota? Se é, não tem graça nenhuma.

Porque será que é preciso o petróleo baixar três vezes para os combustíveis descerem uma semana depois, e basta subir uma vez para os combustíveis aumentarem logo no dia seguinte? Dizem que são os custos de produção e outras minudências. Não é bem uma anedota, mas sempre dá alguma vontade de rir. Quanto mais não seja, pelo descaramento.

Os bandos de assaltantes que por aí proliferam estão cada vez mais trabalhadores e produtivos. E organizados. Agora, já não se faz um assalto aqui, para a semana faz-se outro mais além, e por aí fora. Nada disso. Há que aproveitar recursos. Rouba-se o carro e, conforme a especialidade do grupo, assaltam-se restaurantes, bombas de gasolina, ou despacham-se máquinas de multibanco em sequência, «limpando» uma zona inteira em poucas horas. Poupam-se meios, tempo e, sobretudo, aproveita-se a embalagem. Para além disso, enquanto a polícia está entretida a verificar o primeiro assalto da noite, há caminho livre para os seguintes. Mas qual é, neste caso, a anedota? É o ministro da Administração Interna. Só o seu nada dizer – e menos fazer – é de rebolar a rir.

Ainda o caso FreePort. A julgar pela sondagem telefónica que a Universidade Católica realizou durante o último fim-de-semana, José Sócrates não convenceu os portugueses. Entre os 84% de inquiridos que ouviram falar do caso Freeport, a esmagadora maioria (61%) entende que o primeiro-ministro deixou coisas por esclarecer. (Eu julgo que há coisas que ele não pode esclarecer, mas está bem…). Apenas uma pequena franja (18%) se sente completamente esclarecida. Há franjas assim. São aquelas franjas dos cortinados atrás dos quais muitas coisas mudam de mãos. Mas, claro, estamos a falar de anedotas, e não de coisas sérias. Esta anedota, por exemplo, começou em 2002 e ainda tem pano para mangas. God save the queen.

Outra anedota sobre o mesmo tema, chegou-me por e-mail. Diz assim: Pense-se em três personagens: o empresário, o intermediário e o político. O empresário tem muito a ganhar com a aprovação de um determinado projecto, que só o político pode aprovar. O intermediário tem acesso directo ao político e mantém com ele uma grande relação de confiança (por exemplo, são tio e sobrinho). Para além disso, o intermediário é conhecido pelos seus serviços de intermediação, que consistem em colocar pessoas em contacto umas com as outras para resolver licenciamentos. A coisa funciona assim: o empresário vai ter com o intermediário (isto é perfeitamente legal). O intermediário coloca o empresário e o político em contacto (isto é perfeitamente legal). O licenciamento é feito de acordo com a lei (isto é perfeitamente legal). O intermediário recebe uma comissão pelos seus serviços de intermediação (isto é perfeitamente legal). Até pode receber o dinheiro num off shore (isto é perfeitamente legal). Passados 2 meses, há eleições. O tio, como bom amigo da família, resolve apoiar a Democracia através do financiamento da campanha eleitoral do sobrinho (isto é perfeitamente legal e compreensível). Como estão a ver, qualquer jurista conseguirá provar que cada um dos actos desta trama é legal. Não há crime. Podem ir todos em paz. Já nos podemos todos rir. A anedota acabou.

Já estou a chorar. Não sei se é de tanto rir, ou se estou mesmo a chorar pelo estado a que chegou o meu país.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/02/2009.
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