25/01/2006

Absolutamente…

Acabou-se a barafunda eleitoral. Entrámos no tempo do silêncio e dos tons escuros. Dos cinzentos carregados, quase pretos. Mas não interessa, porque agora Portugal vai ser, a curto prazo, um país moderno e desenvolvido, pois o governo pode concretizar o seu programa sem obstáculos. Sócrates tem, na Assembleia da República, uma maioria absoluta que lhe obedece. Na presidência da República, vai ter alguém que nada terá a apontar à governação, se ela for aquilo que tem sido, e se quiser levar por diante o que tem ameaçado fazer. O engenheiro Sócrates está, portanto, nas suas sete quintas. Aliás, convém não esquecer que o primeiro-ministro se situa, em termos ideológicos, ao lado de Cavaco Silva, e nem se pode dizer que seja do lado esquerdo. Há, de resto, no PSD, muita gente que é menos de direita do que Sócrates e o resto da facção que, no PS, apoia o actual líder e as suas políticas. Deus e os anjos, finalmente, encontraram-se… Isto não é uma crítica, nem é, sequer, uma afirmação irónica. É a constatação da realidade. Soares e Alegre que o digam, se é que aprenderam alguma coisa.

Então, com este governo, chefiado pelo mais inteligente e firme primeiro-ministro que alguma vez tivemos, e com este presidente, o mais competente e sério cidadão de Portugal e dos Algarves, o país vai entrar, finalmente, nos eixos. Acabará, por exemplo, a corrupção e o amiguismo, porque Cavaco Silva não pactua com essas coisas, como, de resto, compete ao mais alto magistrado da nação.

Por exemplo: Se Cavaco já fosse presidente, teria perguntado ao PS porque carga de água a menina Maria Monteiro, filha do antigo ministro, António Monteiro, e que actualmente ocupa o cargo de adjunta do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, vai para a embaixada portuguesa em Londres. É que, para que a mudança seja possível, José Sócrates e o ministro das Finanças descongelaram, a título excepcional, uma contratação de pessoal especializado.

O mesmo porta-voz, o subtil e gentilíssimo Carneiro Jacinto, explicaria a Cavaco que a contratação de Maria Monteiro já tinha sido decidida antes do anúncio da redução para metade dos conselheiros e adidos das embaixadas. As medidas de contenção avançadas pelo actual governo, nomeadamente o congelamento das progressões na função pública, começam, como se vê, a dar frutos. É que são os sacrifícios pedidos aos portugueses que permitem assegurar a carreira desta jovem de 28 anos que, apesar da idade, já conseguiu, por mérito próprio e com uma carreira construída a pulso, atingir um nível de rendimento mensal superior a 9.000 euros, isto é, mais de 1.800 contitos.

E, se as explicações de Carneiro, que também é Jacinto, não fossem suficientes, Sócrates acrescentaria que é desta forma que se cala a boca a muita gente que não acredita nas potencialidades do nosso país, aos refilões do costume, que só sabem criticar a juventude. Eles que ponham os olhos nesta miúda. E Cavaco não teria outro remédio senão calar-se…

A título de curiosidade, o salário mensal da nossa nova adida de imprensa da embaixada de Londres daria para pagar as progressões de 193 técnicos superiores de 2.ª classe, de 290 Técnicos de 2.ª classe ou de 290 Assistentes Administrativos. O mesmo salário daria para pagar os salários de, respectivamente, 7, 10 e 14 jovens como a Maria, das categorias que referi, que poderiam muito bem despedir-se, por força de imperativos orçamentais. Estes jovens sem berço, que ao contrário da Maria tiveram que submeter-se a concurso, também, ao contrário da Maria, já estão habituados a ganhar pouco e devem habituar-se a ser competitivos, não é?

Mas a menina Maria merece, certamente. Só assim se compreende que, e também a título de exemplo, para lhe pagar o salário sejam necessários os descontos de IRS de 92 portugueses com um salário de 500 Euros a descontar à taxa de 20%. Mais do que descontam os bancos de IRC, lembram-se?

