14/09/2005

O Passeio dos Pategos

Antes de ir ao tema principal da crónica de hoje, quero dar-vos aqui uma grande notícia. O crime compensa! Nem mais. Depois de ter cortado 80 por cento nas verbas para o reforço dos diques que, se estivessem em condições, teriam evitado a tragédia de Nova Orleães e de outras zonas do sudeste dos EUA, são agora empresas ligadas a altas individualidades do governo norte-americano – e de outros organismos oficiais – que já estão no terreno a proceder à recuperação e reconstrução das vastas áreas afectadas. De facto, pelo menos duas empresas do construtor de lobies, Joe Allbaugh, antigo chefe de campanha de George Bush, e ex-director da FEMA (que é a Agência federal incumbida de gerir recursos em caso de situações de emergência, para além de prever e propor soluções que impeçam ou atenuem os efeitos das catástrofes) «já foram escolhidas para iniciar trabalhos relacionados com a reconstrução ao longo da fustigada região do Golfo do México. Uma delas é a Shaw Group Inc. e a outra a Kellogg Brown and Root, subsidiária da Halliburton Co. Recorde-se que o vice-presidente norte-americano, Dick Cheney, presidiu a esta empresa que também chamou a si chorudos contratos governamentais no Iraque». Isto li eu no Correio da Manhã, que acrescenta:
«Já a Becht National Inc. foi seleccionada pela FEMA para fornecer casas pré-fabricadas para as dezenas de milhar de pessoas desalojadas pelo ‘Katrina’. Além disso, muitas das empresas que procuram agora garantir contratos na sequência do ‘Katrina’, são as mesmas que já receberam milhares de milhões de dólares referentes a trabalhos no Iraque. Só a Halliburton ganhou mais de nove mil milhões de dólares com contratos em território iraquiano». São milhões que estão em jogo, assegura o jornal, pois «Allbaugh, muito próximo do actual director da FEMA, Michael Brown, foi dispensado pela Halliburton tendo seguido imediatamente para ‘conselheiro’ dos republicanos. Meses depois, a Halliburton contratou outro alto responsável nomeado por Bush, Kirk Van Tine. Este passou a trabalhar para a Halliburton seis meses depois de se demitir do cargo de subsecretário dos Transportes, que ocupou entre Dezembro de 2003 e Dezembro de 2004».
Diga-se ainda que as duas empresas que já asseguraram contratos para a reconstrução de Nova Orleães, estão praticamente em todos os ‘negócios’ envolvendo a administração Bush. Na sexta-feira, a Kellog Brown & Root recebeu 29,8 milhões de dólares do Pentágono para contratos destinados à reconstrução de bases da Marinha no Louisiana e no Mississippi, enquanto a Shaw Group Inc. arrecadou 100 milhões após um contrato com a FEMA.
É este fartar vilanagem, bem ao estilo de governação norte-americana, que serve de exemplo aos nossos governos, especialmente quando são do Partido Socialista, pois aí os vemos no mais desenfreado regabofe ao nível dos favores e do toma-lá-dá-cá, de que os recentes casos de Armando Vara e Fernando Gomes não passam de meras pontinhas do icebergue. Para até o socialista João Cravinho dizer que essas nomeações foram tiros no pé do PS, veja-se ao que chegámos! E quando chegarmos à Ota e ao TGV, o melhor é o Orçamento de Estado ir metendo já as barbas de molho… Soube agora mesmo que o PS quer pôr o socialista Oliveira Martins a presidir ao Tribunal de Contas, óptima maneira de nunca mais ter problemas ao nível das contas do Estado. Fartar vilanagem já é pouco para caracterizar o escândalo da governação socialista.
Então vamos lá, agora, ao passeio dos pategos, que não é tão fora destes assuntos como parece. Aqui há dias, as mais altas individualidades deste país, acompanhadas de outras menos altas individualidades locais e regionais, foram todas para Tróia assistir, babadinhas do mais puro gozo, à implosão de duas torres. Com o Grande Merceeiro, Belmiro de Azevedo, a fazer as honras da casa, lá foram Sócrates e demais ministralhada (desculpem-me o neologismo, mas é a palavra que me soa melhor para definir este bando de figurões) observar mais uma acção comprovativa de que Portugal é um país moderno. Implodir duas torres de meia altura, é coisa corriqueira em qualquer país mais ou menos civilizado, onde só junta meia dúzia de curiosos sem mais que fazer. Por cá, pára o Governo para que o senhor engenheiro (o Sócrates) finja que acciona o dínamo, e o outro engenheiro (o Belmiro), finja que é um patriota todo modernaço.
