22/02/2006

É preciso dizer «Basta!» a estas bestas

Numa altura em que o grupo Sonae, de Belmiro de Azevedo, se prepara para estender a sua teia de negócios à área da saúde, onde outro dos mais poderosos grupos financeiros, o Grupo Mello, já controla fatia de leão, estando, como sabemos, bem instalado nos chamados «hospitais SA», veio o ministro da Saúde do governo socialista, Correia de Campos, mesmo a propósito, ameaçar pôr os portugueses a pagar ainda mais pelo acesso ao Serviço Nacional de Saúde, direito que a Constituição consagra e diz que deverá ser tendencialmente gratuito.

Aproveitando o facto de estarmos todos muito contentinhos, aos pulos e aos gritinhos porque, nesta região do globo, chamada Mundo Ocidental – e auto-proclamado espaço civilizacional inquestionavelmente democrático, cristão, tolerante e detentor das chaves da harmonia universal, onde a miséria e a injustiça foram há muito erradicadas – existe, para além do mais, uma coisa chamada liberdade de expressão, também eu quero manifestar a minha opinião, sob a forma de caricaturas verbais, isto é, opinião de palavras construída, pois desenhar para ouvintes, aos microfones de uma rádio, é coisa que nem mesmo num país de videntes, aparições e outros fenómenos alguma vez se viu – e jamais se verá, suponho eu.

Então, numa das caricaturas, vêem-se o senhor ministro da Saúde, mais o resto do governo – com um tal Sócrates ao meio – mais a bancada de deputados que os apoia, mais o senhor presidente da República, mais o partido a que esta gente toda pertence, o PS, e todos eles são um bando de vampiros esvoaçando sobre um país de mansa carneirada, cada vez mais magra e escanzelada, quase pele e osso, que rói um pasto de cardos secos.
«Não há dinheiro», dizem os gordos e lustrosos vampiros para o rebanho, que já foi devidamente tosquiado, vendo-se em cima, no lugar do céu, a lã dando forma a belas nuvens brancas, onde descansam Mellos e Belmiros, simbolizando, uns e outros, o poder divino do dinheiro. Ali ao pé, de manto azul e com uma coroa de ouro na cabeça gentilmente inclinada, está a Nossa Senhora da Economia, dizendo ao rebanho para ser paciente e ter esperança, que no paraíso celestial, após morrerem, todos os carneiros serão, finalmente, felizes.

Noutra caricatura, à volta de uma mesa farta, chamada Mesa do Orçamento, vêem-se várias caras conhecidas, como Fernando Gomes, o ex-deputado socialista e actual administrador da Galp, que vai começar a receber já em Março, uma reforma de 3.172 euros, um valor que irá acrescentar ao seu salário mensal na ordem de 15 mil euros. Está a ler um ofício da Caixa Geral de Aposentações, onde se diz que o antigo presidente da Câmara do Porto tem direito à pensão desde 1 de Novembro de 2005, o que significa que irá receber ainda os quatro meses em atraso. Está a rir-se e a recitar: «Ó linda democracia, pelo PS amanhada, quem tem um job tem tudo, quem não é boy, não tem nada».

Ao lado dele, risonhos, vemos altos quadros da Portugal Telecom, brindando ao regime especial de aposentação aprovado por Cavaco Silva e confirmado por António Guterres, que lhes dá uma bonificação de 20% na contagem de tempo de serviço para a reforma. Já entregaram os «papéis» para a reforma junto da Caixa Geral de Aposentações. Um deles é Horta e Costa, outro é Iriarte Esteves, outro é Briosa e Gala, outro, ainda, é Graça Bau. Erguem as taças de champanhe e cantam o hino da antiga mocidade portuguesa: «Lá vamos, cantando e rindo…».

Noutro lugar da mesa, estão os cinco administradores do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, mais conhecido por Infarmed, a quem o vampiro Sócrates vai aumentar os ordenados em 30 por cento. A proposta partiu dos vampiros das Finanças e da Saúde, e só o presidente do Infarmed passa a ganhar mais 1.300 euros por mês, ou seja, um aumento de 260 contos, mais do que três salários mínimos. Cá em baixo, o rebanho da Função Pública, que não sabe, há anos, o que é aumento de pasto, olha para o banquete que decorre lá em cima, e, cabisbaixo, fica à espera que, quando os vampiros voltarem a atacar, só levem o sangue do carneiro do lado.

