10/09/2008

DEIXO A ESCOLHA AO DIABO

No dia 2 de Agosto, centenas de milhares de cidadãos dos EUA manifestaram-se contra a ameaça de agressão ao Irão e contra as guerras em curso no Iraque e no Afeganistão. As manifestações decorreram em Nova York, Cleveland, Detroit, Buffalo e 87 outras cidades dos EUA. A comunicação social portuguesa, sempre atenta a um espirro de Bush, a uma sentença de Condoleezza Rice, ou às campanhas eleitorais norte-americanas, como se de coisa nossa se tratasse, nem um pio soltou sobre o assunto. Calou. Escondeu.

No momento em que o governo da Geórgia lançava o seu ataque à Ossétia do Sul, criando um novo foco de conflito mundial, o padrinho do golpe, George W. Bush, apresentava-se em público completamente embriagado, e isto em plenas Olimpíadas de Pequim. As fotografias publicadas em Gawker.com e difundidas em numerosos sítios da Internet, são reveladoras em si mesmo e dispensam comentários. Os órgãos de comunicação social portugueses, sempre à cata de escândalos e peripécias do género, ignoraram completamente a questão. Calaram. Esconderam.

Manuela Ferreira Leite quebrou um longo silêncio e disse de sua justiça sobre a governação socialista, perante um escasso número de convivas. Jerónimo de Sousa, no comício de encerramento da Festa do Avante também teceu as suas críticas ao governo, fazendo-o perante muitos milhares de visitantes que, durante três dias, participaram no maior evento político e cultural que se realiza no nosso país. No dia seguinte, quem olhasse para as primeiras páginas dos nossos principais jornais diários, não seria por elas que saberia que tinha havido a Festa do Avante, embora soubesse que Ferreira Leite tinha dito algumas coisas. Sabia, isso sim, que algumas avionetas tinham realizado umas acrobacias entre o Porto e Gaia e que, afinal, a fotografia de um tubarão a querer abocanhar um homem pendurado num helicóptero, não passava, afinal, de uma montagem.

O que significa tudo isto? Que, em Portugal, não existe liberdade de imprensa? Que a Censura voltou às redacções? Se não voltou, porque se ignoram factos e acontecimentos que, sejam quais forem os critérios jornalísticos adoptados, não podem, pela sua amplitude e importância nacional e internacional serem, pura e simplesmente ignorados?

Centenas de milhares de norte-americanos a manifestarem-se contra a guerra não é notícia? Mas a algazarra de alguns monges budistas, soprados oportunamente pelos norte-americanos e europeus, a reclamarem a independência do Tibet, nas vésperas dos Jogos de Pequim, já mereceram rios de tinta e milhares de horas de tempo de antena. Porquê?

Fotografias do presidente da maior potência mundial, a cair de bêbado, não merecem primeira página? Mas não é esse o mesmo homem que, se lhe der na veneta, pode mandar bombardear e invadir meio mundo? Ieltsin era um alcoólico. Bush é o quê? E se em vez de Bush, tivesse sido Hugo Chávez ou Evo Morales, teriam os nossos órgãos de comunicação social ignorado o facto? Ou teria havido pano para mangas?

A Festa do Avante não é, objectivamente, em termos políticos, sociais e culturais, um acontecimento maior e mais importante do que as piruetas de umas avionetas? O discurso de Jerónimo de Sousa é menos importante do que o discurso de Manuela Ferreira Leite?

Todas estas perguntas têm uma resposta óbvia: a liberdade de imprensa é uma treta. A censura existe, embora não tenha existência legal. Já não há o lápis azul do censor, mas há a tinta invisível, subentendida, do director ou do chefe de redacção, o «vê lá se sabes o que te convém», e o que te convém é o que convém ao dono do jornal ou do grupo editorial (que por mero acaso está ligado a um grande grupo económico), é o que convém ao governo português e, em última análise, é o que convém ao governo dos EUA.

Todas estas perguntas exigem uma outra, para resumir: vivemos, de facto, em democracia? Se a democracia pressupõe uma informação livre e isenta, então, não vivemos em democracia.

