09/07/2008

O CONSELHEIRO ACÁCIO, OU CONDE DE ABRANHOS?

Começo por recordar duas personagens célebres da obra de Eça de Queiroz.

O primeiro, é o Conselheiro Acácio. Personagem do romance O Primo Basílio, é o indivíduo hipócrita, arrogante e enfatuado, ridículo e convencido. É o símbolo do convencionalismo e da respeitabilidade burguesa. Representa o constitucionalismo e o formalismo oficial.

Natural de Lisboa, ex-director geral, fora nomeado conselheiro por carta régia. Os seus gestos eram sempre medidos. Crítico severo e autor. Não tinha família e habitava o 3.º andar da Rua do Ferragial. Vivia amantizado com uma criada.

Ocupava-se da economia política e era cavaleiro da Ordem de Santiago.

Fisicamente, era alto, magro, de rosto comprido, afilado e calvo, vestia-se habitualmente de preto, "com o pescoço entalado num colarinho direito".

O segundo, é o Conde de Abranhos. De seu nome completo Alípio Severo de Noronha Abranhos, é natural de Penafiel e nascido a 25 de Dezembro de 1826. Personagem central da obra, é o símbolo do político imbecil, hipócrita, oportunista e inculto. É filho de um alfaiate. Os Abranhos provêm de Amarante, "aliados, pelas mulheres, à ilustre casa de Noronha".

Ao que vem isto? Já veremos. Por agora, falemos de coisas actuais.

O consumo do pão baixou 20%, enquanto a aquisição de carros de luxo subiu 40%. Ou seja: enquanto a maioria da população já corta no pãozinho para a boca, a tal minoria endinheirada – e, em cada dia que passa, um pouco mais endinheirada – rebola-se no esplendor de uma crise que a engorda sem parança. Já temos dado aqui vários exemplos destes, e prometemos continuar a dá-los, para que uns acordem, outros se mordam de raiva e os mais lúcidos e honrados ganhem novas forças para resistir na sua luta contra a ditadura disfarçada em que vivemos.

A propósito disto, recordo que, na semana passada, um ouvinte de direita manifestou o seu incómodo por eu ter voltado a referir as nebulosas e nada edificantes manobras de Sócrates para se armar em engenheiro. Notoriamente, tal cavalheiro não gosta que o seu ídolo de momento seja desnudado e visto à luz da sua nauseabunda realidade. Gostaria que nos calássemos e esquecêssemos o triste e revelador episódio. Naturalmente que, se pudesse, impediria, pela via censória, que a tal coisa nos referíssemos, por ser desgastante para a imagem de um político que, como consequência das suas práticas governativas, leva a que a fome alastre e haja cada vez mais portugueses a cortarem nos bens essenciais – como o pão – enquanto uns poucos devoram, literalmente, carros sumptuosos e condomínios de luxo.

Longe de me incomodar – pelo contrário – tal intervenção só veio comprovar que pus o dedo na ferida. Ali mesmo, onde lhes dói. Fossem as nossas Provocações uma tolice rematada, um ramalhete de mentiras e dislates, e não se daria sua excelência ao incómodo de sair em defesa do tal «engenheiro» e das suas políticas assassinas. Sem querer – mas porque a isso se vê obrigado – este aspirante a Conselheiro Acácio mostra, através das suas incautas aparições, a face sinistra daqueles que defendem uma sociedade desequilibrada e injusta, onde milhões de seres humanos, pretensamente acéfalos e inconscientes, devem subordinar-se à liderança de uma elite bem pensante que, afinal, mais não faz que acumular riqueza à conta do suor e do sangue alheios.

Nada de novo, afinal. Era assim nos tempos que Eça tão bem caracterizou. Era assim nos tempos de Salazar e Marcelo. É assim nos tempos de Sócrates. Conselheiros Acácios (ou, se calhar, meros Condes de Abranhos) – ou a isso aspirantes – afinal, é o que por aí mais há.

Seja como for, nada mais útil ao nosso programa e às nossas crónicas do que estas investidas periódicas do tal ouvinte, dado que mostram a face cínica, hedionda e desumana da direita mais troglodita onde, como se prova, Sócrates encaixa na perfeição.

Mas nem só de intervenções em directo vivemos nós, pois a minha caixa de e-mails abarrota de contributos, críticas e sugestões de ouvintes e leitores destas Provocações, de que é exemplo o texto que passo a ler:

«Será que os portugueses continuarão a demitir-se das suas responsabilidades de intervenção, deixando os políticos fazer o que querem? O país assiste a "roubos institucionalizados e legalizados" por parte de algumas empresas públicas que praticam "taxas e preços especulativos, muito acima do livre jogo da oferta e da procura de mercado". ... "não há sequer um sistema de Justiça, que ponha cobro e saiba moralizar esta situação porque o sistema público está organizado, não em função das pessoas, mas dos interesses das empresas".
(Marinho Pinto - Bastonário da Ordem dos Advogados)

As empresas e entidades que foram proibidas de cobrar o aluguer de contadores, arranjaram logo uma nova taxa, pelo que a medida não beneficiou ninguém.

