09/08/2007

REFLEXÕES XXI

A CONSTÂNCIA ESCRITA

No mundo acontecem factos muito importantes. Alguns relacionados com Cuba. Ao nosso país chegam às vezes notícias ainda mais interessantes que uma simples reflexão minha que tem o propósito de criar consciência.

A entrevista de Gerardo Hernández Nordelo, um dos nossos Cinco Heróis, com a BBC, divulgada ontem pela televisão, impactou-me muitíssimo, pelo seu grande conteúdo humano, intensidade, brilho, algo que só pode surgir de uma mente que tem sofrido nove anos de injusta tortura psíquica. Por favor, rogamos que a Mesa Redonda continue informando a respeito do histórico processo relacionado com o destino dos heróicos compatriotas.

No Brasil, entretanto, a imprensa continua à procura de notícias e informando sobre as atividades realizadas pelos pugilistas depois que, violando o rigor das normas, ausentaram-se do lugar onde se alojava delegação cubana.

Um cabograma da EFE datado no Rio de Janeiro em 3 de agosto, informa:

“Após serem surpreendidos na quinta-feira num balneário ao norte do litoral do Rio de Janeiro, onde passaram vários dias acompanhados por um empresário cubano e outro alemão, assim como por três prostitutas, os pugilistas foram levados na madrugada de hoje para um hotel, onde ficaram sob custódia de agentes da Polícia Federal”.

“Rigondeaux e Lara foram presos na quinta-feira no balneário de Araruama por agentes da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Nas suas declarações perante a Polícia Federal, os dois pugilistas disseram que, arrependidos, desejam voltar para Cuba, e que supostamente foram vítimas de um golpe, para o qual foram dopados pelos empresários antes de serem levados da Vila Pan-americana. Os atletas recusaram a ajuda dos advogados que se apresentaram na sede da Polícia Federal insistindo em representá-los”.

“Os dois cubanos, contudo, foram vistos em diferentes balneários no litoral norte do Rio de Janeiro em total liberdade e desfrutando das comodidades de hospedarias, festas com abundantes bebidas alcoólicas e mulheres. Segundo os donos de hospedarias no balneário de Saquarema consultados por O Globo, os dois pugilistas, junto com os empresários cubano e alemão, passaram vários dias nessa cidade antes de viajar a Araruama acompanhados por três prostitutas contratadas no Rio de Janeiro. ‘Eles são boas pessoas, trataram-nos como se fôssemos as suas namoradas e até disseram que vão ter saudade de nós’, disse uma das mulheres, que admitiu em declarações a O Globo ter recebido perto de 100 dólares diários”.

São detalhes desagradáveis, mas essenciais e não posso usar termos diferentes aos incluídos pela agência noticiosa no seu cabograma. Imagino que os próprios pugilistas informaram sobre isto os familiares adultos mais próximos.

Ontem, segunda-feira 6, outro cabograma da mesma agência afirmava:

“A polícia brasileira disse que confia na versão dos pugilistas cubanos deportados para o seu país depois de terem desaparecidos durante os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro no sentido de que foram dopados e enganados por dois empresários que queriam levá-los para a Alemanha”.

“’Confiamos naquilo que eles nos disseram e consideramos a sua versão factível e provável’, declarou hoje à EFE o comissário da Polícia Federal, Felício Latera, responsável pela investigação”.

“’A Polícia Federal brasileira não investiga a suposta deserção dos dois cubanos, investiga os empresários que tentaram levá-los’, asseverou o comissário”.

Com essa mesma data e no mesmo cabograma a agência EFE informou:

“Numa entrevista a um jornal brasileiro, o empresário alemão Ahmet Öner, promotor de quatro pugilistas cubanos que já se encontram na Alemanha, admitiu que organizou a fuga de Rigondeaux e de Lara, pela qual segundo disse, pagou perto de meio milhão de dólares”.

Pelo nosso lado, não duvidamos, que a Polícia Federal acreditou no arrependimento dos dois atletas. A missão dessa instituição era fazer os trâmites com o consulado cubano da documentação que lhe solicitavam às pressas os pugilistas e explicar o que tinha acontecido com eles após 12 dias de ausência.

Para a imensa maioria do nosso povo o essencial é conhecer qual o comportamento moral dos atletas que com tanto sacrifício os educa e forma.

