21/12/2005

Os carneirinhos do presépio

Diz o Banco de Portugal que a economia estagnou. Nos últimos três meses, a maioria dos portugueses só comprou o indispensável à sua sobrevivência. Desceu a procura, como se diz em linguagem de economista, e nem mesmo a época do Natal, com a respectivo subsídio a aconchegar os bolsos dos portugueses mais felizes (que não de todos), chega para disfarçar a crise. O país vai de mal a pior. Aparentemente, só o engenheiro Sócrates e Cia, banqueiros e outros senhores da alta finança estão optimistas. E felizes.

Outras notícias dizem-nos que o desemprego não pára de subir. Segundo os números oficiais, que só contabilizam os desempregados inscritos nos centros de emprego, e que também se esquecem daqueles que só trabalham meia dúzia de horas por semana, estamos quase no meio milhão. Destes, mais de 40 mil dizem respeito a licenciados, «só» cerca de mais 6 mil do que existiam há um ano. Já há quem pergunte se Sócrates prometeu mais 150 mil postos de trabalho, ou… dar cabo de 150 mil postos de trabalho.

Contudo, o senhor ministro do Trabalho e da Solidariedade, Vieira da Silva, reconheceu, do alto do seu alto e bem remunerado emprego de político profissional, que este «aumento do desemprego é um factor de preocupação, apesar de se tratar de um aumento moderado e já esperado». O ministro disse ainda que «é preciso procurar novos e mais investimentos para substituir os que têm encerrado e apelar a políticas de emprego que valorizem a qualificação das pessoas, de modo a que estas possam aceder ao mercado de trabalho». Isto é: o ministro não disse nada, que é como quem diz: disse zero. Achar normal o desemprego dos outros, é típico de quem tem o seu tacho sempre assegurado – ou na política, ou na administração de qualquer empresa que engorde à conta… da política.

Ou por outra: o ministro disse que o aumento do desemprego já era esperado, e isso já tem muito que se lhe diga. Se não estivermos com atenção, somos levados a crer que o desemprego é como o mau tempo, que os meteorologistas podem prever, mas não podem evitar. «Prevê-se para o dia de hoje um agravamento do estado do tempo, com vento a soprar de sudoeste com rajadas fortes, que podem atingir os 110 quilómetros, acompanhado de chuva intensa a partir da tarde». Adaptando esta terminologia ao seu discurso, o ministro até poderá dizer um dia destes: «Prevê-se para o próximo ano um agravamento da taxa de desemprego, que será acompanhado de baixos salários e de um aumento generalizado da inflação. Esta situação resulta de uma frente depressionária que atingiu o território nacional, e cuja duração é, neste momento, imprevisível. Pede-se à população afectada que reaja com calma às restrições necessárias, estando o governo naturalmente preocupado com a situação e a fazer todos os esforços para debelar os prejuízos resultantes desta intempérie social, a que, naturalmente, é alheio».

Pois… o desemprego e a crise são como a chuva: vêm quando Deus manda!

Ao mesmo tempo, multiplicam-se as iniciativas natalícias a favor das crianças mais desfavorecidas, e até o príncipe Aga Khan, líder dos ismaelitas, veio recentemente a Portugal para promover uns programas de combate à pobreza. Mas o que eu sei – e parece que mais ninguém nos órgãos de comunicação social sabe – é que acções de ajuda às crianças desprotegidas (como eles gostam agora de lhes chamar, mas que aqui há uns anos, no tempo do fascismo, eram englobadas na designação genérica de infância desvalida) e esmolazinhas e iniciativas de ajuda aos pobrezinhos desamparados, coitadinhos, foi coisa que sempre existiu neste país, salvo no período entre Abril de 1974 e Novembro de 1975, quando se entendeu que a solução não era a esmola, mas eliminar a pobreza e dar a cada português condições dignas de vida: emprego, salário, habitação, educação, coisas dessas… Ou seja: não dar o peixe, mas ensinar a pescar.

Ora, dizia eu que essas misericordiosas acções de ajuda aos pobrezinhos, que sempre vi as boas alminhas levarem à prática para descanso das suas consciências, nunca resolveram o problema da pobreza, porque se o tivessem resolvido, não era preciso, agora, em Dezembro de 2005, ir dar brinquedos, biscoitos e um pacotinho de sumo aos meninos e meninas dos bairros de lata, ou levar alguns à Disneylândia, nem era preciso distribuir arroz e feijão pelos deserdados desta democracia de faz-de-conta.

