31/08/2005

Só à bordoada !

Há uns tempos atrás, o filho de um amigo meu, com poucos anos de idade, caiu no recreio do colégio, fracturando o baço. Levado para o Hospital do Barreiro, foi ali operado, tendo-lhe sido retirado aquele importante órgão. No dia a seguir, que coincidiu com o fim-de-semana, a família foi avisada para, no espaço de, salvo erro, 24 horas, ministrar ao garoto determinado medicamento, tipo vacina, necessário para que a ausência do baço não viesse a provocar, mais tarde, problemas graves na sua saúde.

Primeira surpresa: o hospital não dispunha desse medicamento;

Segunda surpresa: o medicamento não estava à venda nas farmácias.

Terceira surpresa: em nenhum lado deste abençoado país a família conseguiu obter o medicamento, apesar de todos os esforços desenvolvidos.

Foi então que alguém sugeriu ao meu amigo que tentasse falar para um hospital em Espanha, onde talvez lhe resolvessem o problema. Dito e feito. Telefonema para um hospital de Badajoz, onde lhe responderam que teria o medicamento à disposição mal chegasse. Viagem até Badajoz, chegada ao hospital onde, na recepção já estava o medicamento devidamente acondicionado, acompanhado com o desejo de rápido restabelecimento. «Quanto se deve?», perguntou o meu amigo.

Quarta surpresa: «Nada. É gratuito», responderam-lhe.

Lembrei-me deste caso, porque, precisamente ontem, chegou ao meu conhecimento um episódio igualmente triste e revoltante. Ouçam bem:

Um português, residente em Almada, acordou no dia 16 de Abril deste ano e deu consigo com um problema assustador no olho direito. Pareceu-lhe grave, pelo que se deslocou ao Hospital Garcia de Orta, em Almada.
Diagnóstico: descolamento de retina, situação que, como se sabe, só é reversível através de intervenção cirúrgica.

Segundo a opinião do oftalmologista que o atendeu, a situação era muito grave, portanto, urgente. A cegueira poderia ser a consequência de qualquer atraso. Mas a lista de espera é muito grande, diz-lhe: talvez seis meses a um ano. O nosso amigo fica abismado, pois uma situação assim deveria requerer intervenção imediata. Qual a saída, então, sugerida pelo médico? A existência de um bom especialista em Setúbal, que ele próprio conhecia.

E lá vai este português à consulta do referido especialista, que lhe confirma o diagnóstico: tem de ser operado. E acrescenta: «Eu levo 3.000 euros por operar, mais 3.000 para a clínica e assistentes». Total: 6.000 euros (1.200 contos). O nosso amigo, que pela consulta já desembolsara 60 euros (12 continhos) por achar o orçamento brutal, aconselhado, resolve marcar consulta para uma clínica em Badajoz. Devido à urgência do caso, marcam-lha para o dia seguinte. É atendido meia hora depois de ter chegado. Confirmam-lhe o diagnóstico. O especialista diz não haver tempo a perder, não tem datas livres, por isso vai ter de adiar operações menos urgentes para poder encaixar a do cidadão português. Volta passados 10 minutos, com a data da operação: «Amanhã às 17 horas». «E quanto custa?», pergunta o nosso concidadão. «São 1.200 euros» (240 contos). Deve acrescentar-se que o custo da consulta foi de apenas 35 euros. E que a operação foi um êxito! Mais: nos 30 dias seguintes – e sempre que se deslocou à clínica para os tratamentos suplementares – não pagou mais nada!

Podíamos ficar por aqui, que já bastava para nos mordermos todos de raiva e de vergonha. Mas, embalado por estes exemplos e por notícias recentes sobre a ida de portugueses a Espanha para pouparem dinheiro, vou continuar, na esperança que alguns ouvintes, eventualmente muito contentinhos porque o partido deles está no governo, abram os olhos e tentem perceber que os partidos existem para servir as pessoas, e não são as pessoas que existem para servir os partidos.

Há dois anos, um casal meu amigo, ambos funcionários públicos, por sinal afectos a um partido que esteve no governo até há pouco tempo, conseguiram a transferência para o Algarve. Despacharam a casa que tinham no Barreiro, compraram residência em Espanha, na Ilha Cristina, e todos os dias vêm trabalhar do lado de cá. Estão os dois felicíssimos: mais qualidade de vida, mais poder de compra, mais tranquilidade, mais segurança, mais futuro. «Olha, João, foi a melhor decisão da nossa vida», garantem-me.

