16/11/2005

Era só o que faltava!

Primeiro acto
A Unidade de Queimados do Hospital D. Estefânia, que funcionava há mais de 17 anos (e era a única existente no País), fechou recentemente, por decisão iluminada do ministro da Saúde do Governo socialista do engenheiro Sócrates. Segundo o notável governante, o fecho deve-se ao facto de aquela unidade funcionar sem condições. Acho bem. Porque é que as pessoas, especialmente as crianças, se queimam? Essas coisas só acontecem a quem brinca com o fogo, e os tempos de crise que vivemos não estão para brincadeiras. Aliás, cá para mim, este saudável princípio deve ser alargado a mais valências do Sistema Nacional de Saúde, a começar já por todas as urgências. De facto, há algum serviço de urgência que funcione bem? Nenhum! Zero! Então, toca a fechá-los!
E depois, quem é que aparece nas urgências? Os descuidados, os distraídos, os que abusam da bebida, da comida, enfim os que andam à chuva, e, tá claríssimo, molham-se. Ou então, os gajos que caem dos andaimes, porque são descuidados, e depois cá está o OGE para sofrer as consequências.
Ah! Esse não é o seu caso: você foi atropelado na passadeira, ou ia muito sossegado no seu carrinho quando um condutor sem carta, e ainda por cima com álcool a mais no sangue, lhe bateu em cheio? E depois? Se fosse com mais atenção, evitava chatices para si e para o erário público. Olhe, se fecharmos as urgências, quer apostar que as pessoas passam a ter mais cuidado? Assim facilitam, ou não é? Abusam dos seus privilégios, a que chamam direitos. Já esteve nas urgências a apreciar aquilo, já? É só bêbados, drogados, velhos e velhas que não souberam, na devida altura, comprar um bom seguro de saúde ao senhor Bagão Félix, e agora pensam que o Estado está ali de pernas abertas para lhes tratar das maleitas nascidas dos seus descuidos e da sua imprevidência. Comem, bebem, passeiam, trabalham, andam por aí na farra, e, se calhar, queriam que o Governo matasse a cabeça a arranjar verbas para lhes pagar os vícios…
Não meus amigos, a crise não se compadece com este tipo de despesas. Depois, se a funcionar mal, já se gasta um balúrdio com a Saúde, para funcionar em condições, bem… e só fazer as contas, como dizia o outro. Um dia destes, ainda queriam que se reduzisse os ordenados dos políticos ou os lucros da Galp e da Banca para pagar esses luxos. Por tudo isto, se a Unidade de Queimados funcionava mal, o remédio não era pô-la a funcionar bem. Era só o que faltava!

Segundo acto
O sistema de defesa oficiosa dos cidadãos sem recursos económicos para pagarem a um advogado que os represente em tribunal, foi há dias posto em causa pelo brilhante ministro da Justiça do Governo socialista do engenheiro Sócrates. Segundo o ilustre governante, o sistema não está em condições de garantir aos cidadãos uma boa defesa. Então, segundo parece, o melhor é não garantir nenhuma. E sempre se poupavam umas coroas…
É assim mesmo! Ah, ganda ministro! Isso é que é tê-los no sítio! De resto, se a escumalha que não tem dinheiro para ter acesso à Justiça não tiver apoios, o mais certo é não se meter em alhadas. Haviam de ver como os tribunais se desentupiam logo e a Justiça funcionava sobre rodas. Ora bem!
Assim, não. Qualquer borra-botas pensa que pode ser tratado como os homens de bem, bem nascidos e melhor criados. Não, meus amigos. Sempre houve ricos e pobres, e, se assim é, se a sociedade assim está dividida, (certamente por vontade divina, a que os Bispos e os vários Sumo Pontífices nunca eficazmente se opuseram – e até, implicitamente abençoaram) porque há-de um governo dos homens, por mais democrata e socialista que seja – ou que diga sê-lo – contrariar esta ordem natural das coisas?
Se o acesso à justiça fosse igual para todos, seria uma balbúrdia, uma promiscuidade enorme, seria, ao fim e ao cabo, uma injustiça dos diabos. Já se viu, por exemplo, um pedófilo fino e muito bem encostado ao poder, a conviver, no mesmo estabelecimento prisional, com um pedófilo oriundo da escumalha? Admitir-se-ia uma coisa destas? Nem pensar!
Aliás, todos nós percebemos que, para um miúdo, ser abusado por um finório cheio de massa e todo perfumado, não é bem a mesma coisa que aguentar-se com um javardo da plebe, que fede por todos os poros. Até as chibatadas estimulantes, ou as palmadas excitantes que um e outro dão, têm efeitos diferentes. Haja mas é juizinho e cada macaco no seu galho, que é assim que a nossa sociedade está estruturada, isto faz parte da nossa cultura feudal e católica, apostólica, romana. Justiça de borla? Justiça igual para todos? Era só o que faltava!