Sou da opinião que a maior responsabilidade corresponde a Erislandy Lara, que era o capitão da Equipa de Boxe, que apesar disso não cumpre as normas e vai parar directamente nas mãos dos mercenários. Ele tem 24 anos e é estudante universitário de Educação Física e Dsportos. Os dois pugilistas ignoram a influência nas suas condutas das estreitas relações de amizade que tinham com os três pugilistas que foram subornados na Venezuela, embora certamente desconhecessem a indiscreta verborreia com a qual o dono da empresa mafiosa falaria após eles não se terem apresentado na pesagem.

Os dois atletas mostraram resistência para conversar com a imprensa. Um jornalista do Granma, Miguel Hernández, ficou no aeroporto à sua espera e falou com eles sobre o tema. Ficou depois decepcionado com as respostas quando tentou escrever um artigo convincente da sinceridade dos pugilistas.

Julita Osendi, repórter de televisão e com muita informação sobre os Jogos Pan-americanos do Rio, solicitou visitá-los e esforçou-se para conseguir persuadi-los de que conversassem com toda sinceridade. Foram mais abertos e contaram-lhe alguns detalhes adicionais sobre sua insólita aventura, mas o resultado final foi o mesmo.

Pedi ao companheiro Fernández, Vice-ministro do Conselho de Ministros que atende entre outros organismos o Instituto Nacional de Desportos e Recriação (INDER), que me enviasse a transcrição da entrevista de Osendi com Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux. Não era suficiente a imagem, desejava analisar cada pergunta e cada resposta. O escrito ocupa duas vezes o espaço desta reflexão.

Pedirei ao jornal Granma que a publique na página desportiva ou noutro espaço qualquer, para deixar constância escrita da conversa.

Muitos países pobres não têm problemas com o profissionalismo, mas neles também numerosas pessoas morrem antecipadamente ou sofrem doenças que os invalidam por falta de exercícios. Essa tragédia também padecem os países ricos desenvolvidos por insuficiências no seu corrupto sistema e pelo espírito mercantilista dos seus serviços médicos.

O atleta que abandona a sua delegação é como um soldado que abandona os seus companheiros no meio do combate. Cuba possui muito bons desportistas, porém não os roubou a ninguém. O povo desfruta, além disso, dos seus maravilhosos desempenhos. Já faz parte da sua cultura, do seu bem-estar e da sua riqueza espiritual.

A Revolução cumpriu a sua palavra. Prometeu oferecer aos atletas um trato humano, reuni-los imediatamente com os seus familiares, facilitar-lhes o acesso à imprensa se o desejarem, e oferecer-lhes um emprego decoroso de acordo com os seus conhecimentos.

Preocupamo-nos igualmente pela sua saúde, exactamente igual como o fazemos com todos os cidadãos.

Era indispensável, por elementar justiça, escutá-los e conhecer qual o grau de arrependimento que alegavam quando se viram envolvidos em tão doloroso episódio.

Pomos à disposição do nosso povo os elementos de juízo que pudemos reunir. Já eles desejam ir embora juntamente com os seus familiares. Chegaram ao ponto em que deixarão de fazer parte da delegação cubana nesse desporto.

Nós, pelo contrário, devemos continuar a luta. Chegou o momento de fazer a lista de pugilistas cubanos que participarão das Olimpíadas de Beijing, com quase um ano de antecipação. Primeiro devem viajar aos Estados Unidos para participar no Campeonato Mundial, um dos três eventos classificatórios para os Jogos Olímpicos. Imaginem os tubarões da máfia procurando carne fresca.

Algo devemos advertir: não estamos ansiosos de fazer entregas ao domicílio. Cuba não sacrificará um ápice da sua honra nem das suas ideias por medalhas de ouro olímpicas; prevalecerão por cima de tudo a moral e o patriotismo dos seus atletas. Sabemos que no boxe o tamanho do ringue e das luvas foi modificado para afectar o nosso país, até conseguir que o boxe profissional seja também incluído nas Olimpíadas.

As autoridades desportivas examinam todas as variantes possíveis, incluindo mudar a lista de boxeadores ou não enviar delegação nenhuma, apesar dos castigos que nos imponham. Estudam igualmente estratégias e tácticas a seguir.

Manteremos a nossa política de princípios, embora o mundo se insira cada vez mais no profissionalismo, e como nos tempos de Kid Chocolate, um verdadeiro génio, não exista uma medalha para o desporto sadio e só seja concebido um desporto que ponha preço ao arremesso de bolas que não podem ser rebatidas, aos home-uns, à acção de receber e dar socos sem proteção alguma. Jamais voltaremos a uma época como aquela.

O desporto sadio é incompatível com o consumismo e o esbanjamento que são a base da actual e irreversível crise económica e social do mundo globalizado.


Fidel Castro Ruz
7 de Agosto de 2007

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