As coisas estão de tal maneira, que até os nossos emigrantes, na sua habitual visita de férias, já sabem que devem abastecer-se em Espanha antes de entrar em Portugal, se quiserem poupar uma mão cheia de euros. Por outro lado, são cada vez mais os portugueses a viajar até Espanha para fazerem as suas compras, que até de Évora já compensa a deslocação ao país vizinho. As bilhas de gás, muitas delas produzidas em Leça da Palmeira, são quase cinco euros (mil escudos) mais baratas. Da gasolina, então, não se fala, significando, em média, uma poupança de 50 escudos por litro (o que em cêntimos – 25 – não parece tanto).

Mas o pão, o leite, a carne, o peixe, enfim, todos os géneros de primeira necessidade, incluindo, como é natural, os produtos de higiene diária, custam todos eles significativamente menos do que em Portugal, onde os ordenados são, como todos sabemos, incomparavelmente mais baixos.

Por tudo isto, todos os dias há portugueses que também procuram Espanha para trabalhar e viver, cansados que estão do fartar vilanagem que caracteriza o poder político e o poder económico em Portugal. E não são só os trabalhadores que demandam Espanha. Soube há dias que um certo empresário de Campo Maior, farto de esperar, meses e meses a fio, que lhe deferissem, na câmara municipal, a documentação necessária à construção de uma unidade industrial, resolveu atravessar a fronteira e fazer em Espanha o que lhe estava a ser estupidamente travado em Portugal. Em 15 dias, talvez nem tanto, veio a luz verde necessária à concretização do projecto.

Se me perguntarem porque é que as coisas são assim, porque razão não conseguimos passar da cepa torta, e porque, no fundo, sendo tão semelhantes aos espanhóis, estamos, afinal, tão atrás deles em todas as áreas que servem para definir níveis de desenvolvimento e progresso, eu confesso que não tenho as respostas todas. Mas tenho duas que julgo responderem à maior parte das questões.

A primeira, é que a Espanha, apesar de ser uma monarquia, é mais republicana do que Portugal, que continua a viver num putrefacto regime feudal. Não temos rei, nem rainha, nem casa real, mas somos dominados por meia dúzia de reizinhos, bastardos nascidos de uma barregã que abriu as pernas a El Rei Dinheiro e logo os entregou aos cuidados da ama-seca mais corrupta do mundo, também conhecida por classe política.

A segunda, é que os políticos, em Espanha, sabem que não podem governar os espanhóis com o desprezo e o despudor que os políticos portugueses usam, como regra e princípio, para nos governarem. Se os espanhóis fossem tratados como um bando de atrasados mentais, como uma carneirada indolente e amorfa, que a tudo se sujeita servilmente, há muito que teriam queimado vivo quem a tanto se atrevesse.

Mas nós somos de brandos costumes, como dizia o velho de Santa Comba. Dêem-nos um telemóvel, mesmo que ao dia 15 já não haja dinheiro para o carregar, e já pensamos que somos felizes e modernos. Dêem-nos um computador para vermos pornografia na Internet, e já não pensamos na prestação que se vence no dia seguinte e não há dinheiro para a pagar. Dêem-nos crédito para pagarmos o crédito atrasado, e já respiramos fundo.

E eles a governarem-se e a produzirem leis para legalizar o governanço!

Então, o que fazer? Na opinião de Sampaio, é aumentar a auto-estima e encarar os sacrifícios necessários com um sorriso nos lábios.

Na minha opinião, assim só dá mais do mesmo. Cá por mim, só com uma grande vassoura, que também pode ser um belo pau de marmeleiro. Bordoada nas costas desta malandragem toda. E, já agora, pô-los todos a trabalhar, que é coisa que a maioria deles nunca fez na vida.

Crónica de João Carlos Pereira - Lida aos microfones da Rádio Baía em 31/08/2005

1 Comments:

Blogger x said...

Caro João Carlos
Li ontem num jornal diário que, segundo revelam dados do Banco Mundial, se não fosse o nível de corrupção que existe em Portugal, poderíamos ter o mesmo nível de desenvolvimento que a Finlândia.
De acordo com o estudo “Dez mitos sobre a governação e corrupção”, se não existisse corrupção no nosso país, o rendimento por pessoa passaria a ser três vezes maior.
Palavras para quê, se não há maior cego do que aquele que não quer ver ?

CV

2/9/05 4:46 da tarde  

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