Está em curso a ideia de imputar aos consumidores de energia eléctrica os incobráveis (imagina-se que assim será muito mais fácil receber, sem qualquer julgamento do critério subjacente às dívidas). A ser assim, o princípio tornar-se-ia válido para todas as empresas, do merceeiro da esquina aos grandes hipermercados, que deixariam de tentar resolver os calotes, passando logo a factura aos consumidores cumpridores. Que grande negócio!

Com a redução do IVA num ponto percentual, a manobra não é menos desavergonhada. A mesma bilha de gás, comprada antes e depois da baixa do IVA, custa precisamente o mesmo, ficando, no caso em apreço, o 1% para a Galp. E o governo mudo e quedo.

Nos combustíveis ninguém se lembra de perguntar:

- Como é possível calarmo-nos perante o argumento falacioso de que a redução da taxa do ISP seria uma redução de impostos, quando o que se passa é que, perante a subida dos combustíveis, manter a taxa do IVA permite uma fabulosa arrecadação de receitas? Será que os portugueses estão a dormir?

- Como é possível aceitar que os preços de venda dos combustíveis não tenham qualquer controlo? Afinal, quem está a lucrar com a especulação que provoca a subida de preços? ».

A esta dúvida, postas por um ouvinte, responde o economista Eugénio Rosa:

«Nas últimas semanas, o presidente da GALP desdobrou-se em declarações aos media, procurando branquear o comportamento das petrolíferas aos olhos dos portugueses. "Não gosto que nos chamem ladrões", afirmou ele ao Expresso. Mas como já tinha acontecido com a AdC e com o governo, fugiu aos principais problemas e não esclareceu os portugueses sobre as causas internas que estão a contribuir também para o aumento dos preços dos combustíveis em Portugal. A sua preocupação foi justificar as petrolíferas que continuaram a escalada de preços.

Assim, não explicou aos portugueses por que razão os preços sem impostos dos combustíveis em Portugal continuam a ser superiores aos preços médios sem impostos da União Europeia. Por exemplo: em relação ao gasóleo, e relativamente à Alemanha, Áustria, Finlândia, França, Irlanda, Inglaterra e Suécia, o preço do gasóleo sem impostos, em Portugal, era superior ao de qualquer um destes sete países entre 2% (França) e 21,1% (Irlanda), sendo superior ao preço sem impostos da Finlândia e Inglaterra em mais de 7%.

O presidente da GALP também não explicou porque razão, apesar do petróleo utilizado na refinação dos combustíveis ser o adquirido 2 a 2,5 meses antes, portanto a um preço mais baixo, na fixação do preço à saída do combustível das refinarias, as petrolíferas não consideram esse preço, mas sim o preço do barril de petróleo registado uma semana antes, embolsando desta forma lucros elevadíssimos à custa dos consumidores portugueses. De acordo com dados da própria Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, entre 28/12/2007 e 27/06/2008, o preço da gasolina em Portugal aumentou 11,8%; o gasóleo rodoviário subiu 21,1%, e o preço do gasóleo para aquecimento cresceu 30,7%, mas o preço do petróleo, entre Dezembro de 2007 e Abril de 2008, subiu, em euros, apenas 9,1%, portanto, muito menos que a subida verificada nos combustíveis em Portugal (menos de metade da subida do gasóleo).

Esta diferença de preços dá origem a um lucro extraordinário elevadíssimo, a que as petrolíferas, para ocultar, designam pelo eufemismo "efeito stock". E só no período 2004 a 2007, de acordo com as próprias contas da GALP, esta empresa obteve um lucro extraordinário de 1.029 milhões de euros devido ao "efeito stock", ou seja, o lucro que resulta do facto de se verificar no mercado internacional de petróleo uma grande especulação de que as petrolíferas se aproveitam para vender aos portugueses os combustíveis mais caros, embolsando, desta forma, elevadíssimos lucros. E, no 1º trimestre de 2008, o lucro extraordinário da GALP, resultante do "efeito stock", disparou para 69 milhões de euros, mais 228,6% do que idêntico período de 2007, o que somados aos acumulados no período 2004-2007, dá 1.098 milhões de euros».

Não sei o que o Conselheiro Acácio – ou será Conde de Abranhos? – terá a dizer a isto, mas, certamente, achará que assim mesmo é que é.

O mais engraçado, meus amigos, será quando o povo abrir os olhos.

E cerrar os punhos.


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/07/2008.
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