07/05/2008

A SERRA LEOA DA EUROPA

Não sendo possível identificar, em termos absolutos, qual o país mais pobre do mundo, tem-se como certo que a Serra Leoa é um deles. Também o podem ser o Lesoto, o Sudão ou o Bangladesh, enfim, pobreza é o que mais há. Se formos a ver bem, até nos países ditos ricos, e onde se apregoam aos quatro ventos a prática e a defesa dos direitos humanos, existem pessoas na mais absoluta miséria e onde, literalmente, se morre à fome ou por falta de assistência médica. Ainda há pouco tempo estavam identificados, só nos EUA, mais de quarenta milhões de pessoas a viver abaixo do limite oficial de pobreza, ou seja, na miséria absoluta. É obra. Quarenta milhões de pessoas são quatro vezes a população de Portugal.

Não sei o que faz Bush para combater esta situação, entretido que anda a pilhar e a matar o que pode por esse mundo fora, mas penso que as grandes preocupações da administração norte-americana não vão, seguramente, para as suas misérias internas, facto que ficou bem claro e evidente quando o furacão Katrina assolou Nova Orleães. De resto, basta vermos, distraidamente, qualquer filme ou série made in USA, para percebermos como vivem franjas enormes da população norte-americana e – o que é mais chocante – para percebermos como a miséria absoluta, no país mais poderoso do mundo, é algo de absolutamente corriqueiro e banal. Faz parte do sistema. Do cenário.

Mas já estou a divagar, porque não é sobre as misérias alheias que pretendo falar, mas sobre as internas – as nossas, as dos portugueses – que são muitas. Talvez alguns ouvintes – ou leitores – achem excessivo chamar a Portugal a Serra Leoa da Europa. Confesso que não pretendo utilizar o exagero como ferramenta ideológica. Porém, como tudo é relativo, havendo dúvidas sobre se a Serra Leoa é – ou não – o país mais pobre de África e do mundo, não as haverá sobre se Portugal é, realmente, o país mais pobre, injusto e desigual da Europa. Dizem-no os dados oficiais. E que, se doutra maneira fosse governado, certamente o não seria.

Pior: Portugal não só é o país mais pobre, injusto e desigual da Europa, como é aquele onde, todos os dias, essa pobreza, essa injustiça e essa desigualdade aumentam e se acentuam. E se eu sou um crítico do capitalismo e das suas aberrações e defeitos congénitos, dos quais a sua natureza desumana, predadora e violenta é a principal característica, não posso deixar de reconhecer que países capitalistas onde, apesar de tudo – e, principalmente, devido à consciência cívica dos seus povos – existem algumas preocupações sociais.

Em Portugal, principalmente devido à nossa natureza conformista e abúlica, onde laivos acentuados de falta de ética e dessa tal consciência cívica são a nota dominante (acabamos por aceitar a imoralidade e a injustiça como coisas normais, pois acreditamos – e concedemos – que, no meio dessa devassidão, quem tiver olho é rei) os sobas no poder estão como peixe na água.

Assim, a pobreza e a miséria são, por cá, a coisa mais natural do mundo. O enriquecimento à custa dessa mesma pobreza, ou conseguido vertiginosamente por métodos inconfessáveis, não só é coisa aceitável, como algo que, sem rebuço, quase ninguém desdenharia de conseguir. Padrões de exigência e valores morais são coisas dos tolos e para tolos. Quem se amanha, por caminhos mais ou menos ínvios, é que tem mérito. São os espertos, aqueles que sabem subir na vida. Os que servem de exemplo. E assim se explica que Portugal se afunde, pois os governantes sentem-se à vontade para perseguir os seus desígnios mais secretos – e os seus desígnios mais secretos não passam, afinal, de cumprir as regras do jogo impostas e desejadas pelo poder económico, tanto mais sôfrego e imoral quanto, por sua vez, mais imoral e conformista for o povo. E é este o nosso verdadeiro e triste fado.

E assim sendo, arrastamo-nos na cauda da cauda da Europa (sim, já somos a cauda da própria cauda, ou o seu último, insignificante e abjecto pelo), de tal modo que cinco milhões de compatriotas nossos são forçados a viver fora do país.

Dir-me-ão que sempre fomos um país de emigrantes. Respondo eu que começámos a sê-lo – e em força – durante os anos da ditadura. Era o que nos restava: fugir, desandar, procurar noutros horizontes a côdea de pão e a brisa de liberdade que aqui nos faltava. E assim voltou a ser agora, com o fenómeno emigratório a subir 52,3% nos últimos anos, especialmente desde o consulado de António Guterres, fenómeno que a facção socialista agora no poder, comandada por um descabelado egocêntrico chamado José Sócrates Pinto de Sousa, tratou de fazer acentuar.

Mas voltemos à fome, cuja existência não pode ser um simples fait divers, algo que preenche os noticiários, como se dum surto de gripe se tratasse. Um responsável da Caritas disse, num desses noticiários, que a fome já está a afectar, de forma surda, uma importante franja da classe média. E é verdade. A fome alastra neste país entregue ao «engenheiro» e ao seu séquito socialista (salvo seja…) como mancha de óleo em pano fino.

E se alguém duvida, basta que atente no que sucedeu este fim-de-semana, onde a mediática operação de mendicidade pública realizada pelo Banco Alimentar Contra a Fome, mais do que resolver qualquer problema social (e, muito menos, a fome), serviu bem para mostrar como ela, a fome, existe e se espalha incontrolavelmente em Portugal. As toneladas de alimentos que, num clima de felicidade foram recolhidas, não podem ser a grande notícia. A grande notícia – escandalosa, tristíssima, revoltante e vergonhosa – é que milhões de pessoas, em Portugal, precisam destas iniciativas. E que estas toneladas de alimento não acabam com o fome nem com a miséria reinantes – e em ascensão permanente. Dizendo doutro modo: não podemos encarar a fome como um fenómeno natural e aceitável, nem podemos acreditar que a esmola seja uma solução ou, sequer, um paliativo. Porque não é.

Mas, em Portugal, a fome existe. E ela própria é, na sua escandalosa realidade, a mais esclarecedora e inegável condenação das políticas que sofremos. E quando, após mais de dois anos de governação, um governo não conseguiu reduzir o número de esfomeados existentes, mas antes os viu aumentar, como é inegável e evidente – e se governar para todos fosse o seu desígnio – só lhe restaria, como única saída, a imediata demissão. Mas, como sabemos, nunca foi – e muito menos é agora – para os mais desfavorecidos que o PS governa.

E porque a fome continua, apesar das mediáticas operações de mendicidade, que aliviam mais as costas dos governantes do que a barriga dos esfomeados, eu digo e repito:

Sim. Somos a Serra Leoa da Europa.

E, pelo que vejo, merecemos sê-lo…


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/05/2008.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E enquanto a mediática operação de mendicidade pública se realizava, estava o senhor “engenheiro” e seu séquito de lambe botas a fazer uma ridícula apresentação de lançamento do concurso público para a construção e exploração privada de um novo hospital no Algarve, palhaçada que custou ao país cerca de 50.000 euros de custos directos em croquetes e afins.

Quantos pacotes de massa ou arroz se podem comprar com 50.000 euros ?

Mais umas quantas verdades no teu desabafo, que como sempre, pleno de actualidade e lucidez.

Um abraço

Celino

7/5/08 9:37 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

1997, 2007 © Guia do Seixal

Visões do Seixal Blog Directório Informações Quem Somos Índice