Mas se Cavaco também já fosse presidente quando o primeiro-ministro se estampou durante uma férias na Suíça, certamente lhe perguntaria como raio conseguiu ele ser tratado tão bem e tão depressa ao joelhinho – e parece que de borla, sem pagar taxas moderadoras ou a parte não comparticipada, especialmente depois de ter esclarecido o país que o seu sistema de saúde era exactamente o mesmo que queria impor aos magistrados judiciais e do Ministério Público e aos oficiais de Justiça, ou seja, o tal do cartãozinho da ADSE.

É que o cidadão (porque foi nessa qualidade que foi esquiar para a Suiça) José Sócrates Carvalho Pinto Sousa, mal chegou a Lisboa, após o infeliz trambolhão, fez uma ressonância magnética e foi submetido a uma artroscopia no Hospital da Força Aérea. A operação foi executada pelo dr. Henrique Jones, militar e médico da selecção nacional de futebol.

Segundo os dados conhecidos, não consta que o cidadão Sócrates tenha apresentado o seu cartão da ADSE, tenha marcado consulta e ficado a aguardar por uma data na agenda do médico, tenha ido às seis da manhã para a fila de espera, ou que seja militar de carreira ou na reserva, aviador ou pára-quedista, para ter o privilégio de ser imediatamente consultado, operado e assistido no Hospital da Força Aérea, seguramente com a comparticipação compulsiva de todos os contribuintes portugueses.

Bom. Ou Sócrates tentou enganar a opinião pública, fazendo-nos crer que o seu sistema de saúde é igual ao de todos os funcionários públicos, ou estava a querer dizer – o que é o mais certo – que, a partir de agora, todos os magistrados judiciais e do Ministério Público, bem como os oficiais de Justiça vão passar a marcar consultas instantâneas, operações imediatas e assistências permanentes no Hospital da Força Aérea.

Mas dizia eu que, com a dupla Cavaco/Sócrates, Portugal vai entrar nos eixos. Já se viu que acabarão os tachos, a cunhas, os famosos jobs for the boys and girls. Acabará a corrupção, e o Estado poupará os milhões de euros que, até agora, encarecem as obras públicas para entrarem nos cofres dos partidos e nos bolsos dos angariadores de fundos. Teremos as contas públicas equilibradas; o desemprego na taxa zero, ou lá perto; salários dignos e actualizados, de forma a repor o poder de compra dos trabalhadores; Saúde e Segurança Social garantidas para todos os portugueses; justiça fiscal, com todos a pagar sobre tudo o que ganham, sem excepções; Ensino de qualidade e para todos, com escolas decentes e dignas de um país europeu; uma Justiça liberta das grilhetas dos partidos, onde os Bibis sejam julgados e condenados, se for caso disso, mas, a par deles, também os Bibis de colarinho branco e fala fina, sejam ministros, ex-ministros, deputados, embaixadores, artistas, apresentadores de televisão, comentadores ou futebolistas prestem as devidas contas à Justiça.

Estava eu a ler estas linhas a um amigo, quando ele me interrompe e pergunta:

- Tu estás bem da cabeça, pá? Já percebeste bem o que estás para aí a dizer?

E eu, a fazer-me de novas: - Mas a dizer o quê? Não é mais ou menos isto que eles prometeram? O senhor professor Cavaco Silva não é um homem sério, de palavra? Não vai ele exigir do governo, como a Constituição lhe impõem, respeito pelos governados e muita decência na governação?

- Achas? – retorquiu o meu amigo. – Bem, se não te saiu o euromilhões e não te juntaste ao grupo dos homens ricos deste país, então juntaste-te aos outros, aos… tontinhos, aos ingénuos. Isto vai tudo continuar na mesma, ou pior, porque eles agora têm o poder absoluto: governo, presidência da república e parlamento. Estamos lixados. Absolutamente lixados.

Dei uma gargalhada. Ou a minha ironia falhara, ou era o meu amigo que ficara apanhado pelos resultados das presidenciais. Bloqueado.

Mas decidi não reformular a crónica. Sempre quero ver o que pensam os meus amigos ouvintes, aqui, na nossa Rádio Baía.


Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 25/01/2006

2 Comments:

Blogger x said...

Caro João Carlos

Estive hoje a escutar na Rádio Baía a leitura da tua crónica, assim como os comentários que se seguiram efectuados pelos fieis ouvintes que para lá ligaram, tendo ficado um pouco decepcionado pelas intervenções produzidas, em especial por uma delas em que se dizia mais ou menos que, com o resultado das eleições presidenciais, qualquer dia destes o Partido Comunista teria de passar à clandestinidade.

Isto fez-me reflectir e questionar-me sobre o pensamento de algumas pessoas que se dizem comunistas, filiadas ou não, que continuam agarradas a um passado de há mais de 30 anos e que dificilmente conseguem viver sem estigmas e sem auto-flagelações.

Não está em causa renegar seja ao que for, pois os comunistas devem orgulhar-se do seu passado, mas tão somente evoluir para o tipo de mundo global em que vivemos, onde já não existe o tal sol vindo de leste e em que as sociedades, mesmo as mais atrasadas, têm vindo a desenvolver outro tipo de pensamento e de actuação.

Eu sou daqueles que não embarco nem acredito em “esquerdas modernas” – por muito que nos queiram fazer crer que têm soluções para tudo – mas acredito que pode haver uma esquerda fiel aos seus princípios, mas que evolua de acordo com a época em que vivemos, sem ter sempre a sombra e o complexo do passado.

As votações que o Partido Comunista Português obteve nestas 3 últimas eleições deveriam servir para que os seus militantes e simpatizantes pudessem entender que é possível crescer a base de implantação, desde que se saiba construir um Partido moderno, fiel aos seus princípios ideológicos, mas também progressista e defensor de todas as classes. Hoje já não é mais possível dizer-se que todos os patrões são capitalistas e todos os trabalhadores são explorados. Deve existir uma sã e fiel convivência porque há lugar para todos, sem radicalizações nem epítetos perfeitamente ridículos.

A juventude, que por natureza é sempre – e deve continuar a ser – contestatária, é um sector que nem sempre tem sido devidamente aproveitado pelo Partido Comunista, na medida em que, para estes, o passado e o 25 de Abril pouco mais representam do que um feriado nacional, salvo aqueles que por motivos familiares estão um pouco mais esclarecidos.

A juventude necessita de ouvir propostas para o futuro e não quer saber de clandestinidades ou de torturas; a juventude quer é um mundo melhor e mais igualitário com oportunidades para todos e sabe que o seu contributo é fundamental para transformar esta sociedade que cada vez se degrada mais.

Se me é permitida a ousadia, penso que o Partido Comunista deveria olhar mais para o futuro e menos para o passado, competindo a todos os verdadeiros comunistas transmitirem uma palavra de esperança e não de propostas de clandestinidade.

Um abraço para ti e o desejo de que continues sempre a lutar por aquilo em que acreditas. Todos nós deveríamos fazer o mesmo.

25/1/06 4:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Obrigado, amigo Celino, pelo teu comentário, onde reconheço a palavra descomprometida e sincera.

O conteúdo desse teu comentário levou-me a pensar no papel dos partidos, nos dias que correm, e da sua (in)utilidade no processo democrático. Há dias, ouvi dizer que o professor Marcelo decretara que a nossa democracia estava gasta, ou envelhecida, não sei bem que termo usou, mas a ideia seria esta.

Eu acho que ela, a democracia, ainda não passou da infância. O que acontece, quanto a mim, é que está ser transviada pelos encarregados da sua educação. Quase poderei dizer que sofre de constantes acessos pedófilos.

Isto porque os partidos, na sua maioria, longe de serem pólos aglutinadores de extractos sociais homogéneos e ideologicamente consistentes, reflectindo ideologias e propostas políticas coerentes e bem definidas, não passam de bolsas de interesses restritos, afinadíssimas máquinas de servir clientelas.