Dizia o dono do Circo Cardinalli, – e com uma certa razão e muita ironia – em resposta aos que afirmam ser uma crueldade e uma violência a utilização de animais nos números circenses, que achava estranho que se dissesse tal coisa, já que os seus tigres eram bem alimentados e devidamente tratados, coisa que não acontecia com mais de dois milhões de portugueses que vivem na miséria. Guardadas todas as distâncias, confesso que o argumento me fez sorrir, mas não sei o que pensará dele o senhor ministro do Trabalho e da Solidariedade. Pense o que pensar, só espero que não decida transformar o país num circo, para resolver os problemas da pobreza e do desemprego. De jaulas e de palhaços, de camelos e ursos estamos todos fartos – e não é só de agora.

Mas as coisas não vão melhorar, mesmo com os «choques tecnológicos», essa anedota que Sócrates inventou para nos fazer rir e desopilar a vesícula biliar. É que em 2006, o investimento público que o Governo se propõe fazer diminuirá, relativamente ao de 2005, em – 27,8%.

Para além disso, Portugal, é o país da União Europeia onde o nível de escolaridade da população é mais baixo (79,4% tem apenas o ensino básico ou menos; apenas 11,3% possui o secundário e somente 9,4% o ensino superior) e onde o abandono escolar prematuro é mais elevado (em 2004, atingia 39,4% em Portugal, quando a média em todos os países da União Europeia alcançava apenas 15,7%). No entanto, no Orçamento do Estado para 2006, o valor orçamentado para o «ensino básico e secundário» diminui em 0,5% e, para o ensino superior, desce em 2,5%.

Os transportes e os combustíveis, que aumentaram em cadeia este ano, vão conjuntamente com a electricidade, atacar de novo no início de 2006. Tudo subirá, em consequência. Continua a politica do transporte caro e poluente, assente na promoção do transporte rodoviário que foi iniciada pelo governo de Cavaco Silva, que investiu fundamentalmente nas infra-estruturas, ou seja, no "betão", em prejuízo do investimento nas pessoas, apesar de Guterres ter jurado que, consigo, as pessoas estariam primeiro. Com Guterres e, depois, com Durão e, agora, com Sócrates, Portugal segue uma politica radicalmente diferente, por exemplo, da Finlândia, que investiu fundamentalmente nas pessoas e na inovação, e que por isso apresenta elevadas taxas de crescimento económico.

Cá, em vez de se governar para as pessoas, como faria um governo de esquerda ou que, no mínimo, fosse inteligente, sensível e decente, o governo socialista insiste em governar à custa das pessoas, politica esta que vai continuar – e agravar-se – em 2006. A prová-lo, apenas um simples exemplo, que parece ridículo ou caricato, mas que pode ser comprovado por quem dê uma olhadela ao OGE para 2006. Num conjunto de 21 projectos que constam da lei deste OGE, no valor de 742 milhões de euros, 90% dizem respeito ao transporte rodoviário e apenas 5% ao transporte ferroviário. E bem pior! O Estado Português vai gastar no próximo ano mais com o Campeonato Mundial de Vela e com o Paris-Dakar (7.000.000 de euros) do que com o Metro de Lisboa (5,7 milhões de euros) onde os atrasos por "razões técnicas" são cada vez mais frequentes e onde a insuficiência do material circulante e da linha, que ainda não chega aos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa com maior concentração de uma população que todos os dias se têm de deslocar de uma forma pendular para o concelho de Lisboa, por razões de trabalho e de estudo, é cada vez mais notória.

Por isso, ao desejar-vos um Bom Natal e um Ano Novo próspero e feliz, tenho vontade de morder a língua. Nem o Natal dos portugueses vai ser bom, nem 2006 vai ser, sequer, melhor do que 2005. Eles não vão deixar.

E – o que é pior – nós vamos continuar a deixar… que eles não deixem. Continuamos, no presépio da vida, a fazer de mansos carneirinhos.

Que, de facto, somos.

Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 21/12/2005

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