22/11/2006

CRÓNICA DE UMA FOME ANUNCIADA

O ano de 2007 vai ser, para milhões de portugueses, pior do que o de 2006. É isso – e não outra coisa qualquer – que o OGE para o ano que vem provocará. Nesta crónica, eu vou tentar explicar algumas coisas que parece não terem sido ainda percebidas por muitos portugueses. E provarei – julgo eu – que, em 2007, devido ao OGE que o PS aprovou na AR, vai acontecer o seguinte:

- Os portugueses vão pagar mais impostos, sejam eles trabalhadores no activo, reformados ou deficientes;

- Os cuidados na área da Saúde vão piorar;

- A Educação vai degradar-se ainda mais;

- A Segurança Social vai ser menos e pior;

- Os problemas da Habitação vão agravar-se;

- Os portugueses vão ter piores serviços públicos – e mais caros;

- O acesso à Cultura será, cada vez mais, um privilégio dos ricos;

- O poder de compra de milhões de famílias cairá drasticamente;

- Milhares de portugueses deixarão de poder honrar os seus compromissos, entre eles o pagamento das amortizações dos empréstimos para a compra de habitação.

Mas, antes disso, os habituais parabéns. E os primeiros parabéns desta semana vão, mais uma vez, para os EUA. Há oito dias, denunciámos aqui a institucionalização da prática da tortura pelas autoridades norte-americanas. Dissemos que, a partir de agora, qualquer cidadão que caia nas mãos dos esbirros da CIA, FBI ou de outro dos muitos serviços secretos que os EUA possuem, pode ser torturado e levado a confessar tudo o que dê jeito. Também dissemos que, com base nesse testemunho, outros cidadãos podem ser detidos e, até, condenados à morte. Nada de novo, afinal, a não ser reconhecer-se – e dar-se cobertura – em letra legal, a uma velha prática imperial.

Também já aqui disse, há tempos, que no país que gosta de ser tratado pelo pai e a mãe da democracia e da liberdade, andavam a acontecer coisas muito estranhas. Por exemplo: as bibliotecas serem obrigadas a informar o FBI da identidade de quem ler determinados livros. Agora, tive acesso a um vídeo que mostra um estudante da Universidade da Califórnia a ser alvejado pela polícia com uma pistola Taser, de electro-choques, no recinto da biblioteca. A agressão verificou-se em 14 de Novembro e os disparos com Taser continuaram várias vezes, mesmo depois de o estudante ter sido imobilizado. A cena de violência dura vários minutos. O seu crime? Não apresentou o cartão de identificação ao deixar a biblioteca. Quem quiser «deliciar-se» com este brutal e exuberante exemplo de «democracia» e «liberdade», faça o favor de consultar o site http://youtube.com/watch?v=W3CdNgoC0cE, ou vá a www.resistir.info e procure, na coluna da esquerda, o texto intitulado «No país das amplas liberdades», no site que referi anteriormente.

Depois, não menos merecidos parabéns para o nosso cliente do costume, José Sócrates, já que o abandono escolar, que constitui um dos problemas mais graves que enfrenta o País (ao contribuir para a perpetuação do baixo nível de escolaridade – mesmo em idades mais jovens – estando ainda associado a um baixo nível de qualificação profissional, para o qual, aliás, é determinante), continua a não ter solução. Que rica notícia, não é verdade?

De facto, no terceiro trimestre de 2006, segundo dados constantes da «Estatísticas de Emprego» do INE, dos 5.187.300 que tinham um emprego, ou seja, 71,3% de toda a população empregada, tinha apenas o ensino básico ou menos. A associação destes dois factores – baixa escolaridade e baixa qualificação profissional – constitui uma das causas estruturais mais importantes do atraso do País e da grave crise económica e social em que nos encontramos mergulhados.

Agora, dados publicados pelo Eurostat, referentes já a 2006, revelam que o abandono escolar se agravou com o governo do PS. Entre 1996 e 2006, portanto nos últimos 10 anos, o abandono escolar praticamente não diminuiu em Portugal, pois passou de 40,1% para 40%, enquanto a média comunitária desceu de 21,6% para 17%. Mas ainda mais grave é que o abandono escolar, entre 2005 e 2006, aumentou em Portugal pois passou de 38,6% para 40%, enquanto a média comunitária continuou a descer. Confrontada na AR com esta evolução, a ministra da Educação desvalorizou-a, o que mostra a forma como este governo trata a educação.