No fundo, o que todos ali estiveram a fazer, não foi tanto aquilo que parecia (Ó patego, olha a implosão!) mas uma bem concertada operação de propaganda do governo e do multimilionário que vai ganhar mais umas coroas com um empreendimento que as magníficas condições naturais da zona valorizam extraordinariamente. Falou Belmiro do seu amor à pátria, que só por ela de dispõe a arriscar as suas ricas massinhas. Falou Sócrates de sinais de recuperação económica, sem dizer que o indicador que tanto o fez esganiçar-se de gozo, resultou de os portugueses terem comprado, no segundo trimestre deste ano, umas coisinhas a mais, antes que o IVA subisse. Como aquilo que compraram a mais nesse trimestre, vão de certeza comprar a menos no seguinte, espera-lhe pela pancada…
Afinal, o que vai nascer em Tróia, e que tanto entusiasmou os dois engenheiros e as respectivas cortes, é um empreendimento de luxo para estrangeiros e portugueses endinheirados, com casino à mistura. Mas fechem-se as fábricas de norte a sul; deixe-se a agricultura arder e o interior do país desertificar-se até ficar um esqueleto ressequido; deixe-se as pescas afogarem-se num mar de interesses de países estrangeiros – que, depois, nos obrigam a comprar aquilo que eles pescam. Dê-se cabo da actividade produtiva e faça-se de Portugal uma república de casinos, hotéis e resorts, seja lá isso o que for, nem interessa, porque, de certeza, não é coisa que o português comum (para aí nove milhões e tal) possa cheirar. Vê de longe… e já goza. Abra-se – porque não? – uma rede de bordéis de luxo, que matéria prima não há-de faltar, nacional ou importada, e inventem-se novos jogos para fazer feliz o bom do Zé Povinho. Raspadinha, loto um e loto dois, totobola, joker, euromilhões, lotaria popular e clássica já é pouco! E entregue-se ao loby homossexual a programação do horário nobre de todos os canais televisivos. Invista-se, já agora, no turismo sexual para todos os gostos, com a pedofilia à cabeça, que, segundo parece, especialistas não faltam por aí.
Slogan, já tenho: Portugal! A Tailândia do Velho Mundo!
E é aqui que entra a ética republicana de que falou sua excelência, o Presidente da República, quando foi pedir respeito pelos funcionários públicos. A coisa é assim: o governo tira direitos aos funcionários públicos. Tira-lhes dinheiro, tira-lhes saúde, tira-lhes anos de vida, tira-lhes segurança, enfim, tira-lhes tudo o que lhes puder tirar. Em troca, a Presidência da República sugere ao governo que distribua por cada funcionário público quatro quilos e meio de respeito, faltando saber se isso inclui duas palmadinhas nas costas. Por outro lado, os cargos públicos, especialmente os que derivam de eleição, como os que enchem a AR, Belém, os ministérios, São Bento, Câmaras e Juntas, devem ser exercidos sem que daí resultem aproveitamentos pessoais e apego ao poder. É assim a ética republicana, descobriu sua excelência, notoriamente inspirado no lírico Manuel Alegre.
Consta que na Caixa Geral de Depósitos e na Galp, Armando Vara e Fernando Gomes deram graças a Deus por, afinal, isto não ser uma república, mas uma monarquia feudal, e Mário Soares o seu monarca. A menos que a ética republicana não se aplique aos socialistas. Sampaio não esclareceu este detalhe…
Mas a semana não acabou sem outro mimo. Ludgero Marques, o patrão da Associação Industrial Portuguesa, com a força toda que o PS de Sócrates lhe está a dar, não gaguejou ao afirmar que os médicos, os professores e todos os funcionários públicos deviam trabalhar mais e, se necessário, fazer horas extraordinárias de borla. É só assim, garantiu o homem, que se pode salva o país.
E porque não trabalhar de sol a sol, sem férias, sem direito a baixa, sem sábados e domingos? E de borla, totalmente de borla. As empresas davam umas roupitas e uma buchazita, maior ou menor, conforme a dimensão de cada família, e pronto! Afinal, não era assim que acontecia há séculos? Não era assim que, ainda em meados do século passado, a administração colonial portuguesa fazia em África?
O Passeio dos Pategos, disse eu, referindo-me ao cortejo pindérico e ridículo que Belmiro e Sócrates organizaram em Tróia. Enganei-me: o passeio dos pategos é Portugal inteiro: e lá andamos nós, de cá para lá, entre o pátio do PSD e o beco do PS. Ou vice-versa...

Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 14/09/2005

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