19/03/2008

A MAGNA QUESTÃO DO PIERCING…

Já percebi: o problema não é a fome que alastra por esse país fora. O problema são os piercings na língua, na glande ou nos lábios vaginais. No umbigo, também não é coisa que se aceite num país culto, desenvolvido, democrático, de esquerda moderna e, forçosamente, socialista. Nem nas sobrancelhas, narinas, beiças ou mamilos.

Piercings, apenas nas orelhas, e só se o PS der uma autorização especial, após parecer favorável do notável deputado socialista Renato Sampaio, e devidamente aprovada em conselho de ministros, presidido pelo seu presidente, o senhor «engenheiro» José Sócrates Pinto de Sousa. Aliás, se forem cadeados, ferrolhos, maçaricos (mesmo que apagados), ou rodas de tractor que os interessados pretendam colocar nas bandas orelhudas, a aprovação está excluída à partida. Por compreensíveis razões de segurança.

Também percebi: o problema não são os doentes sem médico, os idosos sem dinheiro para medicamentos, nem os que se vão desta para melhor à espera da ambulância ou à porta dos hospitais. O problema reside nas tatuagens, que também não se enquadram bem na harmoniosa paisagem do nosso tecido social. Dão um aspecto de selvajaria àquilo que é um bonançoso quadro de bem-estar e segurança. É preciso que, com os portugueses de tanga – e é até ver – a sua pele possa mostrar a nomenclatura óssea, sinal que ainda não fomos devorados pela máquina fiscal e a política de contenção salarial. E onde há osso… há tutano.

Continuo a perceber: o problema não são os assaltos e os assassinatos diários, os tiroteios, os gangs que, sob a ameaça de arma de fogo limpam quase todos os dias, a horas certas, os cafés da zona do Cacém, Rio de Mouro ou arredores, nem o carjaking rotineiro que se pratica a qualquer hora e em qualquer local deste bendito país. O nosso grande e real problema, neste terceiro ano da graça do reinado do senhor «engenheiro» José Sócrates Pinto de Sousa, por vontade do povo e bênção divina investido nas mui dignas funções de presidente do conselho de ministros do que resta de Portugal, reside na aberrante exuberância com que alguns meninos e meninas de todas as idades se enfeitam nos seus sítios mais ou menos recônditos, seja com ferragens diversas e tilintantes, seja com a gravação de desvairadas pinturas nas suas superfícies dérmicas.

Percebo, então, sem margem para quaisquer dúvidas: o problema não é o desemprego, nem as casas devolutas, nem os salários baixos, nem o endividamento excessivo, nem uma economia em desaceleração acelerada (passe o paradoxo), nem a consequente recessão que aí está a bater à porta, nem o facto de continuarmos a ser o último e fedorento pelinho da cauda da Europa. O problema, meus amigos, está na rapaziada que não sabe o que há-de fazer ao corpo e resolve decorar-se com todo o tipo de artefactos, ou pintalgar-se de alto a baixo, consoante a alucinação do momento ou a sua respeitável perspectiva de beleza e funcionalidade.

O problema não está no incompreensível aumento do preço dos combustíveis, tanto mais que, devido à valorização do euro, não nos custa mais do que custava há anos atrás, nem no facto de milhões de portugueses, ao preencherem as suas declarações de IRS, terem verificado que, afinal ganharam, em 2007, praticamente o que ganharam em 2006, apesar do aumento do custo de vida ter dado saltos que fariam chocalhar todas os piercings pendurados em línguas, escrotos, pénis, pencas, reentrâncias vaginais, redondezas umbigais, ou orelhudas badanas.

Morra, então, o piercing, causa de todos os males que Portugal suporta, o primeiro – e único – dos nossos problemas. Seja, então, a bem da nação que o nariz de alguns portugueses não pareça o focinho dos porcos quando se usava colocar-se-lhes um arganel. Deixemos que os alunos passem sem saber, para que as estatísticas dêem de Portugal a imagem de um país de sucesso. Mas não deixemos que se furem ou se pintem, em nome dos nossos bons e brandos costumes e, principalmente, da estética oficial.