Apanhado na curva, veio a alma gémea de Sócrates, o ministro Pedro da Silva Pereira, arranjar à pressa uns milhões para ajudar alguns milhares de crianças «desfavorecidas». É a esmola do costume. É a habitual ajuda à pobreza, em vez de medidas políticas sérias e humanas que acabem, de uma vez por todas, com a pobreza. Ao invés disso, aí está o OGE para 2007 com tudo o que é preciso para continuar a fazer mais pobres.

Passemos, então, já para a questão de fundo de hoje, ou seja, o OGE para 2007, inspirador do título desta crónica, um quase plágio de um dos mais célebres livros de García Márquez. Diz Sócrates que este OGE será já um OGE de recuperação, de equilíbrio financeiro e de justiça social. Digo eu, que não será nada disso, mas será, principalmente, um OGE de fome e estrangulamento das classes menos protegidas e, também, de uma classe média cada menos média e cada vez mais próxima das que «habitam» os patamares mais baixos da pirâmide social. Os portugueses irão viver pior em 2007.

O que Sócrates não disse, porque é mentiroso ou ignorante – mas que qualquer economista sério lhe diria – é que o ridículo crescimento que referiu, como sendo a grande boa-nova, está, por um lado, a determinar que Portugal continue a se afastar cada vez mais da União Europeia e, por outro lado, que ele está associado a um conjunto de situações que não garantem um crescimento económico sustentado e elevado. E o que é que lhe diria um economista sério? Isto:

1 - O aumento das exportações, de que Sócrates tanto fala, verificou-se com uma degradação dos preços e dos termos de troca, como consta da pág. 75 do próprio Relatório do OE 2005. Isto é: estamos a vender mal;

2 - A taxa de crescimento do PIB potencial é, actualmente, em Portugal, inferior a 2%, o que torna no futuro praticamente impossível qualquer crescimento sustentado elevado. Ou seja: é a falências das políticas económicas e sociais tão de agrado do Governo;

3 - A experiência portuguesa mostra que não é possível uma redução sustentada da taxa de desemprego enquanto o PIB não crescer a uma taxa superior a 2%, o que ainda não sucede – e nem se prevê que venha a acontecer em breve, dada a política de obsessão no défice;

4 - Os problemas estruturais do nosso País – grave desigualdade na repartição da riqueza e rendimento, baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional, insuficiente investimento, nomeadamente de qualidade, etc. – e que são as causas da crise actual continuam por resolver, vão agravar-se com este orçamento. Ou seja: ele insiste no rumo que conduziu ao ponto onde estamos;

5 - O fraco crescimento económico verificado no segundo trimestre de 2006 (apenas 0,9%) foi conseguido, não através do aumento da produtividade (que até diminuiu – 0,5%), mas por meio da utilização de mais trabalhadores, pois a quebra do investimento em cerca de – 7% contribuiu para que se verificasse uma quebra na produtividade.

Mas, muito convicto (por mentir bem, ou por ser muito ignorante na matéria) o primeiro-ministro afirmou que o «seu» orçamento é amigo do crescimento económico e vai estimular esse crescimento. No entanto, a análise do OE 2007, mesmo por um leigo como eu, mostra precisamente o contrário. Em consequência, como já disse, vêm aí carências de toda a ordem, com muita fome pelo meio.

De facto, Sócrates – sem se rir – garantiu na AR que o «seu» orçamento era um orçamento com preocupações sociais e que defendia a coesão social. Ora o que acontece é que, pela primeira vez em muitos anos, neste aborto que o governo socialista pariu, o peso das despesas com as funções sociais na despesa total do Estado descerá 1,7%, pois, entre 2006 e 2007, passará de 61,7% para 60%, bastando olhar a página 106 do respectivo Relatório. Esta diminuição significa uma redução de 780 milhões de euros na Educação, Saúde, Segurança Social, Habitação e Cultura. Em vez de manter ou aumentar, acompanhando, pelo menos a inflação, reduz!

