04/09/2008

OS “POBRES DE SÓCRATES” E OS GNUS

As minhas primeiras palavras vão ser de agradecimento para os muitos amigos que, em mais uma hora terrível da minha vida, quiseram acompanhar-me e deixar-me uma palavra e um gesto de reconforto. Foram atitudes sentidas de quem, por ser genuinamente solidário e amigo, quis estar comigo e com a minha família sem outro intuito que não fosse o de nos reconfortar e dar ânimo. Para eles, vai o meu comovido obrigado. Alguns deles, sabendo do sucedido pela nossa Rádio Baía (a quem agradeço emocionado), deslocaram-se de bastante longe para nos dar esse abraço sincero – e só não cito aqui os seus nomes porque sei que não esperam (nem querem) qualquer tipo de destaque. Basta que lhes diga – a todos – quão reconhecido estou por essa prova de sincera amizade, e que guardarei no coração cada um deles.

Porém, ao lado dos muitos amigos sinceros, também apareceram alguns hipócritas e oportunistas, as várias espécies de necrófagos e os seus sabujos que, sem o mínimo de pudor ou respeito, vieram aproveitar-se do sofrimento alheio para se mostrar à população e impingirem uma imagem de solidariedade e pesar que estavam bem longe de sentir. Compreende-se: é preciso ganhar votos seja à custa do que for. A esses abutres – e como lhes disse cara-a-cara no próprio momento – apenas posso responder com a minha repulsa e o meu profundo desprezo. E garantir-lhes que não tenho memória curta.

Mas a vida continua – e aquilo que não nos mata acaba por nos fortalecer. Vamos, por isso, retomar as nossas Provocações, tocando dois assuntos que estão na berra – e profundamente interligados: pobreza e insegurança:

Começo pelos chamados «Pobres de Sócrates», assim designados porque as políticas do «engenheiro» remendão que, em nome do Partido Socialista, vai destruindo o país, estão a produzir carenciados a um ritmo alucinante. Um dos indicadores, mostra-nos que os beneficiários do Rendimento Social de Inserção, destinado a quem tem graves carências económicas, aumentaram em mais de 400% em quatro anos. São já 334 mil as pessoas que recebem esta prestação social. Estes números respeitam ao final do primeiro semestre deste ano, e mostram de que forma a pobreza está a aumentar em Portugal. Não é novidade, mas convém não calar o facto, sob pena de sermos cúmplices neste crime.

O número, disponível nas estatísticas do site do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, ainda não parou de aumentar desde o início de 2008, subindo alguns milhares de mês para mês. No final de 2007, eram 311.731, ou seja, apenas nos primeiros seis meses deste ano, houve um acréscimo de 23 mil pessoas.

Eugénio da Fonseca, presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade, afirmou há dias: «Muitos dos nossos pobres trabalham e isso só revela que temos níveis salariais muito baixos, que não são compatíveis com as exigências que a vida coloca, mesmo ao nível das necessidades mais básicas, para subsistir com o mínimo de condições».

De facto, o perfil tradicional dos pobres em Portugal sofreu grandes alterações nos últimos tempos, facto que, por sua vez, a responsável do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, confirma, baseando-se nos indicadores e nos pedidos que recebe das instituições privadas de solidariedade social e, até, das misericórdias.

«Tradicionalmente, os dois grandes grupos de pobres em Portugal eram os idosos e os desempregados, mas ultimamente, sobretudo de há três anos para cá (exactamente o período correspondente ao consulado socretino, saliento eu), sabemos que surgiu um novo grupo a que chamamos os novos pobres». Segundo Isabel Jonet, estes «novos pobres» são pessoas que «têm um emprego, até têm salário fixo ao final do mês, mas cujo rendimento não chega para cobrir as despesas e, muitas das vezes, até procuram um segundo emprego, não declarado, e que mesmo assim não conseguem fazer face ao custo de vida».

«São pessoas que se não se atrasavam a pagar as suas despesas fixas, como as mensalidades da casa, água, luz, gás, electricidade ou, até, as creches dos filhos e que agora se atrasam sistematicamente, porque o dinheiro não lhes chega», refere.