O interesse nacional, para os partidos que têm exercido o poder, não é - nunca foi - um fim, mas sempre um pretexto. Por isso, a actividade política e partidária é tida, cada vez mais, como algo de nefasto e infame, uma fatalidade para a qual os cidadãos ainda não encontraram alternativa.

Tenho dito, várias vezes, que a democracia é a maior - e a melhor - empresa empregadora nacional. Desde as juntas de freguesia (onde, apesar de tudo, ainda se vê mais dedicação e devoção, mais desinteresse e honestidade na gestão da coisa pública), até chegarmos à presidência da República, passando pelas cerca de quatrocentas câmaras municipais, cadeirões de deputados, ministérios, secretarias de Estado, fundações e institutos, senta-se uma autêntica camarilha (apetecia-me dizer: corja) de oportunistas e malfeitores, cujo principal mérito é terem sabido subir dentro dos respectivos aparelhos partidários ou, como também acontece, com eles trocarem favores, designadamente essa promíscua troca de cadeiras entre os ministérios e os conselhos de administração de grandes empresas.

É neste quadro perverso que se move o PCP, tratado pelos media como o patinho feio da democracia, de tal modo que um estudo publicado durante a última campanha eleitoral, demonstrava que Jerónimo de Sousa tinha, nos serviços noticiosos de toda a comunicação social, uma parte ínfima da que era reservada, sob os mais variados pretextos, aos outros candidatos.

Apetece dizer que, bem vistas as coisas, na clandestinidade já o regime colocou o PCP.

Também considero que há muitos militantes comunistas que, sentindo-se injustiçados pelo facto de os resultados eleitorais não reflectirem aquilo que eles julgam que o PCP merecia, se agarram demasiado ao passado, à única coisa «palpável» que ainda têm, ou seja, o papel insubstituível do PCP na luta pela liberdade, pela democracia política, social, económica e cultural e, consequentemente, no derrube da ditadura.

Mas também considero que o PCP está no caminho certo para se tornar mais «compreensível» por camadas sociais mais jovens e também por outras que, até aqui, não se identificaram com o partido.

Jerónimo de Sousa está a conseguir, com a sua convicção e combatividade, com uma linguagem de verdade e limpa de artifícios ou ambiguidades, com a evidente sinceridade de quem não precisa de mentir nem de esconder quando fala ao povo português, fazer-se entender muito bem.

Quase concordo contigo quando dizes que nem todos os patrões são capitalistas, e nem todos os trabalhadores são explorados. Há patrões explorados por outros patrões, de tal maneira que a actual avalanche neo-liberal (desculpa o chavão) os está a engolir e a levar à falência.

Mas todos os trabalhadores são, muito ou pouco, explorados, pois não reverte para eles grande parte do que produzem. E isso não seria um crime - ou mau de todo - se o que não reverte fosse aplicado em mais investimento, no desenvolvimento harmonioso, justo e humanizado do país, e, claro está, também servisse para compensar de forma equilibrada e decente o investidor.

Porém, o que acontece? O que não reverte para os trabalhadores e vai para os cofres do Estado, serve para quê? Para nos dar mais saúde, melhor educação, melhores infra-estruturas, melhor protecção na infância e na velhice?

Não, como sabes. Diz a UE que, em Portugal continua a aumentar o fosso entre ricos e pobres, mas que, enquanto os trabalhadores são os mais mal pagos da Europa, os políticos e os grandes quadros das empresas equivalem-se nos proventos - e até ultrapassam - os seus similares da mesma UE.

Por isso, enquanto a venda carros de pequena e média cilindrada estagnou ou baixou, os topo de gama continuam a registar aumentos astronómicos nas vendas. O mesmo se passa com a habitação. Milhares de famílias são desalojadas ou forçadas a vender a sua habitação, enquanto os condomínios e as moradias de luxo não chegam para as encomendas.

Se não se pode chamar exploração a isto, então, que termo devemos utilizar, meu caro amigo? Estou aberto à adopção de outro vocábulo que defina melhor a situação.

Desculpa se me «estendi», mas as palavras continuam a ser como as cerejas. E muito mais baratas...

Um abraço

João Carlos Pereira

30/1/06 4:13 da tarde  

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