Noutra caricatura, vê-se Bush em pose imperial, vestido com uma farda das SS, de braçadeira vermelha com a suástica no braço esquerdo, o direito estendido na saudação nazi, e aos seus pés, prostrados, lambendo-lhe as botas de cano alto, estão os membros do governo português em peso.

Olhando respeitosamente para cima, o vampiro da defesa, Luís Amado, pede desculpa por só ter enviado mais 115 militares para o Afeganistão, mas explica que, mesmo assim, vai ser forçado a aumentar o orçamento, pois os 58 milhões de euros previstos para a função não vão chegar. Diz ele. «Fazemos o que nos é possível, Senhor, seja na Bósnia, no Iraque, no Afeganistão ou no Kosovo. Temos perto de mil homens na ajuda ao combate ao Eixo do Mal, mais viaturas, armas, munições, fardas e equipamentos. Se o vampiro da Saúde conseguir pôr a carneirada a pagar mais pelas consultas, análises, exames e internamentos, pode ser que, em breve reforcemos a nossa ajuda a vossa majestade imperial». Ao lado, Freitas do Amaral faz figas, e mais ao longe, uma ave estranhíssima, lembrando uma pomba travestida de abutre, bate as asas, aplaudindo. Parece Paulo Portas.

Nessa altura, a vampira da Educação pede a palavra e garante a Bush que, se conseguir fechar mais 5 mil escolas do que o previsto, o vampiro das Finanças já pode dotar o ministério da defesa com mais uns milhões de euros para ajudar no esforço de guerra. «Esforço de paz, sua burra!», corrige o vampiro Sócrates, muito aflito e exaltado, o que lhe esganiça ainda mais a vozinha de falsete, levemente ciosa.

Bom, e por aqui ficam os nossos cartoons, as nossas caricaturas verbais de hoje, e muitas mais faríamos se tempo houvesse, porque matéria não falta.

Por exemplo, sobre o desemprego, já que lemos ontem, no insuspeito DN, que os números reais do desemprego ultrapassam largamente os números oficiais, coisa que para nós nem sequer é novidade. Segundo o DN, a taxa do desemprego real já rondará os 11%, em vez dos 8% apregoados pelo Governo. Por outro lado, aumenta a praga dos contratos a prazo, que já ronda os 600 mil – e com tendência para aumentar – o que significa que a lei da selva está instituída no mercado de trabalho.

E é fruto das políticas deste governo – que é, de todos os que conheci ao longo da minha vida, incluindo os governos de Salazar e Marcelo Caetano, o mais violento, cruel, desumano e descarado no vampirizar das classes trabalhadores – que as contas públicas estão como dizem que estão.

Relembro o que aqui já afirmei vezes sem conta. Os desempregados e os trabalhadores com baixos salários consomem o menos possível – e, na maior parte dos casos, nem o indispensável consomem. Em consequência, as empresas produzem e vendem cada vez menos, muitas vêem-se obrigadas a fechar as portas, logo aumenta ainda mais o desemprego. A juntar a isto – e em sua consequência directa – as receitas do IVA, do IRS e do IRC não sobem, embora subam as prestações sociais. É um círculo vicioso infernal, mas necessário à acumulação de capitais, como provam os lucros dos bancos e os balanços das empresas que prestam serviços essenciais, aliás, já devidamente privatizadas, ou a caminho de o serem a 100%.

Por isso, torna-se necessário fechar escolas, centros de saúde, hospitais e aumentar os preços dos serviços públicos, mesmo que isso ponha em risco a saúde e a vida de milhares de portugueses.

Na sua louca cavalgada, Sócrates e companhia não mostram respeitar nada, nem ninguém. Da mais frágil das crianças, ao mais débil dos idosos, todos estamos a ser triturados pela maioria absoluta do PS. É a carnificina absoluta que o governo socialista tem em marcha.

Nenhum meio será excessivo para travar esta bestialidade.

Por isso, é preciso dizer «Basta!» a estas bestas.


(Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 22/02/2006)

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