Nesta categoria de «novos pobres» (os «Pobres de Sócrates», portanto), Isabel Jonet inclui ainda casos de «trabalhadores a recibos verdes, outros trabalhadores afectados pela precariedade do emprego, pessoas que contraíram créditos bancários sem capacidade para os saldar, crianças, jovens, que são outra camada muito vulnerável da população, e muitos realojados que também não têm condições mínimas de vida».

O risco de fome em Portugal, face à crise alimentar mundial, também foi a base de um alerta da Comissão Permanente da Cáritas Portuguesa, ao mesmo tempo que defendeu a necessidade de o Governo preparar programas de apoio a carenciados.

O que diz o Governo a tudo isto? Que a economia está a reagir muito bem, que o défice está sob controlo, que o desemprego está a diminuir, que as políticas do governo estão a ter um grande sucesso. Fome em Portugal? Nada que a caridadezinha não resolva.

Aqui chegados, reparamos, também, que o país está a caminho de se transformar numa enorme favela, onde miséria e violência dão as mãos numa dança macabra. É claro que nem todos os pobres se transformam em criminosos, mas também é verdade que a deterioração do clima social e a bagunça em que se transformou a nossa vida política – ou, melhor dizendo: o sistema político – dando cada vez mais aos ricos e tirando cada vez mais aos pobres, muito contribui para a lei da selva que parece estar a instalar-se a grande velocidade.

A recente revisão do Código de Processo Penal, extremamente benevolente e, até, encorajadora para os criminosos, que nunca sentiram as costas tão quentes, está a dar os seus envenenados frutos. Matar para roubar ou para ajustar contas, já é coisa do quotidiano. Só num dia – e só na região da grande Lisboa – foram assaltados três bancos, duas bombas de gasolina e uma farmácia. O “carjacking” já é uma coisa banal. A profissão de ourives é, agora, uma profissão de alto risco – e longe vão os tempos em que andavam com a malinha com o ouro, percorrendo vilas e aldeias, em cima de uma vulgar bicicleta, anunciando o seu mister de comprar e vender o precioso metal.

Criminosos apanhados em assaltos com armas de fogo, em Leiria, são, por força do malfadado Código de Processo Penal socialista, libertados pelo Juiz com termo de identidade e residência, para serem apanhados, logo no dia seguinte, a assaltar uma estação de serviço em Setúbal. Um gatunozeco fugido à justiça, que já ensinava ao filho, de treze anos, como ganhar a vida no gamanço, é constituído arguido e sai com a medida de coação mais leve, enquanto o guarda que, ao tentar deter os criminosos, abriu fogo e alvejou mortalmente o menor, é também constituído arguido e aplica-se igual medida de coação.

Idosos são espancados até à morte, para lhes roubarem meia dúzia de euros.

Bandos de vadios assaltam passageiros em comboios e autocarros. Há restaurantes saqueados em plena hora de almoço. Carrinhas de valores são interceptadas e abertas à força de explosivos. Assaltos a bancos e estações de serviço, a residências e a cidadãos em plena via pública, são coisas que já quase não merecem tempo de antena. Na verdade, já ninguém se espanta quando ouve dizer que a papelaria da esquina ou o café do largo foram assaltados em plena luz do dia.

Face a isto, os responsáveis governamentais dizem que Portugal ainda é um país seguro, que lá fora é que é um caso sério, que este é o preço a pagar pela liberdade, e outras baboseiras e idiotices.

A verdade, porém, é esta. Hoje, em Portugal, seja pelas políticas sociais e laborais do Partido Socialista, seja pela sua criminosa visão das questões da Justiça e da segurança, a vida dos portugueses não vale um chavo.

Por isso, meus amigos, dou razão a um colega meu que, há dias, me dizia. «Até uma manada de gnus, aqueles mamíferos estranhos e aparentemente estúpidos que vagueiam pelas savanas africanas, tem mais consciência da sua força e dos seus interesses do que nós, portugueses. Nós, nem de manada temos o sentido. Se queres que te diga o que somos, olha: SOMOS PASTO!».

Tem toda a razão o meu colega. Somos pasto. Isto é: comem-nos e ainda nos defecam em cima.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/09/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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