20/09/2006

PARABÉNS A VOCÊS!

Realizou-se, no passado fim-de-semana, em Havana a XIV Cimeira dos Países «Não-Alinhados». Mas não será disso que vou falar. E se aqui faço esta chamada, é porque tenho três pequenas notas a salientar:

Em primeiro lugar, aconselhar os meus ouvintes – os que disponham de Internet, claro - a consultarem o site www.seixal.com, na rubrica crónicas, onde poderão ter acesso a um interessante texto de Cunha Vieira sobre a origem e objectivos deste Movimento, criado em 1961. Vale a pena.

Em segundo lugar, para realçar algo que lá vem escrito. O Movimento dos Não-Alinhados representa 51% da população mundial, 53% da área marítima, 45% das terras cultiváveis e 86% da extracção petrolífera.

Em terceiro lugar, é que, em conversa com o autor do texto, ele lamentava-se do facto de a nossa comunicação social ter falhado na cobertura do acontecimento. Respondi-lhe que a comunicação social nacional e internacional não falhou. Pelo contrário. Falharia se, contrariando a vontade dos seus donos – o grande capital, os grandes grupos económicos portugueses e transnacionais – se tivesse atrevido a cobrir a Cimeira. Ao escondê-la, ao ignorá-la, não só não falhou, como cumpriu à risca o seu triste ofício de manipular e desinformar. E, por isso, aqui vão os meus parabéns. Quando os crápulas são perfeitos, há que assinalá-lo!

Vamos, agora, aos parabéns ao Governo.

Os primeiros parabéns vão para o ministro da Saúde, que ameaça com a criação de novas taxas moderadoras para sectores que actualmente são gratuitos para os utentes, como o internamento ou a cirurgia de ambulatório. Diz que pode ser aplicada em breve, mas garante que não tem apenas fundamentos económicos. Diz ele que «este tipo de receitas é mínimo» para o Serviço Nacional de Saúde, justificando a criação destas novas taxas com objectivos mais estruturais, como a moderação do acesso e a valorização do serviço prestado. O ministro está consciente do impacto de uma medida destas e afirma-se «preparado» para a celeuma. Conclusão a tirar desta conversa de palha: a sangria continua, até em áreas tão melindrosas e tocando os extractos populacionais mais desfavorecidos.

Também o fim da gratuitidade dos medicamentos para a doença de Parkinson, que afectará quem ganhar um cêntimo acima do salário mínimo, merece que aqui peçamos uma salva de palmas para Correia de Campos e para todo o governo socialista.

Mais parabéns, agora para a ministra da Educação, pelo facto de a maioria das crianças que frequentam o primeiro ciclo do Ensino Básico ainda não terem asseguradas as suas refeições na escola. Sabendo-se que, em muitas zonas do país, a única refeição quente que algumas crianças comem, no dia, é aquela que é servida nas escolas, os parabéns são mais do que merecidos. Mais uma salva de palmas para o PS, governo super, super, super socialista.

Parabéns, ainda – e principalmente – para o ministro das Finanças. A decisão de suspender, até finais do ano, os pagamentos aos empreiteiros que executam obras para o Estado, especialmente os que trabalham para as Estradas de Portugal, é de arromba! Não bastavam já os atrasos constantes nos pagamentos aos empreiteiros (há algumas empresas que têm facturas para receber de Janeiro e Fevereiro) e o Governo socialista vem pôr, agora, a cereja que faltava no bolo da desgovernação.

E se já há empresas que não sabem como vão pagar salários, agora das duas, uma: ou suspendem as obras e dispensam o pessoal, ou vão recorrer a empréstimos bancários para honrar os seus compromissos. E é assim que a banca engorda, engorda, engorda…

Ó sôr ministro das Finanças, faça-nos lá um favorzinho. Nessa lista de caloteiros que mandou publicar na Internet, mande acrescentar este nome: GOVERNO SOCIALISTA, DEVEDOR RELAPSO E SEM VERGONHA.

Para fechar os parabéns governamentais, um para o primeiro-ministro, José Sócrates. Porquê? Pela sua grande capacidade para dinamizar a economia. Para além dos bancos e das sociedades que emprestam dinheiro ao Zé – e que nunca floresceram como agora – chegou a vez das casas de penhores. É que os portugueses voltaram a recorrer ao prego – tal como o faziam nos tempos de Salazar e Caetano – para irem sobrevivendo nesta gruta de vampiros em que se transformou Portugal. As diferenças entre o hoje e o antigamente são cada vez menores. E, nalguns casos, deixam o PS pior no retrato do que ficava a velha e bafienta União Nacional.

Finalmente, os parabéns a Sua Santidade, o Sumo Pontífice.

Parabéns, em primeiro lugar, por, dizendo-se o representante de Cristo na terra, conseguir ser o seu oposto sem que, aparentemente, os católicos dêem por isso. Exagero meu? Não me parece. Cristo nasceu, viveu e morreu pobre. Usava apenas o necessário para a sua missão. Esteve ao lado dos humilhados e ofendidos contra os grandes e poderosos, seus opressores. Pregou a justiça, defendeu a dignidade humana, considerou que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus. Não vivia em palácios dourados, nem se mancomunava com os poderosos de então. Todas as suas atitudes eram coerentes com as ideias – e os ideais – que defendia. E deu a vida por isso.

