13/06/2007

BUZINAR, É PRECISO!

Uma professora portuguesa, chamada Manuela Estanqueiro, foi praticamente obrigada a dar aulas até cair para o lado. Morta. Sofria de leucemia há cerca de um ano, mas a ADSE, na sua desvairada ânsia de levar à letra as orientações governamentais, recusou a sua aposentação. Uma aposentação que lhe servisse de lenitivo para o seu sofrimento e amenizasse os últimos dias de vida.

A isto chegámos! O episódio de Manuela Estanqueiro nada mais é do que o reflexo da brutalidade das políticas em curso. Da sua natureza de classe. Da sua indizível desumanidade. A vida humana, para Sócrates e restantes acólitos – os que o acompanham no governo e os milhares de boys e girls colocados, a granel, por toda a máquina administrativa do aparelho do Estado – dizia eu que a vida humana, para Sócrates e seus acólitos, foi reduzida à sua expressão mais simples, ou seja, não passa de um mero detalhe ao serviço da redução do défice.

Inebriada pela miragem de deter o poder absoluto, a chusma socialista pensa e age ao mesmo nível da máquina repressiva e opressora dos tempos da ditadura. Os incontáveis boys e girls esfalfam-se e atropelam-se na sua sofreguidão de mostrar ao «chefe» que merecem o jobezinho. Apuram-se no exercício do seu santo ofício, para que o senhor «engenheiro» saiba que perceberam como ele quer que o país funcione. Conheci gente desta – sem tirar nem pôr – antes do 25 de Abril. Era feita da mesma massa a maioria dos chefes de repartição, dos directores-gerais, dos responsáveis disto e daquilo, gente da máxima confiança do regime, sem esquecer esse sinistro exército transversal de bufos, informadores e pides.

Também hoje estas verrugas sociais estão espalhadas por todo o lado. Na DERN, por exemplo (denunciando e perseguindo colegas que não são da cor), na ADSE, no movimento sindical (furando lutas), nas autarquias, nas escolas, nos centros de saúde, em todas as repartições públicas, enfim.

Mas há uma coisa contra a qual eles não podem lutar. É que hoje, como então, esta gentalha já vive à margem da gente comum. É olhada com desconfiança e desprezo. Calamo-nos – ou mudamos de conversa – se por acaso algum deles se junta ao grupo. Já não são parte da comunidade, mas algo a ela estranho e, bem pior do que isso, algo que lhe é nocivo. Numa palavra: repugnam.

Enquanto isto, o governo afadiga-se em novos ataques aos portugueses. E afunda-se em trapalhadas capazes da fazer o bom do Santana Lopes corar de inveja. Agora, prepara caminho para que as despesas de saúde deixem de ser abatidas no IRS. No caso da Ota, depois das ridículas afirmações do paleolítico cavalheiro que parece mandar nas obras públicas (aeroporto na Margem Sul, jamais, disse ele), afinal, Alcochete passa a ser uma possibilidade. Veremos é se não passa tudo de uma montagem para português ver. Seja como for, este recuo deve ter doído a Sócrates e a Lino como aguarrás em cu de mula.

Por falar em Margem Sul, convém que aqui se diga que estamos vivos e somos gente. Aliás, estamo-nos até nas tintas para o facto de Lino, O Paleolítico, não querer pedir desculpas por aquilo que disse. Aliás, não seria só o senhor ministro a dever-nos desculpas e explicações. Há muitos anos que sucessivos governos olham para esta Outra Banda – e tratam esta Outra Banda – como se aqui habitassem seres menores, portugueses de segunda – ou terceira – categoria.

Os Governos não investem na Península de Setúbal – ou investem pouco e mal. Grandes empresas [Lisnave, Setenave, Sorefame, Siderurgia (ainda não será hoje que falo do seu desmantelamento e morte), Parry & Son, Mundet, Wicander, Alcoa, etc, etc] foram friamente assassinadas ou reduzidas a quase nada, com o aval ou a passividade de sucessivos governantes. O desemprego e o emprego precário atingem as mais elevadas taxas do país. Aos milhares, somos forçados a procurar trabalho noutros lados, especialmente na Margem Norte.

Na Arrábida, ex-libris do nosso turismo – uma das meia belas paisagens do mundo, ninho e viveiro de espécies únicas da fauna e da flora mundiais – o Governo permite que a cimenteira e as pedreiras vão cumprindo o seu sinistro trabalho de corrosão e ruína. Até a co-incineração ameaça envenenar para sempre a Serra-Mãe. Na Costa de Caparica, o mar galga a terra e vai destruindo o que resta de um magnífico areal.

Se precisamos de ir à capital do país, seja para trabalhar, estudar, consultar um médico ou, simplesmente, numa mera acção de cultura ou lazer, pagamos aquilo que mais ninguém paga em Portugal: uma portagem que é, na prática, um imposto territorial, exclusivo da Margem Sul, porque, contrariamente ao que acontece em todo o país, aqui não temos alternativas gratuitas. Atente-se nisto:

- Ninguém paga para atravessar o Douro

- Ninguém paga para atravessar o Mondego

- Ninguém paga para atravessar o Túnel da Gardunha

- Ninguém paga para atravessar o Guadiana e ir passear a Espanha

- Quem entra em Lisboa vindo de Este, do Oeste ou do Norte de Lisboa tem vias alternativas gratuitas, como acontece em todo o lado onde há portagens.

E da MARGEM SUL? Aqui, ou pagamos… ou pagamos.

Será por sermos menos portugueses? Parece que sim. Então, é chegada a altura de voltarmos a mostrar a nossa indignação, de exigir sermos tratados, também em termos de acessibilidades, como os cidadãos do resto do país.

Uma das maneiras de o fazermos será, por exemplo, aderirmos ao Buzinão que está previsto para sexta-feira, dia 15, nas portagens da Ponte 25 de Abril, à hora do costume, ou seja, a partir das 7:30.

Ao fazê-lo estaremos a dizer NÃO à discriminação política e social a que temos estado sujeitos. E, também a dizer NÃO ao imposto territorial, exclusivo da Margem Sul, mais conhecido por portagem.

Buzinar é preciso!

E gritar, reclamar, lutar, resistir. Na Ponte e em toda a parte. Sem medo, sem hesitações, sem cerimónias.

Antes que nos façam a todos aquilo que fizeram àquela portuguesa que foi obrigada a trabalhar até morrer.


Crónica de: João Carlos Pereira
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/06/2007.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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