Logo – e tal como eu disse no início – vamos ter pior Educação, pior Saúde, menos e pior Segurança Social, e as políticas de habitação e culturais piorarão em relação ao que já temos. A menos que Sócrates e o seu truculento ministro das finanças tenham descoberto como fazer uma omoleta maior com menos ovos…

A juntar a isto, verifica-se também uma redução, relativamente a 2006, de 446 milhões de euros nas «remunerações certas e permanentes» de 11 ministérios (no ministério da Educação e redução é de 355,5 milhões de euros), e a diminuição de 120 milhões nas despesas de funcionamento das Universidades e Institutos Politécnicos o que, a concretizar-se, determinará ou o despedimento de dezenas de milhares de trabalhadores da Administração Pública ou a colocação de mais de 100.000 no quadro dos «supranumerários», agora chamado «situação de mobilidade especial», com vencimentos reduzidos, o que contribuirá para agravar a qualidade e a quantidade dos serviços públicos prestados à população.

Depois, com base numa taxa de inflação fictícia de 2,1% – ainda mais mentirosa que o primeiro-ministro – os escalões de IRS e os abatimentos que beneficiam os trabalhadores vão ser actualizados apenas naquela percentagem, o que vai determinar que em 2007, para salários reais idênticos aos de 2006, os trabalhadores terão de pagar mais IRS. Igualmente, o abatimento específico que beneficia os reformados sofrerá uma nova redução agora de – 18,7%, pois passará de 7.500 euros para 6.100 euros, o que determinará que todos os que recebam pensões superiores a 435 euros terão de pagar mais IRS em 2007 (em 2006, foram as pensões superiores a 536 euros que sofreram um aumento da carga fiscal). O mesmo sucede com milhares de deficientes, que verão a carga fiscal aumentar mais em 2007, como consequência da revogação de todas as normas fiscais que reduziam o rendimento sujeito a IRS, ou seja, de todos os benefícios fiscais que tinham, e a sua substituição por uma norma que permite apenas reduzir o corresponde até três salários mínimos no imposto que têm de pagar. Os trabalhadores com recibo verde, mesmo que não tenham aumento de rendimento, vão sofrer um aumento de IRS, pois o rendimento sujeito a imposto passará de 65% para 70%, o que significa um aumento da carga fiscal em 7,7%

Relativamente à luta contra a pobreza, se se analisar o Orçamento da Segurança Social (página 124 do Relatório do OE 2007) conclui-se que, em 2007, para pagar subsídios de desemprego existe apenas mais 2,7% do que em 2006, quando o crescimento das despesas com subsidio de desemprego foi, em 2006, de 6,1%; em 2007, ter-se-á mais 1,1% para pagar o Rendimento Social de Inserção quando, em 2006, esta despesa cresceu em 16,2%; finalmente, o aumento em 2007, relativamente ao ano anterior, da despesa com a Acção Social é de apenas de 2,2%, quando em 2006 esta despesa cresceu em 18,1%.

Ora, meus amigos, aquilo que eu aqui disse não resultou de ter acordado hoje mal disposto e disposto a desancar um governo do qual não gosto. Se é verdade que não gosto dele, a maior verdade é que todos os números que aqui deixei foram retirados do próprio OGE para 2007, da sua comparação com o OGE de 2006, ou retirados de documentos do INE e do Eurostat. Fontes mais insuspeitas, meus amigos, não sei onde encontrá-las.

E no dia 1 de Janeiro, para entrarmos bem o ano, aí estarão os aumentos da electricidade, das portagens e dos transportes públicos – e todos eles acima da inflação. Entretanto, continuará a subida das taxas de juro (que sobem mais para os empréstimos do que para os depósitos), e continuarão jovens casais e ver as suas casas penhoradas, enquanto as empresas manterão o ritmo de encerramento, mandando para o desemprego – e para o desespero – famílias inteiras.

Parafraseando um velho anúncio de há uns anos atrás, não resisto a perguntar:

- Foi você que pediu um governo do Partido Socialista?


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/11/2006.
(Não deixe de ouvir e participar todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00, em 98.7 Mhz)

1997, 2007 © Guia do Seixal

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