21/01/2009

MENTIROSO E DESCARADO

Há quem lhe chame arrogante, prepotente, vaidoso, egocêntrico, autista, coveiro da pátria, falso engenheiro e outros mimos. Nada disso lhe fica mal, confesso. No entanto, face ao seu último discurso de recandidatura à liderança do PS, basta-me chamar-lhe mentiroso e descarado.

Não caio no disparate de destacar naquele chorrilho de promessas, como fizeram vários órgãos de comunicação social, o casamento dos homossexuais e a regionalização, meras questões de lana-caprina. Na verdade, se a primeira nem no PS é consensual, a segunda só o poderá ser porque traria consigo mais um comboio de jobs for the boys, coisa em que o PS é especialista a nível planetário. Deixemo-nos disso, portanto.

Então, o que promete Sócrates, neste ano eleitoral em que já estamos?

«Concretização de novas medidas, que permitam desagravar as famílias de rendimentos médios, apoiando-as nas suas despesas essenciais e estimulando a natalidade»

«Aprofundamento das prestações sociais para aqueles que não podem aceder a rendimentos dignos através da actividade económica e para as famílias expostas aos factores de perpetuação da pobreza».

«Investimentos como o novo aeroporto internacional de Lisboa, a ligação à alta velocidade ferroviária europeia, a conclusão do plano rodoviário nas regiões do interior ou o reforço da rede de barragens, são investimentos cujo adiamento diminuiria fortemente o nosso crescimento potencial».

Por outras palavras: o circo eleitoral já está armado, com o seu cortejo de mirabolantes aldrabices, papas e bolos.

No fundo, Sócrates promete dar à classe média – que tem vindo a destruir sem nó nem piedade – aquilo que lhe roubou ao longo dos últimos anos. Pergunto se é possível fazer agora, em plena crise – que, segundo todos os arautos da economia capitalista, se prolongará para além de 2010 – aquilo que ele e o seu governo cor-de-rosa não fizeram nos malfadados anos que temos vindo a sofrer? Se é, porque razão não foi feito antes, quando a situação económica era mais favorável?

Muito bem, «engenheiro», com esta não me levas lá.

Sócrates fala em medidas sociais de apoio às famílias em situação de pobreza. Tanta sensibilidade leva-me às lágrimas. Mas quem foi que, desde que tomou posse, fez o desemprego subir em flecha?

E quem fez aprovar um código do trabalho, onde o trabalho precário é institucionalizado?

Quem pôs os portugueses a ter que se desdobrarem em vários empregos, definhando-se em call centers, empresas de segurança, distribuição de propaganda porta-a-porta e a recorrerem cada vez mais ao mercado de trabalho escravo, que outra coisa não é essa inovação do capitalismo selvagem, chamada aluguer de mão-de-obra?

Quem permitiu que o custo de vida subisse de forma brutal, sempre acima dos miseráveis aumentos dos ordenados e pensões, acentuou as disparidades sociais, acrescentou mais pobres aos pobres existentes e, aos existentes, agravou a miséria?

Terá sido o mesmo Sócrates que agora vem dar uma mãozinha à pobreza que criou?

Não, com esta, senhor «engenheiro», também não me enganas.

Falta o TGV e o novo aeroporto. Ora aí estão duas coisas em que acredito. Obras públicas, das grandes, das chorudas, das que rendem muito. Das que vão ter muitas derrapagens, trabalho a mais, revisões de preços, adjudicações à medida, comissões, luvas, financiamentos por baixo da mesa, lugares de topo nas empresas vencedoras. Uma intrincada teia de mãos bem untadas, um paraíso para banqueiros, grandes empresários, decisores e intermediários vários, sem esquecer os que levam – e lavam – os pacotes do costume.

Mas as mentiras e os embustes – e o descaramento – não acabam aqui.

Não é só a crise económica e financeira que ameaça a vida de todos nós, transformando o quotidiano de milhares de portugueses num inferno, empobrecendo os que nunca foram pobres e arrastando para a miséria os que já o eram. A sopa dos pobres e a caridadezinha já são instituições nacionais, como o foram nos tempos mais sombrios de Salazar.

Ora, se isto significa o descalabro a que nos conduziram as políticas do actual dono do PS – e não devemos esquecer que este pântano se alargou muito antes da crise internacional ter estoirado – o que me aterroriza é a impunidade e o descaramento com que o governo socialista nos mente, como se não passássemos de atrasados mentais. Que, se calhar – e pelo que se vai vendo e ouvindo – até somos.

Há meses, o senhor «engenheiro» apresentou e fez aprovar, na AR, uma obra de ficção, a que chamou OGE. Disse que era algo realista, adaptado aos dias que aí vêm, apesar de toda a gente dizer o contrário. Cavaco Silva – pese, embora, ter manifestado dúvidas e ter pedido uns esclarecimentos – aprovou a aldrabice.

Eis que, há poucos dias, os aldrabões que governam este patusco país brindam o país com um Orçamento suplementar ou rectificativo, que dá razão aos reparos que antes lhes tinham sido feitos, só que, para nosso mal, continua a ser, este Orçamento, tão aldrabão como o OGE inicial.

Na realidade, tanto a Comissão Europeia como uma das mais consagradas revistas dedicada a questões económicas (The Economist) apontam para dados bem diferentes – e piores – daqueles que o orçamento rectificativo agora considera. Ou seja: a emenda foi pior do que o soneto, o que significa que o orçamento rectificativo é tão mentiroso como o orçamento rectificado.

Mas – pergunto eu – será que Sócrates e o seu inenarrável ministro das finanças são uns burros incompetentes, incapazes de preverem o que vai acontecer nos próximos onze meses e meio? Serão? Bem… que Sócrates o seja, não me admira, pois todos sabemos que só desenrascou um canudo em engenharia, pelo que, de finanças, saberá o que o outro lhe diz. Mas Teixeira dos Santos enganou o seu chefe de governo? Ou Teixeira dos Santos é um incompetente chapado? Ou, simplesmente, estarão os dois a aldrabar os portugueses?

Não sou nenhum génio, mas também não preciso de o ser para garantir que andam a enrolar-nos há muito tempo.

O povo é «uma enorme e possante besta», disse Erasmo de Roterdão, há cerca de 500 anos.

Parece-me que nada mudou em meio milénio, não acham?


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/01/2008.
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