Percebo, finalmente, que Portugal está a entrar no bom caminho. Até a droga já pode circular livremente nas prisões, para o que o Estado, magnânimo, oferece o material necessário a tão saudável prática. Droguem-se, pois, mas sem piercings, sem tatuagens, sem marcas. Marcas, apenas as da seringa. Aliás, o senhor deputado socialista não se lembrou – mas lembro-lhe eu – que seria enquadrável nas suas iluminadas perspectivas reduzir a pena dos reclusos (ou aumentar-lhes a dose de droga diária) que aceitassem livrar-se dos malditos e funestos piercings ou lixar as respectivas tatuagens.

Pronto! Rendo-me! O PS, finalmente, convenceu-me!

Quero lá saber dos problemas da Justiça, se é uma para os pobres, e outra para os abusadores de crianças, sejam elas da Casa Pia, da Madeira ou do Parque Eduardo VII.

Quero lá saber da corrupção, seja ela a do futebol e do seu Apito Dourado, seja a das grandes obras públicas ou particulares, meta ou não abate de sobreiros e violação grosseira de áreas protegidas.

Quero lá saber se a Operação Furacão acaba com um ar que lhe der, e se quanto às habilidades no BCP se provar que não foram praticadas por ninguém.

Quero lá saber, então, se nenhuma figura importante é condenada, e que a justiça seja algo que funciona apenas contra o Zé-Ninguém.

Quero lá saber se a Universidade Independente vendia diplomas a pronto e a prestações, e se o homem é «engenheiro», «doutor» ou «arquitecto», e se o outro também se formou à pressão, para ficar mais bonito no retrato de administrador da CGD.

Quero lá saber se compram aviões, submarinos, helicópteros e carros de combate para combater mosquitos ou, na melhor das hipóteses, para fazer o frete aos norte-americanos, e quem ganha com isso – e quanto.

Quero lá saber se as obras derrapam sempre e não servem para nada.

Quero lá saber dos desempregados, da sopa dos pobres, dos casais que ficaram sem casa, dos pobres que se mostram e dos pobres que se escondem.

Quero lá saber do polícia que foi baleado por um assaltante, se o que é importante é o assaltante que foi baleado pelo polícia.

Quero lá saber se o país é um ninho de corruptos e se fazem leis à medida, para que ninguém se chamusque.

Quero lá saber se os políticos fazem leis que lhes permitem ganhar muito e reformarem-se cedo, enquanto fazem outras que nos obrigam a ganharmos pouco e a reformar-nos tarde e com pensões sempre mais baixas.

Quero lá saber se a Educação e a Saúde são, cada vez mais, grandes negócios para o sector privado, à medida em que o governo vai destruindo a escola pública e arrasando o Serviço Nacional de Saúde.

Quero lá saber se os portugueses nascem e morrem em ambulâncias, na berma da estrada, ou no diabo que os carregue, pois não passam de meros números, peças, utensílios, ferramentas, que só devem funcionar para encher os cofres do Estado e das grandes empresas privadas.

O que eu quero saber, de facto, é que existem deputados socialistas que se preocupam com o grande, trágico e transcendente problema dos piercings e das tatuagens, facto que a história da democracia registará como a mais brilhante e decisiva iniciativa política que, de uma vez por todas – e de um dia para o outro – levará Portugal do último e sebento pelo da cauda da Europa, até à pontinha do focinho da dita cuja.

Abaixo o piercing!

Viva o PS e o higiénico «socialista» Renato Sampaio!

Esquerda Moderna, sim! Piercings nas coisas (ou nos coisos)… nunca mais!


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 19/03/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Modificações corporais também devem de ter uma lei e ser controladas para o bom funcionamentos dos estabelecimentos e cuidados com os clientes.

28/2/13 2:45 da manhã  

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