Terceiro acto
O Salário Mínimo nacional vai subir 3%. Segundo o magnânimo primeiro-ministro do Governo socialista, este aumento de 11 euros e 20 cêntimos por mês (isto é: 37 cêntimos por dia, ou seja, 74$00 na moeda antiga) é o possível, porque não há condições para as empresas pagarem mais. Muito satisfeito, o engenheiro socialista, com aquela vozinha esquisita, cheia de requebros e entoações afectadas, explicou aos portugueses que se trata de um aumento superior à inflação prevista, o maior desde que há memória.
O que é se compra com 37 cêntimos, hoje em dia, confesso que não sei, mas só se for uma pastilha elástica para enganar a fome. Assim de repente, só me lembro de duas coisas que, por enquanto, ainda custam menos de um euro, mas mais de 50 cêntimos: a bica e alguns jornais. Tudo o mais nos custa acima dos antigos cem escudinhos. Mas o que eu sei é que a inflação prevista é uma ficção, uma fantasia, um logro, uma mentira descarada. Primeiro, porque a inflação que se prevê é sempre inferior à inflação que, depois, se divulga. Segundo, porque a inflação que se divulga nunca é a inflação real, pois essa, meus amigos, ultrapassa sempre – e em muito – os números divulgados. E nunca – mas nunca – os governos tiveram o cuidado (isto é: a decência) de corrigir estas contas. É roubo, é assalto descarado às bolsas dos portugueses – aos seus estômagos, à sua saúde, à educação dos seus filhos – porque os pressupostos que estiveram na base dos miseráveis aumentos não foram, afinal, respeitados. Ou seja: o Governo nem a sua palavra respeita, e fá-lo com o à-vontade de quem sabe que é intocável. De quem sabe que a escumalha não é capaz de lhe meter o dedo no nariz e dizer: BASTA! Também… era só o que faltava.

Quarto – e último – acto
O povo, essa «enorme e possante besta», no dizer de Erasmo, como aqui lembrámos há semanas, limita-se, pois, a comer e a calar. Enquanto isso, o ministro da Justiça nomeou uma tal Susana Isabel Costa Dutra para assessora, com a notável e nobilíssima função de manter os conteúdos da página oficial do MJ na Internet. Para tal, a graciosa “girl” vai receber 3.254 euros por mês, mais subsídio de refeição, sendo que, em Junho e Novembro de cada ano, em vez desses 650 continhos, recebe 1.300.
Jorge Sampaio, cheio de furores republicanos, comprados no Bazar Chinês que abriu, há meses, mesmo ali ao lado dos pastéis de Belém, e depois de meditar longamente sobre questões de ética democrática, coisa que lhe começou a dar após as trapalhadas de Santana, ainda não disse nada sobre este nefando acontecimento, o que muito se estranha e lamenta. Já há quem diga, por isso, que o venerando Chefe de Estado é um daltónico selectivo, pois só vê trapalhadas se elas vierem pintadas em tons cor-de-laranja, tendo, pelo contrário, uma incapacidade absoluta para distinguir as que, por mais gigantescas que sejam, apareçam pintadas de cor-de-rosa.
Por isso, um amigo meu transexual, que trabalha no SIS (Serviços de Informação e Segurança), conhecido pelo nome de guerra de Mata Hari, fez-me chegar às mãos uma nota anónima que alguém deixou sobre a secretária de Sua Excelência. Diz ela – a nota:

«A propósito de contenção na despesa pública e do despacho do Ministro da Justiça, que nomeou uma assessora para manter o site do MJ, cumpre dizer que, se estivéssemos num país a sério, o Ministro, no mínimo, arriscava-se a ser chamado à pedra por forte suspeita de delapidação de dinheiros públicos.
De facto, o Ministério da Justiça tem uma coisa chamada (Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça). Ocupa um edifício de 7 ou 8 pisos. Trabalham lá cento e muitas almas, a grande maioria delas, supostamente, especialistas na área da informática. Tem um organigrama cuja dimensão pede meças aos gigantes da informática, tipo IBM, Microsoft, Oracle e outras. Aquilo tudo fica ao Estado, que é como quem diz, ao nosso bolso, em muitas dezenas ou centenas de milhares de contos por mês. Então (e aqui até estou a dar um grito capaz de acordar a vizinhança) naquela mastodôntica estrutura de tecnologia informática não haverá um raio de uma alminha, uma só que seja, que saiba o suficiente de web sites para dar uma mãozinha na manutenção de um site tão indigente como o do MJ, sem se gastar nem mais um tostão? Foi preciso contratar uma assessora a quem pagam mais de 600 contos por mês só para "manter" o site? Para que raio serve o ITIJ se não for para coisas básicas e comezinhas como manter um site do próprio Ministério de que depende?
Isto é gravíssimo e a solução só pode ser uma de duas: ou o Ministro emenda a mão, demite a assessora e incumbe o ITIJ de manter o site, visto que é quem tem o dever legal de o fazer, ou então extingue o ITIJ imediatamente, posto que parece não servir para coisíssima nenhuma, nem mesmo para executar uma tarefa tão básica como seja manter um simples site como o do MJ – coisa que qualquer estudanteco de informática estaria disposto a fazer à borla, só para manter o treino e fazer currículo... As duas coisas – a assessora (salvo seja, que nada tenho contra a senhora) e o ITIJ – é que não podem continuar!

Cumpre-me apenas acrescentar, para que se façam as devidas comparações, que o salário ilíquido de um Juiz do Tribunal de 1.ª Instância (em início de carreira) é no valor de 2.355 euros (mais ou menos 470 contos) portanto inferior ao salário da dita assessora, que não tem, designadamente, nem a responsabilidade funcional, nem o risco, nem as restrições pessoais e estatutárias, de exclusividade, obrigação de residência e restrição de ausência da área de circunscrição, a que todos os Juízes estão sujeitos. É esta a valoração que se faz em Portugal dos titulares do órgão de soberania Tribunais...».

Fim de citação!

Despedir a assessora? Extinguir o Instituto?

Ó meus amigos… Era só o que faltava!

Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 16/11/2005

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