15/02/2006

Hoje, estou muito satisfeito…

Hoje, estou muito satisfeito. Ao contrário do que é habitual, só tive boas notícias, daquelas que me fazem perceber como a nossa civilização, a nossa cultura, o nosso sistema económico e o nosso sistema político são a coisa melhor que há. Que nunca se desfaçam!

Eu explico: em 4 de Dezembro de 2003, e a propósito de um relatório do Banco de Portugal, escrevia eu, no editorial do jornal Outra Banda, o seguinte: «É neste cenário absurdo que o Banco de Portugal veio dizer, pela severa pena do socialista Constâncio, que o pagamento das pensões e as despesas com o subsídio de desemprego estão a complicar a consolidação orçamental. Por outro lado – e aqui é que está o busílis – a esperada retoma só poderá acontecer para o ano (e é se for…) se houver contenção salarial». Escrevi isto, notem bem, em Dezembro de 2003.

Dois anos e dois meses depois, o mesmo senhor Constâncio vem dizer que a economia portuguesa só regressará a um crescimento "mais normal" dentro de dois ou três anos, mas que tal não significará a retoma da convergência geral com a média da União Europeia, o que quer dizer: ninguém pense em melhorar, em ganhar mais, se trabalha por conta de outrem. E nem é preciso sermos bruxos para sabermos que, daqui a outros dois ou três aninhos, o mesmo senhor (ou outro igual a ele), dirá aos portugueses o mesmo que disse agora, e que, como acabámos de lembrar, já tinha dito em 2003..

Pois foi. A retoma não aconteceu em 2005, apesar das palavras de 2003 para se justificarem os cortes orçamentais na Saúde, na Segurança Social e, principalmente, apesar dos funcionários públicos terem sido aumentados sempre abaixo da inflação. Houve contenção salarial, os portugueses fizeram sacrifícios, muitos sacrifícios, (menos o senhor Constâncio e respectivo séquito, actual e passado, menos os senhores deputados e membros do Governo, menos o senhor presidente da República e os ex-presidentes da República, menos os senhores presidentes das câmaras municipais e seus vereadores, menos os senhores presidentes disto e daquilo e respectivas equipas de gestão, menos os senhores que se assentam nos conselhos de administração das empresas públicas e que, como os outros que atrás disse, vivem do erário público, ou seja, do nosso rico dinheirinho, já para não falarmos dos donos dos bancos e das companhias de seguro, ou dos grandes grupos económicos, porque esses só fazem um «sacrifício»: o de viverem à grande e à francesa, expressão que mais deveria ser: «À grande e à portuguesa»), então, como eu dizia, os outros portugueses todos fizerem (que remédio!), os sacrifícios que sabemos, mas, ou porque os governantes não prestam para nada, ou porque a coisa está feita para ser assim mesmo, tudo está como estava em 2003 – ou pior.

E pergunta o Zé, mas aquele Zé que não é estúpido de todo, aquele que já percebeu que aqui anda marosca – e da grossa: «Então, isto é sempre o vira o disco e toca o mesmo, que é como quem diz: isto toca sempre aos mesmos? Pagam uns a engorda dos outros? Mas a malta não aprende?».

Parece que não. Somos levados ao engano, como o touro na arena, e até parece que gostamos, de tão mansos, cegos e broncos que somos. Disse alguém que o homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra; e quem descobriu a anomalia, decerto ainda não conhecia o caso português, se não diria, em vez de duas, uma data delas, que arriscar um número, e acertar, deve ser mais difícil que adivinhar a chave do euromilhões.

Mas isto estou eu farto de dizer, e só o repito para desabafar – e, também, na esperança que algum cego me ouça, um cego dos piores, que, como sabemos, são aqueles que não querem ver. Que me ouça… e abra os olhos. Mas, disse eu que hoje só falava de coisas boas e, pelos vistos, estava a tentar ser irónico. Nada disso, são boas as notícias do Banco de Portugal e do socialista Constâncio, pois indo os portugueses continuar a apertar o cinto, sempre será uma ajuda na luta contra a obesidade e o colesterol, apesar de alguns dizerem que se engorda muito mais por se comer mal, do que por comer muito.