Lembram-se da independência do Kosovo? Era boa, porque no Kosovo, vivia uma maioria de albaneses. E a independência da Ossétia e da Abecássia não são boas, porquê? Os seus residentes não são maioritariamente russos? Então? Porque é que para uns é assim e, para outros, é assado? Por outras palavras: porque é que todos temos de dançar ao som da música que toca um país governado por um bêbado imbecil?

A tanta pergunta só há uma resposta, uma explicação: os meios de comunicação social estão ao serviço do poder económico, e não passam de instrumentos para perpetuar uma situação de submissão de milhões de pessoas aos interesses do grande capital nacional ou multinacional. Sob uma aparente capa de isenção e pluralismo, limitam-se a condicionar ideologicamente as populações, garantindo que, no essencial, nada mude.

O jogo dito «democrático» reduz-se, assim, em quase todo o mundo, à luta entre dois partidos siameses, ambos servidores fiéis do poder económico, ao qual é indiferente que vença um ou outro. Ambos o servem com igual fervor e eficácia. As eleições são uma farsa, especialmente porque se instila nas populações a ideia de que a disputa é entre os «bons» e os «maus», sendo os bons o que defendem as coisas como estão, enquanto os maus são os que defendem a mudança, outras políticas.

E que políticas são essas? São políticas terríveis, populistas, subversivas, insensatas, destabilizadoras da economia, pois visam acabar com a fome e o desemprego, em vez de agravarem uma e outro. Políticas que respeitam os interesses nacionais, em vez de protegerem os interesses privados dos donos dos meios de produção. Políticas que garantem trabalho, saúde, educação e habitação a todos os portugueses, em vez da política baseada na lei da selva e do regateio, vulgarmente chamada «economia de mercado».

Políticas que ponham fim à miséria, à violência, à injustiça, à corrupção e ao festim indecoroso que enche a pança a ministros, deputados, gestores e presidentes de tudo e mais alguma coisa, altos comissários disto e daquilo e do que ainda se há-de inventar para que nenhum focinho fique de fora da gamela enorme que é o Orçamento Geral do Estado. Políticas que toquem nos altos interesses instalados, meus senhores, não são democráticas e, em última análise, quem as defenda ou pratique, bem pode, um dia destes, ir malhar com os ossos à prisão de Guantánamo ou, mais civilizadamente, ao Tribunal Penal Internacional de Haia.

Entretanto, Sócrates, que só podia ser primeiro-ministro em Portugal, em certos países de África ou em certas repúblicas sul-americanas, eriça os pelos da venta sempre que é criticado e, na sua voz da falsete, garante que ninguém governaria melhor do que ele. Porém, os resultados estão à vista.

Baste saber procurar na Internet para ficarmos a saber que Portugal cresceu apenas metade do que a média da Zona Euro, no segundo trimestre de 2008. A economia nacional tem mesmo o quarto crescimento mais fraco de toda a União Europeia. Em consequência, os portugueses estão cada vez mais pobres face aos parceiros europeus.

Portugal está na cauda da Europa em termos de crescimento económico e continua a divergir da média. No segundo trimestre de 2008, o crescimento da economia nacional foi metade da média da Zona Euro e menos de metade da média da União Europeia, comparando os dados com o segundo trimestre de 2007.

Pois… é a crise internacional, dizem os papagaios socialistas e outras aves canoras pagas a peso de ouro para palrar as suas sentenças inapeláveis. Mas que raio de crise internacional é esta, que só lhe dá para malhar no bom e manso povo português?

Democracia, em Portugal? Só se for para o senhor Amorim, para o engenheiro Belmiro, para essa pérola da mais requintada inteligência e singular cultura, de seu nome Jo Berardo, e todo o escol de insignes banqueiros e demais magnatas, incluindo os perfumados funâmbulos dos offshores, que sugam hoje Portugal e os portugueses com tanta furia e tanto descaramento, que nunca tal antes se viu, nem nos velhos tempos de Salazar e Caetano.

E a tal ponto as coisas chegaram, que já há quem diga que Sócrates ficará para a história como o homem que conseguiu transformar Salazar num santo.

Cá para mim – e por enquanto – entre um e outro, deixo a escolha ao diabo. Mas é só para não me chamarem nomes feios…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/09/2008.
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