É claro que Sua Santidade tem o direito de calçar sapatos de pele de crocodilo, paramentar-se de ouro e ser transportado aos ombros de outros homens. Sua Santidade tem o direito de habitar onde habita, rodeado por gente que da fome, da miséria, enfim, de qualquer carência só sabe de ouvir dizer, pois o Vaticano é a antítese da gruta de Belém, da carpintaria de José ou da cruz do Calvário, mesmo sob a forma de metáfora.

Sua Santidade é livre de pregar uma coisa e fazer outra – ou de nada fazer para que se cumpra o que prega – deixando que, assim, os milhões de pobres e espoliados, «fabricados» na mesma «oficina» que Cristo combateu, continuem pobres e espoliados, sem direitos e sem futuro, enquanto que, no Vaticano e Patriarcados, a comida é farta, o vinho é bom, as roupas excelentes e as paredes e os tectos bordados a ouro. A Igreja Católica até é livre de ter um Banco (o Banco do Vaticano) e demais negócios ligados a vários misteres. Só não me parece livre de se dizer cristã.

Por isso, o que sua Santidade e a sua Católica, Apostólica, Romana e beata Igreja não podem – ou não deviam poder – é considerarem-se os representantes de Cristo na terra, e só o fazem com o à-vontade que fazem – para não dizer: descaramento – porque sabem que Cristo não volta cá para os meter na ordem e apresentar a factura por tanta hipocrisia.

Agora, Sua Santidade, cumprindo a sua missão de enfileirar ao lado dos poderosos desta terra, e de lhes fazer o jogo, provocou, sabiamente, o mundo islâmico, deitando sinistras achas para uma fogueira cada vez mais abrasadora.

Sua Santidade deveria saber, melhor do que ninguém, que foi a cristandade que, de cruz na mão esquerda e de espada na direita, saqueou meio mundo, levou ao extermínio civilizações inteiras, arrasou cidades com séculos de história e massacrou as suas populações, com a agravante de o fazer mais pelo ouro e menos pela fé que, diga-se a verdade, é coisa – a fé – que a alta hierarquia religiosa usa muito e bem, mas sente pouco e mal. Fé, têm-na os crentes humildes, e disso se serve a Igreja para os dominar e os deixar na sua funesta espera por uma vida melhor… mas só depois da morte.

Sua Santidade deveria saber que nada houve de mais hediondo, em termos de fanatismo religioso, do que a Santa Inquisição. Tal como deverá saber que, durante séculos, enquanto o mundo islâmico convivia sadia e lucidamente com as ciências e as artes, o Santo Ofício obrigava Galileu Galilei a dizer, para salvar a vida, que, afinal, era o sol que andava à volta da terra, e que esta estava imóvel, como centro do universo, como apregoavam as Sagradas Escrituras.

Ao acusar habilidosa e cobardemente – já que o fez por palavras copiadas – o Islão e o Profeta Maomé de serem veículos de males e desgraças, e que defendem pela espada a sua fé, Sua Santidade alinhou, conscientemente e de forma perversa na Cruzada liderada por George Bush, que, mais uma vez, através do acirrar de ódios religiosos, mais não pretende que deitar mão aos recursos energéticos existentes do Médio Oriente.

Sua Santidade age como se o catolicismo fosse a única, ou a maior – ou a verdadeira – religião. Acontece que nem é a única, nem a maior e, quanto a essa coisa da verdade, Galileu disse tudo, ao demonstrar que os dogmas da Santa Madre Igreja – e pelos quais mataram milhões de seres humanos – não resistem à mais descuidada observação do mundo e da vida.

Que fique claro que, ao afrontar assim as cúpulas da Igreja Católica, bem instalada nas monumentais abóbadas do Vaticano, o luxo em que vivem e o seu afastamento dos que sofrem, não estou a pôr em causa a fé dos católicos, para mim tão respeitável como a fé dos seguidores do Islão, do Budismo ou de qualquer outra religião. A Igreja rendeu-se e aliou-se aos poderosos e, mais do que Judas, traiu Cristo e os seus ensinamentos.

E acabo com um poema de Guerra Junqueiro, que diz, em poucas linhas, tudo o que acabei de dizer:

No meio de uma feira, uns poucos de palhaços
andavam a mostrar, em cima de um jumento,
um aborto infeliz, sem mão, sem pés, sem braços,
aborto que lhes dava um grande rendimento.

Os magros histriões, hipócritas, devassos,
exploravam assim a flor do sentimento.
E o monstro arregalava uns grandes olhos baços,
uns olhos sem calor e sem entendimento.

E toda a gente deu esmola aos tais ciganos.
Deram esmola, até, mendigos quase nus.
E eu, ao ver esse quadro, apóstolos romanos,

eu lembrei-me de vós, funâmbulos da cruz,
que andais no universo há mil e tantos anos
exibindo e explorando o corpo de Jesus.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/09/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

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