Depois, quero dizer da minha satisfação ao ver os civilizadíssimos, corajosos e honrados soldados britânicos da força de ocupação do Iraque a espancarem garotos desarmados, após terem sido convenientemente arrastados para um pátio resguardado, numa demonstração do que é o verdadeiro espírito ocidental, quando lhe soltam a rédea. Garotos ingratos, que apedrejaram os seus benfeitores e nunca mais aprendem que devem os povos primitivos sujeitar-se às botas invasoras, pois o que a invasão lhes leva, já não é tanto a cruz (se é que alguma vez o foi, e não passava apenas de pretexto) mas o modo de vida ocidental, brilhante, justo, humano, solidário, até ao dia em que só haja Ocidente até à consumação dos séculos. Ámen. E isto é coisa que, certamente, com jeitinho ou à bomba, se há-de ensinar a toda a gente, o que sempre será mais fácil do que pôr a terra a girar ao contrário, fazendo o sol nascer do lado da gloriosa mãe de tudo o que é bom, a fantástica nação norte-americana. YESSSSS!

Por isso, também fiquei muito contente com as notícias que nos falam do próximo ataque dos EUA ao Irão, não só para impedir que eles recebam euros em vez de dólares pelo petróleo que por lá existe, mas porque a energia nuclear está totalmente proibida a gente de cor menos clara, ou mesmo escura, a menos que se trate de alguém de alguma confiança (até ver), como os paquistaneses ou os indianos, ou, tão forte, como os chineses, que ainda é arriscado aos rambos armarem-se em maus com gente mais musculada. Para o Irão, pois, rapidamente e em força, principalmente porque a produção de petróleo já passou o seu pico e há que arrebanhar o que resta.

Outra notícia deliciosa prende-se com a ida de dona Fátima Felgueiras à outra Fátima, a da Nossa Senhora, acompanhada por uns milhares de felgueirenses, ao que consta em manifestação espontânea, o que muito surpreendeu a distinta e católica senhora. Se eu fosse o Major Valentim, aproveitava a deixa e rumava já à Terra Santa, mais uns milhares de Gondomarenses, e, no caso de Isaltino, fazia uma excursão ao Vaticano, com passagem pela Suiça, levando, pois claro, os seus apoiantes de Oeiras. Depois disso, que poderes terrenos se atreveriam a pedir-lhes que prestassem contas à Justiça, sem que corressem o risco de arderem juízes, tribunais, Código do Processo Penal e demais instrumentos judiciários, nas profundezas crepitantes do inferno?

Festejemos, agora, os mais de 370 despedimentos (372, para sermos exactos) que a fábrica de calçado luso-alemã, chamada Rohde, vai realizar em Pinhel. Nem os vários processos de “lay-off” a que a administração recorreu em 2004 e 2005 salvaram a empresa, o que quer dizer que esse famoso expediente legal não serve para nada, a não ser para ir buscar ao Estado mais umas coroas destinadas a financiarem a deslocalização que se segue. Mas a notícia é boa, porque vem provar uma velha teoria que nos diz que a raça humana é mais débil do que as outras espécies do reino animal, porque usa roupa e calçado a partir do momento em que nasce. Se fizermos, por exemplo, como as aves, como os ratos, como os cães e os gatos, que nunca se vestem, saberíamos suportar o frio e a chuva e, de um modo geral, todas as agressões climatéricas, como esses animais suportam.

A Rohde, ao fechar a sua fábrica, por alegada quebra nas encomendas, só prova que as políticas seguidas pelos nossos governos, e inspiradas e aplaudidas pelo senhor Constâncio, o tal socialista que governa o Banco de Portugal, estão a ensinar os portugueses a viverem de forma mais saudável, o que significa comer pouquíssimo e andarem nus e descalços, daí a menor procura de calçado. Já viram algum pardal, às seis da manhã, na fila do centro de saúde dos pardais, só porque dormiu no ramo de uma árvore, em pleno Inverno, sem pijama, lençóis, cobertores e saco de água quente? Eu nunca vi. Finalmente, meus caros ouvintes, os portugueses começam a ver os resultados das corajosas políticas governamentais. E eram tão fáceis de adivinhar!

Não queria acabar esta conversa sem duas boas notícias Uma, é que a minha vizinha, a dona Maria Venância, viúva, vai receber, graças a mim, um subsídio do Estado para atenuar as suas dificuldades. É que eu vi-a prestes a deitar fora a carta da Segurança Social onde era informada de que, se tivesse mais de 80 anos e recebesse menos de não sei quantos euros por ano, podia requerer esse subsídio. «O que é que está fazer, dona Venância?», perguntei eu, suspeitando de que havia ali disparate. «É uma carta qualquer, mas eu não percebo nada daquilo…», confessou ela, habituada que está a receber muita palha e conversa da treta na caixa do correio. «Mostre cá». Ela mostrou, eu li e perguntei-lhe: «Já tem mais de 80 anos?». Respondeu: «Já. E já não devo andar por cá muito mais tempo». E eu: «E quanto é que recebe de pensão por ano?». «Eu sei lá disso, filho! Eu nem sei quanto recebo por mês, agora cá por ano… Olha, só sei que é pouco». A boa notícia é, portanto, esta: fi-la guardar a carta e encaminhei-a para uma amiga minha que, aqui na nossa freguesia, trata destas e doutras papeladas. Com esta não se safa o Sócrates. O pior, são os outros, aos milhares, que não têm a sorte de conhecer um gajo porreirinho como eu…

A outra notícia ainda é melhor. Está para breve, por iniciativa do PS, a discussão da possibilidade dos meninos e das meninas, e dos homens e das mulheres com opções sexuais anormais, quer-se dizer: que gostem de fazer sexo com parceiros do mesmo exactíssimo sexo – e se digo anormais não é com sentido depreciativo ou insultuoso, mas porque estou convencido que a maioria dos seres humanos não tem essas opções sexuais, preferindo ir a vias de facto com indivíduos do sexo oposto, o que também é normal, se quisermos perpetuar a espécie – mas dizia eu, está para breve a discussão, por iniciativa da JS, da possibilidade de termos casamentos homossexuais. E se esta notícia já é boa, a melhor – e é a ela que me refiro – é a que li ontem, segundo as quais existem cães sexualmente abusados por humanos. É também uma opção sexual, tão legítima como outra qualquer, prova do amor sem limites que pode haver entre um canídeo e um humano. E quem fala em cães fala em galinhas, em vacas e mulas, e bastante bibliografia existe a relatar-nos casos destes amores extremos. A Selva, de Ferreira de Castro, por exemplo.

E… já agora: se a lei pode vir a contemplar o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, pelas razões sabidas e, entre elas, porque as coisas são como são – e nada há como encarar a realidade – não estaremos a um passo de, para além de podermos casar com o nosso cão, cadela, galinha ou avestruz, podermos dar forma de lei àquilo que ainda é mais comum no plano amoroso e sexual: o casamento polígamo, ou seja, cada um casar com quantos amores, aconchegos ou arranjinhos, relações tiver, se para aí lhes der a veneta?

Não! Não me digam que a poligamia não faz parte da nossa cultura cristã, ocidental. Mentir em certas coisas, como, seja na política, até se compreende. Mas mentir nisto, francamente, já me cheira a hipocrisia…


(Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 15/02/2006)

1997, 2007 © Guia do Seixal

Visões do Seixal Blog Directório Informações Quem Somos Índice